SUMÁRIO:
A referência na previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, às provisões constituídas para riscos gerais de crédito que não podem ser deduzidas para efeitos fiscais deve ser entendida no sentido de se reportar às provisões determinadas numa base anual, devendo ser considerada, em cada exercício, uma constituição/ dotação da provisão se o saldo final da provisão a 31 de dezembro do exercício (2003) for superior ao seu saldo a 31 de dezembro do exercício anterior (2002), ou uma anulação/ reposição dessa provisão, na hipótese inversa.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., com sede em Lisboa, na Rua ..., n.º..., com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e do regime de migração de processos previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2003.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
O Requerente é um sujeito passivo de IRC que exerce a atividade bancária.
Oportunamente, procedeu à entrega da declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC com referência ao exercício de 2003, e, tendo constatado que o enquadramento das provisões para riscos gerais de crédito não fora o mais correto, apresentou, em 29 de maio de 2008, um pedido de revisão do acto de autoliquidação.
Em 3 de fevereiro de 2009, foi notificado da decisão de indeferimento do pedido de revisão com fundamento na sua extemporaneidade, com base no entendimento de que, nos termos do artigo 78.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), o pedido devia ter sido precedido da reclamação a que se refere o artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a apresentar no prazo de dois anos.
O Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi igualmente objecto de indeferimento.
Considera o Requerente que a decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico viola o direito de audição prévia previsto nos artigos 267.º da CRP e 60.º da LGT, ao não ter sido precedida da sua notificação para o exercício desse direito.
Quanto ao fundamento para o indeferimento do pedido de revisão, entende que a utilização desse meio procedimental não está dependente de uma prévia análise da legalidade do acto tributário através da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, nem da exigência de apresentação de “razões plausíveis para justificar por que não reclamou do erro na autoliquidação dentro do prazo para deduzir essa reclamação.
Em termos de legalidade substancial, o Requerente entende que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico está eivada de erro nos pressupostos de direito, porquanto a interpretação subjacente à aplicação da lei na autoliquidação de IRC de 2003 não teve em consideração que a provisão para riscos gerais de crédito deve ser analisada numa base anual, dado o seu caráter genérico e abstracto, devendo atender-se, em cada exercício, ou a uma constituição/dotação (caso o saldo final da provisão a 31 de dezembro do exercício n seja superior ao seu saldo a 31 de dezembro do exercício n-1), ou uma anulação/reposição (caso se verifique o oposto).
Desta forma, o Requerente não deveria ter acrescido qualquer valor a este título, o que determinou o acréscimo do montante de € 651.121,36, correspondente ao valor (bruto) de constituição de provisões para riscos gerais de crédito.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, coloca a questão prévia da não verificação dos pressupostos de migração de processo para o tribunal arbitral por não existirem elementos, à data em que o pedido foi submetido na plataforma do CAAD, que certifiquem que o processo de impugnação judicial, a correr termos no tribunal tributário, estava extinto, e por não ter sido feita prova da coincidência entre o pedido e a causa de pedir.
Invoca ainda a incompetência material do tribunal arbitral com dois fundamentos: por força do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT, o tribunal não é competente para conhecer da decisão de indeferimento de recurso hierárquico por vícios próprios e exclusivos dessa decisão, que se não reflectem no acto de liquidação, sendo o meio processual próprio a acção administrativa; o tribunal também não é competente para conhecer do pedido de revisão do acto de autoliquidação, visto que o pedido foi indeferido por intempestividade e não foi objecto de apreciação do mérito.
Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária considera que não há lugar ao direito de audição quando a Administração decide em recurso hierárquico com base nos mesmos factos que fundamentaram a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e se manteve, em reexame, a questão da adequação e tempestividade do meio procedimental utilizado.
Quanto à adequação do pedido de revisão oficiosa, importa considerar que o legislador consagrou um regime especial de reacção contra os actos de autoliquidação distinto do regime geral aplicável aos actos tributários, sendo que, neste caso, o sujeito passivo pode optar por reclamar ou impugnar nos termos gerais consagrados nos artigos 68.º a 75.º e 99.º a 121.º do CPPT, enquanto no tocante aos actos de autoliquidação, o legislador optou por prever uma reclamação graciosa, prévia e obrigatória, à abertura da via da impugnação judicial.
No caso vertente, não se está perante qualquer correcção à autoliquidação, que tenha sido efectuada pela AT, nem muito menos perante pedido de revisão de acto de correcção efectuado em sede de inspecção tributária, mas perante um erro de autoliquidação que era susceptível de reclamação graciosa como impõe o artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, sendo que o prazo de quatro anos para formular um pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte pressupõe a existência de erro dos serviços.
Quanto ao regime aplicável à provisão para riscos gerais de crédito, importa ter presente que esta é uma argumentação que respeita ao mérito da pretensão que não chegou a ser apreciado pela Autoridade Tributária, não podendo o tribunal arbitral conhecer do pedido nessa parte sob pena de se substituir à Administração.
Em qualquer caso, a partir do exercício de 2003, as provisões para riscos gerais de crédito deixaram de configurar provisões dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e, por outro lado, a reposição de provisões para riscos gerais de crédito ou de outras que não visem a cobertura de riscos específicos da actividade, são consideradas proveitos do exercício, em primeiro lugar, aquelas que tenham sido custo fiscal no exercício da respectiva constituição (artigo 34.º, n.º 3).
É de notar que o legislador não incluiu, no regime transitório, uma regra que impusesse às entidades abrangidas a reposição integral e de uma só vez do saldo das provisões para riscos gerais de crédito, em 31 de Dezembro de 2000, que tivessem sido aceites como custo fiscal nos exercícios da respectiva constituição, e optou antes por uma solução gradualista no sentido de a tributação dos valores que integravam os saldos das provisões serem incluídos no lucro tributável à medida que as entidades procedessem à sua anulação ou reposição, acrescentando que teriam prioridade na anulação as que tivessem sido deduzidas fiscalmente.
A pretensão do Requerente seria justificada se a reposição/anulação da provisão para riscos gerais de crédito, verificada no exercício de 2003, respeitasse exclusivamente a valores da provisão que foram tributados em exercícios anteriores. Ou seja, o entendimento da Requerente seria válido, se os montantes das anulações/reposições das provisões para riscos gerais de crédito ocorridas no exercício de 2003 já tivessem sido tributados na sua totalidade.
Conclui no sentido da procedência das excepções dilatórias e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, a Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo, em síntese, o seguinte.
Para efeito da migração de processos para os tribunais arbitrais, o n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, apenas torna exigível a certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial, não se tornando necessária qualquer prova adicional relativa à efectiva homologação, pelo tribunal, do pedido de desistência formulado pelo Requerente. Acresce que, aquando da constituição do tribunal arbitral, em 18 de fevereiro de 2020, o Tribunal Tributário de Lisboa já havia homologado a desistência, por despacho de 10 de fevereiro, havendo de concluir-se que, a essa data, o processo de impugnação judicial já se encontrava extinto.
Por outro lado, pelo documento junto com a resposta à matéria de excepção, que integra a petição inicial apresentada no Tribunal Tributário de Lisboa e que deu origem ao Processo n.º .../10...BELRS, poderá verificar-se a coincidência entre os pedidos e as causas de pedir em ambas as ações, estando, assim, plenamente cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, não havendo motivo, por conseguinte, para considerar inverificados os requisitos da migração de processos.
No que se refere à incompetência do tribunal arbitral para apreciar a legalidade da decisão do recurso hierárquico, cabe notar que não estão apenas em causa vícios imputáveis à própria decisão, constatando-se que ela se pronunciou sobre o mérito do pedido de revisão, e, consequentemente, sobre o acto de autoliquidação que foi objecto desse pedido, estando em causa, desse modo, um acto administrativo que tendo apreciado a legalidade da liquidação, é passível de impugnação judicial nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
Também não é procedente a excepção de incompetência do tribunal para a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em não estar em causa a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.
Em primeiro lugar, no caso, a decisão impugnada é a de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento do pedido de revisão, e não a própria decisão de indeferimento, com base na sua intempestividade, desse pedido de revisão; acresce que a Autoridade Tributária conheceu igualmente do mérito do pedido de revisão no âmbito do recurso hierárquico, sendo entendimento da jurisprudência tributária que os tribunais arbitrais são competentes para conhecer de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de liquidação que tenham sido precedidos de revisão oficiosa.
3. No prosseguimento do processo, por despacho de 15 de Outubro de 2020, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por não existirem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 18 de Março de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e foram invocadas exceções de inverificação dos requisitos do cometimento do processo ao tribunal arbitral, ao abrigo do regime de migração de processos, de incompetência material do tribunal para apreciar a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e da decisão do pedido de revisão oficiosa, que serão analisadas adiante.
Cabe apreciar e decidir.
Saneamento
Requisitos da migração de processos
5. A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a questão prévia da não verificação dos pressupostos de migração de processo para o tribunal arbitral por não existirem elementos que comprovem, à data da entrada do pedido arbitral, a extinção do processo de impugnação judicial deduzido perante o Tribunal Tributário de Lisboa e a coincidência entre pedidos e causas de pedir da pretensão formulada perante o tribunal arbitral e do processo a extinguir.
A migração de processos para os tribunais arbitrais encontra-se regulada no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, nos seguintes termos:
1 - Os sujeitos passivos podem, até 31 de Dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.
2 - As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.
3 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo.”
O transcrito n.º 3 apenas torna exigível que o pedido de constituição de tribunal arbitral seja acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial no tribunal tributário, requisito que a Requerente comprovou através do documento junto ao pedido arbitral. Acresce que, através do documento n.º 1 junto à resposta à matéria de exceção, constata-se que o requerimento de extinção foi homologado por despacho do juiz do Tribunal Tributário de Lisboa de 10 de fevereiro de 2020, pelo que, à data da constituição do tribunal arbitral, em 18 de Março seguinte, o processo de impugnação em curso nesse Tribunal encontrava-se já extinto.
Acresce ainda – como se demonstra pelo documento n.º 3 junto à resposta à matéria de excepção – que o processo de impugnação judicial n.º .../10...BELRS tinha por objecto o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2003, e reproduz o articulado apresentado perante o tribunal arbitral, verificando-se a total identidade do pedido e da causa de pedir entre as pretensões deduzidas.
Não há, por conseguinte, nenhum motivo para considerar inverificados os pressupostos da migração de processos.
Incompetência do tribunal para conhecer da decisão de indeferimento de recurso hierárquico
6. A Autoridade Tributária invoca ainda a incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da decisão de indeferimento de recurso hierárquico, por considerar que o pedido se fundamenta em vícios próprios dessa decisão, que se não reflectem no acto de liquidação, pelo que o meio processual próprio, em aplicação do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPTT, é a acção administrativa.
Tal como vem colocada, a questão prende-se com a distinção, no âmbito do processo judicial tributário, entre a impugnação judicial e o recurso contencioso segundo a nomenclatura que resulta do artigo 97.º do CPPT.
Nos termos do artigo 95.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei”. Por sua vez, o artigo 97.º, n.º 1, do CPPT distingue entre a impugnação judicial e o recurso contencioso de acordo com o objecto do processo, considerando impugnáveis “os actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação” (alínea d)), e recorríveis “os actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação” (alínea p)).
Entretanto, o n.º 2 desse artigo 97.º esclarece que o recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, o que remete para o disposto no artigo 191.º do CPTA. Determina este preceito que “as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de actos administrativos consideram-se feitas para o regime da acção administrativa”, o que significa que a remissão efectuada pelo artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT se considera agora feita para a forma de processo que lhe corresponde no CPTA. O que conduziria, em tese geral, a considerar aplicável a acção de condenação à prática de acto devido quando estivesse em causa a omissão ou recusa da prática de acto administrativo.
No caso vertente, a Requerente deduziu um pedido arbitral contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2003.
Por outro lado, para avaliar se a decisão de indeferimento do recurso hierárquico incidiu sobre a apreciação do mérito do acto de liquidação, importa ter presente a informação dos serviços que recaiu sobre o recurso hierárquico e mereceu a concordância da Subdirectora Geral.
Dessa informação, destaca-se o seguinte:
[…]
Sobre a possibilidade de revisão oficiosa da autoliquidação tem sido o seguinte o entendimento dos serviços.
Na primeira parte do n.o 1 do art.º 78.º da LGT é prevista a revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo, com fundamento em ilegalidade, no prazo da reclamação administrativa, cujo prazo, é de 2 anos após a apresentação da declaração mod. 22, nos termos do n.º 1 do art.º 131.º do CPPT.
Prazo que já tinha precludido em 29.05.2008, data em que foi apresentado o pedido pelo sujeito passivo. Assim não é possível a revisão nos termos da primeira parte do n.o 1 do art.º 78.º da LGT, por extemporaneidade.
[…]
Também não é defensável a revisão oficiosa da autoliquidação nos termos da segunda parte do n.o 1 do artº 78.º da LGT em que o prazo de revisão oficiosa dos actos tributários a favor do contribuinte é de 4 anos, porque essa revisão oficiosa a favor do contribuinte só é possível em caso de erro imputável aos serviços na liquidação, face à primeira parte do n.o 2 do citado artº 78º da LGT.
[…]
Verifica-se portanto não ser possível a revisão tanto nos termos da primeira parte do n o 1 do arto 78.º da LGT, por extemporânea, como nos termos da 2a parte, por não se poder entender que se trate de erro dos serviços.
[…]
Convém ainda referir que a recorrente menciona, sem qualquer dado objectivo, basear o seu novo entendimento sobre o tratamento das provisões para riscos gerais de crédito, em informação prestada sobre o assunto pela administração fiscal.
Relativamente às provisões para riscos gerais de crédito, apenas se conhece a Informação no 814/02 proferida no âmbito do Processo n.o 770/02 que correu termos nesta Direcção de Serviços, na qual se informou determinado sujeito passivo sobre questões colocadas ao abrigo do artº 68º da LGT.
Confrontado o conteúdo da citada informação, com a posição que a recorrente diz ser a da administração fiscal, conclui-se que a recorrente não fez a adequada interpretação do conteúdo da mesma.
A recorrente entendeu que o valor da provisão a acrescer no quadro 07 da declaração mod. 22 corresponde apenas à variação positiva das provisões (diferença entre o valor das provisões do exercício e o valor inscrito na conta Reposições e anulações de provisões). Todavia, só no regime transitório referido no n.o 6 do arto 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, é que o legislador faz referência à variação positiva das provisões. Este regime transitório vigorou nos exercícios de 2001 e 2002. Nos presentes autos está em causa a constituição da provisão do exercício de 2003, pelo que não é aceite fiscalmente o valor da provisão constituída.
As reposições e anulações da provisão ocorridas no exercício só seriam de deduzir para efeitos de apuramento do resultado fiscal se tivessem sido tributadas anteriormente.
Face ao exposto somos de opinião de que é de indeferir o presente recurso hierárquico.
Conclui-se assim que a decisão de indeferimento, tendo manifestado concordância com a proposta formulada pelos serviços, assenta em três diferentes fundamentos: por um lado, considerou-se que o pedido de revisão é extemporâneo por não ter sido apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa; por outro lado, entendeu-se não se ter verificado a ilegalidade do acto tributário por erro imputável aos serviços para efeito de poder ser admitida a revisão oficiosa no prazo mais amplo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Considerou ainda a Autoridade Tributária que o valor da provisão a atender para efeitos fiscais como correspondendo à variação positiva das provisões apenas teve aplicação no regime transitório definido no n.o 6 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, com um âmbito aplicativo circunscrito aos anos de 2001 e 2002, pelo que não poderia ser aceite fiscalmente no exercício de 2003.
Resulta assim, com evidência, que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico não se baseou apenas em considerações de ordem formal, mas analisou aspectos relacionados com o próprio mérito do pedido de revisão, cujo indeferimento constituía objecto do recurso hierárquico, pelo que, tal como se decidiu, em situação similar, no acórdão do STA de 14 de Maio de 2015 (Processo n.º 01958/13), é de entender que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, por efeito de dois dos fundamentos invocados, comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação e cabe no âmbito de aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
Nestes termos, a invocada exceção da incompetência do tribunal arbitral e erro na forma de processo mostra-se ser improcedente.
Incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido de revisão oficiosa
7. Com base na mesma ordem de considerações, a Autoridade Tributária alega que o tribunal arbitral é incompetente para conhecer da decisão de indeferimento do pedido de revisão, visto que o pedido foi indeferido por intempestividade, por não ter sido deduzido dentro do prazo de dois anos previsto para a reclamação graciosa, e não se pronunciou, por conseguinte, quanto à legalidade do acto de liquidação.
No entanto, como bem observa a Requerente, na resposta à matéria de excepção, o objecto imediato do pedido arbitral é a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento do pedido de revisão, não podendo objectar-se com a regra de competência do artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT quando essa decisão – a directamente impugnada – teve em consideração aspectos que relevam no plano da apreciação do mérito.
Assim sendo, esta excepção é também improcedente.
II - Fundamentação
Matéria de facto
8. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) O Requerente é um sujeito passivo de IRC que exerce a atividade bancária, encontrando-se sujeito à supervisão do Banco de Portugal.
B) O Requerente encontra-se obrigado a constituir provisões de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 7.º do Aviso n.º 3/95, de 30 de Junho, do Banco de Portugal.
C) O Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2003, em 28 de Maio de 2004.
D) Na declaração de IRC, acresceu no campo 208 do quadro 07 a totalidade do montante de constituições da provisão para riscos gerais de crédito, em atenção ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, considerando para o efeito as transferências de outras rubricas de provisões para a provisão para riscos gerais de crédito como constituições.
E) Esse procedimento deveu-se ao facto de ter entendido que, os montantes registados a débito deveriam ser tratados como reforços/dotações da provisão para riscos gerais de crédito.
F) Assim, no exercício de 2003, o Requerente considerou que o valor de custos das rubricas #79900 — “'para crédito concedido" e #79901 — "para crédito assinatura" constituíam reforços/dotações, ou seja, custos não dedutíveis para efeitos de IRC.
G) Posteriormente, o Requerente constatou que o enquadramento das provisões para riscos gerais de crédito constante da declaração de IRC não constituiu o tratamento fiscal mais correcto no que respeita às provisões para riscos gerais de crédito, tendo implicado um acréscimo indevido ao resultado líquido do exercício de 2003, no montante de € 651.121,26.
H) Os movimentos que ocorreram na provisão para riscos gerais de crédito no exercício de 2003 encontram-se assim descritos:
Constituições do exercício 651.121,36
Transferências para outras provisões -8.963.014,21
Total líquido -8.311.892,85
I) Em 29 de maio de 2008, o Requerente apresentou um pedido de revisão do ato de autoliquidação.
J) No pedido de revisão, o Requerente solicita a desconsideração do acréscimo no valor de € 651.121,36, inscrito na declaração Modelo 22 de IRC, entendendo que, para efeitos do apuramento do lucro tributável, não deveria ter procedido ao acréscimo na declaração de IRC, no valor € 651.121,26, uma vez que o movimento líquido da provisão para riscos gerais de crédito foi negativo.
K) No entender do Requerente, deve ser registada como custos do exercício, a título de constituições/reforços de provisões, a variação positiva da estimativa dos riscos, em cada espécie de provisão, entre dois períodos contabilísticos consecutivos, de modo a que na situação em que a variação seja positiva deverá esse montante ser acrescido, e se o movimento for negativo e existir saldo inicial não tributado não existe qualquer ajustamento a efectuar.
L) O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 19 de Dezembro de 2008, da Directora de IRC, praticado com subdelegação de competências, com base na informação n.º 2561 da Direcção de Finanças de Lisboa, e notificado pelo ofício n.º..., de 2 de fevereiro de 2009.
M) Em 3 de Março de 2009, o Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi indeferido por despacho de 7 de Maio de 2010, da Subdirectora-Geral, praticado com subdelegação de competências, com base em informação da Direcção de Serviços de Lisboa, e que lhe notificado através do ofício n.º ... de 26 de maio de 2010.
N) A informação dos serviços em que se baseou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, na parte relevante, é do seguinte teor:
ANÁLISE DA REVISÃO OFICIOSA
No caso em apreço está em causa um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação do exercício de 2003, nos termos do no 1 e 2 do artigo 78º da LCT, com fundamento em erro imputável aos serviços.
A requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos do exercício de 2003 em 28.05.2004 e deduziu o pedido de revisão oficiosa em 29.05.2008.
O pedido de revisão resulta de a requerente ter acrescido no campo 208 do quadro 07 da declaração modelo 22 o valor de € 651.121,36, de provisões para riscos gerais de crédito que não são aceites para efeitos fiscais nos termos da alínea d) do no 1 do artigo 34.º do CIRC.
No entender da requerente a revisão deve ser efectuada uma vez que resulta claramente da lei que qualquer erro na autoliquidação será imputável aos serviços.
Só que, entre a data da entrega da declaração modelo 22 e a do pedido de revisão oficiosa decorreram exactamente 4 anos, e este prazo ultrapassa em muito o previsto para a revisão da autoliquidação, que é de 2 anos a contar da entrega da declaração.
Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, "Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços o erro na autoliquidação".
Assim, face ao referido nesta norma de que apesar de se considerar imputável aos serviços o erro na autoliquidação, tal não prejudica os ónus legais de reclamação ou impugnação, isso significa, segundo os Serviços, que os erros na autoliquidação têm de ser atacados durante o prazo de dois anos a contar da data da apresentação da declaração, previsto no procedimento da reclamação da autoliquidação a que se refere o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
De acordo com Lima Guerreiro (-), foi intenção do legislador evitar que, a coberto do fundamento erro imputável aos serviços se alargasse ainda mais o prazo legal de reclamação da autoliquidação. E nem podia retirar-se outro entendimento, sob pena da total inutilidade da expressão "Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação".
Face ao exposto, é de indeferir o pedido de revisão oficiosa, por o mesmo ser extemporâneo, uma vez que devia tê-lo apresentado no prazo de dois anos a contar da entrega da declaração modelo 22.
O) A informação dos serviços em que se baseou o indeferimento do pedido de recurso hierárquico, na parte relevante, é do seguinte teor:
Apreciação do recurso
Após análise de todos os elementos constantes dos autos, somos de opinião de que, para se atender ao solicitado, a recorrente teria de apresentar razões plausíveis e justificar porque não reclamou do erro na autoliquidação dentro do prazo normal estipulado no art.º 131.º do CPPT ou não deduziu impugnação em tempo, concretizar quais os factos de que dispôs que só lhe permitiram apresentar o pedido de revisão em 29.05.2008 e quais as medidas e entendimentos expressos pelos Serviços no ano de 2008 que deram a conhecer à recorrente a sua tributação excessiva.
Sobre a possibilidade de revisão oficiosa da autoliquidação tem sido o seguinte o entendimento dos Serviços:
Na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT é prevista a revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo, com fundamento em ilegalidade, no prazo da reclamação administrativa, cujo prazo, é de 2 anos após a apresentação da declaração mod. 22, nos termos do n.º |1 do art.º 131.º do CPPT.
Prazo que já tinha precludido em 29-05-2008, data em que foi apresentado o pedido pelo sujeito passivo. Assim não é possível a revisão nos termos da primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT por extemporaneidade.
Também não é defensável a revisão oficiosa da autoliquidação nos termos da segunda parte do no 1 do art.º 78.º da LGT em que o prazo de revisão oficiosa dos actos tributários a favor do contribuinte é de 4 anos, porque essa revisão oficiosa a favor do contribuinte só é possível em caso de erro imputável aos serviços de liquidação, face à primeira parte do n.º 2 do citado art.º 78.º da LTG.
O no 2 do art.º 78.º da LGT dispõe que "sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.
Verifica-se portanto não ser possível a revisão tanto nos termos da primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT: por extemporânea, como nos termos da 2.a parte, por não se poder entender que se trate de erro dos Serviços.
A recorrente expressa a sua discordância com o teor da decisão do pedido de revisão da autoliquidação sobre os nos 1 e 2 do art.º 78.º da LGT fazendo alusão a um acórdão do STA.
Por muito respeito com as decisões dos tribunais, os acórdãos são válidos somente para o caso julgado, uma vez que as sentenças dos tribunais não representam uma fonte de direito, de acordo com o art.º 1.º do Código Civil.
Por outro lado, os acórdãos não devem ser adoptados pela administração fiscal como carácter genérico, dado que colide directamente com as orientações internas.
Verifica-se que o entendimento expresso no acórdão citado pela recorrente não diverge do adoptado nos presentes autos, senão vejamos:
A recorrente refere o acórdão de 28.11.2007 referente ao Proc.º n.º 0532/07, cujo sumário se transcreve:
I - O alcance do n.º 2 do art.º 78.º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes.
II - Aquele art.º 78.º, n.º 2, seria organicamente inconstitucional, por ser incompatível com aquele sentido de autorização legislativa, se fosse interpretado por forma que se reconduza a que a revisão, em casos de autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse previamente apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação.
A parte inicial desta disposição determina assim que a consideração do erro na autoliquidação como erro imputável aos Serviços, para efeitos de revisão oficiosa, não prejudica os ónus legais de reclamação ou impugnação, ou seja, a recorrente ao pretender a revisão da autoliquidação está obrigada a seguir o procedimento definido no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT. Reclamar no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, o que no caso presente não foi observado.
Deste modo deve ser indeferido por extemporâneo o pedido de revisão da autoliquidação apresentado após o termo do prazo de dois anos, sob pena de inutilidade da expressão "sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte", referida no n.º 2 do art. 78.º da LGT.
Sobre o disposto no n.º 2 do art.º 78.º da LGT, citamos o autor António Lima Guerreiro, na LGT anotada, Edição Rei dos Livros, 2001:
"Foi intenção do legislador evitar que, a coberto do fundamento do erro imputável aos serviços se alargasse ainda mais o prazo de reclamação da autoliquidação. Qual, então, o interesse prático da inovação introduzida?
Caso posteriormente a administração tributária, findo aquele prazo e ainda dentro do prazo de caducidade, inicie acção de inspecção interna ou externa, deve ter em conta, não apenas as correcções a seu favor, como as correcções a favor do contribuinte. Não se pode afirmar, pois, que o disposto no número 2 do presente artigo esvazie o alcance do ónus de reclamação da autoliquidação no prazo legal ou introduza uma modificação sem alcance prático. O ónus de reclamar ou impugnar mantém-se, sem prejuízo de a administração tributária poder rever oficiosamente a autoliquidação efectuada pelo sujeito passivo, em caso de acção. Na decisão do pedido de revisão não é dito que a revisão oficiosa de um erro na autoliquidação está dependente de reclamação graciosa e impugnação judicial, defende-se sim que o erro na autoliquidação deve ser contestado no prazo da reclamação previsto no art.º 131.º do CPPT e que a revisão oficiosa da autoliquidação, consagrada no art.º 78.º da LCT, é um meio extraordinário só aplicável em acção de inspecção decorrido o prazo para a reclamação
Acresce que o mecanismo do art.º 78.º da LGT é um mecanismo excepcional e que pretende solucionar os casos mais escandalosos e gritantes de injustiça fiscal e não alargar ou substituir os meios normais de reclamação graciosa do acto tributário.
Atendendo ao anteriormente referido somos de opinião de que não assiste razão à recorrente dado que a matéria contestada obedeceu à orientação genérica dos Serviços relativamente à interpretação do disposto nos nos. 1 e 2 do art.º 78.º da LGT.
Convém ainda referir que a recorrente menciona, sem qualquer dado objectivo, basear o seu novo entendimento sobre o tratamento das provísões para riscos gerais de crédito, em informação prestada sobre o assunto pela administração fiscal.
Relativamente às Provisões para riscos gerais de crédito, apenas se conhece a Informação no 814/02 proferida no âmbito do Proco no 770/02 que correu termos nesta Direcção de Serviços, na qual se informou determinado sujeito passivo sobre questões colocadas ao abrigo do art.º 68.º da LGT.
Confrontado o conteúdo da citada informação, com a posição que a recorrente diz ser a da administração fiscal, conclui-se que a recorrente não fez a adequada interpretação do conteúdo da mesma.
A recorrente entendeu que o valor da provisão a acrescer no quadro 07 da declaração mod. 22 corresponde apenas à variação positiva das provisões (diferença entre o valor das provisões do exercício e o valor inscrito na conta Reposições e anulações de provisões. Todavia, só no regime transitório referido no n.º 6 do art.º 7.º da Lei n o 30-G/2000, de 29/12, é que o legislador faz referência à variação positiva das provisões. Este regime transitório vigorou nos exercícios de 2001 e 2002. Nos presentes autos está em causa a constituição da provisão do exercício de 2003, pelo que não é aceite fiscalmente o valor da provisão constituída.
As reposições e anulações da provisão ocorridas no exercício só seriam de deduzir para efeitos de apuramento do resultado fiscal se tivessem sido tributadas anteriormente.
Face ao exposto somos de opinião de que é de indeferir o presente recurso hierárquico.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
Ordem de conhecimento dos vícios
9. A Requerente fundamenta o pedido de anulação contenciosa na preterição do direito de audição relativamente ao indeferimento do recurso hierárquico e em vício de violação de lei relacionado com as provisões para riscos gerais de crédito.
Conforme dispõe o artigo 124.º do CPPT, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).
No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário do vício de violação de lei por ser este que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de preterição do direito de audição, a proceder, não impediria que a Administração produzisse, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido ainda que mediante prévia audição do interessado.
Por outro lado, a Recorrente suscita, no pedido arbitral, a questão prévia da adequação do pedido de revisão oficiosa para responder às objecções colocadas pela Administração Tributária no âmbito das decisões de indeferimento do pedido de revisão e do recurso hierárquico, com base em extemporaneidade, por se entender que a revisão do acto tributário deve ocorrer no prazo previsto para a reclamação graciosa.
Essa questão, no entanto, foi já analisada a propósito da matéria de excepção invocada, no processo arbitral, em sede de contestação, pelo que o seu conhecimento se encontra prejudicado pela decisão já adotada quanto à competência do tribunal e impugnabilidade contenciosa dos actos tributários.
Provisões para riscos gerais de crédito
10. O thema decidendum prende-se com o valor da provisão para riscos gerais de crédito a considerar no caso de instituições de crédito, para efeitos de aplicação do artigo 33.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3 do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos (2003), mais concretamente se aquele deve corresponder à variação global anual destas provisões, determinada pela diferença entre a constituição/reforço das provisões (registadas na conta #7990) e a libertação destas por reposição/anulação (registadas na conta #8490), ou se deve ser atendido apenas (e separadamente) o saldo (acumulado) da conta #7990, relativo à constituição e reforço daquelas provisões para riscos gerais de crédito.
A Requerente defende que a provisão para riscos gerais de crédito deve ser analisada numa base anual, dado o seu caráter genérico e abstracto, devendo, consequentemente, ser somente considerada, em cada exercício, ou uma constituição/dotação (caso o saldo final da provisão a 31 de dezembro do exercício n seja superior ao seu saldo a 31 de dezembro do exercício n-1), ou uma anulação/reposição, caso o saldo dessa provisão diminua em termos absolutos, quando comparado com o respectivo saldo do exercício imediatamente anterior.
Para afastar o entendimento de que o valor da provisão a acrescer no quadro 07 da declaração modelo 22 corresponde à variação positiva das provisões (diferença entre o valor das provisões do exercício e o valor inscrito na conta reposições e anulações de provisões), a Autoridade Tributária refere, essencialmente, que só no regime transitório referido no n.º 6 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, é que o legislador faz referência à variação positiva das provisões, sendo que esse regime transitório vigorou apenas nos exercícios de 2001 e 2002, enquanto no presente caso está em causa a constituição da provisão referente a 2003.
É esta a questão que cabe dilucidar.
O artigo 33º do Código do IRC, sob a epígrafe “Provisões fiscalmente dedutíveis”, dispunha na alínea d) do n.º 1 que podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões “que, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal, tiverem sido constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições com sede em outro Estado da União Europeia (...)”
Com a redacção introduzida pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, a referida disposição, na parte que mais interessa considerar, passou a consignar o seguinte:
“Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
[…]
d) As que, no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal, e por força de uma imposição de carácter genérico e abstracto, tiverem sido obrigatoriamente constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia, com excepção da provisão para riscos gerais de crédito (...)”
Por forma a clarificar o tratamento fiscal aplicável às reposições da provisão, foi ainda aditado, pela Lei nº 30-G/2000, um n.º 3 ao artigo 33º, estatuindo que, quando se verifique a reposição/anulação destas provisões, serão consideradas proveitos do exercício, em primeiro lugar, aquelas que tenham sido custo fiscal no exercício da sua constituição.
O mesmo diploma estabeleceu ainda um regime transitório, no seu artigo 7.º, n.º 6, que é do seguinte teor:
O disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC aplica-se às provisões constituídas a partir da entrada em vigor desta lei, contudo criou-se um regime de transição, sendo ainda aceites como encargo dedutível nos exercícios de 2001 e 2002, 50% do valor das variações positivas das provisões para riscos gerais de crédito que não ultrapassem o montante imposto genérica e abstractamente pelo Banco de Portugal para as instituições que se encontrem sujeitas à sua supervisão.
Temos assim que, de acordo com o regime fiscal em vigor até 31 de dezembro de 2000, as provisões para riscos gerais de crédito, que fossem constituídas pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, podiam ser deduzidas para efeitos fiscais, desde que não ultrapassados os limites mínimos estabelecidos para o efeito.
A Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, mediante a alteração da redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do CIRC, veio determinar a não aceitação como custo fiscal dessas provisões, estabelecendo um regime transitório apenas para os exercícios de 2001 e 2002.
No entanto, a questão que se coloca com relevância para a decisão da causa é a de saber se os movimentos ocorridos na provisão para riscos gerais de crédito deverão ser agregados para efeitos de IRC ou considerados isoladamente.
Para uma adequada interpretação do regime legal, importa ter presente o Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, de 30 de Junho – então vigente –, emitido no âmbito da competência regulamentar do Banco de Portugal conferida pelo artigo 99.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e que teve em vista definir as relações a observar entre rubricas patrimoniais e estabelecer limites prudenciais à realização de operações que as instituições de crédito estejam autorizadas a praticar, e nomeadamente os “limites mínimos para provisões destinados à cobertura de riscos de crédito ou de quaisquer outros riscos ou encargos”.
O artigo 1.º do Aviso estabelece para as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras a obrigação de constituição de provisões, nas condições nele indicadas, com as seguintes finalidades: risco específico de crédito, riscos gerais de crédito, encargos com pensões de reforma e sobrevivência, menos-valias de títulos e imobilizações financeiras, menos-valias de outras aplicações e risco-país.
Por outro lado, o artigo 7.º, n.º 1, dispunha nos seguintes termos:
“Para efeitos da constituição de provisões para riscos gerais de crédito, será considerado o total do crédito concedido pela instituição, incluindo o representado por aceites, garantias e outros instrumentos de natureza análoga, e excluindo o relativo a operações com instituições de crédito da zona A ou por elas garantidas, a operações com instituições de crédito da zona B ou por elas garantidas, neste caso, com prazo de vencimento residual não superior a um ano, e o que tenha sido objeto de constituição de provisões nos termos dos nºs 3.º, 4.º e 12.º.”
Acresce que o Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, e em vigor à data dos factos, previa quanto a “provisões do exercício” o seguinte:
67 – Provisões de exercício
Esta conta regista, de forma global, no final do período contabilístico, a variação positiva da estimativa dos riscos, em cada espécie de provisão, entre dois períodos contabilísticos consecutivos, que tiver características de custo operacional, com exceção da variação a registar na conta 607 «Aumento de provisões matemáticas».
672 - Para riscos e encargos”.
11. Segundo o Requerente, a referência na previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC às provisões constituídas para riscos gerais de crédito que não podem ser deduzidas para efeitos fiscais deve ser entendida no sentido de se reportar às provisões determinadas numa base anual, dado o seu caráter genérico e abstracto. Neste sentido, somente será considerada, em cada exercício, uma constituição/dotação da provisão, se o saldo final da provisão a 31 de dezembro do exercício (2003) for superior ao seu saldo a 31 de dezembro do exercício anterior (2002), ou uma anulação/ reposição dessa provisão, na hipótese inversa.
Uma vez que no exercício em causa a variação da provisão foi negativa, tal situação não é enquadrável na alínea d) do preceito em referência, pois, em termos líquidos, não se registou um custo contabilístico, que houvesse que acrescer para efeitos fiscais por ser indedutível. Deste modo, o acréscimo ao lucro tributável declarado pelo Requerente na modelo 22 não se afigura devido.
E esse é o entendimento que, desde logo, resulta do citado artigo 7.º, n.º 1, do Aviso do Banco de Portugal n.º 3/95, pelo qual a provisão é constituída tendo em conta o “total do crédito concedido” pelo que deve ser encarada numa óptica global, que tanto pode resultar numa constituição/reforço líquido da provisão, como numa reposição/anulação líquida da mesma. E que surge reforçado pelas notas explicativas ao POC, no que respeita à conta #67 – Provisões, quando aí se esclarece que deve ser registado como custo do exercício, a título de constituição/reforço da provisão, “a variação positiva da estimativa dos riscos, em cada espécie de provisão, entre dois períodos contabilísticos consecutivos”.
E não é possível retirar um argumento em contrário a partir do regime transitório instituído pelo artigo 7.º, n.º 6, da Lei n.º 30-G/2000. Aí pretendeu-se estabelecer uma adaptação ao novo regime legal, que passou a consignar a não dedutibilidade das provisões para riscos gerais de crédito, instituindo-se para os exercícios de 2001 e 2002 a aceitação como encargo dedutível de 50% do valor das variações positivas das provisões para riscos gerais de crédito. No entanto, o que está causa, na situação do caso, não é a dedutibilidade das provisões, mas os termos em que se deve reportar para efeitos fiscais os movimentos das provisões.
Tendo o Requerente registado, no exercício de 2003, um movimento líquido da provisão negativo no valor de € 8.311.892,85, representativo da efetiva variação da provisão no exercício de 2003, face ao saldo existente em 31 de dezembro de 2002, tal situação não é enquadrável na alínea d) do n.º 1 do artigo 33.º do CIRC, já que, em termos líquidos, não se registou um custo contabilístico a acrescer para efeitos fiscais por não ser dedutível.
Questão idêntica a esta, mas relativa ao ano de 2005, foi decidida favoravelmente pela Administração Tributária em relação ao Banco B..., SA, conforme despacho do Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), de 2 de Outubro de 2009, concordante com o relatório de inspeção tributária, no qual se refere:
“(…) Face à argumentação deduzida, vem, o B... requerer, em sede de reclamação graciosa, que seja desconsiderado do lucro tributável, do exercício de 2005, o montante de € 32.830.717,17, relativo à provisão para Riscos Gerais de Crédito, que, erradamente, acresceu ao lucro tributável, aquando do preenchimento da declaração de rendimentos Mod. 22.
No decurso da acção inspetiva, a provisão em referência foi objecto de análise, tendo-se constatado que, em 31 de Dezembro de 2005, ocorreu efectivamente uma variação negativa da provisão no montante de € 124.055.567,40, relativamente a 31 de Dezembro de 2004, tendo em conta que no exercício de 2005 o saldo inicial foi de € 676.156.826,38 e o saldo final de € 552.101.258,98 (regime geral de tributação).
Assim, conclui-se ser de anuir com o pretendido pelo sujeito passivo, pelo que, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC, se procede, à correcção ao lucro tributável, a favor do sujeito passivo, do montante de € 32.830.717,17, acrescido indevidamente pelo banco na declaração de rendimentos do exercício de 2005” (cfr. doc. n.º 6 junto ao pedido arbitral).
E neste mesmo sentido ao aqui propugnado se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 231/2018-T, cuja fundamentação aqui se acompanha.
Vícios de conhecimento prejudicado
12. Considerando-se verificado o vício de violação de lei, que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, fica prejudicado o conhecimento do vício preterição do direito de audição.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral;
b) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2003, na parte relativa ao acréscimo à matéria coletável do valor de € 651.121,36, referente a provisões constituídas para riscos gerais de crédito;
c) Consequentemente, anular o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa incidente sobre o acto de autoliquidação e o despacho de indeferimento do recurso hierárquico contra ele deduzido.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 195.336,41, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 27 de Outubro de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
(Carlos Fernandes Cadilha)
O Árbitro vogal
(Ricardo Rodrigues Pereira)
O Árbitro vogal
(Rui Rodrigues)