Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 274/2014-T
Data da decisão: 2014-09-16  Selo  
Valor do pedido: € 217.469,80
Tema: IS - verba 28.1 da TGIS, Terrenos para construção
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

I.          RELATÓRIO

A..., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, representado pela sua sociedade gestora “B..., S.A.”, doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação de 3 actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (IS) referentes ao exercício de 2012, no montante global de € 217.469,80.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

 

a)      A verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, apenas prevê a tributação de prédios com afectação habitacional;

 

b)      A tributação dos terrenos para construção não se encontra prevista na indicada verba;

 

c)      Para efeitos fiscais, os terrenos para construção consubstanciam uma espécie de prédios completamente distinta dos prédios tipificados como habitacionais;

 

d)     Nem a letra nem o espírito da lei permitem a equiparação de terrenos para construção a prédios com afectação habitacional, para efeito da sua tributação por aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS;

 

e)      A consideração dos terrenos para construção como “prédios com afectação habitacional” para efeitos da sua subsunção a IS, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, é ilegal;

 

f)       As liquidações em causa são ilegais, por violação do disposto no artigo 1º do CIS e da verba 28.1 da TGIS e inconstitucionais, por violação dos artigos 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa.

 

 

A Requerente juntou 15 documentos e arrolou uma testemunha.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29 de Maio de 2014.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando em síntese ser, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao IS, os terrenos para construção equiparáveis aos prédios com afectação habitacional.

Conclui peticionando a improcedência do pedido e, consequentemente, a manutenção dos actos de liquidação em crise.

A Requerida não juntou documentos nem arrolou testemunhas.

A Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo, sendo certo, porém, que analisado o teor do mesmo, se verifica não corresponder às liquidações em causa nos presentes autos.

A reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a produção da prova testemunhal requerida, foi dispensada, sem oposição das partes, atento o facto de, por um lado, não terem sido articuladas matérias susceptíveis de discussão na dita reunião e, por outro lado, o processo conter todos os elementos documentais necessários e suficientes para decidir de Direito.

Não foram apresentadas alegações escritas.

 

II.          SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10º nº 1 a) do RJAT, contado a partir da data em que se presume o indeferimento tácito, por incumprimento do prazo de 4 meses para conclusão do procedimento previsto no artigo 57º nº 1 da Lei Geral Tributária, da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, pelo que é tempestivo.

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III.         QUESTÕES A DECIDIR:

Nos presentes autos existe apenas uma questão a decidir e que consiste em saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, um terreno para construção é considerado como um prédio com afectação habitacional.

 

IV)                 MATÉRIA DE FACTO:

 

a.                       FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão de mérito, foi provada a seguinte factualidade:

 

a)                 A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Avenida ..., junto ao nº …, freguesia do …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (anterior artigo … da freguesia de …);

 

b)                 O prédio a que se alude em a) anterior é um terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 21.746.980,00;

 

c)                  Em 20/04/2007, a Requerente procedeu à entrega da declaração do Modelo 1 do IMI, com o motivo “1ª transmissão na vigência do IMI”;

 

d)                 Em consequência da declaração Modelo 1 do IMI apresentada, o prédio a que se alude em a) anterior foi objecto de avaliação, notificada à Requerente em 10/10/2007;

 

e)                  Ao prédio em causa, avaliado como terreno para construção, foi atribuído o valor patrimonial de € 21.746.980,00;

 

f)                  Por requerimento apresentado em 26/10/2007, complementado por requerimento de 15/11/2007, a Requerente requereu segunda avaliação do imóvel;

 

g)                 Por ofício datado de 13/01/2014, a AT notificou a Requerente da segunda avaliação requerida, a qual manteve inalterado o valor patrimonial tributário inicialmente atribuído;

 

h)                 A Requerente foi notificada das liquidações impugnadas, referentes às primeiras, segunda e terceira prestações do IS, verba 28.1 da TGIS, relativo ao exercício de 2012;

 

i)                   Por requerimento expedido em 19/08/2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa, peticionando a anulação do valor da colecta liquidada a título de IS, incluindo as duas primeiras notas de liquidação emitidas;

 

j)                   Até à data não foi a reclamação graciosa apresentada objecto de qualquer decisão;

 

k)                 Por contrato celebrado em 20/02/1996, a anterior proprietária do prédio a que se alude em a) – “C..., S.A.” – concedeu a ”D..., S.A.” o direito a esta construir, implantar e explorar um parque de estacionamento automóvel, à superfície, na totalidade do prédio em causa nos presentes autos, cujo teor é o que consta do documento número 5, junto com a reclamação graciosa junta aos autos com a petição inicial sob o número 13;

l)                   O contrato a que se alude em k) anterior encontra-se em vigor.

 

 

b.                      FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.

 

c.                       FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A convicção sobre os factos dados como provados, e não provados, fundou-se na prova documental indicada em relação a cada um dos pontos, junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

V.        DIREITO:

Invoca a Requerente que os terrenos para construção não podem considerar-se, para efeitos da sujeição a IS, como prédios com afectação habitacional.

 

De acordo com a Requerente, a previsão da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS não permite qualquer interpretação extensiva, por forma a que os terrenos para construção se possam equiparar a prédios com afectação habitacional, não lhes sendo, por via disso, aplicável a indicada verba 28.1.

 

Por seu turno, a Requerida argumenta que o prédio sobre o qual recaem as liquidações impugnadas tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade se verificando.

 

Quanto à incidência objectiva, dispõe o número 1 do artigo 1º do CIS que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral.

O artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou à TGIS, anexa ao CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a verba nº 28, com a seguinte redacção:

 

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

 

Nos termos do disposto no artigo 6º da citada Lei, no ano de 2012, o valor patrimonial tributário a considerar para efeito de liquidação do Imposto do Selo corresponde ao que resultar das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011.

 

Resulta ainda das disposições transitórias previstas no indicado artigo 6º que, no ano de 2012, a taxa do Imposto do Selo aplicável será, no caso de prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI, de 0,5%.

 

 

Dito isto,

 

Na verba 28.1 da TGIS e no artigo 6º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, utilizou-se um conceito inovador, que não é utilizado por mais nenhuma legislação tributária: o conceito de prédio com afectação habitacional.

 

Nem no CIMI, indicado pela referida Lei 55-A/2012 como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo introduzido pelo aditamento da verba 28 à TGIS, é utilizado qualquer conceito assim definido.

 

Com efeito, o CIMI define o conceito de prédio, e define os vários tipos de prédios e identifica as espécies dos prédios urbanos.

 

 

Assim,

 

Nos termos do artigo 2º do CIMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.

 

Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3º), urbanos (artigo 4º) ou mistos (artigo 5º), subdividindo-se os prédios urbanos em 4 espécies: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6º).

 

O número 2 do artigo 6º do CIMI esclarece que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Por seu turno, dispõe o número 3 do mesmo artigo que se consideram terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo”.

 

Conjugados os indicados preceitos, verifica-se não existir, em nenhuma das indicadas normas, qualquer referência a prédio com afectação habitacional.

 

Pelo que, para se determinar o que seja um prédio com afectação habitacional terá de ser feito um exercício de interpretação, recorrendo às regras gerais de hermenêutica jurídica constantes do artigo 9º do Código Civil.

 

Assim, a actividade interpretativa terá de começar pela análise da letra da lei, a qual constitui o limite da interpretação, não podendo considerar-se uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 

Ora, conforme resulta das disposições legais já citadas, o conceito de prédio com afectação habitacional é absolutamente inovador no CIS, não existindo em qualquer outra lei fiscal.

 

O conceito mais próximo é o de “prédio habitacional”, definido no artigo 6º nº 2 do CIMI como sendo o edifício ou construção para tal licenciado ou, na falta de licença, que tenha como destino normal este fim.

 

A verdade, porém, é que o legislador, na verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS não utilizou a expressão “prédio habitacional” mas sim “prédio com afectação habitacional”.

 

Pelo que, partindo do princípio – que se tem como certo – de que o legislador se soube expressar em termos adequados, não poderá defender-se terem estas expressões distintas o mesmo significado. Ao invés, e por via da aplicação dos princípios consagrados nos números 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil, tem necessariamente de se defender que, ao utilizar expressões distintas, o legislador pretendeu abarcar realidades diferentes.

 

Atentemos, pois, no vocábulo “afectação”, substantivo do verbo “afectar”.´

 

Este conceito já foi exaustivamente analisado por diversa e douta jurisprudência proferida por este centro arbitral[1], pelo que nos dispensaremos de dissecar tal conceito, aceitando e defendendo consistir na acção de destinar alguma coisa a determinado uso.

 

Assim, prédio com “afectação habitacional” será aquele que se destina a habitação.

 

Aliás, a tal conclusão se chega igualmente através da reconstituição do pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, tal como imposto pelo indicado artigo 9º do Código Civil.

 

Antes de mais, importa ter em consideração que a introdução desta verba 28 na TGIS aconteceu numa altura em que, havendo absoluta necessidade de fazer face à crise instalada, se impunha arrecadar o máximo de receita possível, o que se pretendia alcançar, designadamente, através da tributação dos imóveis ditos de “luxo”.

 

Pretendeu-se, pois, com a introdução da tributação prevista na verba 28 da TGIS, tributar a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos “de luxo”, com afectação habitacional.

 

Que apenas se incluem nesta nova tributação os prédios com afectação habitacional resulta de forma expressa da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 96/XII, na qual se refere que, com vista a reforçar o “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, o diploma legal a aprovar “alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

 

Assim, pode ler-se ainda na referida Exposição de Motivos que é “criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros” (sublinhado nosso).

 

Já no âmbito da discussão na generalidade da indicada proposta de Lei, pode ler-se:

 

Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros (sublinhado nosso).

 

Dúvidas não restam, pois, que a intenção do legislador foi tributar casas, prédios urbanos habitacionais, propriedades destinadas à habitação, isto é, prédios que já se encontrem efectivamente destinados a fim habitacional.

 

Assente que está o conceito de “prédio com afectação habitacional” como prédio efectivamente destinado a, afecto a habitação, importa agora analisar o efectivo alcance de tal conceito. Por outras palavras, impõe-se verificar se tal afectação habitacional, para efeito da aplicação do disposto na verba 28.1 da TGIS, tem de ser presente ou poderá ser futura, isto é, se abrangerá apenas os prédios que já se encontrem efectivamente afectos a habitação ou também os prédios que, como é o caso do prédio dos autos, sendo terreno para construção, não têm ainda qualquer destino definido.

 

A distinção assume especial acuidade se atentarmos que um terreno para construção pode destinar-se a construir, no futuro, uma ou mais habitações, pelo que, incluindo-se no conceito de “afectação habitacional” as futuras afectações que possam vir a ser dadas ao prédio, poderá defender-se a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção.

 

Analisado o teor literal da verba 28.1 da TGIS parece manifesto ser de afastar a sua aplicação aos prédios cujo destino é desconhecido, pois que estes, manifestamente e sob qualquer ponto de vista, não se podem considerar destinados a fim habitacional.

 

É que, não sendo conhecido o destino do prédio em causa, tanto pode este destinar-se a habitação, como a comércio, indústria ou serviços, sendo certo que a verba 28.1 apenas será aplicável a prédios com afectação habitacional e já não a prédios com qualquer outra afectação, designadamente económica.

 

No caso dos autos, analisados os factos provados, verifica-se que o prédio em causa não tem ainda qualquer destino conhecido, pelo que é manifesto não ser de aplicar a verba 28.1 da TGIS.

 

Aliás, muito embora não conste dos autos o destino do prédio em causa, que, para todos os efeitos, se tem de considerar desconhecido, a verdade é que resulta dos factos provados – factos provados k) e l) – que o prédio foi objecto de um contrato mediante o qual foi concedido a um terceiro o direito de exploração de um parque de estacionamento. Assim, se algum destino se poderá vislumbrar, esse destino será certamente económico e não habitacional.

 

Ademais, sempre se dirá que, mesmo que o prédio dos autos tivesse já um destino conhecido, embora não efectivo, e esse destino fosse habitacional, ainda assim não se encontraria este abrangido pela aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Isto porque, da conjugação das normas ínsitas na verba 28.1 da TGIS e no artigo 6º nº 2 do CIMI, resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que a afectação tem de ser efectiva e não apenas futura ou provável.

 

Em suma, um terreno para construção cujo destino é desconhecido, como é o caso do prédio dos autos, não pode ser considerado como prédio com afectação habitacional para efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS.

 

Nem se diga, como faz a Requerida, que a identidade jurídica, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, entre terrenos para construção e prédios com afectação habitacional resulta de forma clara do facto de o legislador determinar a aplicação aos terrenos para construção da metodologia de avaliação dos prédios em geral.

 

É certo que o artigo 45º do CIMI determina a aplicação aos terrenos para construção dos mesmos métodos de avaliação aplicáveis aos prédios em geral.

 

No entanto, não pode deixar de se referir que tal identidade se resume à metodologia da avaliação e não à sua classificação.

 

No que diz respeito à avaliação, não há dúvidas de que o legislador manda aplicar as mesmas regras quer aos terrenos para construção, quer aos prédios habitacionais.

 

Mas já quanto à classificação do prédio, nada na lei nem no pensamento legislativo em geral nos permite concluir pela existência de tal identidade.

Aliás, conforme, a nosso ver, bem, se refere em aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI)[2].

 

Por isso, e seguindo de perto jurisprudência já fixada por este centro arbitral[3], é de concluir que “os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”, como é o caso dos autos.

 

Mas não só a jurisprudência deste centro tribunal arbitral se tem pronunciado neste sentido. Em acórdãos proferidos muito recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional [4].

 

E que assim é resulta de forma clara do facto de, na última alteração operada à verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, terem sido aqui expressamente incluídos os terrenos para construção. Note-se, porém, que mesmo com esta alteração, nem todos os terrenos para construção ficam sujeitos a tributação por efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, mas apenas e só os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

Não se tratando da indicada LOE 2014 de qualquer lei interpretativa, parece evidente que, se o legislador sentiu necessidade de incluir nesta verba 28.1 os terrenos para construção, é porque anteriormente tais terrenos não estavam incluídos na mesma, maxime quando tais terrenos, como é o caso dos autos, não têm ainda qualquer destino definido, desconhecendo-se se irão ou não ser afectos a habitação.

 

Qualquer outra interpretação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, não tem o mínimo acolhimento legal, não podendo ser defendida.

 

Verifica-se, assim, que as liquidações em causa nos presentes autos são claramente ilegais, por não terem qualquer fundamento ou sustentação legal.

 

Além de ilegais, as liquidações em causa são ainda, claramente violadoras do preceito constitucional previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.

 

De facto, dispõe o número 2 do artigo 103º da Lei Fundamental:

“Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

 

Prescrevendo, por seu turno, o número 3 do mesmo artigo:

 

“Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

 

Assim, não constando da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, os terrenos para construção, nem podendo estes classificar-se, para este efeito, como prédios com afectação habitacional, parece evidente não existir nenhuma lei que determine a incidência da verba 28.1 da TGIS sobre terrenos para construção.

 

E, não existindo nenhuma lei que determine tal incidência, é notório que a sua liquidação não foi efectuada nos termos da lei, não se encontrando, em consequência, o contribuinte obrigado a pagar tal tributo.

 

Note-se, a este propósito, que o número 4 do artigo 11º da Lei Geral Tributária proíbe de forma expressa a integração de eventuais lacunas das normas tributárias mediante a analogia, não podendo, por isso, ainda que se considere haver uma lacuna na TGIS, aplicar aos terrenos para construção o regime previsto para os prédios com afectação habitacional.

 

Aliás, pese embora o número 4 do indicado preceito apenas refira expressamente a proibição de integração analógica de lacunas, deve entender-se, como tem vindo a ser defendido pela mais avisada doutrina, que esta norma proíbe a integração de lacunas por qualquer meio [5].

 

Na verdade, conforme defendem LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA[6], a analogia é o meio preferencial de integração de lacunas (art. 10.º do Código Civil), pelo que, por maioria de razão, se deverá concluir que está excluída a possibilidade de utilização de outros meios”.

 

Perante tudo quanto ficou exposto, parece evidente que a equiparação entre terrenos para construção e prédios com afectação habitacional, para efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, não tem assento legal, encontrando-se esta equiparação e a consequente liquidação de imposto de selo por aplicação desta verba em flagrante oposição com a Lei Fundamental, que determina que os impostos são criados por lei, não podendo ninguém ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação se não faça nos termos da lei.  

 

De qualquer forma, ainda que fosse de aplicar a referida verba 28 – que, como vimos, não é – sempre se dirá que, conforme resulta das disposições transitórias previstas no artigo 6º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, no ano de 2012, a taxa a aplicar seria de 0,5% e não a taxa efectivamente aplicada pela Requerida, de 1%.

 

Pelo que, não havendo fundamento legal para os actos de liquidação efectuados, impõe-se a sua anulação tout court.

 

 

VI.                  DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto de Selo no valor global de € 217.469,80, com a consequente anulação dos mesmos.

 

***

Fixa-se o valor do processo em € 217.469,80, nos termos do artigo 97º-A nº 1 a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12º nº 2 e 22º nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º nº 4, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.

 

***

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2014.

 

 

 

O tribunal colectivo,

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente)

 

Álvaro Caneira

 

Alberto Amorim Pereira

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Novo Acordo Ortográfico de 1990..

 



[1] Veja-se, entre outas, decisões proferidas no âmbito dos processos 48/2013-T; 50/2013-T e 132/2013-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt

[2] Acórdão de 09/04/2014, processo nº 1870/13, disponível in www.dgsi.pt.

 

[3]  Processo nº 53/2013-T, disponível in www.caad.org.pt.

 

[4] Acórdãos de 23/04/2014, processo nº 0272/14, e de 09/04/2014, processos nºs 1870/13, já citado, e 48/14, todos in www.dgsi.pt

[5] Cfr. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2ª Edição, página 216, apud  LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada , Editora Encontro da Escrita, 4ª Edição, 2012, página 124.

[6] Op. e loc. cit.