DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luís Janeiro e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-08-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., ..., ...-... ...(doravante “Requerente”), veio, nos termos Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.ºs 2019... e 2019..., ambas de 20 de Novembro de 2019, referentes aos anos de 2015 e 2016, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios.
A Requerente requer ao Tribunal Arbitral que:
i) Determine a anulação das correcções ao lucro tributável de IRC, relativas aos exercícios de 2015 e 2016, bem como das consequentes liquidações de imposto e juros compensatórios referidas, nos termos do artigo 163.º do CPA;
ii) Na medida da procedência do pedido anterior, determine a restituição à Requerente do valor indevidamente pago no total de € 1.060.092,11, e reconheça o erro dos Serviços da Administração Tributária na prolação das liquidações impugnadas, condenando aquela no pagamento de juros indemnizatórios sobre aquela quantia, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT;
iii) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-04-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 07-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-08-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 02-10-2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
A. A Requerente exerce a actividade principal de produção de vinhos comuns e licorosos à qual corresponde o CAE 11021, encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação;
B. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna efectuada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa, de âmbito parcial, com incidência no IRC respeitante aos períodos de tributação de 2015 e 2016, que visou o controlo das deduções à colecta relativa a benefícios fiscais;
C. Nessa inspecção, a Administração Tributária entendeu que as deduções à colecta relativas ao benefício fiscal RFAI declaradas pela Requerente se mostravam indevidas, pelo que efectuaram uma correcção no montante de € 286.519, 28 e de € 670.481,25 para efeitos do apuramento do imposto em falta nos exercícios de 2015 e de 2016;
D. Nessa inspecção, foi elaborado o projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Em 13 de agosto de 2018 foi o sujeito passivo notificado, do teor do Ofício n.º..., de 08-08-2018, para apresentar diversos elementos/esclarecimentos para efeitos de validação dos valores declarados no campo "355 - Benefícios Fiscais" do quadro "10 - Cálculo do imposto" das Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC referentes aos exercícios de 2015 e 2016. Os elementos foram recebidos a 22-08-2018. Da análise efetuada no âmbito do procedimento de inspeção, com a profundidade que se considerou adequada, e considerando os esclarecimentos prestados, antes referidos e adicionais, foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.
III.1. IRC - Correções ao imposto
III.1.1. Dedução indevida à coleta relativa a benefícios fiscais ao abrigo do RFAI
III.1.1.1. Nos exercícios de 2015 e de 2016, a A... procedeu à dedução à coleta no campo "355 - Benefícios Fiscais" do quadro "10 – Cálculo do imposto" das correspondentes Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC, do montante de € 703.810,55 e de € 670.481,25, respetivamente, a que se refere a alínea c) do número 2 do artigo 90º do Código do IRC.
De acordo com o Anexo D - Benefícios Fiscais das declarações de rendimentos desses exercícios, a dedução efetuada em cada período respeita a benefícios fiscais concedidos ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), conforme se resume no quadro seguinte:
O apuramento dos valores deduzidos em 2015 e 2016 ao abrigo do RFAI e do CFEI, considerando os esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, resume-se nos quadros seguintes. De referir que (i) a explicação teve de retroagir ao exercício de 2013, em resultado do "reporte" dos benefícios, (ii) nos exercícios de 2013 a 2015, considerou que o limite máximo de dedução dos dois benefícios fiscais seria de 70% da coleta (limite máximo do CFEI) e (iii) que a dedução dos benefícios fiscais foi efetuada por ordem cronológica.
Junta-se em Anexo 1, a listagem das aplicações relevantes de suporte aos benefícios fiscais acima referidos (CFEI 2013, RFAI 2014, RFAI 2015 e RFAI 2016).
As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2014, correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a construção de uma Nova Adega em ... e com o início da construção de uma Adega em ..., que terminou em 2015. As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2015 correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a construção da Adega de ... e a aquisição das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa da ..., (li) do B... e (iii) do C..., na região de ... . As aplicações relevantes de suporte ao RFAI 2016 correspondem essencialmente aos investimentos realizados com a reabilitação das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa da ..., (ii) do B... e (iii) do C... e com a aquisição de máquinas para a montagem de uma linha de engarrafamento do vinho.
Os investimentos realizados antes referidos destinaram-se à atividade principal da empresa e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado, fruto do elevado crescimento das vendas de vinho.
III.1.1.2. O RFAI encontra-se previsto nos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI), é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014 e encontra-se regulamentado na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
O número 2 do artigo 1º do CFI esclarece que o RFAI constitui um regime de auxílio com finalidade regional, aprovado nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107º e 108º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).
Neste sentido, o âmbito de aplicação do RFAI tem de ser analisado não só à luz do CFI (e da regulamentação constante das portarias referentes ao RFAI), como também do Regulamento ao abrigo do qual o regime foi criado.
De acordo com o número 1 do artigo 22º do CFI, "O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no número 2 do artigo 2º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no número 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's e do RGIC."
A portaria para a qual remete o número 1 do artigo 22º do CFI é a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE-Rev.3) relativos aos setores de atividade elegíveis para a concessão de benefícios fiscais e, por força desta remissão é, também, aplicável ao RFAI.
O artigo 1º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo l do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (adiante TFUE ou Tratado).
Embora a alínea b) do artigo 2º da mesma Portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior'' (sublinhado nosso).
Por outro lado, o número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que "Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC" (sublinhado nosso).
Fazendo uma leitura do Regulamento (UE) n.º 651/2014 (RGIC), acima referido, verificamos no Considerando (11) que "O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para e primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para uma primeira venda devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização" (sublinhado nosso).
Portanto, a preparação de um produto agrícola para a primeira venda efetuada nas explorações agrícolas, a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores ou qualquer atividade que prepare o produto agrícola para uma primeira venda, não se inserem no conceito de "Transformação e comercialização de produtos agrícolas". Isto porque, estas atividades integram o próprio conceito de "Produção agrícola primária". E como vimos, a produção agrícola primária é uma das atividades referidas no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, excluída, portanto, do âmbito setorial do RFAI.
Recorde-se que, para efeitos do CFI e nos termos do ponto 9) do artigo 2º do RGIC, entende-se por "Produção agrícola primária, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo l do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos".
De acordo com o ponto 11) do mesmo preceito, "Produto agrícola [é] um produto enumerado no anexo l do Tratado, (...)".
Vejamos, ainda, os conceitos constantes dos pontos 8) e 10) do referido artigo:
"Comercialização de produtos agrícolas [é] a detenção ou a exposição com vista à venda, a colocação à venda, a entrega ou qualquer outra forma de colocação no mercado, exceto a primeira venda por um produtor primário a revendedores e transformadores e qualquer atividade de preparação de um produto para primeira venda; a venda por um produtor primário aos consumidores finais deve ser considerada comercialização quando efetuada em instalações especificas reservadas para esse fim". "Transformação de produtos agrícolas [é] qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda".
Também as OAR, no seu ponto 10., excluem do seu âmbito de aplicação, entre outros, o setor de atividade económica da agricultura, cuja remissão para a nota de rodapé (11) permite esclarecer que "Os auxílios estatais à produção [agrícola] primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo l do Tratado e à silvicultura estão sujeitos as regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola" (não regionais) e ainda que "A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas" (sublinhado nosso).
Face ao exposto nos parágrafos anteriores, quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo l do Tratado.
A lista dos produtos agrícolas constante do Anexo l do Tratado está organizada por capítulos de acordo com os Números da Nomenclatura de Bruxelas, que têm por base o Regulamento (CEE) n.º 2658/87, de 23 de julho de 1987, que instituiu uma nomenclatura de mercadorias (Nomenclatura Combinada ou NC), destinada a satisfazer as exigências da pauta aduaneira comum e das estatísticas do comércio externo da Comunidade. Todos os anos se introduzem alterações na NC, quer a pedido das federações profissionais ou das administrações nacionais e comunitárias, quer por razões de ordem legal. O Instituto Nacional de Estatística (INE) publica anualmente um documento designado por Nomenclatura Combinada correspondente à versão atualizada da NC em cada ano.
III.1.1.3. De acordo com as notas explicativas do documento sobre a Classificação Portuguesa das Atividades Económicas - Rev.3, editado pelo INE em 2007, a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos, com o código CAE 11021, que integra a Secção C - Indústrias transformadoras, "Compreende a produção de vinhos de mesa e vinhos (independentemente do teor alcoólico) com denominação de origem (v.p.q.r.d.) a partir de uvas, de vinhos licorosos (abafados, moscatel, etc.) e licorosos com denominação de origem ou puros (Porto, Madeira, etc.). Inclui mistura, purificação e engarrafamento de vinhos." Não inclui o engarrafamento e acondicionamento sem transformação, associados ao comércio (CAE 46341) nem a embalagem de vinhos por terceiros (CAE 82922).
O Anexo l do Tratado inclui na sua lista de produtos as seguintes posições do Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas, respeitante a "Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres":
i) Posição 22.04 - Mosto de uvas parcialmente fermentado, mesmo amuado, exceto com álcool
ii) Posição 22.05 - Vinhos de uvas frescas; mosto de uvas frescas e amuados com álcool
iii) Posição 22.07 - Sidra, perada, hidromel e outras bebidas fermentadas
iv) Posições 22.08 e 22.09 - Álcool etílico, desnaturado ou não, de qualquer teor alcoólico obtido a partir de produtos agrícolas constantes do Anexo l, com exceção das aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas, preparados alcoólicos compostos (designados por extratos concentrados) para o fabrico de bebidas (sublinhado nosso),
v) Posição 22.10 - Vinagres e seus sucedâneos, para usos alimentares.
Na Nomenclatura de Bruxelas em vigor no período em análise, a posição 2204 engloba "Vinhos de uvas frescas, incluindo os vinhos enriquecidos com álcool; mostos de uvas, excluindo os da posição 2009", sendo que o "Mosto de uvas parcialmente fermentado, mesmo amuado, exceto com álcool integra a subposição 2204.30.10 - Outros mostos de uvas.
Face ao âmbito da CAE 11021 e às várias posições do Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas que integram o Anexo l do Tratado, conclui-se que os vinhos comuns constam da posição 2204 da NC em vigor no período em análise (em resultado da fusão das posições 22.04 e 22.05 a que se refere o Anexo l do Tratado).
Incluem-se, também, na posição 2204 da NC, os vinhos licorosos.
Por sua vez, as posições 22.08 e 22.09 que figuram no Anexo l do Tratado correspondem agora às posições 2207 e 2208 da NC.
Concluiu-se, assim, que os produtos resultantes da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que a atividade exercida pela empresa integra o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado.
E, conforme já referido, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI e do próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.
III.1.1.4. Tendo os investimentos realizados, como referimos anteriormente, sido destinados à atividade principal da empresa - a produção de vinhos comuns e licorosos -, pelo exposto nos pontos anteriores, não são elegíveis para usufruição do RFAI.
Ainda que, entre os investimentos realizados, uma parte possa ter sido destinado: (i) à atividade de produção de vinhos espumantes e espumosos (CAE 11022), estes vinhos também estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que são considerados produtos agrícolas e como tal não são elegíveis para usufruição do RFAI; (ii) à atividade de viticultura (CAE 1210), a cultura de uvas para vinho é uma atividade agrícola e como vimos a produção agrícola primária é uma atividade excluída do âmbito setorial do RFAI; (iii) à atividade de comércio por grosso de bebidas alcoólicas (CAE 46341) e outras atividades de embalagem (CAE 82922), estes setores de atividade não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, nos termos do artigo 2º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, para a qual remete o número 1 do artigo 22º do CFI, pelo que tais atividades não são elegíveis para usufruição do RFAI.
Consequentemente, as deduções à coleta relativas a benefícios fiscais ao abrigo do RFAI efetuadas nos exercícios em análise mostram-se indevidas, pelo que se propõe uma correção no montante de € 286.519,28 e de € 670.481,25 para efeitos do apuramento do imposto a pagar nos exercícios de 2015 e de 2016, respetivamente.
Resumem-se no quadro seguinte, as correções ao Apuramento do Imposto em falta no período em análise:
E. Na sequência do exercício do direito de audição foi mantido o entendimento da Administração Tributária que consta do projecto e aditado, além do mais, o seguinte (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
O sujeito passivo vem referir em direito de audição prévia que a sua atividade é enquadrável no âmbito de aplicação do RFAI nos termos do RGIC e das OAR, porque não se encontra excluída destes normativos, pelas seguintes razões:
- no que respeita ao RGIC, porque a elaboração de vinhos e o seu posterior engarrafamento ou embalamento implica várias operações de cariz agroindustrial que alteram a natureza do produto;
- no que respeita às OAR, porque permitem a sua cumulação com outros auxílios de Estado a favor do setor agrícola.
A elaboração de vinhos e o seu posterior engarrafamento ou embalamento implica várias operações de cariz agroindustrial que alteram a natureza do produto e por essa razão é que a atividade da A... se integra na noção de "transformação de produtos agrícolas". Como o produto final desta atividade é um produto agrícola porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC e das OAR, uma vez que, como antes referimos, de acordo com o Considerando (11) do RGIC, o regulamento aplica-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, em certas condições. Nas OAR vem definido que "A Comissão deverá aplicar estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas".
IX.3.1.4. Pelas razões acima expostas, conclui-se não ser de aceitar a pretensão formulada pelo sujeito passivo, sendo de manter as correções propostas em sede de Projeto de Relatório.
IX.3.4. Em conclusão:
As deduções à coleta relativas a benefícios fiscais ao abrigo do RFAI efetuadas nos exercícios em análise mostram-se indevidas, pelo que se propõe uma correção no montante de €286.519,28 e de €670.481,25 para efeitos do apuramento do imposto a pagar nos exercícios de 2015 e de 2016, respetivamente.
Resumem-se no quadro seguinte, as correções ao Apuramento do Imposto em falta no período em análise:
F. Na sequência da inspecção a Administração Tributária emitiu:
• as liquidações adicionais de IRC n.ºs 2019... e 2019..., ambas de 20-11-2019, referentes aos anos de 2015 e 2016, nos montantes de € 325.705,68 e € 566.460,43, respectivamente;
• as correspondentes liquidações de juros compensatórios, n.ºs 2019..., no valor € 39.186,41 (relativa ao exercício de 2015), e n.ºs 2019... e 2019..., nos montantes de € 48.630,82 e € 15.274,36, respectivamente (relativas ao exercício de 2016);
• as demonstrações de acerto de contas n.º 2019... e n.º 2019... de que resultaram os valores a pagar de € 325.705,68 quanto o exercício de 2015, e de € 734.386,43 quanto ao exercício de 2016;
(documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):
G. Em 07-1-2020, a Requerente pagou a quantia de € 325.705,68 e, em 10-01-2020, pagou a quantia de € 734,186,43, referentes às liquidações impugnadas (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H. Em 08-04-2020, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
3. Matéria de direito
3.1. Posições das Partes
A Administração Tributária efectuou correcções não aceitando a dedução à colecta de IRC, com base, no RFAI, relativamente a investimentos efectuados pela Requerente, por entender, em suma, que
– «o artigo 1º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo l do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (adiante TFUE ou Tratado)»;
– «a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI e do próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC»;
– «os produtos resultantes da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que a atividade exercida pela empresa integra o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado».
– «quando está em causa a atividade de “transformação de produtos agrícolas”, apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo I do Tratado»;
– «tendo os investimentos realizados (...) sido destinados à atividade principal da empresa - a produção de vinhos comuns e licorosos – (...), não são elegíveis para usufruição do RFAI»;
– «ainda que, entre os investimentos realizados, uma parte possa ter sido destinado: (i) à atividade de produção de vinhos espumantes e espumosos (CAE 11022), estes vinhos também estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo I do Tratado, pelo que são considerados produtos agrícolas e como tal não são elegíveis para usufruição do RFAI; (ii) à atividade de viticultura (CAE 1210), a cultura de uvas para vinho é uma atividade agrícola e como vimos a produção agrícola primária é uma atividade excluída do âmbito setorial do RFAI; (iii) à atividade de comércio por grosso de bebidas alcoólicas (CAE 46341) e outras atividades de embalagem (CAE 82922), estes setores de atividade não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, nos termos do artigo 2º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, para a qual remete o número 1 do artigo 22º do CFI, pelo que tais atividades não são elegíveis para usufruição do RFAI»;
– «a elaboração de vinhos e o seu posterior engarrafamento ou embalamento implica várias operações de cariz agroindustrial que alteram a natureza do produto e por essa razão é que a atividade da A... se integra na noção de "transformação de produtos agrícolas". Como o produto final desta atividade é um produto agrícola porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta atividade encontra-se excluída do RGIC e das OAR, uma vez que, como antes referimos, de acordo com o Considerando (11) do RGIC, o regulamento aplica-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, em certas condições. Nas OAR vem definido que "A Comissão deverá aplicar estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas".
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– apenas relevou para a aplicação do RFAI investimentos por si realizados na sua actividade de transformação e comercialização de produtos vinícolas, designadamente, quanto ao exercício de 2015, investimentos realizados com a construção da Adega em ... (Algarve) e com a aquisição das antigas instalações da Adega Cooperativa da ..., das antigas instalações do B... e do C..., e, quanto ao exercício de 2016, investimentos realizados com a reabilitação das antigas instalações da Adega Cooperativa da ..., do B... e do C... e com a aquisição de máquinas para a instalação de mais uma linha de engarrafamento de vinho;
– não relevou no contexto do RFAI investimentos por si realizados neste período na sua actividade de viticultura, nomeadamente correspondentes à aquisição de tractores, de alfaias agrícolas e de terrenos agrícolas ou com a plantação de vinha;
– a actividade da Requerente no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas enquadra-se no âmbito de aplicação do RFAI, tendo em conta o disposto nos artigos 22.º, n.º 1 e 2.º, n.ºs 2 e 3, do CFI, e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro e, bem assim, as OAR 2014-2020 e o RGIC;
– a actividade da Requerente enquadra-se no sector da transformação e comercialização de vinho engarrafado ou embalado com denominação de origem e marcas próprias e não na produção agrícola primária;
– a actividade principal da Requerente reconduz-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas (não primários), em concreto, de vinhos comuns e licorosos engarrafados ou embalados, assentando num processo de transformação e comercialização que, em síntese, pode ser dividido nas três fases seguintes:
I) Processo de transformação de uva em vinho;
ii) Processo de transformação de vinho a granel em vinho engarrafado ou embalado;
iii) Comercialização do vinho com denominação de origem em garrafa e/ou bag-in-box;
– tendo presente o artigo 2.º e o Anexo ao Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, a actividade económica da Requerente enquadra-se na Divisão 11 «indústria de bebidas», no Grupo 110 «fabricação de bebidas alcoólicas destiladas», na Classe 1102 «indústria do vinho» e na subclasse 11021 «produção de vinhos comuns e licorosos», correspondendo, em síntese, ao Código CAE-REV 3 «11021»;
– a actividade da Requerente no âmbito da qual foram realizados os investimentos relevados como deduções à colecta ao abrigo do RFAI controvertidas nos presentes autos, se enquadra num sector de actividade previsto no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do CFI, e, bem assim, num dos Códigos CAE previstos no artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 282/2014, de 31 de Dezembro;
– face ao disposto nas Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas (designadamente de vinhos comuns e licorosos) encontra-se efectivamente abrangida pelas OAR 2014-2020;
– as Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola complementam as OAR 2014-2020, integrando no âmbito sectorial deste instrumento a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos;
– à luz do §10 (e da respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento;
– as OAR 2014-2020 constituem um parâmetro normativo para aferição da compatibilidade dos auxílios de estado concedidos para as actividades no sector da transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos, estando como tal esta actividade abrangida pelo âmbito sectorial desse instrumento;
– pretendendo o legislador assegurar que os benefícios fiscais concedidos ao abrigo do RFAI se destinam especificamente aos sectores de actividade abrangidos pelas OAR 2014-2020, não pode a Administração Tributária vedar a aplicação dos mesmos à actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos;
– é irrelevante que a referida actividade seja abrangida pelo âmbito sectorial das OAR 2014-2020 por via da remissão operada através dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, sob pena de tal comportar uma interpretação restritiva do verdadeiro alcance do âmbito de aplicação das OAR 2014-2020, intenção essa que de modo algum pode ser tida como pretendida pelo legislador;
–a actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas é abrangida pelo RGCI na medida em que não estejam em causa auxílios de estado fixados com base no preço ou na quantidade dos produtos ou subordinados à condição de serem repercutidos nos produtores primários;
– à luz dos considerandos 10 e 11 e dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, e 13.º, alínea b), do RGCI, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação do RGIC, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento;
– persistindo dúvidas quanto à inclusão da actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos no âmbito sectorial das OAR e do RGIC, deverá o Tribunal Arbitral, promover a interpretação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, e dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, e 13.º, alínea b), do RGIC;
– a Administração Tributária não poderá vedar a aplicação do RFAI à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas da Requerente com fundamento no disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro;
– o benefício fiscal deve por princípio ser interpretado nos seus precisos termos e não de forma restritiva, sendo certo que de todo o modo uma interpretação restritiva apenas se justifica quando o intérprete conclua que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento – acabando por dizer mais do que aquilo que pretendia dizer;
– tendo em conta o princípio da legalidade fiscal e a regra da proibição do reenvio normativo, previstos, respectivamente, nos artigos 103.º e 165, n.º 1, alínea i) e 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), prevendo um Decreto-Lei autorizado – o Decreto-Lei n.º 162/2014 – que um determinado benefício fiscal – o RFAI – é aplicável a sujeitos passivos – como a Requerente – que exerçam a sua atividade num setor específico – a indústria transformadora – não pode a Administração Tributária, com fundamento numa norma regulamentar, deixar de reconhecer a aplicação do referido benefício fiscal a empresas desse setor que cumpram os requisitos de acesso ao benefício;
– o artigo 1.º, da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar.
No presente processo, a Administração Tributária acompanha a posição adoptada no Relatório da Inspecção Tributária e diz o seguinte, em suma:
– dúvidas não restam de que os investimentos realizados se destinaram-se à atividade principal da Requerente e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado;
– (i) a preparação de um produto agrícola para a primeira venda efetuada nas explorações agrícolas, (ii) a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores ou (iii) qualquer atividade que prepare o produto agrícola para uma primeira venda, não se inserem no conceito de “Transformação e comercialização de produtos agrícolas”;
– estas atividades integram o próprio conceito de “Produção agrícola primária” que é uma das atividades referidas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, excluída, portanto, do âmbito setorial do RFAI;
– para efeitos do CFI e nos termos do ponto 9) do artigo 2.º do RGIC, entende-se por «Produção agrícola primária, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos»;
– também as OAR, no seu ponto 10, excluem do seu âmbito de aplicação, entre outros, o setor de atividade económica da agricultura;
– a conclusão a que chegaram os SIT, no sentido de que quando está em causa a atividade de “transformação de produtos agrícolas” apenas pode beneficiar do RFAI a transformação destes produtos quando o resultado final não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38.º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo I do Tratado, tem total sustentação nos normativos legais aplicáveis à factualidade provada nos autos;
– a atividade exercida pela Requerente integra o conceito de “transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, tratando-se, indubitavelmente de "produtos agrícolas " para efeitos de aplicação das OAR e do RGIC;
– muito embora o artigo 2.º do CFI compreenda a elegibilidade de "Indústria extrativa e indústria transformadora" bem como "Atividades agrícolas, aquícolas, agropecuárias e florestais", a redação do n.º 1 do artigo 22.º do CFI exclui do âmbito de aplicação do RFAI os sujeitos passivos que exerçam uma atividade excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC;
– a leitura conjugada das disposições constantes do n.º 1 do artigo 22.º do CFI e do artigo 1.º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, exclui do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a "produção agrícola e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia";
– uma vez que a Requerente desenvolve atividades relativas à produção de produtos considerados agrícolas tal como se encontram enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na Nomenclatura Combinada, os investimentos efetuados não são elegíveis para efeitos do RFAI;
– a Portaria n.º 282/2014 não faz uma interpretação restritiva mas antes uma interpretação e rigorosa e precisa que alcança o sentido da norma que institui o benefício fiscal conjugando de forma irrepreensível os normativos legais aplicáveis à factualidade apurada;
– resulta do n.º 1 do artigo 22.º do CFI é que o benefício fiscal RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do RGIC;
– sendo as designações das atividades constantes do citado n.º 2 do art.º 2.º do CFI heterogéneas, ou seja, não possuindo um grau suficientemente preciso para que se possam considerar como bastantes para, per se, fundamentar a aplicação do benefício em casos concretos, o legislador optou por remeter, através do n.º 3 do mesmo artigo, para portaria específica a concretização dos códigos de atividade económica (CAE) aos quais o benefício será aplicável, o que veio a ser concretizado através da Portaria n.º 282/2014, de 30.12;
– salvaguardadas as limitações inscritas no quadro legislativo europeu em matéria de auxílios estatais de finalidade regional, não emanam da Lei n.º 44/2014 quaisquer orientações ou diretivas precisas sobre as concretas atividades económicas que poderiam beneficiar dos incentivos fiscais ao investimento;
– foi remetida para o Governo a tarefa de definição do elenco dos sectores de atividades, cujos investimentos seriam elegíveis para os incentivos fiscais do RFAI, em articulação com as prioridades estabelecidas nas opções estratégicas de política económica, de consolidação da competitividade da economia portuguesa e de política de desenvolvimento regional, tendo o legislador definido o leque dos sectores de atividade - no n.º 2 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 22.º, do CFI - mas de forma condicionada;
– ficou claro que as atividades económicas para as quais se dirigem os incentivos do RFAI seriam apenas as previstas na Portaria a publicar, à qual incumbiria fixar disposições regulamentares necessárias à boa execução dos incentivos fiscais;
– a Portaria n.º 284/2014 não limita o CFI, mas, isso sim, responde à necessidade de conformar o direito nacional com o direito comunitário, atentas as regras do RGIC e das OAR aplicáveis, como de resto a lei de autorização legislativa determina;
– inexiste uma reserva absoluta de lei formal que exclua o desenvolvimento da disciplina legal por decreto-lei não autorizado ou por regulamento, revestindo os regulamentos emitidos pelo Governo em matéria de impostos (decretos regulamentares, resoluções do Conselho de Ministros, portarias, despachos normativos ou despachos simples com conteúdo regulamentar) de enorme importância na gestão do sistema fiscal;
– os princípios constitucionais da legalidade tributária, da tipicidade e da reserva de lei formal não exigem que tenha de constar da lei fiscal a totalidade do critério de decisão dos elementos relevantes para efeitos da incidência dos impostos, exigindo apenas que seja assegurada aos interessados uma suficiente densificação que sirva de critério orientador à actividade administrativa e à dos próprios tribunais, quando chamados a controlar o uso de tais conceitos pela Administração;
– a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência dos incentivos fiscais do RFAI, porque as normas habilitantes – os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do CFI – são normas de aplicação condicionada criadas por decreto-lei que executa uma autorização legislativa que não especifica os sectores de atividade elegíveis, subordinando-os apenas à legislação europeia relevante, em matéria de auxílios de Estado.
3.2. Apreciação das questões
A Requerente efectuou investimentos em 2015, respeitantes à construção da Adega de ... e a aquisição das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa da ..., (ii) do B... e (iii) do C..., e em 2016, investimentos realizados com a reabilitação das antigas instalações da (i) Adega Cooperativa da ..., (ii) do B... e (iii) do C... e com a aquisição de máquinas para a montagem de uma linha de engarrafamento do vinho.
A actividade da Requerente enquadra-se na CAE 11021 «produção de vinhos comuns e licorosos» (Relatório da Inspecção Tributária e artigo 37.º do pedido de pronúncia arbitral).
A Administração Tributária entendeu que os investimentos referidos não podem beneficiar do RFAI porque, em suma,
«O artigo 1º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo l do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (adiante TFUE ou Tratado)»;
«a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do CFI e do próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC»;
«os produtos resultantes da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos estão incluídos no Capítulo 22 da Nomenclatura de Bruxelas (atual posição 2204) a que se refere o Anexo l do Tratado, pelo que a atividade exercida pela empresa integra o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado».
O fundamento das correcções efectuadas pela Administração Tributária é apenas a falta de enquadramento da actividade da Requerente no âmbito sectorial de aplicação do RFAI, por força do preceituado no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, por um lado, e do próprio n.º 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento (CFI), que «exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».
Não é invocada pela Administração Tributária a falta de qualquer outro requisito para aplicação do RFAI.
Assim, como diz a Requerente, a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se a actividade da Requerente no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas (em concreto de vinhos comuns e licorosos) se enquadra no âmbito de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).
O Decreto-Lei n.º 162/2014 incluiu no CFI aprovou um novo RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:
3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:
a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:
i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;
ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;
c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;
e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores;
f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios.
As actividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 2.º
Âmbito objetivo
1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
3.2.1. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro
Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da referida lei de autorização legislativa n.º 44/2014, e do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, visou-se «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», designadamente as actividades económicas que podem beneficiar de tais auxílios.
A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 Setembro, que refere no seu Preâmbulo o seguinte:
Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.
Concretizando este desígnio, os artigos 1.º e 2.º desta Portaria estabelecem o seguinte:
Artigo 1.º
Enquadramento comunitário
Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.
Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
c) Alojamento - divisão 55;
d) Restauração e similares - divisão 56;
e) Atividades de edição - divisão 58;
f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;
i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.
Como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.
Na verdade, «como é natural, não pode uma portaria – independentemente de qualquer qualificação jurídico-pedagógica que se lhe dê – excluir um setor de atividade que o legislador fiscal soberano expressamente decidiu dever ser beneficiado e não alterou a sua decisão através de um procedimento legislativo de igual valor (lei ou decreto-lei autorizado). Ao fazê-lo está a derrogar a lei numa matéria central da tipicidade tributária – o que nem mesmo as posições doutrinárias mais flexíveis sobre a teoria da legalidade tributária admitem». ( )
Por isso, tendo em mente que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar. Na verdade, «é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação. ( )
Assim, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às actividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as actividades abrangidas.
Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.
Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 3.º do CFI para estabelecer, restringindo o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».
Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas actividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2 do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas actividades, extravasando a competência objectiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das actividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.
É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a «necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos» ( ), mas tal habilitação não é admissível quando «seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)» ( ), o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), da CRP.
Doutra perspectiva, como defende a Requerente, sendo a delimitação do âmbito dos benefícios fiscais matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 1.º, da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, será «inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.° e 165.°, n.º 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.°, n.º 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar».
Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.
No entanto, do vício de que enferma este artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 não decorre necessariamente a anulação das liquidações impugnadas, pois é invocado também como seu fundamento para exclusão do benefício fiscal «o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».
Com efeito, quando um acto de tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( )
Por isso, é necessário apreciar também este segundo fundamento das liquidações.
3.2.2. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento por se tratar de actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC
Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), visou-se com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».
O artigo 2.º do CFI elenca as actividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora»[alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC».
O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».
A Requerente defende que apenas relevou para a aplicação do RFAI investimentos realizados na sua actividade de transformação e comercialização de produtos vinícolas (investimentos em adegas e máquina para instalação de uma linha de engarrafamento de vinho) o que está em sintonia com o afirmado pela Administração Tributária, que refere no Relatório da Inspecção Tributária que «os investimentos realizados antes referidos destinaram-se à atividade principal da empresa e consistiram essencialmente no reforço das suas instalações para vinificação e armazenagem do vinho a granel e engarrafado, fruto do elevado crescimento das vendas de vinho».
A actividade da Requerente, com o código CAE 11021, incluída na Divisão 11, grupo 110, classe 1102 o anexo ao Decreto-Lei n.º 38172007, de 14 de Novembro, é uma das indicadas na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, que abrange «Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33». Há também acordo das Partes quanto a este enquadramento.
No entanto, a Administração Tributária defende que a actividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as actividades de «transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado» são «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», a que se refere a parte final daquele n.º 1 do artigo 22.º do CFI.
A questão que se coloca, assim, é a de saber se a actividade da Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013) e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, , publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.
3.2.2.1. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação das OAR
No que concerne às OAR, a Administração Tributária entendeu que a exclusão decorre do seu ponto 10 em que se estabelece o seguinte:
10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.
Na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:
« Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».
Considerando estas disposições, a Administração Tributária concluiu que, «quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI, a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artigo 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo l do Tratado».
A Requerente defende, no entanto que aquele ponto 10, ao excluir «agricultura» do âmbito dos sectores de actividade a que se referem estas orientações sobre os auxílios com finalidade regional a económica, faz essa exclusão, porque «estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações».
E também, como salienta a Requerente, a referida nota de rodapé (11), esclarece que «os auxílios estatais à (..), transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».
Na fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária não se encontra qualquer referência a estas especiais «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola», que, como se diz no ponto 10 das OAR, são susceptíveis de derrogar total o parcialmente estas Orientações.
Isto significa, desde logo, que as liquidações enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal, pois era primacialmente com base nas específicas «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícolas» que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente as OAR se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.
Por outro lado, nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:
(33)
Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
Como resulta do teor expresso desta segunda parte do ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.
E, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que
(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;
(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
(c) As condições estabelecidas na presente secção.
Conclui-se, assim, que a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.
Assim, como bem diz em síntese a Requerente, «à luz do §10 (e da respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento».
Por isso, não pode, com o fundamento que foi invocado no RIT, (de a actividade da Requerente, por ser de "transformação de produtos agrícolas", pretensamente estar excluída do âmbito das OAR’s), considerar-se que está excluída do benefício fiscal do RFAI.
3.2.2.2. Questão da exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC
A Administração Tributária entendeu que actividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta actividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta actividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).
A Administração Tributária ponderou, em suma, que
– o número 1 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, refere que "Para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do número 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC";
– fazendo uma leitura do Regulamento (UE) n.º 651/2014 (RGIC), acima referido, verificamos no Considerando (11) que "O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para e primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para uma primeira venda devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização".
– portanto, a preparação de um produto agrícola para a primeira venda efetuada nas explorações agrícolas, a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores ou qualquer atividade que prepare o produto agrícola para uma primeira venda, não se inserem no conceito de "Transformação e comercialização de produtos agrícolas". Isto porque, estas atividades integram o próprio conceito de "Produção agrícola primária". E como vimos, a produção agrícola primária é uma das atividades referidas no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, excluída, portanto, do âmbito setorial do RFAI.
– para efeitos do CFI e nos termos do ponto 9) do artigo 2º do RGIC, entende-se por "Produção agrícola primária, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo l do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos".
– de acordo com o ponto 11) do mesmo preceito, "Produto agrícola [é] um produto enumerado no anexo l do Tratado, (...)".
A Requerente defende, em suma, que o RGIC é aplicável a auxílios previstos no CFI e que a exclusão dos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, apenas se verifica nos casos previstos na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo.
O RGIC identifica ao auxílios estatais que estão isentos da obrigação de informação atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios, prevista no artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.
Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável, além do mais, aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º.
Relativamente aos auxílios concedidos no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o afastamento da aplicação do RGIC é estabelecido nos seguintes termos:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
(...)
3. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
(...)
c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:
i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou
ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;
Depreende-se desta limitação dos auxílios excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não está prevista.
No caso em apreço, as Partes estão de acordo em que a actividade da Requerente é de «transformação de produtos agrícolas», que é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC] ( ); como «transformação de produtos agrícolas», entende-se, para este efeito, «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda». Por outro lado, por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição 11) que consta do artigo 2.º do RGIC].
Os vinhos de uvas frescas são um dos produtos enumerados no anexo I do TFUE [posição 22.05, a que corresponde a posição 2204 da Nomenclatura Combinada ( ), como se refere no Relatório da Inspecção Tributária], pelo que, à face das definições referidas, aqueles produtos se consideram «produto agrícola» e as operações a ele respeitantes são de «transformação de produtos agrícolas».
Assim, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».
Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço, tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.
O artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas», nestes termos:
Artigo 13.º
Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional
A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:
(...)
b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica;
(...)
Pelo exposto, conclui-se que a actividade da Requerente se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela actividade.
3.2.2.3. Conclusão
Conclui-se, assim, que as liquidações impugnadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem pressuposto o entendimento de que a actividade principal da Requerente de produção de vinhos comuns não era elegível para usufruição do RFAI.
Na verdade, a indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2 do CFI e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.
Por outro lado, a Portaria n.º 282/2014, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa, pelo que se referiu no ponto 3.2.1..
De qualquer forma, sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito de União sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
Pelo exposto, tem de se concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas, por vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2.2.4. Desnecessidade de reenvio prejudicial
A Requerente sugere o reenvio prejudicial para o TJUE quanto à interpretação do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais
no Sector Agrícola, e dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, e 13.º, alínea b), do RGIC.
No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o TJUE, que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara ou quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).
«Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16).
Afigura-se a este Tribunal Arbitral que a interpretação das normas de Direito Europeu que é necessária para apreciação da legalidade das liquidações impugnadas é clara, pelo que não há necessidade de efectuar o reenvio sugerido.
Pelo exposto, entende-se desnecessário efectuar o reenvio prejudicial sugerido.
3.3. Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.
4. Restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios
Em 07-1-2020, a Requerente pagou a quantia de € 325.705,68 e, em 10-01-2020, pagou a quantia de € 734,186,43, referentes às liquidações impugnadas e pede a sua restituição com juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como os juros indemnizatórios dependem da existência de um montante a reembolsar, insere-se também na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD determinar a restituição de quantias indevidamente pagas, como consequência da anulação de actos de liquidação.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.
4.1. Restituição de quantias pagas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral, as liquidações devem ser anuladas pelo que restituição das quantias indevidamente pagas é uma consequência da sua eliminação jurídica.
Tendo a Requerente pago indevidamente as quantias € 325.705,68 e € 734,186,43, deve ser-lhe restituída a quantia global de € 1.059.892,11.
4.2. Juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que as efectuou por sua iniciativa.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são calculados à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde 07-1-2020 quanto ao montante de € 325.705,68 e desde 10-01-2020 quanto ao montante de € 734,186,43, até ao integral reembolso.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações adicionais de IRC n.ºs 2019... e 2019..., ambas de 20-11-2019, referentes aos anos de 2015 e 2016, nos montantes de € 325.705,68 e € 566.460,43, respectivamente;
c) Anular as liquidações de juros compensatórios, n.ºs 2019..., no valor € 39.186,41 (relativa ao exercício de 2015), e n.ºs 2019... e 2019..., nos montantes de € 48.630,82 e € 15.274,36, respectivamente (relativas ao exercício de 2016);
d) Anular as demonstrações de acerto de contas n.º 2019... e n.º 2019... de que resultaram os valores a pagar de € 325.705,68 quanto o exercício de 2015, e de € 734.386,43 quanto ao exercício de 2016;
e) Julgar procedente os pedidos de restituição das quantias pagas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o pagamento à Requerente da quantia de 1.059.892,11;
f) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esses juros, calculados à taxa legal supletiva, desde 07-1-2020 quanto ao montante de € 325.705,68 e desde 10-01-2020 quanto ao montante de € 734,186,43, até ao integral reembolso.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.060.092,11.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 14.688,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Comunicação ao Ministério Público
Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, para efeitos de eventual recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se for caso disso.
Lisboa, 12-10-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Luís Janeiro)
(Nuno Cunha Rodrigues)