DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Sofia Ricardo Borges e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte
I. RELATÓRIO
A..., S.A., doravante “Requerente”, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ...-... Famalicão, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
O pedido de pronúncia arbitral vem na sequência do decurso do prazo de indeferimento tácito estabelecido no artigo 57.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”), relativo ao pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT e dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças da ..., com vista à anulação de liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) emitidas com referência a diversos períodos [meses] dos anos 2013 a 2016, no valor global de € 71.222,71.
A Requerente peticiona a anulação das referidas liquidações adicionais, com as demais consequências legais, por entender que as operações a que respeitam estão isentas deste imposto – transmissões intracomunitárias de bens – que não devem suscitar a tributação em IVA, de acordo com o estabelecido no artigo 14.º, alínea a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (“RITI”).
Em 9 de março de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 13 de março de 2020.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, tendo sido notificadas dessa designação, em 6 de julho de 2020, não se opuseram.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de agosto de 2020.
Na sequência de renúncia justificada às funções arbitrais da Exma. Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, árbitro presidente do tribunal arbitral coletivo constituído neste processo, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico determinou, por despacho de 11 de agosto de 2020, a respetiva substituição pela Dra. Alexandra Coelho Martins, do que foram as partes notificadas na mesma data, tendo-se efetivado a nomeação em 11 de setembro de 2020.
Por despacho de 17 de setembro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerida para apresentar Resposta, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT.
Em 24 de setembro de 2020, a Requerida informou os presentes autos de que havia procedido à “revogação do ato impugnado […], já notificada à Requerente”. Procedeu ainda à junção de cópia do Ofício N.º..., datado de 16 de setembro de 2020, expedido por via postal aos mandatários da Requerente, com o seguinte teor:
“Fica por este meio notificado de que, em 2020-09-16, foi proferido despacho de revogação do(s) ato(s) tributário(s) impugnado(s) no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Em anexo, remete-se cópia da nossa informação n.º..., de 2020-09-09”.
Em 30 de setembro de 2020, após notificação do Tribunal Arbitral, a Requerente pronunciou-se nos seguintes termos: “tendo sido notificada da revogação dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado que constituem objeto mediato dos presentes autos arbitrais, vem respeitosamente, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, declarar para os devidos efeitos que não pretende prosseguir com o procedimento arbitral.”
I. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir da formação do indeferimento tácito, por remissão para o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
A cumulação de pedidos é admissível, atento o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, uma vez que os atos tributários, apesar de se reportarem a diferentes períodos (meses e anos), respeitam ao mesmo imposto [IVA], derivam de idênticas circunstâncias de facto e estão sujeitos aos mesmos princípios e regras de direito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
A. A Requerente desenvolve a sua atividade de produção e comercialização no âmbito da indústria de fibras de madeira, aglomerados e folheados. Os produtos por si fabricados destinam-se essencialmente ao fabrico de mobiliário, revestimento de paredes e decorações de interiores – cf. Relatórios de Inspeção Tributária (“RIT”) de 2013 a 2016, juntos pela Requerente como documentos 2, 3 e 4.
B. Nos anos 2013 a 2016 a Requerente faturou, a título de transmissões intracomunitárias de bens, os seus clientes B... SA e C..., sob o número de registo de IVA francês destes (FR ... e FR ...), não tendo liquidado IVA – cf. RIT de 2013, RIT de 2014/2015 e RIT de 2016, juntos pela Requerente como documentos 2, 3 e 4.
C. Na sequência de procedimentos inspetivos externos realizados pela AT à Requerente, com referência aos anos 2013, 2014, 2015 e 2016, que abrangeram IVA e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), aquela foi objeto das liquidações adicionais de IVA constantes do quadro infra – cf. RIT de 2013, RIT de 2014/2015 e RIT de 2016, juntos pela Requerente como documentos 2, 3 e 4, bem como liquidações adicionais e documentos de acertos de contas juntos como documento 5:
Período Liquidação n.º Acerto de Contas n.º Valor a Pagar Data Limite de Pagamento
2013/03 2017 ... 2017 ... € 1.797,08 04/01/2018
2013/05 2017... 2017 ... € 2.054,68 04/01/2018
2013/06 2017... 2017 ... € 1.419,27 04/01/2018
2013/10 2017... 2017 ... € 3.029,64 04/01/2018
2014/01 2017... 2017 ... € 802,96 07/02/2018
2014/06 2017... 2017 ... € 10.034,04 07/02/2018
2014/07 2017... 2017 ... € 493,43 07/02/2018
2014/08 2017... 2017 ... € 12.505,87 07/02/2018
2014/09 2017... 2017 ... € 3.384,13 07/02/2018
2014/10 2017... 2017 ... € 1.300,44 07/02/2018
2014/11 2017... 2017 ... € 3.358,37 07/02/2018
2015/01 2017... 2017 ... € 9.662,33 07/02/2018
2015/02 2017... 2017 ... € 3.394,36 07/02/2018
2015/03 2017... 2017 ... € 6.250,37 07/02/2018
2015/04 2017... 2017 ... € 4.948,41 07/02/2018
2015/06 2017... 2017 ... € 1.088,22 07/02/2018
2015/08 2017... 2017 ... € 2.606,55 07/02/2018
2015/12 2017... 2017 ... € 986,86 07/02/2018
2016/12 2018... 2017 ... € 2.105,70 18/05/2018
Total € 71.222,71
D. Como fundamento único destas liquidações, considerou a AT que:
a) Os números de identificação de IVA de dois operadores intracomunitários franceses, clientes da Requerente (B... SA e C...), apresentavam “anomalias”, por terem o respetivo registo cessado (como sujeitos passivos de IVA), no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (“VIES”), à data das transmissões de bens efetuadas pela Requerente;
b) Como tal, as transmissões (vendas) efetuadas pela Requerente não podiam beneficiar de isenção de IVA, por falta de previsão no artigo 14.º, alínea a) do RITI, dado que os operadores destinatários não dispunham de registo ativo no VIES noutro Estado-membro; e que
c) A Requerente não fez prova suficiente de que o IVA foi liquidado e entregue noutro Estado-membro,
– cf. RIT de 2013, RIT de 2014/2015 e RIT de 2016, juntos pela Requerente como documentos 2, 3 e 4.
E. A Requerente não se conformou com as liquidações adicionais de IVA acima identificadas e submeteu um pedido de revisão oficiosa junto do Serviço de Finanças da..., com o objetivo da sua anulação. O requerimento de revisão oficiosa foi expedido por correio registado em 5 de agosto de 2019, tendo sido rececionado no Serviço de Finanças da ... no dia seguinte [6 de agosto de 2019] – cf. pedido de revisão oficiosa junto pela Requerente como documento 1.
F. Sem prejuízo do que antecede, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais de IVA em apreço – cf. comprovativos juntos pela Requerente como documento 6.
G. Em 5 de março de 2020, por discordar dos atos de liquidação adicional de IVA vertentes [2013 a 2016] e dada a presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que os teve por objeto, a Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.
H. O Tribunal Arbitral Coletivo constituiu-se em 5 de agosto de 2020 – conforme comunicação do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que consta do sistema de gestão processual do CAAD.
I. Por despacho datado de 16 de setembro de 2020, a Requerida “revogou” os atos tributários aqui impugnados, tendo notificado a Requerente por ofício expedido por via postal com a mesma data (registado com aviso de receção) – cf. comunicação aos autos e cópia do ofício juntos pela Requerida.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa
2. DE DIREITO
Os atos tributários sindicados, que constituem o objeto do pedido de pronúncia arbitral, foram anulados por despacho de 16 de setembro de 2020, data em que já se encontrava constituído este Tribunal Arbitral (desde 5 de agosto de 2020).
Assim, não é convocável o regime do artigo 13.º do RJAT, contrariamente ao que apelam ambas as partes. Dispõe este preceito, no que à presente questão releva, o seguinte:
“Artigo 13.º
Efeitos do pedido de constituição de tribunal arbitral
1 - Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.
2 - Quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.
3 - Findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.
[…]”
O predito ato de “revogação” não foi notificado à Requerente, nem dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, i.e., nos 30 dias a contar do conhecimento do pedido, nem sequer até à data de constituição do Tribunal Arbitral. Não estamos, pois, no âmbito de um procedimento arbitral, mas já numa fase processual.
Neste âmbito, importa compulsar o artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre quer em caso de morte ou extinção de uma das partes, quer por desaparecimento do objeto do processo ou extinção de um dos interesses em conflito.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tenha qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante pretende fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
A pretensão formulada pela Requerente na ação arbitral, de ilegalidade e anulação dos atos tributários de liquidação de IVA, ficou prejudicada pela decisão administrativa de “revogação” daqueles (artigo 79.º, n.º 1 da LGT), que produziu os seus efeitos já na pendência da instância arbitral. Estamos, desta forma, perante uma vicissitude superveniente que eliminou o objeto da pretensão impugnatória deduzida pela Requerente [as liquidações adicionais de IVA].
Com efeito, com a anulação administrativa pela AT, os efeitos jurídicos dos atos tributários são destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o disposto no artigo 171.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide. Como refere a Decisão Arbitral de 4 de novembro de 2013, no processo n.º 31/2013-T, do CAAD, “torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe”. Em consequência, deve extinguir-se a instância processual, por se encontrar desprovida de objeto, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
QUESTÃO TERMINOLÓGICA
Importa ter em conta que o conceito de “revogação” até à entrada em vigor do novo CPA, em 8 de abril de 2015, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, abrangia quer a revogação anulatória com fundamento em ilegalidade, quer a revogação por razões de oportunidade e mérito.
Com o novo CPA, o conceito de revogação administrativa ficou restrito a esta segunda modalidade. Conforme prevê o atual artigo 165.º do CPA, sob a epígrafe “Revogação e anulação administrativas”, a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (n.º 1), e a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade (n.º 2). É neste último segmento que se insere o ato que eliminou as liquidações de IVA em discussão nos autos, nem poderia ser de outra forma, pois estamos perante atos vinculados, que derivam de aplicação da lei e não comportam margens de livre apreciação (e decisão) administrativa.
A “revogação” a que se reporta o artigo 79.º da LGT e que a Requerida refere no despacho e ofício de 16 de setembro de 2020 corresponde, assim, à contemporânea “anulação administrativa”, cujo regime consta dos artigos 163.º “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” (anteriores artigos 135.º e 136.º); 166.º “Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas” (anterior artigo 139.º) e 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” (cujo n.º 2 corresponde ao anterior artigo 141.º), todos do CPA.
QUESTÃO TEMPORAL
Poderia suscitar-se a dúvida sobre a tempestividade da anulação administrativa, atendendo a que já havia decorrido o prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, estabelecido no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT para a AT proceder à “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”, estipulando o n.º 3 desta norma que, findo este prazo, “a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.
O preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária, relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, exceto com fundamento em factos novos. Porém, esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica.
Nesta última hipótese, afigura-se não merecer tutela o princípio da estabilidade da instância subjacente às limitações legais à atuação administrativa no decurso de pendência jurisdicional, uma vez que a Parte vem, simplesmente, reconhecer que à outra assiste razão, com fundamento material na lei, e nessa medida permitir a resolução antecipada do litígio e consequente extinção da instância, com economia processual e de meios. Deixou de existir razão para a subsistência do litígio, pois, ainda que em momento superveniente, foi gerado consenso suportado na convergência das partes quanto ao regime legal aplicável.
Esta interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em relação ao processo de impugnação judicial, que é regido pelo artigo 112.º do CPPT , o qual estabelece uma disciplina similar à do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT, este último aplicável à ação arbitral tributária. Constituindo o processo arbitral tributário um meio alternativo à impugnação judicial, é inegável a manifesta identidade de razões, a que acresce o facto de o CPA e as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n. º1, alíneas c) e d) do RJAT.
Sobre a aplicação do regime do CPA à “revogação” de atos administrativos em matéria tributária preconiza o STA, no Acórdão proferido em 15 de março de 2017, no processo n.º 449/14, que:
“A possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).
Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário – arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)]. […]”
No mesmo sentido da aplicabilidade do regime da invalidade administrativa aos atos em matéria tributária voltou o STA a pronunciar-se no Acórdão de 17 de dezembro de 2014, relativo ao processo n.º 454/14.
Por outro lado, o artigo 168.º, n.º 3 do CPA determina que a anulação de atos que tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, como é o caso, pode ter lugar até ao encerramento da discussão, fase que no caso concreto nem sequer se tinha iniciado, estava a decorrer a fase (anterior) dos articulados, pelo que é de concluir pela tempestividade da anulação administrativa efetuada por despacho de 16 de setembro de 2019 que, ao dar satisfação integral à pretensão anulatória incidente sobre os atos tributários em crise, retira à lide arbitral o seu objeto.
Termos em que, por impossibilidade superveniente da lide, se julga extinta a instância processual, em conformidade com o disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
III. DECISÃO
À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, condenando-se a AT nas custas do processo, tudo com as legais consequências.
IV. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de € 71.222,71, por ser aquele que corresponde às liquidações adicionais de IVA cuja anulação se pretendia, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
V. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC fixa-se o montante das custas em € 2.448.00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, uma vez que deu causa à ação (ao ter efetuado a anulação administrativa após a constituição deste Tribunal Arbitral).
Notifique-se.
Lisboa, 9 de outubro de 2020
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Sofia Ricardo Borges
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso