Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 147/2020-T
Data da decisão: 2020-10-13  IRS  
Valor do pedido: € 415.767,82
Tema: IRS – Mais-valias. Cessão de quinhão hereditário. Art. 10.º, n.º 1 do CIRS – Inutilidade superveniente da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), A. Sérgio de Matos e André Festas da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n.º..., doravante “Requerentes”, residentes na Rua ..., ..., ..., Porto, ...-... Porto, vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Constitui pretensão dos Requerentes a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), datada de 13 de novembro 2019, referente ao ano 2015, da qual resultou o valor a pagar de € 415.767,82, incluindo juros compensatórios no montante de € 50.323.88, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 26 de dezembro de 2019.

 

Os Requerentes alegam vícios de índole material (erro nos pressupostos de facto e violação de lei) e vícios de forma.

 

Os primeiros prendem-se com a qualificação, a título de mais-valias, dos rendimentos auferidos pelos Requerentes, provenientes da cessão de quinhão hereditário em herança indivisa e ilíquida, que consideram desprovidos de enquadramento no artigo 10.º, n.º 1 do Código do IRS, com a consequente violação do princípio da legalidade e da tipicidade dos impostos, para o que invocam os artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.ºs 2 e 3, ambos da Constituição.

 

Preconizam os Requerentes que tais rendimentos não derivaram da alienação de quaisquer direitos reais sobre bens móveis ou imóveis, tão pouco partes sociais e/ou outros valores mobiliários, respeitando à transmissão de uma parte indeterminada, ilíquida e indivisa, de heranças.

 

A título subsidiário, invocam o desrespeito dos critérios legais de quantificação no apuramento das mais-valias  e vício de fundamentação dos respetivos cálculos, com suporte nos artigos 77.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), 153.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e 268.º, n.º 3 da Constituição.

 

Por fim, arguem os Requerentes que não lhes foi concedida a oportunidade de exercerem, de forma totalmente esclarecida, o direito de audição prévia, o que consubstancia preterição de formalidade legal essencial (artigos 60.º, n.º 1, alínea a) e n.º 5 da LGT e 267.º, n.º 5 da Constituição.

 

                Em relação aos juros compensatórios, os Requerentes sustentam que, sendo estes acessórios à prestação principal, acompanham a sua invalidade. Invocam ainda vícios próprios (de violação de lei) que inquinam a liquidação dos juros. Estes prendem-se com a falta de alegação e demonstração, pela AT, da imputação a título de dolo ou negligência e do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte suscetível de um juízo de censura (artigos 91.º do Código do IRS e 35.º da LGT).

 

Os Requerentes deduziram pedido dependente de juros indemnizatórios e a consequente restituição do imposto pago (artigos 94.º do Código do IRS, 43.º, n.º 1 e 100.º da LGT, e 61.º do CPPT). Juntaram 11 documentos.

 

 Em 9 de março de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 13 de março de 2020.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, tendo sido notificadas dessa designação, em 6 de julho de 2020, não se opuseram.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de agosto de 2020.

 

Por despacho de 6 de agosto de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerida para apresentar Resposta, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT.  

Em 25 de setembro de 2020, a Requerida remeteu ao Exmo. Presidente do CAAD o “despacho exarado na informação n.º 234-TF/2020, através do qual, e nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, é revogado na integra o ato tributário cuja legalidade se encontra a ser suscitada no pedido de pronúncia arbitral identificado em supra, com todas as consequências legais.”. O despacho em apreço tem data de 25 de setembro de 2020.

 

Em 9 de outubro de 2020, após notificação do Tribunal Arbitral, os Requerentes pronunciaram-se no sentido de ser declarada a extinção da instância, tendo em conta que foi anulada a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios impugnada, e reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios, “com fundamento em inutilidade superveniente da presente lide, com custas arbitrais pela Requerida/AT, dado ter dado causa ao processo e à inutilidade superveniente (artigo 536º nº 3 e 4 do CPC).”.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária [ocorrido em 26 de dezembro de 2019], por remissão para o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

A.           Em 30 de maio de 2016, os Requerentes declararam o IRS relativamente ao ano de 2015, do que resultou a liquidação de imposto no valor de € 62.618,79, pago tempestivamente em 20 de setembro de 2016 – cf. documentos 1 e 2 juntos pelos Requerentes.

B.            No final de novembro de 2019, os Requerentes rececionaram a liquidação adicional de IRS emitida sob o número 2019..., com data de 13 de novembro de 2019, no valor de € 478.386,61, da qual resultou o valor a pagar de € 415.767,82, já incorporando os juros compensatórios de € 50.323,88 – cf. documentos 3 e 4 juntos pelos Requerentes.

C.            Os fundamentos deste ato tributário constam do ofício n.º 1164, de 11 de novembro de 2019, do Serviço de Finanças de ... e respeitam à existência, em 2015, de “rendimentos sujeitos a englobamento, provenientes da cessão de quinhão hereditário nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos pais/sogros dos Requerentes”, que não foram por aqueles declarados e que, de acordo com a AT, estão sujeitos a IRS nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código do IRS, enquanto rendimentos da categoria G – mais-valias, e no artigo 2124.º do Código Civil – cf. documento 6 junto pelos Requerentes.

D.           Os Requerentes procederam ao pagamento do valor de IRS e juros compensatórios liquidado adicionalmente, de € 415.767,82, em 17 de dezembro de 2019 – cf. comprovativo junto pelos Requerentes como documento 5.

E.            Em 6 de março de 2020, por discordarem da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios acima identificada, referente ao ano 2015, os Requerentes apresentaram no CAAD o pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

F.            O Tribunal Arbitral Coletivo constituiu-se em 5 de agosto de 2020 – conforme comunicação do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que consta do sistema de gestão processual do CAAD. 

G.           Por despacho datado de 25 de setembro de 2020, do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerida revogou o ato tributário aqui impugnado e supra identificado, confirmando o teor da informação n.º 243-TF/2020, de 24 de setembro de 2020, Processo ..., que conclui nos seguintes moldes:

“13.        Esta questão foi já objeto de profuso escrutínio judicial, e quanto ao nosso conhecimento, unânime no seu desfecho dos quais se dão a título exemplificativo os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos no âmbito dos processos n.º 0450/14 de 28/01/2015, n.º 0975/09 de 25/11/2019, n.º 01863/13 de 15/06/2016 e n.º 01808/13 de 05/02/2015.

14.          Sendo já pacífica a posição dos tribunais nesta matéria, não vislumbramos motivo para prosseguir com a disputa a sede arbitral, com uma posição em decadência, pelo que deverá ser objeto de revogação o ato tributário cuja sindicância arbitral se solicita.

15.         Deverá ainda ser reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos previsto no art.º 43.º da LGT e art.º 67.º do CPPT.

VI.          CONCLUSÃO

Atento o exposto, compulsada a matéria elevada aos autos do processo arbitral pela Requerente, somos de opinião que os pressupostos que sustentaram as conclusões da ação inspetiva não se podem manter pelo que para os efeitos do n.º 1 do art.º 13.º do RJAT pronunciámo-nos pela revogação do ato recorrido.”

– cf. cópia da informação juntos pela Requerida.

 

                No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e no consenso das Partes em relação à mesma.

 

                               FACTOS NÃO PROVADOS

 

                Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.  DE DIREITO

 

O ato tributário sindicado, que constitui o objeto do pedido de pronúncia arbitral no presente processo, foi anulado por despacho de 25 de setembro de 2020, data em que já se encontrava constituído este Tribunal Arbitral (o que se verificou em 5 de agosto de 2020).

 

Assim, não é convocável o regime do artigo 13.º do RJAT, contrariamente ao que apela a Requerida. Dispõe este preceito, no que à presente questão releva, o seguinte:

 

“Artigo 13.º

Efeitos do pedido de constituição de tribunal arbitral

1 - Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.

2 - Quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.

3 - Findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de  praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.

[…]”

 

O predito ato de “revogação” não foi emitido, e muito menos notificado aos Requerentes, dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, i.e., nos 30 dias a contar do conhecimento do pedido, nem sequer até à data de constituição do Tribunal Arbitral. Não estamos, pois, no âmbito de um procedimento arbitral, mas já numa fase processual.

 

Neste âmbito, importa compulsar o artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

 

A impossibilidade da lide ocorre quer em caso de morte ou extinção de uma das partes, quer por desaparecimento do objeto do processo ou extinção de um dos interesses em conflito.

 

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tenha qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante pretende fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

 

A pretensão formulada pelos Requerentes na ação arbitral, de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de IRS e juros compensatórios, ficou prejudicada pela decisão administrativa de “revogação” daqueles (artigo 79.º, n.º 1 da LGT), que produziu os seus efeitos já na pendência da instância arbitral. Estamos, desta forma, perante uma vicissitude superveniente que eliminou o objeto da pretensão impugnatória deduzida pelos Requerentes [a liquidação adicional de IRS e juros].

 

Com efeito, com a anulação administrativa pela AT, os efeitos jurídicos dos atos tributários são destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o disposto no artigo 171.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide. Como refere a Decisão Arbitral de 4 de novembro de 2013, no processo n.º 31/2013-T, do CAAD, “torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe”. Em consequência, deve extinguir-se a instância processual, por se encontrar desprovida de objeto, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

 

QUESTÃO TERMINOLÓGICA - “REVOGAÇÃO” E “ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA”

 

Importa ter em conta que o conceito de “revogação” até à entrada em vigor do novo CPA, em 8 de abril de 2015, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, abrangia quer a revogação anulatória com fundamento em ilegalidade, quer a revogação por razões de oportunidade e mérito.

 

Com o novo CPA, o conceito de revogação administrativa ficou restrito a esta segunda modalidade. Conforme prevê o atual artigo 165.º do CPA, sob a epígrafe “Revogação e anulação administrativas”, a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (n.º 1), e a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade (n.º 2). É neste último segmento que se insere o ato que eliminou a liquidação de IRS em discussão nos autos, nem poderia ser de outra forma, pois estamos perante atos vinculados, que derivam de aplicação da lei e não comportam margens de livre apreciação (e decisão) administrativa.

 

A “revogação” a que se reporta o artigo 79.º da LGT e que a Requerida refere no despacho de 25 setembro de 2020 corresponde, assim, à contemporânea “anulação administrativa”, cujo regime consta dos artigos 163.º “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” (anteriores artigos 135.º e 136.º); 166.º “Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas” (anterior artigo 139.º) e 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” (cujo n.º 2 corresponde ao anterior artigo 141.º), todos do CPA. 

 

QUESTÃO TEMPORAL

 

Poderia suscitar-se a dúvida sobre a tempestividade da anulação administrativa, atendendo a que já havia decorrido o prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, estabelecido no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT para a AT proceder à “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”,  estipulando o n.º 3 desta norma que, findo este prazo, “a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.

 

O preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária, relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, exceto com fundamento em factos novos. Porém, esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica.

 

Nesta última hipótese, afigura-se não merecer tutela o princípio da estabilidade da instância  subjacente às limitações legais à atuação administrativa no decurso de pendência jurisdicional, uma vez que a Parte vem, simplesmente, reconhecer que à outra assiste razão, com fundamento material na lei, e, nessa medida, permitir a resolução antecipada do litígio e consequente extinção da instância, com economia processual e de meios. Deixou de existir razão para a subsistência do litígio, pois, ainda que em momento superveniente, foi gerado consenso suportado na convergência das partes quanto ao regime legal aplicável.

Esta interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo em relação ao processo de impugnação judicial, que é regido pelo artigo 112.º do CPPT , o qual estabelece uma disciplina similar à do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT, este último aplicável à ação arbitral tributária. Constituindo o processo arbitral tributário um meio alternativo  à impugnação judicial, é inegável a manifesta identidade de razões, a que acresce o facto de o CPA e as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n. º1, alíneas c) e d) do RJAT.

 

Sobre a aplicação do regime do CPA à “revogação” de atos administrativos em matéria tributária preconiza o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido em 15 de março de 2017, no processo n.º 449/14, que:

 

“A possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).

Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário – arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)]. […]”

 

No mesmo no sentido da aplicabilidade do regime da invalidade administrativa aos atos em matéria tributária voltou o Supremo Tribunal Administrativo a pronunciar-se no Acórdão de 17 de dezembro de 2014, relativo ao processo n.º 454/14.

 

Por outro lado, o artigo 168.º, n.º 3 do CPA determina que a anulação de atos que tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, como é o caso, pode ter lugar até ao encerramento da discussão, fase que, no caso concreto, nem sequer se tinha iniciado, estando a decorrer a fase (anterior) dos articulados. É, assim, de concluir pela tempestividade da anulação administrativa efetuada por despacho de 25 de setembro de 2020 que, ao dar satisfação integral à pretensão anulatória incidente sobre o ato tributário em crise, retira à lide arbitral o seu objeto.

 

Termos em que, por impossibilidade superveniente da lide, se julga extinta a instância processual, em conformidade com o disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

 

IV.          DECISÃO

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, condenando-se a Requerida nas custas do processo, tudo com as legais consequências.

 

V.           VALOR DA CAUSA

 

Fixa-se ao processo o valor de € 415.767,82, por ser aquele que corresponde à liquidação adicional de IRS cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”). 

 

VI.          CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, 527.º e 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, fixa-se o montante das custas em € 6.732,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, uma vez que deu causa à ação (ao ter efetuado a anulação administrativa após a constituição deste Tribunal Arbitral).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de outubro de 2020

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

A. Sérgio de Matos

André Festas da Silva