Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 714/2019-T
Data da decisão: 2020-10-17  IVA  
Valor do pedido: € 16.168,08
Tema: IVA – Prestação de serviços – Redébito de despesas com trabalhador cedido – Direito à dedução.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

                1. A..., S.A., sociedade com sede na ...–..., em Lisboa, com o número único de identificação fiscal de pessoa coletiva ..., vem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 3.º e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre o indeferimento de reclamação graciosa da liquidação adicional de Imposto sobre Valor Acrescentado (“IVA”) n.º ... no montante de € 16.168,08 (dezasseis mil, cento e sessenta e oito euros e oito cêntimos).

 

1.1.  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20 de outubro de 2019.

1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como o signatário como árbitro, nomeação aceite dentro do prazo legal, com exercício do dever de revelação.

 

1.3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 13 de janeiro de 2020.

 

1.5. Prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta.

 

1.6. No dia 6 de julho de 2020, realizou-se uma reunião do Tribunal Arbitral nas instalações do CAAD e com recurso a meios de comunicação à distância, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, tendo ainda sido notificadas as partes para apresentarem alegações escritas.

 

1.7. Também na reunião referida supra, foi determinada a prorrogação do prazo referido no n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, por dois meses, a contar do término daquele, por força da definição da tramitação processual subsequente, tendo em conta o período de férias judiciais e a grave e notória situação pandémica em que o país vive desde março de 2020.

 

1.8. Subsequentemente, por despacho de 6 de outubro de 2020, foi renovada essa prorrogação, mantendo-se a data de 19 de outubro de 2020 para prolação da decisão judicativa arbitral.

 

2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

II. Fundamentação

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos Provados

 

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

4.1.1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto a atividade multimédia, comercial e de merchandising, nomeadamente na edição, produção e comercialização de conteúdos multimédia, a gestão e exploração comercial de produtos, serviços e publicações do ..., através de canais à distância, onde se incluem nomeadamente a internet, telefone e telemóveis.

 

4.1.2. A Requerente realiza o seu objeto social quase exclusivamente no âmbito das sociedades do Grupo B... .

4.1.3. No dia 2 de dezembro de 2010, foi celebrado um contrato de trabalho sem termo entre a sociedade C..., na qualidade de entidade empregadora, e D..., na qualidade de trabalhador, pelo qual este obrigava-se a exercer a função de Diretor de Multimédia sob as ordens e direção da C..., recebendo como contrapartida da prestação de trabalho uma remuneração base mensal ilíquida de € 5.700,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário anual de € 6,65 e dos subsídios de férias e de Natal nos termos do Código do Trabalho.

 

4.1.4. No dia 1 de julho de 2011, a C..., acordou verbalmente com a Requerente que o trabalhador D... desenvolvesse a sua atividade junto da Requerente, sob a direção e em benefício exclusivo desta, mantendo, porém, o seu vínculo jurídico-laboral àquela.

 

4.1.5. A C..., e a Requerente acordaram entre si que todos os custos que decorressem do trabalhador e fossem suportados por aquela seriam debitados à Requerente.

 

4.1.6. No dia 27 de novembro de 2011, foi celebrado um contrato de prestação de serviços através do qual a Requerente se obrigava a prestar serviços à C... ao nível da gestão do website e no respeitante à atividade multimédia.

 

4.1.7. Todas retribuições e demais prestações emergentes do referido contrato de trabalho eram pagas pela entidade patronal e posteriormente faturadas à Requerente, com a descrição “Redébito Pessoal TM” e liquidação de IVA à taxa de 23%.

 

4.1.8. Em 31 de Maio de 2015, o trabalhador e a sua entidade patronal celebraram um acordo de revogação do contrato de trabalho, tendo sido acordada e paga ao Trabalhador uma compensação no valor de € 70.296,00, a qual incluía: (i) € 33.416,00 a título de compensação pecuniária global; (ii) € 23.614,00 a título de IRS e Segurança Social incidentes sobre a compensação pecuniária global; e (iii) € 13.266,00 a título de férias não gozadas;

 

4.1.9. Esse valor foi debitado à Requerente na Fatura FDR 2014/87, acrescido de € 16.168, 08 correspondente ao IVA determinado à taxa de 23%.

 

4.1.10.  Na sequência das Ordens de Serviços n.os OI2016... e OI2018..., a Requerente foi sujeita a inspeção externa de âmbito parcial, abrangendo o IVA e o IRC dos anos de 2014 e 2015.

 

4.1.11. Em resultado dessa inspeção, a AT considerou que o IVA, no valor de € 16.168, 08 não era dedutível, tendo a Requerente sido notificada da liquidação adicional de IVA n.º..., de 30 de agosto de 2018.

 

4.1.12. Na sequência, a Requerente deduziu reclamação graciosa, em 21 de dezembro de 2018, tendo a mesma sido indeferida por despacho de 19 de julho de 2019.

 

4.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

4.3. Motivação da matéria de facto

 

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos. Foram ainda valorados os depoimentos das testemunhas que contribuíram para o esclarecimento da realidade, tendo deposto como coerência, conhecimento e assertividade.

Para além disso, a decisão da matéria de facto baseou-se no alegado pela Requerente que não foi questionado ou controvertido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, que, ademais, circunscreveu a questão controvertida ao plano da análise da matéria de direito.

 

5. Matéria de direito

 

Começando por contextualizar sinteticamente a questão decidenda, importa referir que a Requerente pretende a anulação da decisão da AT, tomada no procedimento de reclamação graciosa identificado nos autos, de não relevação do IVA apurado no respetivo ato de liquidação efetuado pela C..., no montante de €16.168,09, e que aquela deduziu no período 2015.06T, relativo ao pagamento efetuado pela mesma sociedade  à C..., incidente sobre o montante da compensação pela cessação do contrato  de trabalho do seu trabalhador D... .

Resume-se, assim, a pretensão da Requerente à questão de saber se o IVA liquidado pela sociedade C... sobre a indemnização pela cessação do referido contrato de trabalho firmado entre o trabalhador e a  mesma sociedade, e acordada entre as mesmas partes, pode ser deduzido pela Requerente como imposto suportado nos inputs da sua atividade, a quem a C... o debitou posteriormente.

Vejamos.

Resulta claro, a partir da factualidade supra referida, que as quantias pagas pela Requerente à C... derivadas da prestação do trabalho do trabalhador que lhe foi cedido, nelas acrescendo o IVA por aquela liquidado, incidentes sobre os seus salários e demais acréscimos legais, são devidas, diretamente, não por força do contrato de trabalho firmado entre o trabalhador e a C..., em relação ao qual a Requerente é terceira, mas  a título de cumprimento da obrigação de contraprestação acordada no contrato por mor da qual o trabalhador, mediante acordo entre ambas as sociedades e ele próprio, passou, a prestar trabalho, no mesmo domínio funcional, para a Requerente.

Com efeito, em virtude desse contrato, não se converteu o trabalhador D... num trabalhador vinculado à Requerente por contrato de trabalho sem termo. Ele continuou a ser um trabalhador vinculado por contrato sem termo à sociedade C..., como, aliás, bem reconhece a Requerente.

Por mor do contrato de cedência ocasional – hoc sensu, não definitiva – do contrato de trabalho do D... à Requerente, a única vicissitude  que ocorre nos termos em que deve ser cumprido o seu contrato de trabalho com a C..., é a de o trabalhador ficar vinculado a prestar o seu trabalho à Requerente. Sendo, todavia, o contrato de trabalho um contrato em que o trabalhador fica sujeito à direção da entidade a quem presta o seu trabalho, impõe-se concluir, também, que o mesmo trabalhador passa a ficar sujeito à direção da cessionária. Nem poderia ser de outro modo, porquanto, sendo o contrato de trabalho um contrato de prestação de trabalho orientado para o objetivo económico-material que é definido pela entidade patronal, a vinculação à prestação do trabalho para o cessionário expressa a consequência inelutável da sujeição do trabalhador cedido ao poder de direção do cessionário. Nesta linha de raciocínio caminha também a Requerente. É uma solução que decorre diretamente dos critérios normativos constantes dos artigos 288.º e 289.º, n.º 1, do Código de Trabalho.

Implicará, todavia, a vicissitude do contrato de trabalho firmado com o cedente, corporizada na cedência ocasional do trabalhador, alguma modificação do conteúdo essencial do contrato de trabalho celebrado com o cedente, nomeadamente no que importa à definição da questão de saber quem fica vinculado a pagar o salário e demais direitos associados ao contrato de trabalho com o cedente, bem como quanto à questão de saber a quem compete o poder negocial de fazer cessar o contrato de trabalho sem termo?

A remuneração é a contraprestação sinalagmática da vinculação/obrigação jurídica de ter de prestar o trabalho. Ela decorre diretamente da celebração do contrato de trabalho e da efetiva prestação do mesmo. Assim sendo, a menos que as partes (cedente, cessionário e trabalhador) acordem em sentido diverso, dentro do princípio da liberdade acautelado na extensão jurídica ínsita na autonomia contratual consentida neste tipo contratual, a obrigação de pagamento da remuneração e demais direitos associados incumbem ao cedente do trabalhador. A manutenção do vínculo laboral entre o trabalhador e o cedente, a quem se encontra vinculado por contrato sem termo, demanda que nesse vínculo se inclua a obrigação de pagamento da remuneração.

Do mesmo passo, a manutenção do vínculo laboral do contrato de trabalho sem termo com a entidade patronal cedente demanda, necessariamente, que esse contrato de trabalho apenas possa modificar-se mediante acordo do cedente com o trabalhador e, a fortiori, extinguir-se ou cessar por seu mútuo consenso, salvo caso de despedimento com justa causa.

 Em todo o caso, mesmo a invocação desta causa de extinção do contrato de trabalho é um poder potestativo que radica apenas no cedente a quem o trabalhador cedido se encontra vinculado, não podendo ser exercido pelo cessionário. O cessionário apenas poderá lançar mão dos instrumentos que conduzam à resolução do contrato de cedência ocasional firmado com o cedente, caso considere que existe incumprimento do contrato de cedência. Foi, aliás, dentro desta linha jurídica que as partes nos contratos dispuseram sobre as suas obrigações contratuais.

No caso sub judicio, as partes acordaram que fosse a cedente C... a pagar os salários e direitos associados ao trabalhador D..., debitando a mesma, depois, os respetivos custos, acrescidos de IVA à taxa normal, à Requerente, que posteriormente deduzia o imposto dentro dos inputs gerados na sua atividade económica, denunciando esse modo de proceder que as partes consideravam que a obrigação de pagamento da Requerente encontrava o seu fundamento jurídico numa prestação de serviços, relevando os termos da cedência, mormente no que tange à remuneração e direitos associados, como referentes da definição do conteúdo da obrigação de pagamento da cessionária.

Do ponto de vista do IVA, a cedência de um colaborador a entidade terceira, a título oneroso, é passível de ser configurada como uma operação sujeita a IVA com base nas disposições dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do Código do IVA, como prestação de serviços, atendendo ao recorte do conceito neste último preceito. A AT vem defendendo esse enquadramento afirmando que constituem operações tributáveis a título de prestação de serviços “todas as situações em que materialmente existe uma colocação de pessoal à disposição, independentemente de tais operações se qualificarem, ou não, em termos jurídicos, como sendo de cedência de pessoal e apesar de os respetivos trabalhadores manterem os seus vínculos laborais com as correspondentes entidades patronais”.

Porém, a AT diferencia claramente nesse horizonte os casos em que o “montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exato de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas em legislação aplicável (v.g. prémios de seguro de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensões, etc.)” – cf. Ofício-Circulado n.º 30.019, de 4 de maio de 2000 (ver também, entre a doutrina administrativa, os Ofícios-Circulados n.os 32.344, de 10 de outubro de 1986, 30.084, de 2 de dezembro de 2005 e a Circular n.º 16/2011, de 19 de maio).

                No entanto, no caso sub judicio, não vem questionado o enquadramento em sede de IVA quanto à verificação da norma de incidência subjetiva recortada nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º do CIVA, nem, correspondentemente, o direito da Requerente deduzir o IVA suportado, por força do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, alínea a)  e 20.º, n.º 1, do mesmo Código, no que tange diretamente com o contrato subjacente à cedência do trabalhador e as contraprestações pagas durante a execução do mesmo. Com efeito, perscrutados os fundamentos subjacentes à liquidação, a razão de ser das correções controvertidas repousa no entendimento de que “só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre os serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das prestações de serviço sujeitas a imposto e dele não isentas. [§] Isto é, a dedução apenas pode incidir/ocorrer sobre bens ou serviços adquiridos pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pelo que, não se demonstrando essa efetiva transmissão/prestação, não pode ser aceite a dedução do IVA”, como se dá conta no relatório da inspeção tributária. Pelo que, no que concerne à execução do contrato considerou-se que fornecendo a C..., de modo independente e com carácter de habitualidade, através do seu trabalhador ocasionalmente cedido, a favor da Requerente, a prestação de serviços traduzida no exercício das competências técnicas próprias da categoria de diretor de multimédia, estaria a mesma abrangida pela incidência subjetiva do IVA recortada no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, não permitindo a análise da faturação dos “redébitos” infirmar essa concreta qualificação e, consequentemente, firmar juízo sobre a não sujeição a IVA.

Este excurso faz com que a atenção jurídica se tenha que deslocar para a análise das exigências relativas ao exercício do direito à dedução do imposto suportado que é uma das bases fundamentais da edificação do IVA, tal como se fez constar no artigo 2.º da Primeira Diretiva (67/227/CEE) – “em cada transação, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço” –, e tal como vem sendo assumido pela jurisprudência europeia – cf. Acórdãos do TJUE nos processos C-98/98, de 8 de junho de 2000, C-408/98, de 22 de fevereiro de 2001, e C-104/12, de 21 de Fevereiro de 2013, todos disponíveis no website “curia.europa.eu” –, onde se vêm definindo alguns dos contornos desse direito à dedução, como, por exemplo, a necessidade de existir “uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução”, ou que, “o direito à dedução a favor do sujeito passivo [existe] mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta” – v. último acórdão citado.

Entre nós, o regime pertinente para a apreciação do caso encontra o suporte legislativo as disposições dos artigos 19.º e 20.º do CIVA.

No primeiro, estabelece-se o princípio da dedução do imposto suportado e as suas limitações de âmbito formal; no segundo, dispõe-se sobre o sentido material do direito à dedução, estabelecendo-se que só pode ser deduzido o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações elencadas nas suas alíneas – cf. JOSÉ XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, “O direito à dedução do IVA nas sociedades Holding”, in Fiscalidade, n.º 6, p.10.

Ora, essa limitação material do direito à dedução do IVA engloba, precisamente, a compensação que é paga pela cessação do vínculo laboral do trabalhador cedido. Efetivamente, a compensação pela cessação do vínculo contratual  – não importando aqui apurar se contida dentro dos valores decorrentes das normas que regem sobre o valor legal obrigatório em caso de rescisão do contrato ou se superior a eles por força de acordo estabelecido quanto aos termos da cessação voluntária de trabalho – não é um efeito jurídico-económico que decorra diretamente do contrato celebrado entre a C... e a Requerente. Esta é uma vicissitude jurídica completamente exterior a essa realidade, seja numa ótica de um contrato de prestação de serviços – porque a cessação da obrigação de prestar o serviço (laboral) tem o efeito de inviabilizar a subsistência do objeto do contrato, tal como foi desenhado pelas partes –, seja enquanto contrato de cedência ocasional do trabalhador –  porque ser, neste caso, um efeito que ocorre fora do âmbito jurísgeno deste contrato, acontecendo antes no âmbito do contrato de trabalho sem termo que vincula apenas o trabalhador e a entidade cedente. 

                Neste sentido e na economia da relação contratual mantida – com reflexo no tratamento fiscal dado ao longo do período de execução do contrato –, a prestação do pagamento da compensação pecuniária, estabelecida por força do acordo de cessação do referido contrato de trabalho sem termo entre a C... e o trabalhador D..., é um efeito jurídico-económico que contende, sumariamente, com o exercício da atividade levada a cabo de modo independente e com carácter de habitualidade por aquela cedente ocasional do trabalhador [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA], mas não no exercício da atividade da Requerente.

Por isso, ao  suportar os custos relativos à indemnização devida pela desvinculação do trabalhador à sua entidade patronal, não está a absorver um montante que se destine à realização de uma qualquer operação tributável, como exige o artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, para concretização do direito à dedução do imposto suportado, razão pela qual pode afirmar-se que nem Requerente não tinha o dever de pagar o IVA liquidado sobre essa compensação pelo C..., nem aquela tinha o direito de o deduzir no valor dos outputs gerados no exercício económico da sua atividade, face ao disposto nos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, do CIVA.

Esta conclusão suporta-se no entendimento de que o vínculo da relação direta e imediata entre as prestações de serviços a montante e uma operação tributável realizada a jusante não existe quando a operação em causa não é efetuada para corresponder às necessidades das atividades tributáveis de um sujeito passivo.

               

Por outro lado, importa ainda referir que não teria sentido apelar aqui à funcionalidade do princípio da neutralidade do IVA para fundamentar a possibilidade da dedução do IVA que sobre ela erradamente tenha sido liquidado à Requerente pela cedente C... . 

A operacionalidade do princípio da neutralidade do IVA justifica, tout court, a dedutibilidade, por banda da Requerente, do IVA suportado sobre as remunerações, subsídios de férias e segurança social, que lhe foram liquidados pela cedente C..., na medida em que o seu efeito económico-jurídico afeta a sua atividade económica de transmissão de bens e prestação de serviços. E é, precisamente, por estes se tratarem de gastos que são indispensáveis à manutenção da sua fonte de proveitos que devem ser tidos como custos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, para efeitos do apuramento do lucro tributável, como bem se decidiu no Acórdão do Tribunal Arbitral de 16 de Setembro de 2020, no Processo CAAD n.º 713/2019-T, em que estava em causa, entre o mais, a dedutibilidade em sede de IRC dos gastos da Requerente com o mesmo trabalhador.

                Este Acórdão levou o seu entendimento ao ponto de considerar que a qualificação como custos dedutíveis, em sede de IRC, poderia ser levada ao ponto de abranger também o montante pago a título de compensação pecuniária global, apoiando-se em um critério de decisão baseado não imediatamente no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, mas no princípio da justiça material que encontra arrimo como princípio constitucional no princípio material do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da CRP, e que, atenta a supremacia de fonte jurídica e a assunção do princípio constitucional da tributação das empresas segundo o lucro real, se justificava a desconsideração, ao caso, da regra do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC quando não pudesse ser operada a “correção simétrica” do respetivo custo relativamente ao contribuinte que, se estivera em tempo, a poderia efetuar, mediante a revisão da liquidação.

Porém, este passo não se torna possível ser efetuado no tipo de imposto que está aqui em causa.

Em primeiro lugar, porque o IVA é um tipo de imposto indireto que atinge a despesa e o consumo independentemente do status patrimonial do seu sujeito passivo, não havendo aqui lugar para a invocação do princípio da tributação pelo lucro real.

Por outro lado, uma correta compreensão do princípio da justiça material no domínio dos impostos indiretos será aquela que importar a imputação do sacrifício do imposto a quem tirou proveito do acesso às potencialidades satisfazentes dos bens corpóreos ou prestações de serviços. Ora, a Requerente não tirou proveito nenhum da cessação do contrato de trabalho do trabalhador da C... . Toda a vantagem, a existir, ficou confinada ao interesse desta última sociedade.

Finalmente, cremos que o princípio da correção simétrica não deve ser interpretado e aplicado fora do domínio do mesmo contribuinte fiscal. Na verdade, na sua estrutura, trata-se de um princípio cuja génese se encontra na periodização da tributação dos rendimentos da atividade económica, cuja modelação cabe em grande parte nas opções do legislador, e na equidade e justiça material de tratamento do mesmo contribuinte concreto perante o Fisco. Os reflexos da aplicação do princípio ficam delimitados ao campo subjetivo das relações entre o Fisco e o concreto contribuinte, obstando a que este saia prejudicado por não poder emendar o erro de contabilização e qualificação operada respeitante à mesma atividade, embora de período diferente. Ora, o sistema do IVA não permite uma tal visão das coisas, porque o IVA constitui uma obrigação do sujeito passivo recortado na norma de incidência subjetiva e respeita a cada operação a ele sujeita (incidência objetiva), constituindo o imposto a pagar o saldo da diferença entre o imposto pago nos inputs e o cobrado nos outputs, não sendo possível desenhar uma relação simétrica das mesmas operações sujeitas a imposto dentro do mesmo devedor de imposto, apenas podendo abarcar os diferentes regimes de entrega do imposto apurado (mensal, trimestral ou por ato único).

Como se percebe, o excurso motivador supra não é transponível no que tange com a análise casuística da dedutibilidade do imposto no que se refere estritamente à componente da compensação relativa a férias não gozadas pelo trabalhador (€ 13.266,00).

Com efeito, no que tange a esta componente integrante da compensação pecuniária global, não obstante o seu apuramento ocorrer por mor da cessação do contrato de trabalho, ela não deixa de traduzir-se numa componente remuneratória geneticamente imbricada no trabalho efetivamente prestado pelo colaborador e cuja fonte-causa jurídica não pode deixar de considerar-se absorvida pelo contrato de cedência do trabalhador, devendo, nessa medida, ter o mesmo tratamento fiscal que as remunerações e pagamentos cuja dedutibilidade do IVA a AT não questionou.

                Destarte, atento o exposto, conclui-se pela procedência parcial do pedido de impugnação da reclamação graciosa e do inerente pedido de dedução do IVA liquidado sobre o montante da compensação pecuniária global.

 

6. Decisão

 

Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)            julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na parte em que não se admitiu a dedução do valor do IVA liquidado sobre a quantia de € 13.266,00, relativa ao pagamento de férias não gozadas; e, no demais,

b)           julgar improcedente o pedido.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 16.168,08 (dezasseis mil, cento e sessenta e oito euros e oito cêntimos).

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo, em face do decaimento, 81,13% a cargo da Requerente e 18,87%, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 17 de outubro de 2020,

 

João Pedro Rodrigues

 

Notifique-se.