SUMÁRIO: I – No exercício de 2010, as taxas de depreciação ou amortização de equipamentos de energia eólica eram definidas pelo Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, sem que para os equipamentos de produção de energia eólica tivesse sido definida expressamente qualquer taxa de depreciação ou amortização. II – Foi a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro que veio ulterior, expressa e concretamente integrar os “equipamentos de energia eólica” na lista de taxas da tabela II anexa ao citado Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro consagrando a taxa de depreciação de 8%, correspondente a 12,5 anos de vida útil dos aerogeradores. III - Não estando então (2010) prevista no citado Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, qualquer taxa de depreciação para aerogeradores, a Requerente, por injunção do artigo 31.º, n.º 2 do CIRC, tinha necessariamente de aplicar uma taxa que considerasse “razoável”, tendo em conta “o período de vida útil” esperado para os aerogeradores. IV – Ficou demonstrado no caso dos autos, não haver qualquer razão válida, em 2010, para esperar que os aerogeradores, situados em local em que sofrem um desgaste acentuado, devido a condições climatéricas especialmente agressivas – proximidade do mar e consequente salinidade - um período de vida útil para esses equipamentos superior aos 15 anos que a Requerente teve em consideração para efetuar as depreciações. V - Revela-se deste modo ilegal a liquidação de IRC n.º 2014... do exercício de 2010, por erro sobre os pressupostos, por refletir uma errónea interpretação pela AT do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, visto que o período mínimo de vida útil dos aerogeradores deverá cifrar-se em 15 anos, correspondente à taxa de depreciação de 6,67%., na linha do que veio a consagrar expressamente a citada Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro , e não 20 anos e 5%, respetivamente, como considerou a Autoridade Tributária e Aduaneira para fundamentar a liquidação.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), José Coutinho Pires e Francisco Nicolau Domingos (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte:
I - RELATÓRIO
1. A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., ..., Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 23/12/2019 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante à liquidação de IRC n.º 2014... relativa ao exercício de 2010 no montante de 63 477,52 euros [com a demonstração de acerto de contas n.º 2014..., no montante a pagar de 44 482,41 euros), por, no seu juízo, padecer do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
2. No dia 13/03/2020 ficou constituído o tribunal arbitral.
3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi a Requerida em 14/03/2020 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
4. Em 01/07/2020 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade liquidação de IRC, no segmento da taxa de depreciação, em crise.
5. Por despacho de 23/07/2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas, faculdade que apenas foi exercida pela Requerente, em 23-9-2020, mantendo, no essencial, o que havia defendido na fundamentação do pedido de pronúncia arbitral.
POSIÇÃO DAS PARTES
6. A Requerente sustenta que a liquidação de IRC n.º 2014... do exercício de 2010 é ilegal por, nomeadamente, refletir uma errónea interpretação do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, visto que o período mínimo de vida útil dos aerogeradores dever cifrar-se em 15 anos, correspondente à taxa de depreciação de 6,67%.
Alega ainda que os aerogeradores não estão especificamente previstos na Tabela I, nem se enquadram em qualquer das rubricas da Tabela II do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro. Assim será aplicável o regime previsto no artigo 5.º do aludido Decreto-Regulamentar, isto é, deve ser aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) a taxa considerada razoável tendo em conta o período de vida útil esperado.
Por isso, a utilização de uma taxa de 6,67% para a depreciação dos seus aerogeradores a que corresponde um período mínimo de vida útil esperado de 15 anos encontra-se no ponto intermédio indicado por um estudo efetuado pela Unidade de Análise Energética e Redes do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (“LNEG”).
Em resumo, defende que o ato tributário em crise – liquidação de IRC n.º 2014... – deverá ser anulado e, em consequência, determinar-se o reembolso de 44 840,80 euros.
Por último solicita a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, pois entende que é manifesto o erro que subjaz ao ato tributário em crise.
7. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:
i) Ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014..., no segmento da taxa de depreciação
Na sua defesa começa por referir que nos limites da discricionariedade técnica que lhe é conferida definiu, com base num critério de razoabilidade, um período de vida útil esperado para os aerogeradores da Requerente e não fica demonstrado nos autos que a fixação de um período de vida útil esperada de 20 anos é desrazoável, quando o ónus da prova é da Requerente.
No exercício de 2010, as taxas de depreciação ou amortização eram definidas pelo Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, contudo para os equipamentos de produção de energia eólica não estava definida nenhuma taxa de depreciação ou amortização. A questão apenas ficou resolvida com a alteração introduzida pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro que, por intermédio do artigo 23.º , deu nova redação ao código 2250 da tabela II – taxas genéricas, definindo uma taxa de depreciação de 8% para os aludidos equipamentos, correspondente a um período mínimo de vida útil de 12,5 anos – embora só com aplicação aos períodos de tributação que se iniciassem após 1 de janeiro de 2015.
Por isso, a utilização no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) de uma taxa de 5% [e não 6,67% como a Requerente o fez] tem por base informação técnica e científica fidedigna, v.g. consulta aos fornecedores dos aerogeradores e outras fontes especializadas. Ou, dito de outro modo, o período de vida útil estimado de 20 anos é razoável.
Pugna pela manutenção das correções meramente aritméticas à matéria tributável no montante de 294 658,38 euros, diferença entre as depreciações praticadas e contabilizadas pela Requerente, considerando um período de vida útil de 15 anos (à taxa de 6,67%) e as depreciações fiscalmente aceites considerando-se um período de vida útil de 20 anos (à taxa de 5%).
ii) Direito ao reembolso do imposto pago e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
Não há direito a reembolso do imposto pago, pois a liquidação de IRC em crise não padece de qualquer ilegalidade.
Paralelamente, se a liquidação não provém de qualquer “erro imputável aos serviços”, mas decorre da aplicação da lei – discricionariedade técnica que é atribuída à AT, não há direito a juros indemnizatórios.
QUESTÕES A DECIDIR
Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):
a) Se a liquidação de IRC n.º 2014 ... do exercício de 2010 é ilegal, por erro sobre os pressupostos, por refletir uma errónea interpretação do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, visto que o período mínimo de vida útil dos aerogeradores dever cifrar-se em 15 anos, correspondente à taxa de depreciação de 6,67%;
b) Se a Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago e a juros indemnizatórios.
SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados
1.1. A Requerente produz eletricidade por meio eólico. (documento 5 do pedido de pronúncia arbitral)
1.2. Para realizar essa finalidade constituiu e explora um parque eólico sito na ..., com cinco aerogeradores. (documento 5 do pedido de pronúncia arbitral)
1.3. Na determinação da matéria tributável de IRC do exercício de 2010 – a Requerente depreciou os aerogeradores à taxa de 6,67%, o que significa que, para efeitos fiscais, têm um período de vida útil de 15 anos. (documento 5 do pedido de pronúncia arbitral)
1.4. No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2013..., de 11/10/2013, a AT procedeu a uma ação inspetiva externa de âmbito geral relativamente ao período de tributação de 2010. (documento 5 do pedido de pronúncia arbitral)
1.5. A Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição relativamente ao projeto de RIT que designadamente propunha uma correção no valor de 294 658,38 euros à matéria tributável. (documento 5 do pedido de pronúncia arbitral)
1.6. O RIT manteve, a final, a correção aritmética descrita no número anterior.
1.7. Em resultado de tal correção foi a Requerente notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2014... no montante de 63 477, 52 euros, na qual se inclui a liquidação de juros compensatórios de 7 741,15 euros e da demonstração de acerto de contas n.º 2014..., no valor de 44 482,41 euros. (documentos 6 e 7 do pedido de pronúncia arbitral)
1.8. A Requerente procedeu no dia 14/05/2014 ao pagamento da quantia de 44 840,80 euros (montante da aludida liquidação, juros compensatórios, moratórios e custas processuais) no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2014... . (documentos 8 e 9 do pedido de pronúncia arbitral)
1.9. A Requerente apresentou impugnação judicial da liquidação de IRC n.º 2014..., relativa ao exercício de 2010, no montante de 63 477,52 euros [com a demonstração de acerto de contas n.º 2014..., no montante a pagar de 44 482,41 euros), por, no seu juízo, padecer do vício de erro sobre os pressupostos, a qual tramita sob o n.º .../14...BELRS. (documento 10 do pedido de pronúncia arbitral)
1.10. A Requerente apresentou pedido para extinção da instância judicial (artigos 9.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro) no dia 10/12/2019. (documento 10 do pedido de pronúncia arbitral)
1.11. O Relatório do LNEG conclui que o limite máximo da vida útil de uma turbina eólica situa-se entre 20 a 25 anos de operação e o período de vida útil de uma turbina eólica pode depender de vários fatores que influenciam a sua produção energética e com consequências diretas no desempenho económico do projeto. Como qualquer outro equipamento, as turbinas eólicas são sujeitas a efeitos de desgaste ao longo do tempo sofrendo, de acordo com o local onde se encontram instaladas (terrenos complexos, zonas costeiras), maiores ou menores esforços nas estruturas que as compõem. (documento 12 do pedido de pronúncia arbitral)
1.12. Os aerogeradores foram instalados em parque eólico que se localiza a 9,9 km da orla marítima (facto notório)
1.13. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 23/12/2019 (sistema informático do CAAD).
2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e aceites expressamente pela Requerida.
MATÉRIA DE DIREITO
a) Questão da errónea interpretação do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, considerando como “razoável” uma taxa de 5%
A questão essencial neste processo consiste em determinar qual é a taxa de depreciação que deve ser utilizada para os aerogeradores que integram o parque eólico da Requerente, 6,67% para a Requerente e 5 % para a Requerida e, assim, 15 e 20 anos de período de vida útil, respetivamente.
As depreciações e amortizações constituem mecanismos contabilístico-fiscais através dos quais se releva a evolução do valor dos ativos não correntes pelo decurso do tempo. Ou seja, a utilização dos ativos vai provocar desgastes que devem ser refletidos na oscilação patrimonial que é fiscalmente relevante.
O artigo 29.º, n.º 2 do CIRC dispõe que: “[c]onsideram-se sujeitos a deperecimento os ativos que, com caráter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou decurso do tempo.” Ficam, deste modo, excluídas do referido âmbito normativo as perdas de valor de natureza imprevista ou excecional.
Apesar de o regime fiscal das depreciações e amortizações ser idêntico, a perda sistemática dos ativos fixos tangíveis apelida-se de “depreciações” e dos intangíveis como “amortizações”, embora as operações tenham uma natureza semelhante [também] à luz da contabilidade .
As depreciações e amortizações traduzem uma perda de valor que se materializa fiscalmente num custo e, assim, o resultado.
À data do facto tributário em causa, o artigo 30.º do Código do IRC (“CIRC”) estabelecia o seguinte:
“1 - O cálculo das depreciações e amortizações faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes. […] 3 - Podem, ainda, ser aplicados métodos de depreciação e amortização diferentes dos indicados nos números anteriores, desde que, mediante requerimento, seja obtido o reconhecimento prévio da Direcção-Geral dos Impostos, salvo quando daí não resulte uma quota anual de depreciação ou amortização superior à prevista no artigo seguinte. 4 - Salvo em situações devidamente justificadas aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, em relação a cada elemento do activo deve ser aplicado o mesmo método de depreciação ou amortização desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à sua depreciação ou amortização total, transmissão ou inutilização. 5 - O disposto no número anterior não prejudica a variação das quotas de depreciação ou amortização de acordo com o regime mais ou menos intensivo ou com outras condições de utilização dos elementos a que respeitam, não podendo, no entanto, as quotas mínimas imputáveis ao período de tributação ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável de outros períodos de tributação. 6 - Para efeitos do número anterior, as quotas mínimas de depreciação ou amortização são as calculadas com base em taxas iguais a metade das fixadas segundo o método das quotas constantes, salvo quando a Direcção-Geral dos Impostos conceda previamente autorização para a utilização de quotas inferiores a estas, na sequência da apresentação de requerimento em que se indiquem as razões que as justificam”.
O método da linha reta será, assim, o utilizado na quantificação das depreciações e nesta observa-se um critério de flexibilidade que admite, na consideração como custo fiscal, de valores resultantes de quotas mínimas e máximas.
Contudo à data do facto tributário, não se encontrava fixada, legalmente, qualquer taxa de depreciação dos aerogeradores.
O artigo 31.º do CIRC previa o seguinte:
“1. No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação ou amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respetivo regime aos seguintes valores:
a) Custo de aquisição ou de produção;
b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
c) Valor de mercado, à data de abertura da escrita, para os bens objeto de avaliação para esse efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou produção. 2. Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis (sublinhado nosso), tendo em conta o período de utilidade esperada (sublinhado nosso) […]”.
Já o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro dispõe no artigo 5.º, n.º 3 que:
“[r]elativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada (sublinhado nosso)”.
Ora, não estando prevista no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, na redação em vigor à data do facto tributário, a taxa de depreciação para aerogeradores, a Requerente, por injunção do artigo 31.º, n.º 2 do CIRC tinha de aplicar uma taxa que considerasse “razoável”, tendo em conta “o período de vida útil” esperado para os aerogeradores.
Mas, como deve apreciar o tribunal a razoabilidade da taxa de depreciação utilizada (6,67%) tendo em consideração o período de utilidade esperada para os aerogeradores?
Percorrendo a prova constante dos autos resulta com segurança que não havia qualquer razão, em 2010, no específico caso dos aerogeradores em causa, situados em local em que sofrem um desgaste acentuado, devido a condições climatéricas especialmente agressivas – proximidade do mar e consequente salinidade, para que fosse esperado um período de vida útil para os aerogeradores superior aos 15 anos que a Requerente teve em consideração para efetuar as depreciações. Essas condições implicam uma mais rápida deterioração do que é normal e, consequentemente, uma menor expectativa de vida útil em comparação com a generalidade dos aerogeradores.
Em segundo lugar, a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro expressa e concretamente integrou os “equipamentos de energia eólica” na lista de taxas da tabela II anexa ao Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro com a taxa de 8%, a qual corresponde a 12,5 anos de vida útil. Ou, dito de outro modo, aponta para o acerto do juízo de razoabilidade efetuado pela Requerente ao utilizar um período de vida útil de 15 anos. Deste modo, aplicando-se a taxa de 8% fixada neste novo diploma a equipamentos semelhantes aos da Requerente, ainda que a períodos de tributação posteriores a 2015, não pode deixar de se concluir que em 2010 foi razoável entender que não seria de esperar um período vida útil superior a 15 anos. Na verdade, se é certo que a referida alteração legislativa não tem efeitos retroativos, também o é que a questão central deste processo consiste em apurar se era razoável em 2010 esperar menos de 20 anos de vida útil para aerogeradores, quando o legislador em 2014 concluiu que o período de vida útil adequado é de 12,5 anos, demonstra que, no juízo legislativo, já era perfeitamente razoável que não se esperasse um período superior .
No caso concreto vislumbra-se que a Requerente até utilizou uma taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil superior a 12,5 anos, pelo que não há fundamento para que a AT não considerasse razoável o período de vida útil esperado que resulta da taxa 6,67%.
Por tal somatório de razões, a liquidação objeto destes autos padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos e, como tal, vai anulada.
b) Questão do direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente formula o pedido de restituição do valor de 44 840,80 euros, relativo ao IRC indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
O artigo 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT estatui que em caso de procedência da decisão arbitral a AT deve: “(…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;”.
No caso concreto, se o tribunal reconheceu a ilegalidade do ato de liquidação há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.
Assim sendo, a Requerente deve ser reembolsada do IRC indevidamente pago - 44 840,80 euros.
A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.
O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Por outras palavras são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em ato de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios no processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ora, resulta do processo que a Requerida ao não aceitar a taxa de depreciação utilizada pela Requerente, praticando a liquidação adicional de IRC anulada, incorreu em erro sobre os pressupostos, erro esse que lhe é imputável.
Assim sendo, atento o disposto no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e considerando que se encontram preenchidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resultou o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal.
III – DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do ato tributário objeto do pedido arbitral correspondente à liquidação de IRC n.º 2014... relativa ao exercício de 2010 no montante de 63 477,52 euros [com a demonstração de acerto de contas n.º 2014..., no montante a pagar de 44 482,41 euros), no segmento em que considerou irrazoável a taxa de depreciação de 6,67%.
b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia de 44 840,80 euros.
c) Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, com termo inicial no dia do pagamento indevido;
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 63 447,52 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
CUSTAS
Custas a suportar pela Requerida, no montante de 2448 euros, artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 1 de outubro de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
José Coutinho Pires
(Árbitro Vogal)
Francisco Nicolau Domingos
(Árbitro Vogal)