Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 778/2019-T
Data da decisão: 2020-10-09  IRS  
Valor do pedido: € 4.021,29
Tema: IRS - reporte de perdas da categoria F; Juros indemnizatórios; Erro da liquidação imputável ao contribuinte e erro na decisão da RG imputável à AT.
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SUMÁRIO:

I-A dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no artigo 55º, nº 1, al. b), do CIRS, não depende da ocorrência de englobamento, previsto no artigo 22º do mesmo Código.

II- Tendo o Requerente apresentado a sua declaração de IRS do ano de 2017 -da qual resulta um resultado líquido negativo na categoria F- em data posterior à da apresentação da declaração referente ao ano de 2018 e da respetiva liquidação, inexiste erro imputável aos serviços na   liquidação do ano de 2018, com fundamento na não consideração das perdas do ano anterior.

III- Verificando-se que, na data da decisão que indeferiu a reclamação graciosa da liquidação de 2018, a ocorrência das perdas em causa do ano anterior eram já do conhecimento da AT, por ter sido já apresentada e aceite a declaração de rendimentos do ano de 2017, cujas perdas da categoria F, a Requerida não questiona, ocorre erro imputável aos serviços na referida decisão.

IV- Neste caso, são devidos juros indemnizatórios a partir da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. No dia 19.11.2019, o  Requerente,  A..., contribuinte número ...,  representado pelo seu representante fiscal B..., contribuinte número ...,  residente na Rua..., n.º...,  Caxias, tendo sido notificado do indeferimento da reclamação graciosa com o número ...2019..., referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2017 e 2018,  requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à  declaração de ilegalidade e  anulação  dos atos tributários de liquidação do IRS referente aos anos de 2017 e de 2018, formalizados pelas notas de liquidação n.º 2019... de 22 de Junho de 2019 e 2019... de 27 de Maio de 2019.

A Requerente peticiona, ainda, que se reconheça como perdas a reportar até ao ano de 2023 o remanescente do resultado líquido negativo apurado em 2017, correspondente a -15.580,16€  (29.941,93€ – 14.361,77€) e que seja ordenada  a restituição do imposto indevidamente pago, correspondente a 4.021,29 € (quatro mil e vinte e um euros e vinte e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e do art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 12.02.2020.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

a.            O Requerente é proprietário da fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao ... andar esquerdo, do prédio sito no ..., n.º..., em Caxias, inscrito na matriz predial sob o n.º ... da freguesia de União das freguesias de ... e ..., ... e ... .

b.            Por referência aos anos de 2017 e de 2018, o Requerente foi considerado não residente fiscalmente em Portugal.

c.            No ano de 2017, o Requerente realizou obras de conservação e manutenção no Imóvel, onde gastou 39.611,25 € sendo que, na declaração de rendimentos Modelo 3, de IRS, declarou, por lapso, o valor de 34.885,14€.

d.            Após a realização das referidas obras de conservação e manutenção no Imóvel, o Requerente deu o mesmo de arrendamento.

e.            No ano de 2017, o Requerente auferiu rendimentos prediais (rendas) no valor de 5.200,00€.

f.             Em 17 de Junho de 2019, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., referente aos rendimentos do ano de 2017.

g.            A referida declaração de rendimentos foi validada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo dado origem à nota de liquidação n.º 2019... de 22 de Junho de 2019.

h.            A nota de liquidação n.º 2019... de 22 de Junho de 2019 não reconheceu ao Requerente quaisquer perdas a reportar.

i.             No ano de 2018, o Requerente auferiu rendimentos prediais no valor de 15.629,12€.

j.             Em 29 de Abril de 2019, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., referente ao ano de 2018.

k.            A referida declaração de rendimentos deu origem à nota de nota de liquidação n.º 2019... de 27 de Maio de 2019.

l.             A nota de liquidação n.º 2019... de 27 de Maio de 2019, não admitiu a dedução das perdas sofridas pelo Requerente, no ano de 2017, na categoria F.

m.          Em consequência da não admissão pela Autoridade Tributária e Aduaneira, da dedução das perdas sofridas no ano de 2017, supra referidas, aos rendimentos auferidos no ano de 2018 na mesma categoria, resultou do ato de liquidação de IRS relativo a este último ano (nota de liquidação n.º 2019... de 27 de Maio de 2019), um valor a pagar pelo Requerente de 4.021,29 €.

n.            Relativamente ao ano de 2017, o Requerente auferiu rendimentos prediais no valor de 5.200,00€ e incorreu em gastos no valor de 35.141,83€ (considerando o valor declarado, por lapso, na declaração de rendimentos), tendo, assim, um resultado líquido negativo, na categoria F, correspondente a -29.941,83€.

o.            O referido resultado líquido negativo de -29.941,93€ deveria ter sido reconhecido, como perdas a reportar, na nota de liquidação n.º 2019... de 22 de Junho de 2019.

                              

p.            Nos termos do n.º 1 do art.º 55.º do CIRS, “relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

[…]

b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita”.

q.            Conforme doutamente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo a ratio subjacente à norma “não é assim o englobamento e o reporte das perdas ocorridas na categoria F não depende da taxa a que tais rendimentos líquidos são tributados: se à taxa autónoma de 28% prevista no art.º 72, n.º 7 do CIRS, se à taxa que resultar da opção do contribuinte pelo englobamento destes rendimentos nos restantes” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Março de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 0968/14.0BELLE 01411/15; no mesmo sentido Prof. Rui Morais, Sobre o IRS, 3.º edição, pagina 115/116, nota 258; e  decisões  arbitrais do CAAD no âmbito dos processos n.º s  96/2015-T; 338/2016-T e 360/2017-T)

r.             Após dedução do resultado líquido negativo de -29.941,93€, apurado no ano de 2017 no âmbito da categoria F ao resultado líquido positivo apurado no ano de 2018 no âmbito da mesma categoria, no valor de 14.361,77€, o rendimento coletável, em sede de IRS relativo aos rendimentos do ano de 2018, ascende a 0,00€.

s.            De igual modo, deverá ainda ser reconhecido ao Requerente o direito a deduzir, até ao ano de 2023 (isto é, até ao sexto ano seguinte àquele a que respeita o resultado líquido negativo), aos resultados líquidos positivos, no âmbito da categoria F, o remanescente do resultado líquido negativo apurado em 2017, correspondente a -15.580,16€ (14.361,77€ - 29.941,93€).

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.            O artigo 55.º do CIRS, sob a epígrafe “Dedução de perdas”, dispõe no n.º 1, alínea b):

“1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado

em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma

categoria, nos seguintes termos:

(…)

b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode

ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita; (…)”

b.            Nesta sede, atende-se que o princípio ordenador respeita à possibilidade de dedução das perdas calculadas no denominado “o resultado liquido negativo apurado em qualquer categoria.”

c.            A tributação dos rendimentos prediais encontra-se sujeita à taxa especial prevista no artigo 72.º do CIRS, de 28%, importando conferir qualquer tipo de correspondência que se possa descortinar, com o procedimento geral de liquidação.

d.            A fase sintética do imposto corresponde ao denominado englobamento, que permite a conjugação dos diversos rendimentos líquidos de cada categoria, no conjunto global de rendimento liquido total ou, subtraídos os abatimentos, o rendimento coletável: é em relação ao rendimento liquido total que acontecerá um primeiro momento de pessoalização da carga tributária, através da dedução do valor de algumas despesas socialmente relevantes, os chamados abatimentos. Feita uma dedução, teremos o rendimento coletável.

e.            Prescreve o Art.º 22.º n.º 1 do CIRS que:

“o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos

das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os

abatimentos previstos nas secções seguintes.”

f.             Prevê, no entanto a alínea b) do n.º 3 do Art.º 22.º do CIRS que «não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto.».

g.            O abatimento previsto no artigo 55.º do CIRS é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento.

h.            A lei restringe, através do n.º 8, do art. 72º, do CIRS, a possibilidade de opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria F, aos respetivos titulares residentes em território português, pelo que, aos rendimentos prediais controvertidos, está afastada a opção pelo englobamento.

i.             Esta situação redunda na impossibilidade de dedução, ao rendimento coletável do período de tributação de 2018, das perdas da categoria F calculadas em 2017.

 

5. Em 4.09.2020, foi proferido despacho arbitral do seguinte teor:

“I- Dispõe o art. 18º, nº 1, do RJAT que “Apresentada a resposta, o tribunal arbitral promove uma primeira reunião com as partes para:

a) Definir a tramitação processual a adotar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo;

b) Ouvir as partes quanto a eventuais exceções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido; e

c) Convidar as partes a corrigir as suas peças processuais, quando necessário.”

 

Por outro lado, o art. 16º, al. c) do mesmo diploma consagra como princípio do processo arbitral “A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas”

 

Estabelece ainda o art, 130º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo arbitral por força do art. 29º, nº 1, al. e) do RJAT que “Não é lícito realizar no processo atos inúteis”.

 

No caso em apreço, não ocorre nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e c), do nº 1, do art. 18º do RJAT, como finalidade da diligência em causa.

Como adiante melhor de exporá, verifica-se a necessidade de ouvir as partes quando à exceção de incompetência material do tribunal quanto a alguns dos pedidos formulados. No entanto, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso a suscitar pelo tribunal e atenta alguma complexidade da mesma, considera-se adequado, à luz do princípio da autonomia do tribunal arbitral (art. 16º, nº 1, al. c) do RJAT),  a concessão de prazo para análise e pronúncia por escrito, por se entender que, no caso concreto, será o meio mais profícuo  para as partes manifestarem a sua posição sobre a questão.

 

Assim, a realização da reunião arbitral prevista no art. 18º, do RJAT, constituiria a prática dum ato inútil, pelo que se dispensa a sua realização.

 

-II- O Requerente arrolou, “para a eventualidade de ser considerada controvertida a matéria alegada nos artigos 11.º, 12.º, 13.º e 14.º do presente articulado, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite sem conceder, as seguintes testemunhas:

− Luís Ourique Martins Carneiro, a apresentar;

− Abílio Simões Oliveira Pinheiro, a apresentar;”

 

Acontece que, nem na decisão que indeferiu a reclamação graciosa, nem a resposta apresentada, a Requerida contesta a factualidade alegada pelo Requerente, pelo que não pode a mesma ser considerada controvertida, encontrando-se a discordância circunscrita à matéria de direito.

Assim sendo, dispensa-se a inquirição das testemunhas arroladas.

 

-III-

 

Consta do art. 7.º da petição inicial que “(…) o Requerente vem solicitar a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação em apreço e, consequentemente, a substituição dos mesmos por outros que:

                a) Reconheçam o reporte de perdas (no que respeita ao acto tributário de liquidação de IRS relativo ao ano de 2017); e

 

                b) Admitam a dedução das perdas sofridas no ano de 2017 (no que respeita ao acto tributário de liquidação de IRS relativo ao ano de 2018).”

 

E, no  art. 47.º da mesma peça:

 

“Deve pois o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente e provado, devendo em consequência as notas de liquidação de n.º 2019... de 22 de Junho de 2019 – doc. n.º 1, referente ao ano de 2017 e n.º 2019... de 27 de Maio de 2019 – doc. n.º 2, referente ao ano de 2018, ser anuladas e substituídas por outras que:

a) Relativamente ao ano de 2017, reconheça como perdas a reportar até ao ano de 2023 (isto é, até ao sexto ano seguinte àquele a que respeita o resultado líquido negativo) o resultado líquido negativo de -29.941,93€, apurado no ano de 2017 no âmbito da categoria F;

b) Relativamente ao ano de 2018:

i. Admita a dedução do resultado líquido negativo de -29.941,93€, apurado no ano de 2017 no âmbito da categoria F, ao resultado líquido positivo apurado no ano de 2018 no âmbito da mesma categoria no valor de 14.361,77€, resultando num rendimento colectável, em sede de IRS do ano de 2018, de 0,00€;

ii. Reconheça como perdas a reportar até ao ano de 2023 (isto é, até ao sexto ano seguinte àquele a que respeita o resultado líquido negativo), o remanescente do resultado líquido negativo apurado em 2017, correspondente a -15.580,16€ (29.941,93€ – 14.361,77€).”

 

Nesta sequência, no petitório, formula o Requerente a seguinte pretensão:

 

“Nestes termos, constituído o Tribunal Arbitral para a resolução do litígio identificado supra, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, as notas de liquidação de n.º 2019... de 22 de Junho de 2019 – doc. n.º 1, referente ao ano de 2017 e n.º 2019... de 27 de Maio de 2019 – doc. n.º 2, referente ao ano de 2018, serem anuladas e substituídas por outras que:

a) Relativamente ao ano de 2017, reconheça como perdas a reportar até ao ano de 2023 (isto é, até ao sexto ano seguinte àquele a que respeita o resultado líquido negativo) o resultado líquido negativo de -29.941,93€, apurado no ano de 2017 no âmbito da categoria F;

b) Relativamente ao ano de 2018:

i. Admita a dedução do resultado líquido negativo de -29.941,93€, apurado no ano de 2017 no âmbito da categoria F, ao resultado líquido positivo apurado no ano de 2018, no âmbito da mesma categoria, no valor de 14.361,77€, resultando num rendimento colectável em sede de IRS do ano de 2018 de 0,00€;

ii. Reconheça como perdas a reportar até ao ano de 2023 (isto é, até ao sexto ano seguinte àquele a que respeita o resultado líquido negativo) o remanescente do resultado líquido negativo apurado em 2017, correspondente a -15.580,16€ (29.941,93€ – 14.361,77€).

c) Ordene a restituição do imposto indevidamente pago, correspondente a 4.021,29 € (quatro mil e vinte e um euros e vinte e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e do art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

 

Nos termos do artigo 2.º do RJAT:

“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

(…)”

 

Constitui doutrina pacífica que “se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD  a fixação dos efeitos da decisão arbitral  que podem ser definidos em processo de impugnação judicial” (Jorge Lopes de Sousa, GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coordenação Nuno de Villa-Lobos-Tânia Carvalhais Pereira, Almedina, 2ª Ed., 2017, pag. 98) e que “(…) apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99º e 124º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária  no pagamento de juros indemnizatórios  e de indemnização por garantia indevida” (Loc. cit. pag. 94).

 

Acompanhando-se este entendimento, perfunctoriamente, afigura-se ao tribunal que os únicos pedidos formulados pelo Requerente que se encontram abrangidos  pela  competência  do tribunal arbitral são a pretensão  anulatória respeitante à liquidação de IRS referente ao ano de 2018 e a condenação da Requerida à restituição do imposto pago e respetivos juros indemnizatórios, referentes a este período tributário.

 

Embora o Requerente afirme que pretende a anulação do ato de liquidação referente ao ano de 2017, (que tem o valor de zero euros), a verdade é que, na realidade, o que o Requerente na realidade pretende é o reconhecimento de perdas a reportar para os anos seguintes. Todavia, em substância, tal reconhecimento não faz parte da liquidação propriamente dita, dado que, como escreve  José Casalta Nabais:

“A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2)o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3)a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa  à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.” (DIREITO FISCAL, Almedina, 3ª Ed., 2005, pag. 318).

 

Ou seja, o reconhecimento pretendido pelo Requerente não interfere com o apuramento do imposto a pagar referente ao período tributário de 2017, tanto mais que a Requerida não apurou qualquer imposto a pagar. Evidentemente, não é, pois, do quantitativo de imposto apurado de que o Requerente discorda.

Não havendo discordância sobre o valor de imposto a pagar não há controvérsia sobre a liquidação, nem em sentido lato, nem em sentido estrito.

O reconhecimento que o Requerente pretende encontra-se do âmbito de competência do tribunal arbitral desde que se reporte a atos de liquidação já praticados e cuja pronuncia arbitral seja suscitada   o que é o caso, neste processo, do ato de liquidação referente a 2018. Tal não acontece com os atos de liquidação referentes aos anos subsequentes. Caso se entenda que face ao art. 24º, nº 1, al. c), a eventual procedência do pedido referente ao ano de 2018 implicará o reconhecimento do reporte  das perdas na liquidação dos anos subsequentes,  tal situa-se já no âmbito da execução da decisão, matéria que não se  encontra abrangida pela competência material deste tribunal, pois como escreve Jorge Lopes de Sousa:

“Nas quatro alíneas do nº 1 do artigo 24º do RJAT explicita-se o conteúdo do dever de executar as decisões dos tribunais arbitrais.

No entanto, o cumprimento do dever de executar e as consequências do seu incumprimento situam-se a jusante do processo arbitral, pois os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competência executivas, como resulta do artigo 2º, nº 1, do RJAT.” (Loc. cit.,  pag. 221-222).”

 

Acresce que, decidiu o TCA-Sul, em acórdão de 16-09-2019, proferido no processo 120/18.5BCLSB, que:

 

“1. O pedido de condenação da AT ao reconhecimento de um crédito de IVA relativo a um exercício passado, crédito esse a ser utilizado em exercícios futuros, deve ser formulado numa acção administrativa para reconhecimento de direitos em matéria tributária.

2. A competência legalmente atribuída aos tribunais arbitrais em matéria tributária não abrange a apreciação de pedidos idênticos aos anteriormente referidos.”

 

Nestes termos, pelas razões apontadas, existe a possibilidade de ser decretada a incompetência material parcial do tribunal, nos termos supra referidos.

Assim, e sendo esta questão de conhecimento oficioso,  determina-se, ao abrigo do dos artigos 16º, nº 1, al. a) e 18º, nº 1, al. b) do RJAT,  em linha com o artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, a  notificação das partes para, no prazo de dez dias, querendo, se pronunciarem sobre a questão ora suscitada.”

 

6. A Requerida apresentou em 8.09.2020 requerimento manifestando a sua adesão ao entendimento perfuntoriamente explicitado pelo tribunal arbitral, no sentido de ser decretada a incompetência material parcial do tribunal arbitral.

 

Por requerimento de 10.09.2020, o Requerente veio, igualmente, manifestar a sua adesão ao entendimento referido, solicitando, expressamente, que a pronúncia do tribunal arbitral incida apenas sobre o ato de liquidação de 2018.

 

Assim, com os fundamentos expostos no despacho arbitral de 4.09.2020, decreta-se a incompetência material parcial do tribunal arbitral, referente aos pedidos respeitantes aos anos de 2017 e 2019 até 2023, absolvendo-se a Requerida da instância relativamente a estes pedidos, nos termos dos artigos 2º, nº 1, do RJAT e 89º, nºs 2, e  4, al. a) do CPTA, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, al. c) do RJAT).

 

7. O tribunal é materialmente competente relativamente aos pedidos de anulação da liquidação respeitante ao ano de 2018, de restituição do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões de fundo:

1) Ilegalidade da liquidação referente ao período tributário de 2018.

2) Direito do Requerente à restituição do imposto pago.

3) Direito do Requerente a juros indemnizatórios.

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.            O Requerente está inscrito na matriz predial como proprietário da fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao ... esquerdo, do prédio sito no ..., n.º..., em Caxias, inscrito na matriz predial sob o n.º ... da freguesia de União das freguesias de ... e ..., ... e ... .

2.            Nos anos de 2017 e de 2018, o Requerente foi considerado, pela Requerida, sujeito passivo não residente fiscalmente em Portugal. na decisão da RG na decisão da RG

3.            No ano de 2017, o Requerente realizou obras de conservação e manutenção no Imóvel, onde gastou, de acordo com a declaração de rendimentos que apresentou referente a este período tributário, o valor de 34.885,14€.

4.            Em 20.09.2017, após a realização das referidas obras de conservação e manutenção no Imóvel, o Requerente deu o mesmo de arrendamento.

5.            No ano de 2017, o Requerente auferiu rendimentos prediais no valor de 5.200,00€.

6.            No ano de 2018, o Requerente auferiu rendimentos prediais (rendas) no valor de 15.629,12 €.

7.            Em 29 de Abril de 2019, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., referente ao ano de 2018.

8.            A referida declaração de rendimentos foi validada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo dado origem à nota de nota de liquidação n.º 2019... de 27 de Maio de 2019, não tendo nesta sido consideradas as perdas sofridas pelo Requerente, na categoria F, no ano de 2017.

9.            Em 17 de Junho de 2019, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS n.º..., referente aos rendimentos do ano de 2017.

10.          A referida declaração de rendimentos referente ao ano de 2017, deu origem à nota de liquidação n.º 2019... de 22 de Junho de 2019,  não tendo sido  reconhecido ao Requerente quaisquer perdas a reportar.

11.          Em consequência da não consideração da dedução das perdas sofridas no ano de 2017 aos rendimentos auferidos no ano de 2018 na mesma categoria, resultou do ato de liquidação de IRS relativo a este último ano (nota de liquidação n.º 2019... de 27 de Maio de 2019), um valor a pagar pelo Requerente de 4.021,29 €.

12.          Perante o não reconhecimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira das perdas o Requerente apresentou, em 19 de Julho de 2019, reclamação graciosa, contra as liquidações dos anos de 2017 e 2018, no Serviço de Finanças de … –... .

13.          Na informação que antecedeu a decisão da reclamação graciosa foi proposto o indeferimento com base no seguinte:

“(…) no facto de nada constar nas normas do respetivo código que determine aos contribuintes não residentes, a possibilidade do reporte e dedução das perdas, aos ganhos das liquidações dos anos posteriores. E a versão do artigo 72º, nº 8, do CIRS a 2018-12-31, a restringir a possibilidade de opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria F, aos respetivos titulares residentes em território português (…) ficando assim condicionados aos residentes, o reporte e dedução de perdas, aos ganhos das liquidações posteriores na mesma categoria, porquanto o abatimento previsto no artigo 55º do CIRS é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento (…)”

14.          Em 27.09.2019, a adjunta da Chefe do Serviço de Finanças confirmou a informação e emitiu parecer no sentido do proposto na mesma.

15.          Na mesma data, foi proferida decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, com base na informação e parecer indicados nos factos que antecedem.

16.          O Requerente pagou em 2 de Maio de 2019 o valor do referido imposto.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que, dos articulados apresentados, emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

11.  A tese da Requerida, vertida, quer na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer na resposta apresentada no presente processo, é a de que a dedução de perdas prevista na al. c), do nº 1, do art. 55º, do CIRS, depende do englobamento destes rendimentos, nos termos do artigo 22º do mesmo código e que, não tendo o Requerente, sequer, a opção pelo englobamento, estar-lhe-ia, à partida, vedado o direito em causa.

 

Esta tese, todavia, não tem merecido o acolhimento da doutrina e jurisprudência nacionais.

Como explica Paula Rosado Pereira:

“Também ao nível das perdas se colocaram dúvidas acerca da sua dedutibilidade nos termos do artigo 55º do CIRS, caso o sujeito passivo permanecesse no regime de tributação autónoma dos rendimentos prediais.

Estaria a dedução de perdas dependente do exercício da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais?

A resposta a esta questão é também negativa (…).

O artigo 55º, nº 1, al. b) do CIRS, que estabelece o regime de perdas da categoria F, não exige o englobamento dos rendimentos  prediais como condição do reporte de perdas. Tal conclusão parece-nos indubitável, atento o facto de o artigo 55º, nº 1, al. d) do CIRS, pelo contrário, dispor expressamente que a dedução de perdas relativamente às mais-valias mobiliárias apuradas nos anos seguintes depende da opção do sujeito passivo pelo englobamento.

Desta forma, caso o legislador fiscal pretendesse que o reporte de perdas no âmbito da categoria F dependesse do exercício da opção pelo englobamento, tê-lo-ia dito, tal como fez relativamente às mais e menos-valias mobiliárias.

Para além deste argumento de teor literal, prevalecem igualmente, em prol da admissibilidade da dedução de perdas da categoria F no âmbito do regime da tributação autónoma dos rendimentos prediais, sem dependência do exercício da opção pelo englobamento, os argumentos já aduzidos a propósito das deduções específicas.

Com efeito, a inviabilidade da dedução de perdas fora do regime de englobamento -se porventura se verificasse, o que não sucede- tiraria atractividade ao regime da tributação dos rendimentos prediais através das taxas de tributação autónoma. Ora, isto não faria sentido, se pensarmos na intenção do legislador fiscal ao criar o regime em apreço. A sujeição dos rendimentos prediais a um regime de tributação autónoma, mediante a aplicação de uma taxa especial e a exclusão da obrigatoriedade do englobamento, visou tornar mais apelativo para os investidores o regime de tributação dos rendimentos prediais. Objetivo que sairia bastante prejudicado, caso o regime de tributação autónoma excluísse a dedução das perdas de anos anteriores fora do exercício da opção pelo englobamento”

 

Preconizando idêntica solução vai, também, Rui Duarte Morais, que escreve:

“Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo é admitido a fazer as deduções específicas  que a lei prevê. Como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.”

 

Perfilhando, também, este entendimento pode ler-se no acórdão do STA n.º 0968/14.0BELLE 01411/15, de 20-03-2019:

“Em suma a interpretação propugnada pela Fazenda Pública não tem apoio no texto e  no espírito  da  lei,  já que nada na mesma aponta para que o reporte de prejuízos seja uma operação que pressupõe a adopção a montante da opção do englobamento.

E,  além  do  mais, ao  assumir  que a  tributação  autónoma  possa  incidir  sobre rendimentos brutos, vai  contra  o princípio base do imposto, o princípio da tributação do rendimento líquido – artº 1º do CIRS.”

 

Entendimento essencialmente idêntico havia sido, também, o da decisão arbitral proferida no processo n.º s  96/2015-T, de 30 de junho de 2015,  onde se pode ler:

“Resta saber se, não sendo possível o englobamento, não haverá lugar ao “abatimento” das deduções específicas e da dedução de perdas, como defende a AT.

Notar-se-á, em primeiro lugar, que a afirmação da AT, quanto às deduções específicas, vem desmentida pela realidade dos factos, uma vez que, de acordo com a factualidade fixada, tanto a liquidação n.º 2012 ... (IRS de 2011) como a liquidação n.º 2014 ... (IRS de 2013), emitidas pela AT, contemplam as deduções específicas aos rendimentos declarados.

Nem de outro modo poderia ser dada a consagração legislativa do princípio do rendimento-acréscimo, que, como já se disse, prevê a tributação dos rendimentos líquidos.

Ora, tendo em conta que as perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, não se vê como o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos possa ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.

Por outro lado, não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.

Se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS (o vocábulo “deduções” referir-se-á tanto às deduções específicas de cada categoria de rendimentos, como à dedução de perdas, enquanto deixou de haver “abatimentos”, desde a revogação do artigo 56.º, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar das “deduções” previstas nas secções seguintes”.

 

Acompanhando-se a doutrina e jurisprudência referidas, que se entende consubstanciar a interpretação e aplicação correta da lei, também no caso em apreço se impõe a conclusão de  que inexiste qualquer obstáculo à aplicação do regime da dedução de perdas previsto no artigo 55º, nº 1, al. b), do CIRS, pelo que, não pode a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como   o ato tributário de liquidação em causa, deixar de ser anulados  por violação da norma em causa.

 

DIREITO À RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

12. A Requerente pede, ainda, que seja ordenada a restituição do imposto indevidamente pago, no montante de 4.021,29 €, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e do art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

A Requerente pagou o valor da liquidação em 2 de Maio de 2019, como resulta do nº 16 do probatório.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao determinar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, determina o art. 94º do CIRS que “São devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária, a serem liquidados e pagos nos termos do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

 

Nos termos do art. 43ºda LGT:

“1-São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

(…)”

No caso em apreço, é manifesto que não houve erro imputável aos serviços na prática da liquidação sub judice, nem, manifestamente, se verifica a situação prevista no nº 2, do art. 43º, da LGT. O erro tem uma raiz bem diversa e é exclusivamente imputável ao sujeito passivo.

Na verdade, a declaração de IRS que deu origem à liquidação de 2018 em causa, foi apresentada em 29.04.2019, sendo a nota de liquidação  de 27.05.2019.

Por sua vez, a declaração de IRS referente ao ano de 2017, donde resultaram as perdas a reportar para o ano de 2018, só foi apresentada em 17.06.2019. Assim sendo, estas perdas a reportar não poderiam ter sido consideradas pela Requerida na liquidação ajuizada, que foi efetuada em data anterior.

Não houve, assim, erro imputável aos serviços na prática da liquidação. Pelo contrário e como se referiu, o erro é imputável exclusivamente ao sujeito passivo, que apenas entregou a declaração de IRS do ano de 2017 depois da entrega da declaração e da ocorrência da liquidação referente ao ano de 2018.

 

Não tendo havido erro imputável aos serviços na prática da liquidação há, contudo, erro imputável aos serviços na decisão que indeferiu a reclamação graciosa pois, na data da mesma, já a Requerida tinha em seu poder todos elementos necessários à decisão.

 

Todavia, do teor literal do art. 43º, nº 1, da LGT, consta “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. No caso em apreço, o pagamento não resultou do erro cometido na decisão que indeferiu a reclamação graciosa, mas sim do erro cometido na a liquidação, da responsabilidade do Requerente.

 

Diz-nos Rui Duarte Morais que:

“A lei (art. 43º, nº 1, da LGT) prevê que o reconhecimento do erro possa acontecer na decisão que pôs fim a um procedimento de reclamação ou sentença final de um processo de impugnação. Assim sendo, teríamos que os erros que conferem direito a juros indemnizatórios seriam, apenas, os que envolvem um ato de liquidação.

Entendemos que a norma deve ser interpretada extensivamente, que em suma, em todos os casos em que haja uma decisão irrecorrível da qual resulte ser indevido o pagamento (já efetuado) de uma prestação tributária, há lugar a juros indemnizatórios, se o erro for imputável a erro dos serviços” 

 

Concordamos com o entendimento do distinto autor, no sentido de que a boa interpretação da norma reclama que os   erros que conferem direito a juros indemnizatórios não são, apenas, os que envolvem um ato  de liquidação. Entendemos, também, que, nos casos em que por força duma decisão de indeferimento de anulação de liquidação, cujo imposto já foi pago, com a consequente negação ao contribuinte da restituição do respetivo montante, a teleologia da norma,   impõe o reconhecimento de juros indemnizatórios, desde a data da decisão em causa, desde que a decisão tenha incorrida em erro imputável aos serviços. É o que se verifica no caso concreto, uma vez que, na data da decisão, já a Requerida dispunha dos elementos para decidir de acordo com o direito, sendo-lhe, por conseguinte, imputável o erro desta decisão.

 

Entendemos que é esta a solução que mais se sintoniza com o princípio da responsabilidade dos poderes públicos, consagrado no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, à luz do princípio da economia processual e do princípio da  tutela judicial efetiva , com os quais, dificilmente se harmonizaria uma solução, que exigisse que o contribuinte tivesse que propor um processo judicial distinto, para obter a satisfação do direito que a referida norma constitucional consagra.

 

Acrescente-se, aliás, que, o  não reconhecimento de juros indemnizatórios nestas circunstâncias colocaria o sujeito passivo em situação desfavorável em relação a situações de revisão do ato tributário prevista no art. 78º da LGT (nas situações em que também não ocorra erro imputável aos serviços na prática da liquidação), “quando esta se efetuar mais de uma ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária” (art. 43º, nº 3, al. c), da LGT), do que resultaria uma incongruência sistemática.

 

Assim sendo, tem o requerente direito a juros indemnizatórios, devidos a partir de 27.09.2019, data em que a Requerida indeferiu, em violação da lei e por erro a si imputável, a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação.

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a ilegalidade e consequente anulação do ato tributário impugnado, condenando-se ainda a Requerida a restituir ao Requerente o montante do imposto pago, bem como juros indemnizatórios contados desde 27.09.2019, até à data do processamento da nota de crédito.

 

Valor da ação: 4.021,29 € (quatro mil e vinte e um euros e vinte e nove cêntimos). nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 612.00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 9.10.2020

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro