Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 926/2019-T
Data da decisão: 2020-10-19  IRC  
Valor do pedido: € 372.339,08
Tema: IRC de 2017; OIC; Fundo de Investimento Especializado não residente; Retenção na fonte; Direito comunitário; artigo 22º-1 do EBF.
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SUMÁRIO

  1. Na medida em que a norma do artigo 22.º, n.º 1 do EBF impõe um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional portuguesa, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem do benefício fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização dos seus produtos de investimento.
  2. O nº 1 do artigo 22º do EBF, na sua actual formulação, ao limitar o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, estabelece uma discriminação arbitrária, que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

            Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Augusto Vieira e José Nunes Barata (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2020, acordam no seguinte:

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente, A..., entidade constituída nos termos do direito do Grão-Ducado do Luxemburgo com o n.º..., e residente naquele país, com sede em ..., ..., ..., Luxemburgo, Grão-Ducado do Luxemburgo e com NF português nº..., veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia  sobre a legalidade do (1) ato de liquidação de retenção na fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português no período de tributação de 2017, no montante de € 372.339,08, e, bem assim, (2) da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada em 28 de Maio de 2019, por a Administração tributária não ter proferido decisão no prazo de quatro meses.

 

  1. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

  1. A Requerente termina o pedindo ao Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) que julgue o pedido procedente e consequentemente proceda à:
  1. DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E ANULAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO DE RETENÇÃO NA FONTE DE IRC SOBRE DIVIDENDOS OBTIDOS EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2017, NO MONTANTE DE € 372.339,08;
  2. CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA NO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS, CONTADOS À TAXA LEGAL ANUAL DE 4% SOBRE AS QUANTIAS INDEVIDAMENTE PAGAS, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 43.º, N.ºS 1, 3 E 4 DA LGT E 61.º DO CPPT, EX VI DO ARTIGO 24.º, N.º 5 DO RJAT”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 31-12-2019.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 05.02.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O TAC encontra-se, desde 18 de Março de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

  1. A fundamentar o pedido a Requerente alega o seguinte:

 

  1. É um “fundo de investimento especializado constituído à luz da legislação luxemburguesa, regulada no Grão-Ducado do Luxemburgo pela entidade local competente, a Comission de Surveillance du Secteur Financier ("CSSF")”, ou seja, “aquilo que no direito português é designado como organismo de investimento coletivo sob forma societária (conforme artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 11.º, 49.º e seguintes da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - OIC)”
  2. No âmbito do respetivo objeto social, em momentos diversos, efetuou investimentos na sociedade B..., SGPS, S.A. NlPC..., entidade residente em território português, através da aquisição de participações sociais nesta entidade, participações essas que, em 2017, geraram rendimentos a título de dividendos, cujo imposto retido pela empresa portuguesa, à taxa  de 15%, segundo a CDT entre a República Portugal e o Grão-Ducado do Luxemburgo, ascendeu a € 372 339,08.
  3.  E “por outro lado, a Requerente não beneficiou, na sua jurisdição de residência, de qualquer crédito de imposto respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal”.
  4. Sendo que, face à isenção prevista no artigo 22.º do EBF, um “OIC constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa beneficia da isenção de tributação relativamente aos dividendos recebidos, bem como da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos, em condições substancialmente mais favoráveis do que os OIC não residentes beneficiários do mesmo tipo de rendimentos de fonte nacional”.
  5. De facto, sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, a Requerente foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos rendimentos que lhe foram distribuídos por uma entidade residente para efeitos fiscais em Portugal, em face do disposto no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, ex vi artigo 94.º, n.º 5, do mesmo diploma e, bem assim, em resultado de uma interpretação a contrario sensu do n.º 1 do artigo 22.º do EBF”, “situação diferente se verificaria caso a Requerente fosse residente para efeitos fiscais em Portugal, caso em que os dividendos recebidos seriam excluídos de tributação na sua esfera, inclusivamente beneficiando de uma dispensa de retenção na fonte
  6. Pelo que “... não pode deixar de se concluir que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF, ao não permitir uma isenção de tributação sobre os dividendos de fonte doméstica pagos a entidades não residentes com a natureza de OIC e, simultaneamente, excluir de tributação os rendimentos da mesma natureza pagos a OIC residentes, é incompatível com o Direito da União Europeia, em especial com o princípio da livre circulação de capitais
  7. Concluindo que “...os atos de retenção de IRC na fonte, no montante de € 76.694,91 e € 114.556,00, realizados sobre os dividendos auferidos pela Requerente, respetivamente, em 2015 e 2016, padecem de ilegalidade, devendo ser anulados”.
  8. Considera que “...a legislação portuguesa- o artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF­ restringe a livre circulação de capitais no quadro da União Europeia, cumpre averiguar a razão pela qual tal restrição deve ser considerada proibida”.
  9. Situação idêntica já se verificou no passado com a anterior redacção do artigo 16º do EBF “que ... estava construído de forma semelhante ao artigo 22.º do EBF, estabelecendo ambos isenções de IRC relativamente aos rendimentos de fundos /sociedades que se constituíssem e operassem de acordo com a legislação nacional ou nos termos da legislação nacional, não pode deixar de se considerar que também o artigo 22.º , n.ºs 1 e 3, do EBF, à semelhança do que sucedia com o artigo 16.º, prevê um tratamento discriminatório relativamente a entidades não residentes”.
  10. Partindo da “comparação do veículo de investimento” refere que “a diferença de tratamento entre os OICVM residentes, que beneficiam de uma isenção fiscal no que respeita aos dividendos de origem nacional que recebem, e os OICVM não residentes, que sofrem uma retenção na fonte sobre tais dividendos, não pode ser justificada por uma diferença de situação pertinente”.
  11. Ocorre, pois, comparabilidade objectiva entre as situações que são objecto de um tratamento desigual pelo legislador nacional (dada a adopção do modelo de tributação “à saída” dos OIC portugueses) e não existem razões imperiosas de interesse geral que justifiquem a diferença de regimes fiscais entre residentes e não residentes.
  12. Por fim refere que “não obstante da legislação nacional decorrer, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente, essa restrição não foi neutralizada, em concreto, por via da CDT celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação ou de um crédito de imposto no país da residência”, uma vez que “a CDT celebrada entre Portugal e o Luxemburgo determina a aplicação de uma taxa de retenção na fonte reduzida no Estado da fonte (in casu, Portugal), não a eliminando, e a Requerente não beneficiou de qualquer crédito no Grão-Ducado do Luxemburgo pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos recebidos, na medida em que a mesma beneficia de uma isenção de imposto sobre o rendimento naquela jurisdição, tal como se verifica em Portugal no caso dos OIC constituídos e a operar nos termos a legislação nacional”.

 

  1. Notificada a AT, respondeu em 12.07.2020 e juntou PA, referiu o seguinte:

 

  1. A título de questão prévia refere que a Requerente apenas juntou os Modelo 21 – RFI dos anos fiscais de 2015 e de 2016, mas não o referente ao ano fiscal de 2017.
  2. Por Requerimento de 16.07.2020 a Requerente procedeu à junção aos autos do Modelo 21 – RFI de 2017, pelo que o objecto da questão que levanta ficou sanado.

 

  1. Quanto à comparabilidade entre o “regime fiscal dos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal e os OIC constituídos e estabelecidos no Luxemburgo”discorda da abordagem feita pela Requerente quedescreve o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (OIC), que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF” ;

 

  1. Referindo queexistem dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo”, a saber:
  2. Um, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo”, tendo para o efeito sidoaditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos”.
  3.  Pelo que se conclui que “a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira”.
  4. O outro prende-se justamente com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cfr. n.º 10 do artigo 22.º do EBF).
  5. E acrescenta:no entanto a Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º, cuja redação é seguinte: «são tributados autonomamente, à taxa de 23%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.»     
  6. Daqui extrai que “... os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano”, pelo que “como é óbvio, os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos”.
  7. E conclui, face ao exposto, que os regimes fiscais entre OIC portuguesas e do Luxemburgo não são “genericamente comparáveis”.

 

  1. Quanto à “Administração Tributária e a compatibilidade das normas de direito interno e das normas comunitárias” – refere quenão compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. Na verdade, tem a administração tributária que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador doméstico terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional quer internacional, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à administração tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito da União Europeia”.
  2. E acrescenta:para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos”, acrescendo que “o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente não esclareceu, embora tenha feito alusão aos variados regimes fiscais que vigoram em outros países da União Europeia”.
  3. Daqui resultando que “para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos”.
  4. Defendendo que na situação como deste processo (pagamentos de dividendos de acções por entidades com sede em Portugal a OIC residentes em Portugal e OIC residentes no Luxemburgo) “não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido no Luxemburgo, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem”.
  5. E conclui: “em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE
  6. Termina requerendo a improcedência do PPA e, consequentemente, pela sua absolvição.

 

Apenas a Requerida apresentou alegações (escritas) em 31.08.2020, sustentando o que já tinha referido em sede de PPA, não tendo a Requeria feito uso dessa faculdade.

 

II – SANEAMENTO

 

  1. As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 31 de Dezembro de 2019. A Requerente impugna imediatamente a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada em 28 de Maio de 2019, por a Administração tributária não ter proferido decisão no prazo de quatro meses.
  3. A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do pedido. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea d), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.
  4. O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. A Requerente –A... A...) - é uma sociedade constituída em 1994 ao abrigo do direito luxemburguês e que, para efeitos fiscais, é residente no Luxemburgo e não tem estabelecimento estável em Portugal – conforme artigo 17º do PPA e Documento nº 3 em anexo ao PPA e artigo 4º da Resposta que reproduz o artigo 17º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
  2. A Requerente segue, quanto à sua constituição e funcionamento, as regras previstas na Lei de 13 de fevereiro de 2007 relativa aos fundos de investimento especializados  e adota a forma de uma Sociedade de Investimento de Capital Variável (“Société d'lnvestissement à Capital Variable”- “SICAV”), sendo dotada de personalidade jurídica - conforme artigo 18º do PPA e artigo 4º da Resposta que reproduz o artigo 18º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
  3. A Lei de 13 de fevereiro de 2007 (disponível em língua inglesa em http://www.cssf.lu/en/documentation/regulations/laws-regulations-and-other-texts/info/article/1473/) define, no seu artigo 1.º, um fundo de investimento especializado como “(…) qualquer empresa de investimento coletivo localizada no Luxemburgo cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo dos seus fundos em ativos de forma a distribuir os riscos de investimento e assegurar aos investidores, os títulos "ou interesses de parceria" reservados a um ou vários investidores bem informados, e os documentos constitutivos ou documentos de oferta "ou acordo de parceria" que estabeleçam que estão sujeitos à disposição da presente lei” (Tradução livre de: “For the purpose of this Law, specialised investment funds shall be any undertakings for collective investment situated in Luxembourg: - the exclusive object of which is the collective investment of their funds in assets in order to spread the investment risks and to ensure for the investors the benefit of the results of the management of their assets, and – the securities “or partnership interests” of which are reserved to one or several wel1-informed investors, and- the constitutive documents or offering documents “or partnership agreement“ of which provide that they are subject to the provisions of this Law) – conforme artigo 19º do PPA e posição implícita de aceitação por parte da Requerida, que não o impugna especificadamente esta redacção da lei luxemburguesa;
  4. De acordo com o artigo 3.º dos respetivos Estatutos o objeto social da A... compreende o investimento em valores mobiliários de todos os tipos, bem como em Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) e quaisquer outros ativos idênticos, com vista a dispersar os riscos de investimento e permitir aos seus acionistas beneficiar dos resultados da sua gestão – conforme artigo 20º do PPA, documento nº 4 em anexo ao PPA e artigo 6º da Resposta da AT que reproduz o artigo 20º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
  5. Encontra-se ainda previsto nos seus estatutos que a Requerente pode tomar quaisquer medidas e realizar quaisquer operações que considere adequadas para alcançar ou desenvolver o seu objeto, de acordo com o regime jurídico luxemburguês relativo a fundos de investimento especializados – conforme artigo 21º do PPA e artigo 7º da Resposta da AT que reproduz o artigo 21º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
  6. Não obstante adotar uma forma societária, a Requerente constitui, em substância, um OIC categorizado como um fundo de investimento especializado na aceção daquela Lei de 13 de fevereiro de 2007, sobre Fundos de Investimento Especializados, de acordo com a qual (artigo 1.º, n.º 2 e capítulo 3.º da referida Lei) os tais fundos podem adotar revestir a forma de uma SICAV – conforme artigo 22º do PPA e artigo 8º da Resposta da AT que reproduz o artigo 21º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
  7. Sendo que uma SICAV é definida pelo ordenamento jurídico luxemburguês (artigo 25.º da Lei de 17 de dezembro de 2010, que transpôs a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, relativa a Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários) como “uma empresa que tenha adotado a forma de sociedade anónima regida pela lei luxemburguesa, - cujo único objetivo é investir os seus fundos em valores mobiliários e/ou outros ativos financeiros líquidos referidos no n.º 1 do artigo 41.º  a fim de repartir os riscos de investimento e assegurar aos seus participantes o benefício do resultado da gestão de seus ativos; e – cujas unidades se destinam a ser colocadas junto do público através de uma oferta pública ou privada; - e cujos estatutos preveem que o montante do capital seja, em todos os momentos, igual ao valor do património líquido da empresa” (Tradução livre de: “SICAVs  shal1 be taken to mean those companies which have adopted  the ublico a société anonyme governed by Luxembourg law, - whose sole object is to invest their funds in transferable securities and/or other liquid financial assets referred to in Article 41(1) in arder to spread the investment risks and to ensure for their unit-holders the benefit of the ublico r the management of their assets; and – whose units are intended to be placed with the public by means of a ublico r private offer; and – whose articles of incorporation provide that the amount  of capital shall, at all times, be equal to the value of the net assets of the company”, ou seja, ao que no direito português se designa como organismo de investimento coletivo (OIC) sob forma societária (artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 11.º, 49.º e seguintes da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo) – conforme artigos 23º e 24º do PPA e artigos 9º e 10º da Resposta da AT que reproduzem  o artigo 23º e 24ºdo PPA, mas não o impugna especificadamente;
  8. A Requerente, além de ser qualificada como um fundo de investimento especializado, corresponde a um Fundo de Investimento Alternativo (“AlF”),  é gerido, nos termos da Lei luxemburguesa sobre AlFs de 12 de julho de 2013 (implementou a Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011) por um gestor autorizado (“Alternative lnvestment Fund Manager”­ “AlFM”), a C..., LLP – conforme artigos 25º e 26º do PPA, documento nº 5 em anexo ao PPA e artigo 11º da Resposta da AT que reproduz os artigos 25º e 26º do PPA, mas não os impugna especificadamente;
  9. O gestor autorizado é qualificado como uma Limited Liability Partnership, constituída de acordo com as Leis do Estado do Delaware (Estados Unidos da América) e que, por isso, é um AIFM extracomunitário, em consonância com o disposto no artigo 1.º, n.º 48, daquela Lei de 12 de julho de 2013 – conforme artigo 27º do PPA e posição implícita de aceitação por parte da Requerida, que não o impugna especificadamente esta redacção da lei luxemburguesa;
  10. Enquanto fundo de investimento especializado constituído à luz da legislação luxemburguesa, a Requerente é uma entidade regulada no Grão-Ducado do Luxemburgo pela entidade local competente, a Comission de Surveillance du Secteur Financier (“CSSF”) -  conforme artigo 28º do PPA e Documento n.º 6 em anexo ao PPA posição implícita de aceitação por parte da Requerida, que não impugna especificadamente.
  11. No âmbito do respetivo objeto social, a Requerente, em momentos diversos, efetuou investimentos na sociedade B..., SGPS, S.A., NIPC..., entidade residente em território português, através da aquisição de participações sociais nesta entidade, participações essas que, em 2017, geraram rendimentos a título de dividendos, abaixo melhor explicitados, a saber:

- conforme artigos 29º e 30º do PPA, documento nº 7 junto pela Requerente em 15 de Julho de 2020 e artigos 12º e 13º da Resposta da AT que reproduz os artigos 29º e 30º do PPA, mas não os impugna especificadamente;

  • A Requerente não beneficiou, na sua jurisdição de residência, de qualquer crédito de imposto respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal, sendo que, se não fosse uma entidade constituída e estabelecida no Grão-Ducado do Luxemburgo, mas, ao invés, perante um Organismo de Investimento Coletivo constituído e a operar de acordo com a legislação doméstica portuguesa na matéria, a mesma não teria sido sujeita a tributação em território nacional relativamente ao mesmo tipo de rendimento, incluindo beneficiando de uma dispensa de retenção na fonte – conforme artigos 33º e 34º do PPA e 17º e 18º da Resposta da AT que reproduz os artigos 33º e 34º do PPA, mas não os impugna especificadamente;
  •  Por não se conformar com a situação descrita, em 28 de maio de 2019, a ora Requerente apresentou a Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de Retenção na Fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português nos períodos de tributação de 2017, no montante de € 372.339,08, alegando que ocorre uma discriminação que afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (‘’TFUE”), não tendo a AT, no prazo de 4 meses respondido ao pedido de anulação da liquidação impugnada – conforme artigos 36º, 37º e 38º do PPA, documento nº 1 em anexo ao PPA e artigo 21º da Resposta da AT;
  • Em 31 de Dezembro de 2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 – Quanto ao mérito

 

  1. Apreciação da questão de fundo.

 

Conforme resulta dos artigos 38º a 40º da Resposta da AT, a questão decidenda:

 

  • consiste em determinar a conformidade dos normativos do Código do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos tributários relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por uma OIC com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE”, sendo que
  • a factualidade em causa respeita à retenção na fonte de IRC, no montante de € 372.339,08, calculado à taxa de 15%, sobre dividendos distribuídos pela entidade melhor identificada nos articulados 29.º e 30.º do PPA, sobre os quais incidiu IRC, retido na fonte, por força, do disposto na alínea c), n.º 1 do artigo 2.º; alínea d), n.º 1, do artigo 3.º; subalínea 3), alínea a), n.º 3, do artigo 4.º; alínea b), n.º 3, artigo 94.º e n.º 4 do artigo 87.º, ex vi artigo 94.º5, todos do Código do IRC” e
  • o montante de € 372.339,08, é o resultado da aplicação do artigo 10º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Luxemburgo (adiante CDT), que estabelece um limite máximo para o imposto cobrado no Estado da fonte de 15% do montante bruto dos dividendos”.

 

Não há qualquer dissonância quanto à identificação da questão de fundo a decidir.

 

Sobre o tema já se pronunciou o CAAD, quanto à compatibilidade do nº 1 do artigo 22º do EBF com o artigo 63º do TFUE. Com efeito, na decisão arbitral nº 194/2019-T em que estava em causa uma autoliquidação de IRC, a um OIC não residente em Portugal e residente em França, veio a considerar-se ilegal o nº 1 do artigo 22º do EBF na medida em que exclui a sua aplicação as sociedades constituídas segundo as legislações dos Estados Membros da União Europeia.

 

No caso está em causa também a liquidação de IRC, na modalidade de retenção na fonte deste imposto.

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».      

A Requerente, sendo uma entidade de direito luxemburguês, é, em comparação com as figuras jurídicas de direito português, o que se designa como organismo de investimento coletivo (OIC) sob forma societária (artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 11.º, 49.º e seguintes da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo.

 

Face à similitude da questão de fundo que se discute neste processo, em relação à que subjaz no processo CAAD nº 194/2019-T, este TAC, adere ao que aí se refere nos pontos 3.2.1 a 3.2.3 que se passam a reproduzir, com as alterações resultantes deste caso concreto:

 

3.2. Apreciação da questão

 

3.2.1. Dever de os Tribunais apreciarem a compatibilidade do Direito Nacional com o Direito da União

 

Antes de mais, importa esclarecer que, independentemente das competências ou não da Autoridade Tributária e Aduaneira para recusar a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade ou em violação do direito da União Europeia, é inquestionável que os Tribunais não têm qualquer dessas limitações.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 204.º da CRP, «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» e entre as normas constitucionais inclui-se a do artigo 8.º n.º 4, da CRP, que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

3.2.2. Interpretação do artigo 22.º, n.º 1, do EBF

 

O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3, «para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1» e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).

O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional», pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional, mesmo que operem de acordo com a legislação nacional, como sucede com a Requerente”.

 

Tal como refere a Requerente nos artigos 53º a 55º do PPA (e a Requerida não refere que assim não seja): “... um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa beneficia da isenção de tributação relativamente aos dividendos recebidos, bem como da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos, em condições substancialmente mais favoráveis do que os OIC não residentes beneficiários do mesmo tipo de rendimentos de fonte nacional.

De facto, sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, a Requerente foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos rendimentos que lhe foram distribuídos por uma entidade residente para efeitos fiscais em Portugal, em face do disposto no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, ex vi artigo 94.º, n.º 5, do mesmo diploma e, bem assim, em resultado de uma interpretação a contrario sensu do n.º 1 do artigo 22.º do EBF”.

Situação diferente se verificaria caso a Requerente fosse residente para efeitos fiscais em Portugal, caso em que os dividendos recebidos seriam excluídos de tributação na sua esfera, inclusivamente beneficiando de uma dispensa de retenção na fonte”.

 

Mais se expressa no processo CAAD nº 194/2019-T:

 

“3.2.3. Violação do Direito da União

 

De harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que «nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado", na esteira de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, página 261[1]

A Requerente defende que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF é incompatível com a «proibição de discriminações injustificadas materializada no tratado sobre o funcionamento da União Europeia - liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento».

O artigo 63.º n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece a regra de que «são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».

O artigo 49.º do TFUE estabelece o princípio de que «são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro».

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão da ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).

 

3.2.3.1. Violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE)

 

Afigura-se que há jurisprudência do TJUE que esclarece a aplicação do artigo 63.º do TFUE.

Refere-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12:

38  Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).           

39  A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).

40  No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.

41  Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.

42  Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).

43  Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.

 

Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica, por paridade ou mesmo maioria de razão, esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o benefício fiscal não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.

Na verdade, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque tem de enfrentar a concorrência das de sociedades que usufruem do benefício fiscal, ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.

É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «a alínea a) do n. 1 do Art.º 65.º do TFUE, permite que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal».

Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».

 Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, ... como resulta da posição assumida no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que não é aventada qualquer justificação para a diferença de tratamento”.

 

Com efeito, o argumento de que a referência à aplicação aos OIC nacionais (sujeitos ao regime do artigo 22º do EBF) da tributação em Imposto do Selo da verba 29º da TGIS, porquanto a própria norma de incidência visa apenas aqueles OIC que “exclusivamente invistam em instrumentos de mercado monetário e depósitos”, o que não tem a ver com o investimento em acções de empresas portuguesas (valores mobiliários).

 

Mais refere a decisão CAAD nº 194/2019-T:

 

“Por outro lado, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)", também o é que no caso presente, actuando a Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.

Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, «para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral», se «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação».”

 

Neste caso, não há qualquer norma da Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo para Evitar as Duplas Tributações e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2000 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/2000 e publicada no Diário da República I-A, n.º 149, de 30/06/2000, modificada pelo Protocolo e Protocolo Adicional, assinados no Luxemburgo em 7 de Setembro de 2010 e aprovados pela Resolução da Assembleia da República n.º 45/2012 - DR I, n.º 73, de 12/04/2012)

 

Termina-se na decisão CAAD nº 194/2019-T:

 

Pelo exposto, afigura-se ser claro e resulta de precedentes na jurisprudência europeia a interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial sobre esta questão.

De harmonia com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.

 

Assim, tal como se concluiu no Processo CAAD nº 194/2019-T, também aqui se terá que concluir, no sentido de que a liquidação ora impugnada, enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com  fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. direito ao reembolso do valor do IRS pago a mais

 

A Requerente pagou imposto em excesso, como resulta das alíneas K) e M) dos factos provados, no montante de € 372 339,08 euros. 

A Requerente pede a restituição do imposto pago indevidamente (artigo 144º do PPA), acrescido de juros indemnizatórios (parte final do PPA).

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da retenção na fonte de € 372 339,08, há lugar a reembolso doesta quantia, como consequência da anulação da liquidação, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

 (...)

  1. Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

 

Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea d), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data de 05-04-2017 (data da distribuição dos dividendos que coincidirá com a data da retenção na fonte dos IRC retido), em que em se considera que ocorreu o pagamento indevido, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

  1. Declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
  2. Julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação de retenção na fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português no período de tributação de 2017, no montante de € 372.339,08, e, bem assim, a da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada em 28 de Maio de 2019, pelo facto da Administração tributária não ter proferido decisão no prazo de quatro meses;
  3. Anula-se a liquidação e a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa;
  4. Julga-se procedente o pedido de restituição de quantia paga, de € 372 339.08;
  5. Julga-se procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto III-C) desta decisão.

 

 

 

V – VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 372 339,08, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. A) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas na importância de € 6 120,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e a Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

 

 

Lisboa, 19 de Outubro de 2020

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

(José Poças Falcão)

 

 

(Augusto Vieira)

 

 

(José Nunes Barata)

 

 



[1]  “(Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 24-04-2002, proferido no processo n.º 0159/02. de 10-07-2002, proferido no processo n.º 0160/02. de 05-02-2009, proferido no processo n.º 491/08, Embora haja divergências doutrinais e jurisprudenciais, a primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno tem sido maioritariamente reconhecida, como se refere, entre muitos, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 242/2009, de 12-05-2009, proferido no processo n.º 250/09.)”