Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 877/2019-T
Data da decisão: 2020-10-20  IRC  
Valor do pedido: € 148.641,68
Tema: IRC – Retenção na fonte; juros. Benefício fiscal – artigo 30.º, n.º 1, do EBF; instituição de crédito residente; estabelecimento estável.
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SUMÁRIO:

 

I.             A interpretação correta do artigo 30.º, n.º 1, do EBF é a de que a referência às «instituições de crédito residentes» abrange, por mera interpretação declarativa, os estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito não residentes.

II.            No caso concreto, verificam-se os requisitos de aplicação do artigo 30.º, n.º 1, do EBF, porquanto: (i) os juros são decorrentes de empréstimos concedidos por uma instituição financeira não residente em Portugal, uma vez que o Requerente contraiu empréstimos junto de uma sociedade residente para efeitos fiscais em Espanha; e (ii) os juros não são imputáveis a estabelecimento estável, pois esse rendimento de capitais não é imputado ao Requerente, enquanto sucursal, para efeitos de determinação do lucro tributável, mas sim à instituição financeira espanhola que os recebeu.

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 19 de dezembro de 2019, A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC ..., com representação permanente na Rua ..., ..., ..., Lisboa, sucursal em Portugal do B..., sociedade constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede em ..., ..., Irlanda, representante em virtude da cessação de C...– SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC..., com anterior representação permanente na Rua ..., ..., ..., Lisboa, sucursal em Portugal do D..., instituição de crédito com sede e direção efetiva em ..., ..., Londres, ..., Reino Unido (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro e das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação do despacho de indeferimento parcial proferido no âmbito do recurso hierárquico n.º .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes;

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009, no montante total de € 382.905,38, sendo € 355.371,40 atinentes a retenções na fonte e € 27.533,98 relativos a juros compensatórios.

 

O Requerente juntou 8 (oito) documentos – não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas – e certidão emitida nos termos do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.    

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, nuclearmente, que os atos tributários controvertidos enfermam de ilegalidade, por violação quer do direito interno (artigo 30.º do EBF, artigos 5.º, 87.º e 94.º do Código do IRC e artigos 13.º e 80.º da CRP), quer do Direito da União Europeia (artigo 43.º do TCE, atual artigo 49.º do TFUE), sustentando essa sua posição na argumentação que sintetiza nas seguintes conclusões:

«(A) O presente Pedido de Cometimento de Processo Tributário Pendente para Arbitragem vem apresentado na sequência do Despacho de Indeferimento Parcial do Recurso Hierárquico e, consequentemente, contra a Liquidação, na parte correspondente ao entendimento (ilegal) levado a efeito pela AT, quanto ao âmbito e alcance do artigo 30.º do EBF;

(B) O Requerente considera cabalmente demonstrado que o entendimento da AT, nos termos do qual a isenção constante do artigo mencionado não é aplicável a juros pagos por sucursais portuguesas de entidades não residentes em Portugal, é discriminatório em função da natureza organizacional da instituição financeira devedora e pagadora de juros;

(C) Sendo ainda absolutamente contrário aos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de organização empresarial, respetivamente plasmados nos artigos 13.º e 80.º da CRP, por um lado, e ao princípio da legalidade tributária constante do n.º 2 do artigo 103.º da CRP, por outro;

(D) Por fim entende ainda o Requerente ser a posição da AT frontalmente contrária às disposições basilares do Direito da União Europeia, maxime, à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43.º do TCE e, atualmente, no artigo 49.º do TFUE;

(E) Restringindo essa mesma liberdade de estabelecimento na medida em que dissuade a opção pela criação de sucursais – em claro privilégio da constituição de sociedades de direito português –, na medida em que o exercício da mesma se torna prejudicial às contrapartes instituições financeiras não residentes, impedindo-as de usufruir um benefício fiscal que se lhes encontraria acessível caso a mutuária fosse uma sociedade de direito português;

(F) Assim, impõe-se a conclusão de que a sucursal portuguesa terá de ser considerada, para efeitos fiscais, designadamente para efeitos de aplicação do citado artigo 30.º do EBF, de forma plenamente equiparada às entidades residentes em território nacional (como aliás já o é para efeitos de apuramento do seu próprio IRC);

(G) Qualquer outra interpretação do artigo 30.º do EBF revelar-se-á desconforme à CRP e ao Direito da União Europeia; 

(H) De tal modo que, caso se venha a concluir ser impossível interpretar o referido preceito em sentido conforme à CRP e ao Direito da União Europeia, cumpre concluir pela inconstitucionalidade e ilegalidade do mesmo;

(I) Face ao exposto é evidente que a Decisão de Indeferimento Parcial do Recurso Hierárquico padece de manifesta ilegalidade, por violação quer do direito interno (artigos 30.º do EBF, 5.º, 87.º e 94.º do CIRC e 13.º e 80.º da CRP), quer do Direito da União Europeia.»

  

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 27 de dezembro de 2019.

               

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 11 de fevereiro de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 12 de março de 2020.

 

4. No dia 2 de julho de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, nem procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo.

 

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:

                A questão em análise consubstancia-se numa alegada ilegalidade, por violação dos artigos 56.º e 63.º do TFUE, e numa alegada inconstitucionalidade, por violação do artigo 8.º da CRP, dos atos de retenção na fonte efetuados em IRC, a título definitivo, sobre juros auferidos em Portugal.

                No plano fiscal, um tratamento diferenciado de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo TFUE, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças significativas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes. Assim, não é inequívoco que as entidades financeiras portuguesas esteja numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros Estados-membros da União Europeia que efetuem operações semelhantes; por isso, não é possível concluir que as normas internas em discussão conduzem, no caso concreto, a um tratamento desvantajoso dos rendimentos de fonte nacional obtidos pelos não residentes e à consequente violação do princípio da não discriminação, vertido no artigo 56.º do TFUE.

                Acresce que o artigo 56.º do TFUE não tem efeito direto, na medida em que não consubstancia uma norma “self executing”, pelo que a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico interno dos Estados-membros pressupõe a adoção de Diretivas que, por usa vez, carecem de ser transpostas para a ordem interna dos vários Estados-membros; ou seja, não gozando de efeito direto, aquela norma não prevalece, nem torna inaplicáveis as normas de direito interno português.

                A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas que se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes aos artigos 87.º, n.º 4 e 94.º, n.ºs 3, alínea b) e 5, do Código do IRC. 

                Na perspetiva da Requerida importa, antes de mais, sublinhar que o Requerente não refere se o IRC retido na fonte sobre os juros obtidos em Portugal foi deduzido, total ou parcialmente, ao imposto sobre o rendimento devido no Estado da residência. É que, no caso de ter sido eliminada, total ou parcialmente, a dupla tributação jurídica internacional, o imposto suportado, em definitivo, sobre os rendimentos de juros, é determinado de acordo com a legislação fiscal inglesa, pelo que um eventual reembolso do IRC pela AT representaria enriquecimento sem causa. Assim, a confirmar-se a imputação integral do IRC ao imposto sobre o rendimento devido no Reino Unido, pelo Requerente, correspondente aos rendimentos de juros tributados em Portugal, no ano de 2009, fica esvaziado o objeto do PPA, devendo, por isso, ser considerado improcedente.

                Noutra ordem de considerações, diz a Requerida que a tributação dos rendimentos auferidos em Portugal por entidades não residentes pelo mecanismo da retenção definitiva e liberatória foi objeto de adequação ao direito comunitário e à jurisprudência do TJUE, através da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que aditou os números 8 a 11 (atuais números 10 a 12 e 15) ao artigo 71.º do Código do IRS, aplicáveis em sede de IRC, por força do disposto no n.º 8 do artigo 94.º do respetivo Código. Contudo, a tributação do rendimento líquido apenas está contemplada para os rendimentos mencionados nas alíneas a) a d), f), m) e o) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS, o que significa que os rendimentos de juros não são contemplados.

                No entanto, atentas as orientações emanadas do Acórdão Brisal do TJUE, a Requerida afirma que resulta claro que, para compatibilizar as disposições relevantes do Código do IRC sobre retenções na fonte, com caráter liberatório, efetuadas sobre rendimentos de juros obtidos em Portugal por instituições bancárias não residentes, com as liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, para serem colocadas numa situação comparável com as instituições bancárias residentes, deve ser-lhes permitido efetuar a dedução, de acordo com os critérios definidos para as entidades residentes, de despesas e encargos devidamente comprovadas, conexas com a obtenção dos rendimentos, de modo a que a tributação incida sobre rendimentos líquidos. A Requerida entende, pois, que é possível extrair do Acórdão Brisal do TJUE as seguintes ilações: não colide com as liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, o estabelecimento de um mecanismo a prever que a consideração das despesas profissionais conexas com a obtenção dos juros seja materializada após ter sido efetuada a retenção na fonte, mediante a apresentação, junto da AT, de um pedido de reembolso da totalidade ou de uma parte do imposto retido na fonte; e, é ao prestador de serviços que cabe a decisão de formular o pedido e o ónus de oferecer as provas necessárias para demonstrar o montante das despesas que pretende sejam dedutíveis.

No caso concreto, diz a Requerida que o Requerente, em vez de peticionar a dedução das despesas realizadas conexas com a obtenção dos juros devidamente comprovadas, cinge o objeto do pedido à anulação dos atos tributários de retenção na fonte indevidamente suportados, a título definitivo, sobre juros auferidos de fonte portuguesa.             

                 

5. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, tendo fixado o dia 12 de novembro de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

***

II. SANEAMENTO

6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não foram invocadas, nem existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

***

                III. FUNDAMENTAÇÃO

 

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

7. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) O Requerente era a sucursal em Portugal do banco inglês D..., entidade residente para efeitos fiscais no Reino Unido, mas também tributada em Portugal tendo por base os proveitos e os custos imputáveis à atividade desenvolvida em território nacional através da referida sucursal.

                b) Em 1 de março de 2019, o Requerente encerrou a sua representação permanente em Portugal, passando o A...– Sucursal em Portugal, a ser o seu representante em Portugal em virtude da cessação.

                c) A atividade do Requerente em Portugal consistia, na data a que se reportam os factos, na prestação de serviços da banca comercial e de investimento, em especial, na concessão de crédito a clientes particulares e a empresas.

                d) No desenvolvimento desta atividade, o Requerente necessitava de se financiar, constantemente, nos mercados monetários, para assim assegurar as necessidades de crédito dos seus clientes, pois os depósitos são insuficientes para permitir a concessão de crédito apropriada.

                e) Para tal, o Requerente obtinha financiamento junto das entidades financeiras residentes e não residentes em Portugal, sendo que esses financiamentos podiam ter diversas origens: podiam ser obtidos tanto no mercado interno como no mercado internacional, junto de entidades terceiras ou de empresas do grupo do Requerente.

                f) O Requerente privilegiava a tomada de fundos junto das empresas do seu Grupo, quer junto da sociedade-mãe inglesa, quer de outras filiais do Grupo, utilizando o excesso de liquidez detido por algumas entidades, contra o pagamento dos correspondentes juros, a taxas de mercado.

                g) O Requerente, na qualidade de sucursal portuguesa da sociedade inglesa D..., contraiu empréstimos junto de uma sociedade do Grupo F... residente para efeitos fiscais em Espanha: o E..., S. A. (doravante, E...).

                h) Os juros devidos pelos empréstimos concedidos pelo E... ao Requerente ascenderam, no ano de 2009, ao montante total de € 1.776.857,00.

i) O Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo externo de âmbito geral, com incidência do exercício de 2009, realizado pela Divisão de Inspeção a Bancos e outras Instituições de Crédito da Direção de Serviços de Inspeção Tributária, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2011..., de 5 de julho de 2011. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]                  

j) O referido procedimento inspetivo culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foi efetuada, além de outras, a seguinte correção de natureza meramente aritmética, em sede de IRC, respeitante ao ano de 2009, com a fundamentação que também se reproduz [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]: 

«(…)

I.4 – Descrição Sucinta das Conclusões da Acção de Inspecção

I.4.1 – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – IRC

(…)

I.4.1.3 – Retenções na Fonte

I.4.1.3.1 – Pagamento a entidades não residentes (artigos 87.º, n.º 4 e 84.º do CIRC)

(…)

I.4.1.3.2 – Pagamento de juros provenientes de empréstimos (artigos 87.º, n.º 4, c) e 94.º do CIRC)

Nos termos da alínea c) do n.º 4 do actual art. 87.º do CIRC e da alínea c) do n.º 1, da alínea b) do n.º 3 e dos números 5 e 6, todos do actual art. 94.º do mesmo Código, procedemos à correção do montante de e 355.371,40, referente a retenções na fonte a título definitivo não efectuadas pelo sujeito passivo sobre juros de empréstimos pagos a entidade que não possui no território nacional sede, estabelecimento estável ou domicílio ao qual os mesmos sejam imputáveis (…).

(…)

III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Aritméticas à Matéria Colectável

III.1 – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – IRC

(…)

III.1.3 – Retenções na Fonte

III.1.3.1 – pagamentos a entidades não residentes (artigos 87.º, n.º 4 e 94.º do CIRC)

(…)

III.1.3.1.2 – Pagamento de juros provenientes de empréstimos (artigos 87.º, n.º 4, c) e 94.º do CIRC)

Conforme consta no seu Dossier de Preços de Transferência relativo ao exercício de 2009, o A... Portugal, no âmbito do normal desenvolvimento da sua actividade bancária, obtém junto de determinadas entidades do grupo, nomeadamente o E... SA, sociedade de direito espanhol, adiante designado por E..., recursos financeiros essenciais à cobertura das suas necessidades de concessão de crédito.

De acordo com o mesmo dossier, o Banco declarou, relativamente àquela entidade não residente, e por contrapartida das operações de funding, o pagamento e colocação à disposição, a título de juros, da importância de € 1.776.857,00.

As quantias então pagas e colocadas à disposição da beneficiária não residente configuram, na óptica desta, um rendimento de capital, tributável por intermédio do mecanismo da retenção na fonte. E a título definitivo. Isto ao abrigo do preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 2.º, na alínea d) do n.º 1 do art. 3.º, bem como dos actuais artigos 87.º e 94.º, todos do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.

Assim, considerando os citados normativos, verifica-se que não sendo conhecidas quaisquer causas de excepção à tributação ou de aproveitamento de taxa reduzida, caberia reter na fonte a quantia de € 355.371,40, correspondente à aplicação da taxa de 20% ao montante total das importâncias pagas e colocadas à disposição da entidade E... .

Ora, da análise aos elementos recolhidos no âmbito da presente acção de inspecção, nomeadamente os valores mencionados na declaração Modelo 30 (que discrimina os pagamentos de rendimentos a entidades não residentes), as rubricas de apuramento de retenção na fonte, bem como as correspondentes guias de pagamento utilizadas para entrega das retenções efectuadas, constata-se a ausência de qualquer entrega de retenção na fonte relativa àqueles rendimentos e pelo referido montante.

Por isso, atendendo a que, por um lado, o Banco declarou tais pagamentos e que, por outro, não declarou nem efectuou qualquer retenção, procedemos no sentido da verificação e comprovação da presente situação, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art 59.º da Lei Geral  Tributária, conjugado com o preceituado nos artigos 28.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, à notificação do A... para apresentar os elementos necessários para esclarecer e justificar a não retenção dos montantes aqui em causa.

No entanto, decorrido o prazo estabelecido, e pese embora a cominação legal prevista no n.º 1 do art. 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, o Banco não apresentou qualquer dos elementos então solicitados, não dando, por isso, cumprimento ao onus probandi que lhe cabe.

De qualquer modo, e sem prejuízo de tudo o anteriormente exposto, mesmo assim se via que o Banco não poderia nunca justificar a ausência de retenção invocando quer as respectivas convenções destinadas a eliminar a dupla tributação (CDT), quer o disposto na alínea g) do n.º 4 do art. 87.º do CIRC, uma vez que, nos termos do disposto no actual art 98.º do CIRC (art.  90.º-A na redacção anterior), a dispensa total ou parcial de retenção na fonte depende de um conjunto de condicionalismos que não se mostram verificados, pelo que, de acordo com o n.º 5 da mesma norma, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

Mais: nem se diga que na situação em apreço caberia o benefício constante no actual art. 30.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Isto pelas razões que passamos a explicar:

   O actual art. 30.º do EBF, sob a epígrafe "Swaps e empréstimos de instituições financeiras não residentes", dispõe no seu n.º 1 que “Ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a Instituições de crédito residentes, bem como os ganhos obtidos por aquelas instituições, decorrentes de operações swap, efectuadas com instituições de crédito residentes, desde que esses juros ou ganhos não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português".

Este preceito consagra, portanto, e é cristalino, um tratamento fiscalmente mais favorável em matéria de tributação de rendimentos obtidos por instituições financeiras não residentes em resultado de operações de financiamento a instituições residentes de equivalente objecto.

E para tal, o referido normativo consigna a exigibilidade cumulativa do preenchimento dos seguintes pressupostos: i) tratar-se de rendimentos que configurem juros ou ganhos de swaps; ii) decorrentes de operações de financiamento, ou com estas conexas; iii) os sujeitos da operação sejam instituições financeiras; iiii) resultem em benefício de entidades não residentes.

Para melhor compreensão dos elementos atinentes à aferição do cumprimento dos requisitos supra identificados, cabe, então, e recuando no tempo, aludir aos respectivos antecedentes da norma.

Então vejamos:

Considerando a complexa situação económica e financeira verificada nos finais da década de 70 do século passado, patenteada, aliás, pelas decisões que, à data, foram tomadas ao nível da política monetária e cambial, e às necessidades financeiras dal decorrentes, urgia, então, dinamizar e captação de capitais oriundos de países estrangeiros a ponto de se providenciar pela conformação do regime fiscal então vigente com tal desiderato. E foi isso que efectivamente sucedeu.

Com efeito, por intermédio do disposto no art. 19.º da Lei n.º 29-A/79, de 25 de Junho, diploma que aprovou o orçamento do Estado para o ano de 1979, a Assembleia da República concedeu autorização ao governo em exercício para legislar sobre esta matéria, tendo este, por intermédio do Decreto-Lei n.º 239/79, de 25 de Julho, aditado um novo artigo ao Código do Imposto de Capitais: o art. 9.º-A.

De acordo com esta novação dispositiva passou então a assistir ao Ministro das Finanças e do Plano o poder de, “(...) em face de requerimento e com base em parecer fundamentado da  Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, conceder isenção, total ou parcial, do Imposto nos seguintes casos: a) juros de capitais provenientes do estrangeiro e representativos de empréstimos de que sejam devedores o Estado ou qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, e, bem assim, as autarquias locais e as suas federações ou uniões, desde que os credores tenham a residência ou sede efectiva no estrangeiro e não possuam em Portugal estabelecimento estável a que sejam imputáveis os capitais emprestados; b) juros respeitantes a quaisquer empréstimos ou outras formas de crédito obtidos no estrangeiro por força de directivas emanadas do Banco de Portugal e que se destinem ao financiamento de importações de petróleo bruto e de bens alimentares essenciais para o abastecimento público.”

Ora, sem prejuízo da adopção in casu de uma forma de procedimento de anuição, entendemos nós, algo discricionária, certamente fruto de óbvias razões de prevalência de manifesto interesse nacional, esta determinação veio, inequivocamente, conceder um tratamento fiscal mais favorável aos rendimentos obtidos sob a forma de juros por entidades não residentes em resultado de operações de financiamento ao Estado Português, latu sensu considerado, e, nas limitadas condições aí previstas, também aos privados nacionais.

Tratava-se, na verdade, de um regime que, embora relativamente circunscrito, concretizado por intermédio de um tratamento fiscalmente bem mais favorável, maxime isenção total de imposto, pugnava pela alavancagem dos níveis de financiamento externo. Isto tudo, como aliás já se enfatizou, de modo a sorver as necessidades financeiras existentes à época.

No entanto não se pense que tal desiderato não veio a enformar a própria dinâmica de todo o processo legislativo subsequente. Antes pelo contrário. A lógica subsistiu, e com evidentes reflexos, quer na reforma fiscal de 1989, quer no regime introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. Com efeito, mantendo-se vigente, e até ampliada, a necessidade de financiamento proveniente do exterior; a nova conformação fiscal consubstanciou-se na concessão de tratamento fiscal mais privilegiado não só às realidades até aí previstas como alargou o seu âmbito a outras que, embora distintas, configuram financiamento estrangeiro.

Isto para concluir que a ratio da norma inserta no actual art. 30.º do EBF, resulta de uma verdadeira lógica de incremento de capitais oriundos do exterior, induzido e fiscalmente concretizado através de um tratamento privilegiado correspondente à isenção integral, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, dos respectivos réditos.

Portanto, aqui chegados, e verificada a ratio do benefício em causa, cumpre, agora, aferir do conteúdo da noção de residente subjacente aos requisitos plasmados na norma. Isto considerando que o thema decidendum gira em torno de saber se, para os termos do art 30.º do EBF, uma sucursal em território nacional de uma instituição financeira não residente é, ela própria, considerada residente em território nacional.

Assim, e em primeiro lugar:

O Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 215/89, 01 de Julho, contém os princípios gerais a que deve obedecer a instituição das situações de benefício, as regras de atribuição e reconhecimento, bem como o elenco desses mesmos benefícios, com o duplo objectivo de, por um lado, garantir uma maior estabilidade aos diplomas reguladores dos diferentes tributos e, por outro, conferir um carácter mais sistemático ao conjunto desses benefícios fiscais.

Ora, no que diz respeito ao benefício in casu estatuído no referido art 30.º do EBF, a norma, prevendo os requisitos de concessão do benefício, faz, para esse efeito, ênfase na distinção entre instituições financeiras residentes e não residentes. Porém, não reivindica para si a determinação do conceito de residente. E não precisava, visto se estar perante um benefício em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e o conceito em causa se encontrar plenamente definido no n.º 3 do art. 2.º do código daquele imposto.

Deste modo temos que, para efeitos do presente benefício fiscal, são consideradas residentes as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português. O que, a contrario, corresponde a dizer que as sucursais em território nacional de empresas estrangeiras não são consideradas residentes; nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 5.º do CIRC, as sucursais são apenas considerados meros “estabelecimentos estáveis”, logo não residentes. Aliás, todo o iter do legislador prossegue neste sentido, uma vez que excluiu da isenção os rendimentos que sejam imputáveis a estabelecimento estável das instituições financeiras não residentes em território português, o que significa que considera as sucursais como não residentes para efeitos da isenção.

Assim sendo, quando se refere às entidades que obtêm o empréstimo como instituições residentes, não pode estar a incluir nesse conceito as sucursais de entidades não residentes estabelecidas em território nacional.

Desta forma se conclui que as sucursais instaladas em Portugal de instituições financeiras não residentes são também consideradas não residentes, pelo que se encontra vedada a isenção prevista no n.º 1 do art. 30.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais quando a entidade pagadora dos rendimentos configure uma sucursal de urna instituição financeira não residente, como sucede in casu.

Em suma, atendendo ao declarado pelo Banco, e considerando que estamos perante pagamentos efectuados por um estabelecimento estável em território nacional – o A..., Sucursal em Portugal – em benefício de entidades não residentes, decorrentes de rendimentos provenientes de operações de financiamento que ascendem a € 557.638.962,00 sem que haja sido efectuada a devida retenção de Imposto ou invocada razão para sua dispensa, procedemos à correcção técnica no montante de € 355.371,40, resultante da aplicação da taxa de 20% ao valor dos pagamentos então efectuados, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 4 do art. 87.º e dos números 1 a 6 do art. 94.º, ambos do CIRC.

(…)»

k) Sequentemente, a AT emitiu a liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009, no montante total de € 382.905,38, sendo € 355.371,40 atinentes a retenções na fonte e € 27.533,98 relativos a juros compensatórios. [cf. documento n.º 4 anexo ao PP]

l) Em 26.06.2012, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa que teve por objeto a referida liquidação adicional de retenções na fonte de IRC, a qual foi autuada sob o n.º ...2012... e correu termos na Unidade dos Grandes Contribuintes, tendo a mesma sido parcialmente deferida, nos termos constantes da respetiva decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzida, importando respigar os seguintes segmentos da respetiva fundamentação [cf. documentos n.ºs 5 e 6 anexos ao PPA]:  

«(…)

28. Nos termos expressos na sua petição, a Contribuinte, aqui reclamante, não concordando com a correção e concluindo pela sua ilegalidade, imputa-lhe os seguintes vícios: erro na avaliação dos pressupostos de facto relativos à aplicação do art. 30.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais; vício de lei, designadamente quanto ao princípio de liberdade de estabelecimento contido no art. 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia; e, por último, invoca ainda uma errónea aplicação da respetiva taxa de retenção.

Ora,

29. De modo algum somos a corroborar desses argumentos, todos à exceção de um: a taxa de retenção; é que, atento o certificado ora junto, superveniente ao “Relatório final”, a taxa in casu a aplicar corresponderia sim a 15%, conforme previsto no art. 11.º da convenção celebrada entre o Estado português e o Reino de Espanha, e não a 20%.

(…)

53. Nos termos do seu pedido, vem a Contribuinte, ora Reclamante, requerer, agora e subsidiariamente, a aplicação da melhor taxa prevista no art. 11.º da convenção celebrada entre o Estado português e Espanha – i.e., a taxa de 15%. E fá-lo acompanhado do “Modelo 21 – RFI”, atestando que a entidade beneficiária dos pagamentos – de juros – é a sociedade de direito espanhol “E..., SA”, com residência fiscal em Espanha.

54. Com a apresentação desses “formulários” ficam então – aliás, agora – preenchidas as condições exigidas pela norma contida no art. 90.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para a aplicação da convenção ora invocada, no sentido meramente ad probationem e não ad substantiam.

Pelo que,

55. Atento o presente elenco, ao caso sub judicio deve ser então aplicada a taxa de 15%, constante no art. 11.º daquela convenção, ao invés da taxa nacional de 20%, inicialmente sugerida e aplicada pelos Serviços de Inspeção tributária, o que, nestes precisos termos, corresponde a dizer que o imposto não retido, por aplicação da convencionada, é de € 266.528,55 (€ 1.776.857,00 x 15%) e não de € 355.371,40, cabendo, por isso e em consequência, a anulação pela diferença, ou seja, pelo valor de € 88.842,55 (€ 355.371,40 - € 266.528,55), procedendo-se, igual e paralelamente, à anulação dos respetivos juros compensatórios, apurados com referência ao período compreendido entre o cumprimento da obrigação declarativa – e de pagamento – e a conclusão do procedimento administrativo de inspeção tributária que fundamentou aqueles mesmos atos tributários de liquidação.

56. Não entendemos, por último, que no presente atendimento, ainda que parcial, seja identificada qualquer causa a ponto de, em benefício da Contribuinte, aqui Reclamante, fundamentar a atribuição quer de juros indemnizatórios quer de indemnização pela prestação de garantia indevida, atenta a inequívoca não verificação, in casu, do preenchimento dos pressupostos exigidos, respetivamente, pelos arts. 43.º e 53.º, ambos da Lei Geral Tributária.

(…)»       

m) Por discordar da decisão de deferimento meramente parcial da sobredita reclamação graciosa, o Requerente interpôs recurso hierárquico contra a mesma, em 03.10.2012, o qual foi autuado sob o n.º .../14 e correu termos pela Unidade dos Grandes Contribuintes, tendo o mesmo sido parcialmente deferido, nos termos constantes da respetiva decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzida, importando destacar os seguintes segmentos da respetiva fundamentação [cf. documentos n.ºs 7 e 2 anexos ao PPA]:

«(…)

5. RECURSO HIERÁRQUICO INTERPOSTO E INFORMAÇÃO SOBRE O MESMO

O sujeito passivo não concordou com a decisão atribuída à sua reclamação e nesse sentido apresenta o actual recurso hierárquico invocando de uma forma geral os mesmos argumentos já antes apresentados, continuando a defender a ideia de que em seu entender e para efeitos do artigo 30.º do EBF e do direito comunitário, a sucursal (recorrente) assume a natureza de uma instituição de crédito residente em Portugal.

E, assim sendo, os juros decorrentes de empréstimos concedidos por entidades financeiras não residentes (como é o caso do E...), terão de beneficiar da isenção de retenção na fonte consagrada no citado artigo 30.º do EBF.

Nesta petição, vem ainda referir de forma agora mais detalhada que a decisão proferida é ainda ilegal por manifesta violação da Directiva 2003/49/CE, relativa ao “regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-membros diferentes”. 

Com efeito, apesar de expressamente invocada, nem em sede de decisão inicial de deferimento nem agora aquando da revogação e decisão de indeferimento parcial, a AT toma posição relativamente à aplicação da citada Directiva.

(…)

6. APRECIAÇÃO DO RECURSO PELA DSIRC

(…)

6.2. A matéria em apreço

6.2.1. A propósito da matéria em questão, foi elaborada por esta DSIRC a Informação n.º 2072/10 sancionada por Despacho do Substituto Legal do Exmo. Senhor Director-Geral, onde se define a páginas 4 que:

“2. A letra da norma do n.º 1 do artigo 30.º do EBF é muito clara ao estatuir a isenção de IRC relativamente aos juros pagos por instituições de crédito residentes decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes, desde que esses juros não sejam imputáveis a estabelecimento estável destas últimas instituições situado em território português.

3. Ao proibir expressamente o benefício quando os juros são imputáveis a estabelecimento estável situado em território português (sucursal) das citadas instituições financeiras não residentes, o legislador demonstrou que o entendimento que subjaz é o de que um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente e, portanto, tornou-se necessária esta especificação no artigo, de modo a que os objectivos do benefício fossem cumpridos.

4. Assim, não há qualquer possibilidade de incluir no conceito de instituições de crédito residentes (pagadoras dos juros) as sucursais de instituições de crédito não residentes.

5. Nos termos do n.º 5 do artigo 13.º do Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sucursal é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa.

6. Estamos, pois, perante um estabelecimento comercial de uma instituição de crédito sem sede ou direcção efectiva em território português.

7. De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 2.º do CIRC, estas entidades não são consideradas residentes.”

Em face do antes mencionado, julgamos que fica esclarecido que, na situação em presença, não pode ser aplicável a isenção prevista no disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. 

6.2.2. Refere ainda o sujeito passivo que, na situação em presença, caso se entenda não ser aplicável a isenção prevista no artigo 30.º do EBF, se devia aplicar o disposto na Directiva n.º 2003/49/CE datada de 03.06.03, sendo que assim, a taxa de retenção na fonte a aplicar até 30.06.09 devia ser de 10% e posterior a essa data e até 31.12.09, a taxa de 5%.

Com respeito a isto temos de mencionar que, na verdade, a Directiva em questão, veio estabelecer um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-membros diferentes.

(…)  

Assim, relativamente aos juros pagos vencidos no 2.º semestre desse ano, ou seja 580.879,62 €, deve incidir a taxa de retenção de 5% e, aos vencidos no 1.º semestre (a parte restante de 1.195.977,08 €), deve ser aplicada uma taxa de retenção na fonte de imposto de 10%.

(…)

CONCLUSÕES 

Estando em causa na presente situação, o montante de imposto de 266.528,85 €, resultante de 355.371,40 – 88.842,55 €, e sendo só devido 148.641,68 €, deverá ser deferido em sede do presente recurso o montante de imposto de 117.887,17 € (266.528,85 € - 148.641,68 €).

Em face das alterações mencionadas, deve também ser rectificado o montante de juros compensatórios liquidados ao contribuinte.»

n) Em data concretamente não apurada, o Requerente efetuou o pagamento, em montante também concretamente não apurado, da liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009.

o) Por discordar da decisão de indeferimento parcial do sobredito recurso hierárquico, o Requerente deduziu impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa, em 15.05.2015, a qual correu termos sob o processo n.º .../15...BELRS. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

p) Em 19.12.2019, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

8. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

9. O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

 

Com efeito, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

                III.2. DE DIREITO

                §1. O THEMA DECIDENDUM

10. O epicentro do dissenso entre as partes reside, nuclearmente, na interpretação e aplicação do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais , que estatui o seguinte:

“1. Ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a instituições de crédito residentes, bem como os ganhos obtidos por aquelas instituições, decorrentes de operações de swap, efetuadas com instituições de crédito residentes, desde que esses juros ou ganhos não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português.”

 

O Requerente entende que, enquanto entidade pagadora de juros e mesmo sendo uma sucursal em Portugal de uma instituição de crédito estrangeira, está abrangida pelo âmbito subjetivo de aplicação daquela disposição legal. Ademais, considera o Requerente que interpretar esta norma de forma diferente da que preconiza, revelar-se-á desconforme, designadamente, com os artigos 8.º, 13.º, 80.º e 103.º, n.º 2, da CRP e com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE.

 

Em consonância com essa sua posição, o Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e a consequente anulação quer da decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes, quer da liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009, no montante total de € 382.905,38, sendo € 355.371,40 atinentes a retenções na fonte e € 27.533,98 relativos a juros compensatórios.

 

O Requerente peticiona, ainda, a restituição dos montantes (indevidamente) pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

Por seu turno, a Requerida considera que a referida disposição legal não se aplica, em circunstância alguma, a sucursais em Portugal de instituições de crédito estrangeiras, por tal se encontrar expressamente arredado do respetivo âmbito subjetivo de aplicação, tal qual este resulta delimitado pelo teor literal da norma legal em apreço. Com efeito, a Requerida entende que não há qualquer possibilidade de incluir no conceito de instituições de crédito (pagadoras dos juros) as sucursais de instituições de crédito não residentes, porquanto, ao proibir expressamente o benefício quando os juros são imputáveis a estabelecimento estável (sucursal) situado em território português das aludidas instituições financeiras não residentes, o legislador deixou claro que o entendimento que subjaz à norma legal em apreço é o de que um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente. 

 

Importa, aqui, salientar ainda que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cf. artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência (cf. artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

               

Assim, sendo o objeto de apreciação do Tribunal Arbitral o ato praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada em face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos . Por isso que, além do mais, é irrelevante a fundamentação a posteriori.    

 

Destarte, é perante a fundamentação da decisão do recurso hierárquico n.º .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes, que define a posição final da Administração Tributária perante o Requerente, que tem de ser apreciada a legalidade do ato de liquidação controvertido, sendo irrelevantes quaisquer outros motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas tenha sido esgrimidos já no decurso deste processo arbitral.

 

Ademais, há também que ter presente que, em virtude das decisões proferidas quer na reclamação graciosa, quer no recurso hierárquico, a liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009, foi parcialmente anulada , apenas se mantendo na ordem jurídica quanto ao montante de imposto de € 148.641,68, acrescido dos correspondentes juros compensatórios, conforme resulta do vertido nos factos provados l) e m).

 

§2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO (CÓDIGO DO IRC)

11. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC, são sujeitos passivos do IRC “as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS”, sendo que, quanto a estas entidades, o IRC incide sobre “o lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português” (artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC).

 

O n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC estatui que “as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos”, determinado o subsequente n.º 3 que, para aquele efeito, “consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: (…) c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: (…) 3) Outros rendimentos de aplicação de capitais”.

 

A definição de estabelecimento estável surge densificada no artigo 5.º do mesmo Código, começando o respetivo n.º 1 por prever que considera-se como tal “qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”, resultando do subsequente n.º 2 que se inclui “na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior: (…) b) uma sucursal”. 

 

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC estatui que “o IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (…) c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade”; o subsequente n.º 2 determina, além do mais, que, “para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º”. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, as retenções na fonte têm caráter definitivo, além de noutros casos, “quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis” (alínea b)); sendo, ainda, que as retenções na fonte de IRC são efetuadas às taxas previstas no artigo 80.º do Código do IRC (n.º 5 do mesmo artigo 88.º), norma da qual decorre, naquilo que aqui importa reter, que “tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis”, a taxa do IRC é de 20% quanto aos “rendimentos de títulos de dívida e outros rendimentos de capitais não expressamente tributados a taxa diferente” (n.º 4, alínea c)). 

Feito este périplo normativo, importa então descortinar se os juros pagos pelo Requerente ao E... estão sujeitos a IRC – como decorre das citadas normas legais – e, nessa medida, o Requerente deveria ter procedido à respetiva retenção na fonte do imposto devido; ou se, pelo contrário, os mesmos rendimentos de capitais estão abrangidos pelo benefício fiscal previsto no artigo 30.º, n.º 1, do EBF e, portanto, isentos de IRC. 

 

§3. O CASO CONCRETO: APRECIAÇÃO E SUBSUNÇÃO NORMATIVA

12. A questão jurídico-tributária que enfrentamentos neste processo foi, muito recentemente, objeto de apreciação num outro processo arbitral – igualmente instaurado pelo aqui Requerente e em tudo idêntico a este processo, que teve por objeto uma liquidação adicional decorrente de correções efetuadas pela AT em sede de retenções na fonte de IRC do ano de 2010 – que correu termos sob o n.º 876/2019-T e no qual foi proferido acórdão arbitral de cuja fundamentação respigamos os seguintes segmentos [cf. documento anexo ao requerimento apresentado em 29.09.2020 pelo Requerente]:   

«A sucursal que constitui um estabelecimento estável não constitui uma empresa autónoma em relação à empresa-mãe, sendo apenas autonomizada, para efeitos fiscais, com aplicação de um regime especial de tributação.

Os estabelecimentos estáveis de sociedades comerciais não residentes em Portugal têm personalidade tributária, integrando-se no conceito de «património autónomo» para efeitos de direito tributário.

(…)

Esta ficção de autonomia do estabelecimento estável em relação à empresa não residente só existe para efeitos da tributação com base no rendimento e no âmbito da determinação do lucro tributável, para que se prevê, nos artigos 55.º e 56.º do CIRC, um regime especial.

Com efeito, ressalta do artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC, que preveem a «extensão da obrigação de imposto» a entidades não residentes em território português «apenas quanto aos rendimentos nele obtidos», considerando como tal «os imputáveis a estabelecimento estável aí situado», que não se estabelece uma generalizada equiparação do estabelecimento estável a uma entidade independente da empresa-mãe (designadamente para efeitos das tributações previstas no CIRC que não incidem sobre rendimentos, como é o caso das tributações autónomas).

À face do que se expôs, não é correcta a conclusão a que chega a Administração Tributária no sentido de «um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente».

Na verdade, desde logo, um estabelecimento estável (neste caso sucursal) nem é considerado residente nem não residente, pois, como se referiu, «o contribuinte continua a ser residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes».

Por outro lado, para efeitos de IRC os rendimentos imputáveis a estabelecimentos estáveis em Portugal de entidades não residentes têm o tratamento das entidades residentes, no que concerne à extensão da obrigação de imposto, sendo precisamente o afastamento das regras da tributação dos não residentes sem estabelecimento estável que justifica a utilização do conceito de estabelecimento estável.

É a esta luz que há que interpretar o artigo 30.º do EBF, (…)

Analisando a verificação dos requisitos de aplicação desta norma à situação em apreço, devem ter-se como assentes os pontos seguintes:

- os juros têm de ser decorrentes de empréstimos concedidos por instituição financeira não residente: (…);

- os juros não são imputáveis a estabelecimento estável (…);, expressão juros «imputáveis a estabelecimento estável» reporta-se aos casos em que é a sucursal que recebe os juros e não àqueles em que é esta que os paga.

Assim, só podem suscitar-se dúvidas sobre a verificação do último requisito, que é o de os empréstimos terem sido concedidos a instituição de crédito residente, o que se reconduz a saber se a sucursal deve ser equiparada a entidade residente ou a entidade não residente, para este efeito.

Na delimitação do âmbito do benefício fiscal, para efeitos de imputação do rendimento a quem concede os empréstimos, equipara-se o estabelecimento estável às entidades residentes, pois, em relação a ambos está afastada a aplicação do benefício fiscal: tanto os juros obtidos por estabelecimento estável como os obtidos por entidades residentes estão excluídos do âmbito da isenção.

Como bem diz o Requerente, no que concerne à entidade que concede os empréstimos, a distinção não é entre o estabelecimento estável e as entidades residentes, mas sim, «entre instituições financeiras não residentes com e sem estabelecimento estável em Portugal através do qual obtenham tais rendimentos – recusando às primeiras a isenção que confere às segundas, precisamente porque o estabelecimento estável das primeiras opera como uma instituição residente».  

Por outro lado, o afastamento da aplicação do benefício fiscal aos estabelecimentos estáveis concedentes de empréstimos sintoniza-se com a regra de que, para efeitos de determinação do lucro tributável, aqueles são equiparados aos residentes, justificando-se, assim, que não lhes seja aplicável um benefício fiscal que visa afastar a relevância de rendimentos para a determinação do lucro tributável de não residentes apenas.

(…)

Assim, é seguro que o estabelecimento estável não pode deixar de ser equiparado às empresas residentes, para efeito de tributação em IRC.

No entanto, esta conclusão não basta para resolver o problema da interpretação do artigo 30.º do EBF, pois não está em causa a tributação do estabelecimento estável, mas sim a da entidade não residente que fez o empréstimo e o âmbito do benefício fiscal depende de a entidade a quem o empréstimo foi feito ser uma das «instituições de crédito residentes».

E sobre este ponto, a interpretação não é tão clara, pois, o teor literal desta expressão não tem qualquer alusão aos estabelecimentos estáveis de não residentes.

 Afigura-se, porém, que, numa perspectiva que tenha em mente a coerência valorativa do sistema jurídico, ínsita na sua unidade, que é elemento interpretativo primacial (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), a interpretação a fazer não pode deixar de ser no sentido de que, também para este efeitos, tem de ser efectuada a equiparação dos estabelecimentos estáveis a entidades residentes, designadamente porque a igualdade de tratamento é necessária para afastar um tratamento fiscal menos favorável para o estabelecimento estável do que o que é dado às empresas residentes que exerçam as mesmas actividades.

Com efeito, numa perspectiva teleológica, para apurar se é dado um tratamento fiscal menos favorável ao estabelecimento estável não basta ter em conta apenas a tributação que lhe é imposta directamente, sendo também de considerar a que recai sobre os actos que pratica que, embora não constituam directamente encargo seu, têm potencialidade para se repercutirem na sua esfera jurídica, pois, em qualquer dos casos, estar-se-á perante uma discriminação (…).

Ora, como é óbvio, a tributação em IRC dos juros recebidos pelo mutuante tem potencialidade para se repercutir na esfera jurídica do mutuário, pois aqueles juros passarão a ser um custo adicional a suportar pelo mutuante que, à face das regras da vida e da experiência comum, tendencialmente se traduzirá em alguma medida num aumento da taxa de juro a suportar pelo mutuário (…).

(…)

Pelo exposto, a interpretação correcta do artigo 30.º, n.º 1, do EBF é a de que a referência às «instituições de crédito residentes» abrange, por mera interpretação declarativa, os estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito residentes no Reino Unido.» 

 

O entendimento decorrente dos segmentos que vimos de citar do sobredito acórdão arbitral merecem a nossa concordância, pelo que a eles aderimos e, por isso, data venia, fazemo-los nossos, visando assim obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).

 

13. Ainda quanto à equiparação dos estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito não residentes a entidades residentes, para efeitos de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 30.º, n.º 1, do EBF, importa dizer que não poderia ser de outra forma, sob pena de violação da liberdade de estabelecimento estatuída no artigo 43.º do TCE e, atualmente, no artigo 49.º do TFUE.

 

A propósito da citada norma de direito europeu (e do artigo 49.º do TCE, atual artigo 56.º do TFUE), o TJUE teve ocasião de declarar em diversos acórdãos que a mesma é diretamente aplicável na ordem jurídica interna dos Estados-membros. Com efeito, «tanto no caso REYNERS (Ac. de 21.6.1974) como no caso VAN BINSBERGEN (Ac. de 31.12.1974) referentes à fruição dos direitos de estabelecimento e de prestação de serviços – cuja efectivação estava dependente, durante o período transitório, da adopção pelos Estados-membros, na conformidade de directivas comunitárias, de medidas legislativas internas tendentes a tornar tais direitos efectivos – o TJCE entendeu que:

a)            A concessão do «tratamento nacional» imposta aos Estados-membros pelas disposições dos arts. 43.º, 49.º e 50.º do Tratado CE constitui uma obrigação que implica a supressão, em relação aos nacionais dos outros Estados-membros, de discriminações em razão da nacionalidade resultante da legislação interna.

Trata-se de uma obrigação perfeitamente definida e por si só suficiente para produzir efeitos directos na esfera jurídica individual;

b)           A execução de tal obrigação só estava dependente de directivas comunitárias durante o período transitório de aplicação do Tratado CE;

c)            No termo desse período, as directivas em questão «tornam-se supérfluas para a concretização do direito ao tratamento nacional, estando este, doravante, consagrado com efeito directo pelo próprio Tratado». (João Mota de Campos, João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 4.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2004, p. 588).

 

A liberdade de estabelecimento, tal como prevista no artigo 43.º do TCE e, atualmente, no artigo 49.º do TFUE, aplica-se «igualmente a sociedades, garantindo o direito de criar livremente sucursais, subsidiárias ou representações em outro Estado-Membro. Desde que essas sociedades tenham sido constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União [Ver artigo 54.º do TFUE]. Pois são estas circunstâncias que ligam a sociedade ao sistema legal de um determinado Estado-Membro.» (João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia: tributação direta, Almedina, Coimbra, 2018, p. 35).

 

A proteção do exercício da liberdade de estabelecimento, no âmbito das sociedades, tem tido impacto em diversos domínios, sendo um deles o da equiparação de sucursais a filiais. Com efeito, «logo em Comissão/França Avoir Fiscal [De 28 de janeiro de 1986, proc. C-270/83], o primeiro caso em que foi invocada a proteção das liberdades fundamentais no âmbito da tributação direta, o TJUE teve de lidar com a equiparação entre sucursais e filiais. Concluiu, nesse contexto, que as regras francesas que reservavam o benefício de créditos de imposto às sociedades residentes que recebessem dividendos, excluindo as sucursais de sociedades de outros Estados-Membros, eram contrárias à liberdade de estabelecimento por terem caráter discriminatório. Esta decisão iniciou uma tendência seguida por outros acórdãos no sentido de que, regra geral, em termos de tratamento fiscal a criação de uma sucursal, ou constituição de agentes, deve ser equiparada à criação de uma filial. A título de exemplo, atentemos em alguns acórdãos que contribuíram para a sedimentação dessa tendência.

No caso Commerzbank [De 13 de julho de 1993, proc. C-330/91], a impossibilidade de, à luz das disposições legais do Reino Unido, ser permitido às sucursais de sociedades não residentes nesse Estado o reembolso do imposto sobre sociedades pago em excesso, contrariamente ao que acontecia relativamente às sociedades residentes, levou o TJ a considerar essa legislação discriminatória.

No caso Compagnie de Saint-Gobain [De 21 de setembro de 1999, proc. C-307/97], as regras alemãs que impediam uma sociedade não residente com estabelecimento estável na Alemanha de beneficiar, no que respeitava à distribuição de dividendos, das vantagens decorrentes de uma convenção celebrada com países terceiros, semelhantes às que assistiam às sociedades residentes na Alemanha, foram consideradas como discriminatórias.

No caso Royal Bank of Scotland [De 29 de abril de 1999, proc. C-311/97] foram reputadas como discriminatórias as regras gregas que se traduziam na aplicação aos lucros obtidos por sucursais de uma taxa de tributação superior à aplicada aos lucros das sociedades residentes. Algo semelhante se passou no Acórdão CLT-UFA [De 23 de fevereiro de 2006, proc. C-253/03], no âmbito do qual se considerou que violavam a liberdade de estabelecimento as regras alemãs que implicavam uma tributação dos lucros de uma sucursal a uma taxa mais elevada do que a aplicável aos lucros de sociedades residentes na Alemanha.» (João Sérgio Ribeiro, ob. cit., pp. 36 e 37).

 

14. Volvendo ao caso concreto e subsumindo-o à norma do n.º 1 do artigo 30.º do EBF, interpretada nos termos acima expostos, constatamos que se verificam os respetivos requisitos de aplicação, porquanto:

(i) os juros são decorrentes de empréstimos concedidos por uma instituição financeira não residente em Portugal, uma vez que, como resultou provado, o Requerente contraiu empréstimos junto de uma sociedade do Grupo F... residente para efeitos fiscais em Espanha: o E... (cf. facto provado g)); e

(ii) os juros não são imputáveis a estabelecimento estável, pois esse rendimento de capitais não é imputado ao Requerente, enquanto sucursal, para efeitos de determinação do lucro tributável, mas sim à instituição financeira espanhola que os recebeu.

 

Acresce que, como vimos, a referência às “instituições de crédito residentes” abrange os estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito residentes no Reino Unido, como é o caso do Requerente, enquanto sucursal.

 

Destarte, os empréstimos contraídos pelo Requerente junto do E..., que subjazem à controvertida liquidação adicional de retenções na fonte de IRC, não estavam sujeitos a retenção na fonte de IRC, pelo que aquele ato tributário, na parte em que foi mantido pela decisão do recurso hierárquico, padece de vício de violação de lei, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do EBF e, consequentemente, tem de ser anulado nessa mesma parte (artigo 135.º, n.º 1, do CPA de 1991, a que corresponde o atual artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

A decisão do recurso hierárquico n.º .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes, na medida em que manteve parcialmente a liquidação controvertida, enferma do mesmo vício invalidante, o que determina igualmente a declaração de ilegalidade e consequente anulação nessa parte.   

 

Importa frisar que a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário controvertido, nos termos acima enunciados, abrange quer o imposto liquidado, quer os juros compensatórios liquidados. Porquanto, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT determina que estes são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”; ora, no caso concreto, concluiu-se que o ato de liquidação impugnado é inválido por vício de violação de lei, gerador de anulabilidade; assim, não se verifica o pressuposto constitutivo de qualquer obrigação de juros compensatórios, pois não foi retardada nem a liquidação de imposto que fosse devido, nem a entrega de imposto retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. 

 

§4. A RESTITUIÇÃO DOS MONTANTES (INDEVIDAMENTE) PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

15. O Requerente pretende que lhe seja «restituído o montante total de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à sua efetiva e integral restituição» (cf. artigo 170.º do PPA).

 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

16. Neste enquadramento e na sequência da declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação adicional de retenções na fonte de IRC controvertido, é mister concluir que o Requerente suportou uma prestação tributária indevida, pelo que a restituição dos montantes de imposto e de juros compensatórios que foram indevidamente pagos, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.

 

Acresce que, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

 

No caso concreto, como se disse, o Requerente suportou uma prestação tributária indevida. Ademais, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação controvertido, nos termos e com os fundamentos acima enunciados, é exclusivamente imputável à AT por ter praticado aquele ato tributário em violação do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do EBF, pelo que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

Acontece que, como resultou provado, o Requerente, em data concretamente não apurada, efetuou o pagamento, em montante também concretamente não apurado, da liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009 (cf. facto provado n)).

 

Por consequência, quer a data em que o Requerente efetuou aquele pagamento, quer o respetivo montante que foi por ele pago deverão ser determinados em execução de julgado; uma vez apurada aquela data e determinado aquele montante, deverão então ser liquidados os respetivos juros indemnizatórios, nos termos legais.

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17. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

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IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular a liquidação adicional de retenções na fonte de IRC n.º 2012..., referente ao exercício de 2009, na parte em que foi mantida pela decisão do recurso hierárquico n.º .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes, com as legais consequências;

b)           Declarar ilegal e anular a decisão do recurso hierárquico n.º .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes, na parte em que manteve a referida liquidação, com as legais consequências;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:

(i)           A restituir ao Requerente as quantias de imposto e de juros compensatórios que, em execução do presente acórdão, se determine terem sido por ele pagas;

(ii)          A pagar juros indemnizatórios ao Requerente, calculados sobre as quantias a restituir, nos termos legais;

(iii)         No pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 148.641,68 (cento e quarenta e oito mil seiscentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos).

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CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 20 de outubro de 2020.

 

Os Árbitros,

 

(Carlos Fernandes Cadilha)

(Ricardo Rodrigues Pereira – relator)

(Marcolino Pisão Pedreiro)