Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 944/2019-T
Data da decisão: 2020-10-03  IRC  
Valor do pedido: € 190.889,36
Tema: IRC – Juros compensatórios; Suspensão da instância arbitral; Impugnabilidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. Jorge Carita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2020, acordam no seguinte:

             

                1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., n.º..., no Porto (...-...) com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., (doravante, o "Requerente") apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, parte final e n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e, bem assim, do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, tendo em vista a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, em 12-12-2010, que decidiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2011..., de 19-12-2011, da liquidação de juros compensatórios n.º 2011... e da demonstração de acerto de contas n.º 2011..., ambas datadas de 26-12-2011, todas referentes ao exercício de 2007.

Subsidiariamente o Requerente pede que se determine a suspensão do presente processo até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT que corre termos na 4.ª unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-03-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou excepções e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 24-09-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de o Sujeito Passivo responder às excepções.

O Requerente pronunciou-se sobre as excepções.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Questão da não verificação de requisito exigido para a migração de processos

 

A Administração Tributária defende que «a presente ação não cumpre os requisitos estabelecidos para a migração processual constantes do diploma supra referido, devendo ser liminarmente rejeitada», porque «a pretensão do Requerente não se encontra pendente, pois antes da apresentação do requerimento de extinção de instância ao abrigo do Decreto-lei n.º 81/2018 já foi proferida decisão judicial. vide fls 6 do processo administrativo virtual».

A Requerente defende, em suma, que a decisão de suspensão da instância proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não é de extinção da instância e que esse processo se encontrava pendente de decisão.

O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 18/2018, de 15 de Outubro, estabelece o seguinte:

 

Artigo 11.º

 

Cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem

 

1 - Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.

 

2 - As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.

 

3 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo.

 

O obstáculo que a Administração Tributária entende existir é o de o processo n.º .../13...BEPRT não se encontrar pendente.

A suspensão da instância de um processo judicial não implica que deixe de estar pendente, mas apenas que fique suspensa a sua tramitação durante algum tempo.

Os processos judiciais estão «pendentes de decisão» enquanto não for proferida decisão final que ponha termo ao processo.

No caso em apreço, estando suspensa a instância e não tendo sido proferida decisão final, tem de entender-se que o processo n.º .../13...BEPRT estava «pendente de decisão». 

Por isso, verificam-se os requisitos exigidos para migração de processos prevista no transcrito artigo 11.º.

Improcede, assim, esta excepção.

 

3. Questão da inutilidade originária da lide por falta de objecto

 

A Administração Tributária defende que «tendo a decisão de suspensão de instância sido decidida por despacho judicial transitado em julgado, a renovação do mesmo pedido agora formulado perante o tribunal arbitral, é, pois, desprovido de objeto e inútil pois o objetivo que visa alcançar - suspensão da instância - já se encontra consolidado na ordem jurídica».

O Requerente defende, em suma, que não pediu apenas a suspensão da instância, mas também a anulação da liquidação de juros compensatórios.

A suspensão da instância que foi decidida no processo n.º .../13...BEPRT foi a desse próprio processo, naturalmente, e não a deste processo arbitral, que é o pedido subsidiário que o Requerente formula no presente processo arbitral.

Por isso, esse pedido subsidiário não se encontra satisfeito e, consequentemente, não há inutilidade na sua formulação.

Por outro lado, esse pedido de suspensão é apenas subsidiário, sendo o pedido principal de declaração de anulação (revogação na terminologia do Requerente) do acto tributário impugnado, que não se encontra satisfeito.

Assim, não se verifica inutilidade da lide.

Improcede, por isso, esta excepção.

 

4. Questão da inimpugnabilidade autónoma dos juros compensatórios

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «a liquidação de juros compensatórios não pode ser impugnada autonomamente quando se invocam, unicamente, como acontece nos presentes autos, vícios que contendem com a legalidade da liquidação de imposto».

O Requerente defende, em suma, que não podia impugnar a liquidação de juros compensatórios em conjunto com a liquidação de IRC, por aquela ter sido emitida posteriormente.

Para além disso,  defende o Requerente que a liquidação de juros compensatórios é um acto lesivo e, por isso, impugnável, à face do preceituado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP. 

A liquidação de juros compensatórios é contenciosamente impugnável, pois é um acto lesivo [artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da LGT]. Para além disso, como diz o Requerente, a impugnação de actos lesivos está constitucionalmente assegurada pelos nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP. 

No que concerne à aventada inviabilidade de invocação de alguns fundamentos de ilegalidade será fundamento de improcedência, que não afasta a impugnabilidade da liquidação de juros compensatórios.

Aliás, é nesse sentido da improcedência, e não da inimpugnabilidade, a jurisprudência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

De resto, no caso em apreço, é invocado pelo Requerente apenas um vício autónomo da liquidação de juros compensatórios, que é o de ter sido emitida na pendência de um processo judicial da liquidação de IRC, que é pressuposto da liquidação de juros compensatórios (como melhor se explica no ponto 6.2.2. deste acórdão).

Improcede, assim, esta excepção.

 

5. Matéria de facto

5.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário;

B)           No que concerne ao exercício de 2007, o Requerente apresentou em 30-05-2008 a respectiva declaração de rendimentos Modelo 22, na qual apurou um montante de imposto de € 23.295.765,36, tendo procedido ao pagamento do imposto autoliquidado (documento n. 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           Também com referência ao exercício de 2007, o Requerente submeteu, em 07-10-2008, uma primeira declaração modelo 22 de substituição, na qual apurou um montante de imposto de € 23.344.285,52, o que determinou o pagamento adicional a pagar de € 48.520,16 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)           Posteriormente, em 29.05.2009, e igualmente com referência ao exercício de 2007, o Requerente apresentou uma segunda declaração modelo 22 de substituição, na qual se apurou um montante de imposto de € 23.340.686,29, o qual, não implicou o pagamento de qualquer imposto adicional, uma vez que representava uma redução face ao valor autoliquidado na declaração de substituição anterior (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            Em 29-10-2009, o Requerente foi notificado do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2009..., nas liquidações de juros compensatórios n.º 2009... e n.º 2009... e de juros moratórios n.º 2009..., e na demonstração de acerto de contas n.º 2009..., correspondente ao 1.º apuramento do exercício de 2007 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            Em função daquela correcção foi fixada pela administração tributária uma matéria coletável do exercício de € 161.977.862,30, quando o Requerente, em virtude da dedução do prejuízo fiscal apurado no exercício de 2005, havia apurado na declaração de substituição da modelo 22 do exercício apenas o montante de € 113.912.005,45;

G)           Fruto da supra referida correção, apurou-se uma coleta de € 40.494.465,57, ao invés do montante de € 28.478.001,36 apurado pelo Requerente, tendo sido, em consequência, adicionalmente liquidado o montante de € 13.234.465,56, o qual se decompõe nos seguintes montantes: (i) € 12.012.864,98 respeitante a imposto; (ii) € 466.369,32 respeitante a juros compensatórios, e (iii) € 739.255,25 respeitante a juros de mora;

H)           Não se conformando com aquela correcção consubstanciada na desconsideração, no exercício de 2007, da dedução do prejuízo fiscal reportado do exercício de 2005, nem, consequentemente, com os valores de matéria coletável e coleta fixados em função daquela correção, em 28-12-2009, o ora Requerente deduziu a correspondente impugnação judicial, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto com o n.º .../10...BEPRT (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Na sequência de correções resultantes de ação inspetiva desencadeada pela Direção-Geral dos Impostos ao exercício de 2007, foi o Requerente notificado do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2010..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2010... e de juros moratórios n.º 2010..., na compensação n.º 2010..., e na nota de cobrança n.º 2010..., correspondente ao 2.º apuramento do exercício de 2007, o qual apurou um valor a pagar de € 1.605.233,85 (documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J)            Contra o acto tributário referido na alínea anterior o Requerente deduziu, em 25-05-2010, impugnação judicial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../10...BEPRT (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido );

K)           Não tendo o Requerente invocado na impugnação judicial deduzida contra o acto tributário correspondente ao 1.º apuramento do exercício de 2007 (documento n.º 7), a ilegalidade do mesmo na parte correspondente à liquidação de juros de mora, no montante de € 739.255,25, calculados sobre o montante de € 12.230.920,91, com referência ao período compreendido entre Maio e Outubro de 2009, em 23-02-2011 o Requerente requereu a revisão oficiosa do referido acto tributário, na parte correspondente àqueles juros de mora (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L)            Em Novembro de 2011, o Requerente foi notificado da decisão de deferimento da revisão oficiosa (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)          Na aludida decisão, reconhece a administração tributária a ilegalidade da liquidação de juros de mora, com fundamento no facto de inexistir qualquer atraso no pagamento do imposto autoliquidado que motivasse a sua emissão, determinando-se, por conseguinte, a anulação da aludida liquidação, mas entendeu que ocorreu um retardamento na liquidação de imposto, sobre o qual deveria ter incidido, com referência àquele mesmo período de Maio a Outubro de 2009, juros compensatórios (documento n.º 18);

N)           Em Dezembro de 2011, o Requerente foi notificado da liquidação de IRC n.º 2011..., de 19-12-2011, da liquidação de juros compensatórios n.º 2011... e da demonstração de acerto de contas n.º 2011..., ambas datadas de 26-12-2011, todas referentes ao exercício de 2007 (doravante designados conjuntamente como «acto tributário») (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           As liquidações e demonstração de acerto de contas referidas foram emitidas na sequência da decisão de deferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente contra o acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2009..., nas liquidações de juros compensatórios n.º 2009..., n.º 2009... e de juros moratórios n.º 2009..., e na demonstração de acerto de contas n.º 2009..., correspondente ao 1.º apuramento do exercício de 2007, na parte correspondente à liquidação de juros de mora (documentos n.ºs 13 e 17 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

P)           A referida decisão do pedido de revisão oficiosa procedeu à anulação dos juros de mora anteriormente liquidados, no valor de € 739.255,25, assim como ao acréscimo, aos juros compensatórios anteriormente liquidados com referência ao 1.º apuramento do exercício de 2007, no valor de € 466.369,32, do montante de € 190.889,36, perfazendo-se assim a quantia final de juros compensatórios de € 657.035,54 (documentos n.ºs 7 e 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

Q)           Aquele montante de € 190.889,36 corresponde a juros compensatórios calculados à taxa de 4%, sobre o montante de imposto de € 12.012.864,98 (referente ao imposto adicionalmente liquidado no 1.º apuramento do exercício de 2007), no período compreendido entre 30-05-2009 e 22-10-2009 (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R)           O Requerente deduziu em 27-04-2012 reclamação graciosa contra o acto tributário que é objecto do presente processo, na parte correspondente ao acréscimo de juros compensatórios de € 190.889,36 (documentos n.ºs 1 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

S)            A reclamação graciosa referida na alínea anterior foi indeferida com os fundamentos referidos nos documentos n.ºs 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Da apreciação do pedido

A reclamante vem atacar a liquidação reclamada supra identificada que contempla as correcções efectuadas, quer aos prejuízos fiscais declarados, reportáveis ao exercício de 2005, bem como às correcções decorrentes da acção de inspecção ao exercício de 2007.

Conforme refere a reclamante, a liquidação reclamada vem proceder à anulação dos juros de mora anteriormente liquidados, no valor de € 739.255.25, assim como à liquidação adicional de juros compensatórios, de € 190.369,36, face à liquidação anterior, perfazendo um montante total de € 657.035,54,

Estes juros compensatórios foram calculados à taxa de 4% sobre o montante de € 12.012.864,53 (imposto adicionalmente liquidada), no período compreendido entre 2009/05/30 e 2009/10/22.

Defende a reclamante que a legalidade destes juros compensatórios depende do juízo de legalidade que for proferido sobre a liquidação de imposto n.º 2009 ..., a qual se encontra a ser discutida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT, por força de não terem sido considerados naquela, pela Administração Fiscal, prejuízos fiscais declarados, apurados no exercido de 2005.

Posteriormente, foi alvo de uma acção de inspecção, da qual resultaram correcções à matéria colectável de 2007, no valor de € 1.415.600,60, e a liquidação adicional n.º 2010 ..., relativamente à qual foi interposta a impugnação judicial n.º .../10...BEPRT que se encontra também pendente de decisão.

Não tendo nesta petição invocado a ilegalidade da liquidação no que respeita aos juros de mora nela incluídos, no valor de € 739.255,25, veio nessa parte requerer a revisão oficiosa da liquidação e a consequente anulação desses juros de mora.

Em Novembro de 2011, foi notificada da decisão de deferimento deste pedido de revisão, por se verificar inexistir qualquer atraso no pagamento do imposto auto liquidado. Consideraram, no entanto, os serviços, que o que ocorreu foi um retardamento na liquidação do imposto, com referência ao período de Maio a Outubro de 2009, sobre o qual deveriam ter incidido juros compensatórios, representando um acréscimo dos mesmos em € 190.889,36.

Alega a reclamante que a liquidação daquele acréscimo de juros compensatórios é manifestamente Ilegal porquanto se encontra pendente de decisão do processo de impugnação judiciai n.º .../10...BEPRT, que incorpora as correcções efectuadas à matéria colectável do exercício de 2007, as quais fundamentam a liquidação daqueles juros compensatórios ou, case assim não se entenda, deverão os presentes autos aguardar pela pronúncia de decisão transitada em julgado naquele processo.

Do exposto, e verificando-se que a legalidade do imposto subjacente à liquidação de juros compensatórios posta em causa, resulta de questões invocadas em sede de impugnação judicial apresentada para o exercício de 2007, e que se encontra ainda pendente de decisão, deverá a reclamante aguardar o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida no âmbito do referido processo, que caso lhe venha a ser favorável produzirá os respectivas efeitos na sua esfera da tributação, por via de correcções a efectuar pela Administração Fiscal.

Assim resulta do disposto no art 60.º do CPPT, pelo que a solicitada suspensão do presente processo de reclamação graciosa, até ao trânsito em julgado de tal decisão, se mostra desprovida de sentido, pois nessa data as correcções que daí resultarem serão efectuadas oficiosamente pela Administração Fiscal.

Conclusão

Em face do exposto, conclui-se não assistir razão no pedido da reclamante, sendo o mesmo de indeferir.

T)            Em 04-01-2013, o Requerente apresentou impugnação judicial tendo por objecto os actos que são objecto do presente processo, que correu termos na 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../13...BEPRT (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

U)           Em 07-12-2016, foi proferido no referido processo n.º .../13...BEPRT um despacho em que foi decidida «a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de impugnação que corre termos neste Tribunal sob o n.º .../10...BEPRT» (páginas 4 a 6 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

V)           Em 31-12-2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial requerimento com vista à extinção da instância judicial, que veio a ser decidida por despacho de 03-02-2020 (documento junto pelo Requerente em 23-06-2020, cujo teor se dá como reproduzido);

W)          Em 31-12-2019, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

5.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e que, em parte, constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.

 

6. Matéria de direito

 

A Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2009..., no valor de € 13.218.489,55, em que incluiu o valor das respectivas liquidações de juros compensatórios n.º 2009... e n.º 2009..., no valor total de € 466.369,32, e a liquidação de juros moratórios n.º 2009..., no valor de € 739.255,25, correspondentes ao 1.º apuramento do exercício de 2007.

O Requerente deduziu impugnação judicial contra a liquidação referida, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (processo n.º .../10...BEPRT), não impugnando, no entanto, a liquidação de juros de mora.

Posteriormente, na sequência de correções resultantes de ação inspetiva, o Requerente notificado do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2010..., datado de 06-02-2010, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2010... e de juros moratórios n.º 2010..., na compensação n.º 2010..., e na nota de cobrança n.º 2010..., correspondente ao 2.º apuramento do exercício de 2007, o qual apurou um valor a pagar de € 1.605.233,85 (documento n.º 15).

O Requerente deduziu impugnação judicial contra esta liquidação, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com o n.º .../10...BEPRT.

Posteriormente, em 23-02-2011, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa a mesma liquidação, apenas quanto à liquidação de juros de mora n.º 2009..., no valor de € 739.255,25, que não foi objecto de impugnação naquele processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT.

O pedido de revisão oficiosa foi deferido, quanto à liquidação de juros de mora, no valor de € 739.255,25, mas a Administração Tributária, dando execução à decisão de deferimento, emitiu uma nova liquidação de IRC com n.º 2011... e uma nova liquidação de juros compensatórios n.º 2011..., em que concretizou a anulação da liquidação dos juros de mora, mas em que foram liquidados adicionalmente juros compensatórios, que passaram a ter o valor de € 657.035,54, em vez de € 466.369,32, sendo, assim, liquidados adicionalmente juros compensatórios no valor de € 190.369,36 ( relativos ao período de 30-05-2009 a 22-10-2009), face à liquidação anterior (documentos n.ºs 7 e 13).

O Requerente apresentou reclamação graciosa desta nova liquidação, que foi indeferida, e, posteriormente, apresentou impugnação judicial, que teve o n.º .../13...BEPRT. do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que requereu a extinção da instância com subsequente apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

6.1. Posições das Partes

 

O Requerente defende, em suma, que não podiam ser liquidados adicionalmente juros compensatórios, por estar pendente a impugnação judicial n.º .../10...BEPRT, em que é questionada a legalidade da liquidação de IRC de que a liquidação de juros compensatórios depende.

Diz o Requerente, no essencial, o seguinte:

– «encontrando-se pendente aquele processo de impugnação judicial, no âmbito do qual se peticiona a anulação do referido ato tributário, não pode senão concluir-se que aquele ato ainda não se consolidou na ordem jurídica, e por conseguinte, o ato tributário sub judice, na parte respeitante ao acréscimo do montante de € 190.889,36 de juros compensatórios, é manifestamente ilegal»;

– «a legalidade do ato tributário sub judice, na parte respeitante ao acréscimo do montante de € 190.889,36 de juros compensatórios, encontra-se na direta dependência do juízo de legalidade que vier a ser proferido relativamente ao ato tributário identificado supra, objeto de impugnação»;

– «Tal conclusão, de resto, não colide com a circunstância do ato tributário de liquidação adicional ser, enquanto ato administrativo, um ato definitivo e executório, ou, melhor dizendo, face aos atuais princípios enformadores do regime dos atos administrativos, um ato que produz efeitos imediatos na esfera jurídica do contribuinte e, por consequência, potencial e imediatamente lesivo dos seus direitos ou interesses»;

– «somente se “(…) o acto não for reclamado, impugnado ou se não tiver lugar a revisão (…)” é que o mesmo se consolida “(…) na ordem jurídica sendo imediatamente exigível a respectiva prestação tributária»;

– «a produção plena de todos os efeitos do ato tributário de liquidação com a consequente imposição do seu cumprimento ao contribuinte, só se poderá verificar quando a legalidade do mesmo já não for suscetível de ser questionada por aquele»;

– o prazo de caducidade do direito de liquidação não é prejudicado pelo diferimento da liquidação dos juros compensatórios;

– «tendo a administração tributária emitido o ato tributário, na parte sob contestação, quando se encontrava suspenso o exercício do seu direito à liquidação nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, não pode aquele subsistir, devendo, em consequência, decidir-se pela procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e consequente anulação daquele ato»;

– «mesmo admitindo que recai sobre a administração tributária um dever de correção de atos tributários ilegais, designadamente quando for declarada a ilegalidade dos atos tributários que os antecedem e originam, o que é certo é que aqueles primeiros atos tributários, porquanto ilegais, não podem deixar de poder ser contestados pelo contribuinte, nomeadamente com vista a evitar a sua consolidação na ordem jurídica»;

– subsidiariamente, «face à relação de prejudicialidade entre o processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT, acima melhor identificado e o presente pedido de pronúncia arbitral, sempre deverá o presente processo aguardar pela decisão transitada em julgado naquele processo, sob pena de violação dos princípios constitucionais da justiça, da boa fé e da proporcionalidade, nos termos que melhor se passa a explicitar»;

– «enquanto que a posição da administração tributária se encontra legalmente acautelada, por força da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, o mesmo não pode dizer-se em relação à posição do sujeito passivo, uma vez que os prazos de que dispõe para promover a retificação da liquidação através dos diversos procedimentos legais correm sem qualquer suspensão e independentemente do litígio gracioso ou judicial em curso»;

– «em caso de deferimento da pretensão do ora Requerente naquele processo de impugnação judicial, encontrando-se então já precludidos os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, bem como de revisão oficiosa com referência ao ato em crise, cristalizar-se-ia, sob esta perspetiva, de forma definitiva a liquidação adicional de juros compensatórios, sem que, todavia, subsistisse na ordem jurídica o fundamento que subjazeu à sua emissão»;

– «a dedução do presente pedido de pronúncia arbitral contra o ato tributário sub judice visa evitar a sua consolidação na ordem jurídica e garantir que o Requerente obtenha, a final e em caso de procedência da impugnação judicial deduzida contra o ato tributário referente ao 1.º apuramento do exercício de 2007, a prolação de uma decisão que reconheça a ilegalidade do ato tributário sub judice»;

– «decisão esta que, como é evidente, assume particular relevância, porquanto constituirá o único título executivo de que o sujeito passivo disporá para compelir a administração tributária, se necessário, à anulação do ato tributário sub judice»;

– «Assim, importa concluir que apenas através da suspensão dos presentes autos é possível respeitar os princípios da justiça, da boa fé e da proporcionalidade».

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– «os requisitos da existência de juros compensatórios são o retardamento da liquidação base do imposto devido, por facto imputável ao contribuinte»;

– «o nexo de imputação do facto (o retardamento da liquidação) ao agente, nos termos gerais de direito, porque só há responsabilidade objectiva quando expressamente prevista (art. 483º do Cód. Civil), é um nexo subjectivo baseado na culpa, na modalidade de erro de conduta, traduzido no incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação fiscal acessória de apresentar a declaração de rendimentos num determinado prazo e de, nessa declaração, informar com verdade, por uma certa forma e com observância dos critérios impostos pelas leis fiscais»;

– «o princípio da legalidade da tributação impõe que se afira a obrigação de juros pelo princípio da causalidade adequada face à qual, o retardamento da liquidação devida pelo contribuinte, - a conduta omissiva ou deficiente deste - é causalmente adequada à verificação do dano até ao momento da prática do ato legalmente previsto para pôr termo às consequências danosas dessa conduta omissiva»;

– «o erro do contribuinte, no caso vertente, a não apresentação da declaração de imposto sobre o rendimento no momento próprio nos termos que resultam das normas do CIRC, acarretou atraso na liquidação, constituindo o contribuinte na obrigação de indemnizar o credor tributário, salvo se existir alguma causa de exculpação, como será o caso de o contribuinte ter agido em conformidade com prática anterior longamente reiterada da AF ou corrente jurisprudencial significativa, que justifique a divergência de critérios em relação à AF (...).»

– «na ausência de disposição legal  preveja  e sustenta a pretensão do Requerente,  a mesma é  totalmente improcedente por falta de norma legal»;

– «o que Requerente verdadeiramente pretende é o mesmo em que sustenta a ilegalidade do ato impugnado  -   a suspensão dos presentes autos» que já foi decidida;

 

6.2. Apreciação da questão

 

6.2.1. Questão da possibilidade de emissão de liquidação adicional de juros compensatórios na pendência de impugnação judicial da liquidação de IRC que é seu pressuposto

 

O 60.º do CPPT estabelece que «os actos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei».

Nos termos do artigo 88.º, n.ºs 1 e 5, do CPPT, «findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida», que serve de base á instauração de processo executivo.

Decorre destas normas que vigora no nossos direito tributário o sistema de administração executiva, de tipo francês, que se caracteriza, além do mais, pela autotutela declarativa e pelo privilégio da execução prévia, que lhe permite declarar os direitos tributários e as correspondentes obrigações tributárias e dar execução coerciva aos actos praticados, no exercício de poderes de autoridade próprios, sem necessidade de prévia pronúncia pelos tribunais.

Como decorre daquelas normas, a possibilidade de impugnação administrativa o contenciosa natureza dos actos tributários não afecta a sua definitividade e eficácia imediata, após a sua notificação aos destinatários (artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT).

Aliás, o próprio Requerente reconhece que a liquidação adicional é «enquanto ato administrativo, um ato definitivo e executório».

A esta luz, tem de se concluir que o facto de ter sido impugnada uma anterior liquidação de IRC, que é pressuposto da liquidação de juros compensatórios, não afasta a definitividade tendencial da declaração de direitos tributários que nela se contém e a possibilidade de ela servir de suporte à liquidação de juros compensatórios, que integram também a dívida de imposto e até devem ser conjuntamente liquidados (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), sem prejuízo da possibilidade de liquidação adicional quando se detectarem erros ou omissões na liquidação inicial [artigo 99.º, n.º 2, alínea c), do CIRC].

Assim, a mera pendência de processo de impugnação judicial em que é impugnada a liquidação de IRC, que é pressuposto dos juros compensatórios, não obsta a que estes sejam liquidados adicionalmente, quando não foram liquidados conjuntamente com aquela liquidação, pois não é condição da liquidação de juros compensatórios a consolidação na ordem jurídica da liquidação de IRC que é seu pressuposto.

 

6.2.2. Argumento da suspensão da caducidade do direito de liquidação

 

Também não tem razão o Requerente quanto à posição que defende quanto à caducidade do direito de liquidação.

Na verdade, integrando-se a liquidação de juros compensatórios na liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), está sujeita ao mesmo prazo de caducidade do direito de liquidação.

A suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, para os casos em que esse direito resulta de reclamação ou impugnação, não tem aplicação na situação dos autos, pois não foi a decisão da reclamação ou impugnação que fez nascer o direito de liquidação adicional de juros compensatórios, que tem como pressuposto apenas a liquidação de IRC. É desta liquidação de IRC, que não foi anulada ou alterada na reclamação graciosa, que resulta o direito a liquidar adicionalmente juros compensatórios e não da decisão da reclamação graciosa que anulou a liquidação de juros de mora.

A suspensão da caducidade a que se reporta aquela alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º tem em vista os casos em que, na sequência de anulação administrativa ou judicial, há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido.

No caso em apreço, não se está perante uma situação desse tipo, pois o direito à liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a subsistência da liquidação de IRC na ordem jurídica e não a sua anulação.

 

6.2.2. Questão da suspensão do presente processo por prejudicialidade em relação ao processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT

 

Subsidiariamente, o Requerente pede a suspensão do presente processo até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT que corre termos na 4.ª unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por entender que há uma relação de prejudicialidade entre esse processo e o presente.

Os artigos 272.º, n.ºs 1 e 2, do CPC estabelecem o seguinte, sobre a possibilidade de suspensão da instância por pendência de causa prejudicial:

 

1 – O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 – Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

 

Resulta do teor expresso do n.º 1, designadamente do uso da palavra «pode», usualmente utilizada na técnica legislativa para exprimir a atribuição de poderes discricionários, a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial é de natureza facultativa (   ).

Como ensina ALBERTO DOS REIS, «sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta». (   )

No presente processo, é questionada apenas a legalidade da emissão da liquidação adicional de juros compensatórios antes de estar decidida a impugnação da liquidação de IRC, que  é  pressuposto da liquidação daqueles juros.

Como é óbvio, a apreciação da questão de saber se é ou não legal a emissão de uma liquidação de juros compensatórios durante a pendência da impugnação da liquidação de IRC que lhe está subjacente não depende da apreciação da legalidade desta, mas apenas da constatação da pendência do processo em que é apreciada a sua legalidade.

Na verdade, este único vício imputado pelo Requerente à liquidação adicional de juros compensatórios é  um vício autónomo desta liquidação.

Por isso, não se verifica uma situação em que deva decidir-se a suspensão da instância ao abrigo do artigo 272.º do CPC.

  

 6.2.3. Questão da suspensão do presente processo por força dos princípios da justiça, da boa fé e da proporcionalidade

 

Subsidiariamente, o Requerente pede a suspensão do presente processo até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT que corre termos na 4.ª unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Defende o Requerente que «apenas através da suspensão dos presentes autos é possível respeitar os princípios da justiça, da boa fé e da proporcionalidade».

O pedido de suspensão e a sua invocada necessidade para assegurar estes princípios (enunciados no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT) têm como pressuposto o entendimento do Requerente que «caso de deferimento da pretensão do ora Requerente naquele processo de impugnação judicial, encontrando-se então já precludidos os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, bem como de revisão oficiosa com referência ao ato em crise, cristalizar-se-ia, sob esta perspetiva, de forma definitiva a liquidação adicional de juros compensatórios, sem que, todavia, subsistisse na ordem jurídica o fundamento que subjazeu à sua emissão».

No entanto, este entendimento não é correcto.

Na verdade, a ser anulada a liquidação de IRC no processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT, a liquidação de juros compensatórios que é objecto do presente processo ficará supervenientemente afectada de nulidade, por força do disposto no artigo 133.º, n.º 1, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente ao tempo em que foi emitida a liquidação de juros compensatórios em causa. (   ) (   )

Como efeito, como reiteradamente entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, «um acto administrativo é consequente de acto anterior quando é praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática deste acto anterior». (   )

Assim, se eventualmente for anulada a liquidação de IRC que é objecto do processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT, a liquidação adicional de juros compensatórios passará a enfermar de nulidade, que «é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal» (artigo 134.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo de 1991).

Consequentemente, mesmo que a Administração Tributária não venha a declarar nula a liquidação adicional, se vier a ser anulada a liquidação de IRC, a tutela da situação jurídica do Requerente está perfeitamente assegurada, a todo o tempo.

Por isso, não tem correspondência com a realidade jurídica, o pressuposto em que assenta o entendimento do Requerente para afirmar a ofensa daqueles princípios.

Assim, os referidos princípios não justificam a suspensão da instância no presente processo arbitral.

A isso acresce que a suspensão da instância arbitral para aguardar decisões proferidas em processos que correm termos nos tribunais tributários estaduais é inconveniente, por ser patente que, normalmente, não permitirá atingir o objectivo da arbitragem tributária, que é proferir um decisão final no prazo previsto no artigo 21.º do RJAT.

Por isso, a suspensão da instância arbitral, quando é facultativa, para estar em consonância com aquele desígnio legislativo, apenas deverá ser decidida quando a suspensão for compatível com o cumprimento daquele prazo. Neste caso, não há qualquer razão para crer que o processo n.º.../10...BEPRT  do Tribunal Tributário do Porto, iniciado há cerca de 10 anos (como se infere da numeração), venha a ser decidido com a brevidade necessária para cumprir o prazo previsto para decisão arbitral.

Pelo exposto, improcede o pedido subsidiário.

 

7. Conclusões

 

Assim, preparando a decisão formulam-se as seguintes conclusões:

 

I - O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 18/2018, de 15 de Outubro, permite o cometimento de processos tributários para a arbitragem tributária que se encontrem em situação de suspensão da instância.

II - A liquidação de juros compensatórios é contenciosamente impugnável, pois é um acto lesivo [artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da LGT] e a impugnação de actos lesivos está constitucionalmente assegurada pelos nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

III - A liquidação de juros compensatórios é impugnável com fundamento num vício autónomo, não derivado de vícios da liquidação de imposto que é seu pressuposto.

IV - Dos artigos 60.º e 88.º, n.º 5, do CPPT decorre que vigora no nossos direito tributário o sistema de administração executiva, de tipo francês, que se caracteriza, além do mais, pela autotutela declarativa e pelo privilégio da execução prévia, que lhe permite declarar os direitos tributários e as correspondentes obrigações tributárias e dar execução coerciva aos actos praticados, no exercício de poderes de autoridade próprios, sem necessidade de prévia pronúncia pelos tribunais.

V - Como decorre daquelas normas, a possibilidade de impugnação administrativa o contenciosa natureza dos actos tributários não afecta a sua definitividade e eficácia imediata, após a sua notificação aos destinatários (artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT).

VI - O facto de ter sido impugnada uma anterior liquidação de IRC, que é pressuposto da liquidação de juros compensatórios, não afasta a definitividade tendencial da declaração de direitos tributários que nela se contém e a possibilidade de ela servir de suporte à liquidação de juros compensatórios, que integram também a dívida de imposto e até devem ser conjuntamente liquidados (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), sem prejuízo da possibilidade de liquidação adicional quando se detectarem erros ou omissões na liquidação inicial [artigo 99.º, n.º 2, alínea c), do CIRC].

VII - A suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, para os casos em que esse direito resulta de reclamação ou impugnação, não tem aplicação numa situação em que não foi a decisão de reclamação ou impugnação que fez nascer o direito de liquidação adicional de juros compensatórios.

VIII - A apreciação da questão de saber se é ou não legal a emissão de uma liquidação de juros compensatórios durante a pendência da impugnação da liquidação de IRC que lhe está subjacente não depende da apreciação da legalidade desta, mas apenas da constatação da pendência do processo em que é apreciada a sua legalidade.

IX - A ser anulada a liquidação de IRC no processo de impugnação judicial n.º .../10...BEPRT, a liquidação de juros compensatórios que é objecto do presente processo ficará supervenientemente afectada de nulidade, por força do disposto no artigo 133.º, n.º 1, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente quando foi emitida a liquidação, pois um acto administrativo é consequente de acto anterior quando é praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática deste acto anterior.

X - A suspensão da instância arbitral para aguardar decisões proferidas em processos que correm termos nos tribunais tributários estaduais é inconveniente, por ser manifesto que, normalmente, não permitirá atingir o objectivo da arbitragem tributária, que é proferir um decisão final no prazo previsto no artigo 21.º do RJAT.

 

8. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)           Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

B)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

C)           Julgar improcedente o pedido de suspensão da instância:

D)           Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

9. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 190.889,36.

 

10. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

              

Lisboa, 03-10-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)                           

(A. Sérgio de Matos)

(Jorge Carita)