SUMÁRIO
1. Não estando em causa a admissão em território nacional de veículo proveniente de outro Estado-Membro, a tributação da transformação de veículos efetuada ao abrigo da norma do artigo 7.º, n.º 6, do CISV, da exclusiva competência fiscal do Estado Português, não constitui violação do direito comunitário, designadamente do artigo 110-º do TFUE invocado pelo Requerente.
2. Verificados os pressupostos nela enunciados, a norma do artigo 7.º, n.º 3, do referido Código, é indistintamente aplicável ao fabrico, montagem, admissão ou importação ou transformação de veículos automóveis tributáveis que estejam obrigados a matrícula em Portugal.
DECISÃO ARBITRAL
I.Relatório
1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Ourém, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 17-04-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2020/..., da Alfândega de Peniche, de 14-04-2020, no montante total de € 834,78.
3. O Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.
4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta o Requerente, em síntese, que a liquidação impugnada, efetuada ao abrigo das normas dos artigos 7.º, n.º 6, e 11.º do Código do Imposto sobre Veículos CISV), enferma de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Contesta, ainda, o agravamento previsto no n.º 3 daquele artigo 7.º, porquanto, em seu entender, “esta componente tributária, pela sua natureza e características, apesar de a lei não o referir expressamente, destina-se, apenas, a incidir nos veículos admitidos ou importados em território nacional, o que não é o caso do veículo dos autos”.
5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional, pelo que o mesmo não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, manter-se na Ordem Jurídica.
6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.
8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.
9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-08-2020.
11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, designadamente do processo administrativo, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a junção de alegações.
II. Saneamento
12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).
III. Matéria de facto
14. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:
14.1. Em 20-03-2020 foi apresentada na Alfândega de Peniche, por transmissão eletrónica de dados, a Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2020/..., para regularização da alteração da categoria fiscal de veículo automóvel propriedade do Requerente.
14.2. O veículo em causa, com a categoria fiscal de ligeiro de mercadorias, de marca Citroen com a matrícula ..., foi objeto de transformação para ligeiro de passageiros conforme projeto aprovado pelo IMT, IP.
14.3. Da referida DAV, consta, ainda, que ao referido veículo, usado, proveniente de Portugal, com 8001 km percorridos, foi atribuída a primeira matrícula em 20-12-2005 pelo IMT, IP.
14.3. No que concerne às características do veículo, consta da referida DAV, o valor de 0,025 g/Km relativo à emissão de partículas e o de 109 g/Km relativo à emissão de gases. Com o peso bruto de 1501 Kg e 1398 cc de cilindrada, o veículo utiliza gasóleo como combustível.
14.4. Com base nos elementos constantes da DAV foi efetuado o cálculo do ISV, em conformidade com as disposições constantes dos artigos 7.º e 11.º do respetivo Código, sendo apurado o valor de € 2.102,32 pela seguinte forma:
14.5. Por aplicação do disposto nos artigos 7.º, n.º 6, do CISV e 7.º, n.º 10, do CIVA, resultou, conforme Documento Único de Cobrança (DUC), o seguinte montante de imposto a pagar:
14.5. O pagamento dos impostos a que se refere o DUC acima referido, foi efetuado em 15-04-2020.
15. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.
IV. Matéria de direito
16. O presente pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se na ilegalidade do ato de liquidação de ISV e de IVA relativo à transformação do veículo acima identificado, considerando o Requerente que essa ilegalidade se traduz no facto de naquele ato não ter sido considerada a redução relativa à componente ambiental e, ainda, não ser ao caso aplicável o agravamento previsto no artigo 7.º, n.º 3, do CISV.
17. Alega, assim, o Requerente que “a liquidação de ISV efectuada está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, uma vez que a norma jurídica, que esteve na base daquela liquidação, o art. 11.º do CISV, viola o n.º 6 do artigo 7.º do mesmo Código, na medida em que não tem em conta o tempo de uso entretanto decorrido e, bem assim, o art. 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme já foi amplamente discorrido em anteriores decisões deste Centro de Arbitragem, sendo certo que a tributação das operações de transformação de veículos segue o regime da tributação dos veículos importados de outros EM, para efeitos do cômputo do “tempo de uso”.
De acordo com a factualidade descrita, o apuramento do imposto dos autos não teve em conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre o veículo dos autos, o qual tem mais de 15 anos!
À revelia do disposto no artigo 110.º do TFUE e do previsto no próprio CISV, no art. 7.º, n.º 6, a legislação não considera as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.
18. No que concerne ao “agravamento partículas” a que se refere o artigo 7.º, n.º 3, do citado Código, considera o Requerente que “esta componente tributária, pela sua natureza e características, apesar de a lei não o referir expressamente, destina-se, apenas, a incidir nos veículos admitidos ou importados em território nacional, o que não é o caso dos autos.”
19. Com base na fundamentação acima sumariada, conclui o Requerente que deve a presente impugnação ser julgada procedente devendo o ato de liquidação ser anulado na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental e, bem assim, na parte em que aplicou a componente “agravamento partículas” e, em consequência, ser ordenado o reembolso da quantia paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.
20. Respondendo ao pedido formulado, considera a Requerida que “… com referência à liquidação ora impugnada, conforme resulta do cálculo discriminado na respetiva DAV, foi o mesmo efetuado de acordo com as normas do CISV aplicáveis ao facto gerador em causa (transformação de veículo), tendo sido atendidos os elementos prescritos na lei para o efeito.”
21. Depois de traçar o quadro geral da legislação aplicável na área da incidência, objetiva e subjetiva, determinação da base tributável, taxas aplicáveis, facto gerador e exigibilidade do tributo, relativa à transformação tributável de veículos automóveis, a Requerida, no tocante à compatibilidade daquela norma do artigo 11.º do CISV com o direito comunitário, alega, no essencial, que: “ Tendo as decisões arbitrais já proferidas, e que resultaram na anulação parcial das liquidações impugnadas, vindo a defender que o artigo 11.º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE por entenderem que aquele artigo determina que o cálculo do imposto sobre veículos usados provenientes de outro Estado-membro seja efetuado sem se ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que o imposto resultante da sua aplicação ultrapassa o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares nacionais que já foram registados em Portugal.” Porém, “ Não estamos, pois, perante a mesma questão de direito, estando em causa, no caso concreto, um veículo nacional, já introduzido em Portugal, com matrícula nacional, que foi sujeito a uma operação de transformação, que implicou a sua reclassificação fiscal numa categoria que corresponde a uma taxa de imposto mais elevada, sujeita a ISV, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, conjugado com o n.º 6 do artigo 7.º do CISV.”
22. Conclui, assim, a Requerida no sentido de que “a matéria de direito na qual se enquadra a presente questão controvertida não se subsume à problemática do “contencioso dos usados” em que é defendida a violação ao artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) desde logo porque, na operação de transformação de um veículo, não se verifica qualquer discriminação entre a tributação dos usados admitidos no território nacional relativamente a veículos idênticos em Portugal.”
23. Referindo-se ao que vem invocado pelo Requerente relativamente à inaplicabilidade do “agravamento de partículas”, considera a Requerida que tal entendimento também não merece acolhimento, já que, contrariamente ao que vem afirmado, o legislador, na redação utilizada no n.º 3 do artigo 7.º do CISV, não especificou que tal agravamento apenas seria devido nos casos de admissão ou importação dos veículos no território nacional.
24. Evidenciadas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, importa, antes de mais, uma breve incursão pela legislação relevante.
25. Obedecendo ao princípio da equivalência, o ISV incide sobre os veículos automóveis das categorias elencadas no artigo 2.º do respetivo Código em que se incluem os automóveis ligeiros de passageiros e os ligeiros de mercadorias, estes com exclusão dos de caixa aberta, sem caixa ou de caixa fechada que não apresentem cabina integrada na carroçaria, com peso bruto de 3500 kg, sem tração às quatro rodas (CISV, arts. 1.º e 2.º).
26. São sujeitos passivos da obrigação de imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos (CISV, art. 3.º)
27. Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal (CISV, art. 5.º, n.º 1), bem como a transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas (CISV, art. 5.º, n.º1 e 2, alínea b)).
28. O imposto é exigível no momento da introdução no consumo, situação que, quando esteja em causa a transformação tributável de veículo automóvel se considera verificada no momento da ocorrência do facto gerador do imposto (CISV, art. 6.º, n.º2)
29. A taxa aplicável é a que vigora no momento da exigibilidade do imposto (CISV, art. 6.º, n.º 3)
30. À data da ocorrência do facto tributário e exigibilidade do imposto e relativamente a veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias, movidos a gasóleo, vigoram as taxas constantes dos números 1 e 2 do artigo 7.º daquele Código, cuja redação, então em vigor, é a seguinte:
Artigo 7.º
Taxas normais – automóveis
1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:
a) Aos automóveis de passageiros;
b) Aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.
TABELA A
Componente cilindrada
Escalão de Cilindrada
(em centímetros cúbicos) Taxas por centímetros cúbicos
(em euros) Parcela a Abater
(em euros)
Até 1000 0,99 769,80
Entre 1001 e 1250 1,07 771,31
Mais de 1250 5,08 5 616,80
Componente ambiental
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (New European Driving Cycle – NEDC)
(…)
Veículos a Gasóleo
Escalão de CO2
(em gramas por quilómetro) Taxas
(em euros) Parcela a abater
(em euros)
Até 79 5,24 398,07
De 80 a 95 21,26 1 676,08
De 96 a 120 71,83 6 524,16
De 121 a 140 159,33 17 158,92
De 141 a 160 177,19 19 694,01
Mais de 160 243,38 30 326,67
Componente ambiental
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP)
(…)
Veículos a Gasóleo
Escalão de CO2
(em gramas por quilómetro) Taxas
(em euros) Parcela a abater
(em euros)
Até 110 1,56 10,43
De 111 a 120 17,20 1 728,32
De 121 a 140 58,97 6 673,96
De 141 a 150 115,50 14 580,00
De 151 a 160 145,80 19 200,00
De 161 a 170 201,00 26 500,00
De 171 a 190 248,50 33 536,42
Mais de 190 256,00 34 700,00
2 - A tabela B, a seguir indicada, tem em conta exclusivamente a componente cilindrada, sendo aplicável aos seguintes veículos:
a) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm;
b) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tracção às quatro rodas, permanente ou adaptável;
(Redacção dada pela L 64-B/2011, de 30/12).
c) Aos automóveis abrangidos pelos n.ºs 2 e 3 do artigo seguinte, nas percentagens aí previstas;
(Redacção dada pela L 83-C/2013, de 31/12).
d) Aos automóveis abrangidos pelo artigo 9.º, nas percentagens aí previstas.
TABELA B 1
Componente cilindrada
Escalão de cilindrada
(em centímetros cúbicos) Taxas por centímetros cúbicos
(em euros) Parcela a abater
(em euros)
Até 1 250 4,81 3 020,78
Mais de 1 250 11,41 11 005,76
31. Relativamente ao cálculo do imposto respeitante à transformação de veículo automóvel, estabelece o n.º 6 do citado artigo 7.º que “ Nas situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, o montante do imposto a pagar é o que resulta da diferença entre o imposto incidente sobre o veículo após a respectiva operação, atento o tempo de uso entretanto decorrido, e o imposto originariamente pago, excepto nos casos de mudança de chassis, em que o imposto é devido pela totalidade.”
32. No tocante ao tempo de uso do veículo, a norma acima referida remete, implicitamente, para a tabela D e n-º 2 do artigo 11.º do CISV,
TABELA Div
Tempo de uso Percentagem de redução
Até 1 ano 10
Mais de 1 a 2 anos 20
Mais de 2 a 3 anos 28
Mais de 3 a 4 anos 35
Mais de 4 a 5 anos 43
Mais de 5 a 6 anos 52
Mais de 6 a 7 anos 60
Mais de 7 a 8 anos 65
Mais de 8 a 9 anos 70
Mais de 9 a 10 anos 75
Mais de 10 anos 80
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
33. Para além do montante de imposto determinado de acordo com as regras supra referidas, os veículos automóveis movidos a gasóleo, ficam sujeitos ao agravamento previsto no nº 3 deste artigo 7.º, nos seguintes termos: “3 Os veículos ligeiros, equipados com sistema de propulsão a gasóleo ficam sujeitos a um agravamento de 500 € no total do montante do imposto a pagar, sendo esse valor reduzido para 250 € relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,001 g/km. “
34. Sobre o montante de ISV calculado de acordo com as normas acima referidas incide, ainda, o IVA, à taxa normal, estabelecendo o artigo 7.º, n.º 10 que “Sempre que, em momento posterior à transmissão, aquisição intracomunitária ou importação de veículos automóveis, se mostre devido imposto sobre veículos pela sua transformação, alteração de cilindrada ou de chassis, o imposto é devido e exigível no momento em que ocorra essa transformação ou alteração.”. De acordo com o disposto no artigo 28.º, n.º 6, do respetivo Código, este tributo é pago simultaneamente com o ISV junto das entidades competentes para a respetiva cobrança.
35. Na situação em análise, a liquidação do ISV e IVA relativos à transformação de viatura ligeira de mercadorias em viatura ligeira passageiros foi efetuada em conformidade com a norma do n.º 6 do artigo 7.º do CISV que, no tocante à antiguidade do veículo, remete para a tabela constante do artigo 11.º do mesmo Código.
36. Atenta a antiguidade de veículo em causa – 15 anos - foi considerada uma redução de 80% na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo, em conformidade com o disposto naquele preceito.
37. Está, assim, em causa determinar-se se a referida norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veiculo na componente ambiental, constitui violação do direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE quando aplicada à transformação de veículo com matrícula nacional, conforme entende a Requerente ou se, conforme pretende a Requerida, tal operação, por envolver a transformação de um veículo já introduzido no consumo, com matrícula nacional, não se encontra abrangida pela citada norma do TFUE.
38. Sendo, assim, invocado, como fundamento da alegada ilegalidade da liquidação impugnada, o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), importa verificar da sua aplicabilidade ao caso em apreço.
39. Com o objetivo de garantir a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros em condições normais de concorrência mediante a eliminação de quaisquer formas de proteção passíveis de resultar de imposições internas discriminatórias, estabelece aquele preceito - correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE – que "Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções."
40. A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados "importados" de outro Estado Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.
41. Com efeito, tem vindo o referido Tribunal a declarar que a cobrança de um imposto sobre veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 110.º do TFUE sempre que o montante de imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.
42. Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado, a tributação automóvel pode assentar em critérios objetivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados Membros do que os produtos nacionais similares.
43. Salienta-se no entanto que, como o referido Tribunal já declarou, “a tributação dos veículos automóveis não foi harmonizada a nível da União Europeia. Os Estados-Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União”
44. Estando, pois, em causa nos presentes autos a determinação da base tributável do ISV numa operação de transformação tributável de veículo automóvel já matriculado em território nacional, determinada de conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 6, do respetivo Código, a circunstância de não ser considerada a componente ambiental para apuramento da redução do imposto em função da antiguidade do veículo não afronta o direito comunitário.
45. Nestes termos, não estando em causa a admissão em território nacional de veículo proveniente de outro Estado-Membro, a tributação efetuada ao abrigo da citada norma, da exclusiva competência fiscal do Estado Português, não constitui violação do direito comunitário, designadamente do invocado artigo 110-º do TFUE., pelo que, neste segmento, o pedido, por carecer de base legal, não pode proceder.
46. O Requerente impugna, ainda, a liquidação do “agravamento partículas”, a que se refere o artigo 7.º, n.º 3 do CISV, com o fundamento de que “apesar de não referido expressamente, resulta do espírito da lei e da sua interpretação sistemática, que o referido agravamento se destina a recair, apenas, sobre os veículos admitidos ou importados em território nacional.”
47. A norma referida, relativa às taxas normais de ISV, é indistintamente aplicável ao fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos automóveis tributáveis que estejam obrigados a matrícula em Portugal.
48. Da letra da lei, bem como da sua inserção sistemática, não decorre a leitura proposta pelo Requerente, no sentido da sua aplicabilidade apenas aos veículos usados admitidos ou importados em território nacional cuja tributação em ISV se efetuada com observância de regras específicas constantes do artigo 11.º do respetivo Código.
49. Não tendo a interpretação proposta pelo Requerente um mínimo de correspondência no texto da lei, improcede, também neste segmento, o pedido formulado.
Do direito a juros indemnizatórios
50. A par da anulação parcial do ato de liquidação, e consequente reembolso da importância indevidamente cobrada, o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
51. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.
52. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
53. No caso dos autos, sendo manifesto que o ato de liquidação foi efetuado com observância das normas legais aplicáveis, não se verificam os pressupostos do direito a juros indemnizatórios, pelo que o improcedendo o pedido formulado nesse sentido.
V. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo os atos tributários de ISV e de IVA identificados nos autos;
b) Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 834,78, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306,00, a cargo do Requerente.
Lisboa, 15 de outubro de 2020,
O árbitro,
Álvaro Caneira