DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Requerente: A..., residente em ..., ...–..., ... -..., contribuinte fiscal português número ..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.
Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 16-03-2020, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 16-03-2020.
A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.
Em 06-07-2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 05-08-2020, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.
Por despacho de 30-09-2020, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, e em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foi dispensada a apresentação de alegações.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
B – PEDIDO
1. A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, 2018..., relativo ao ano de 2016, que fixou um imposto a pagar de €4.139,09 (quatro mil, cento e trinta e nove euros e nove cêntimos).
C – CAUSA DE PEDIR
2. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
3. A Requerente celebrou um contrato de exploração turística com a B..., S.A., com sede no Aldeamento Turístico ..., ..., ... ..., ...-... ...,, Pessoa Coletiva Número ..., referente à Unidade de Alojamento Turístico número ... localizada no Aldeamento Turístico ... do Empreendimento Turístico ..., ... ..., ...-... ...-..., Freguesia de ..., Concelho de Grândola, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ... – cfr. cópia do contrato que juntou como Doc. n.º 2 ao exercício do direito de audição prévia (Anexo n.º 2) junto na reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor.
4. Segundo a cláusula quarta desse mesmo contrato, a Requerente participa na percentagem de 65% no valor das receitas de exploração do mencionado prédio.
5. O mencionado contrato foi comunicado à AT como tendo início a 15 de Novembro de 2016, indicando-se expressamente no campo das observações que se tratava de um contrato com renda variável - cfr. print informático do “Portal das finanças – Arrendamento”, na parte referente ao “Contrato #...”, que juntou como Doc. n.º 3 ao exercício do direito de audição prévia ao projeto de correções à declaração de IRS, que integra o processo administrativo instrutor.
6. Tratando-se de um contrato com renda variável, e não tendo obtido rendimentos relativos ao ano de 2016, a Requerente emitiu o primeiro recibo de renda respeitante ao primeiro período em que recebeu renda (01-01-2017 a 31-01-2017) – cfr. recibo de renda eletrónico n.º .../1 que se juntou como Doc. n.º 4 ao exercício do direito de audição prévia ao projeto de correções à declaração de IRS, que integra o processo administrativo instrutor.
7. Aliás, pode conferir-se pelo próprio extrato bancário da Requerente relativo a Janeiro de 2017 que só recebeu a primeira renda a 9 de Janeiro de 2017 - v. linha assinalada na página 2 do extrato bancário que se juntou como Doc. n.º 6 ao exercício do direito de audição prévia ao projeto de correções à declaração de IRS, que integra o processo administrativo instrutor.
8. Cumpre ainda notar que a entidade locatária, por lapso única e exclusivamente atribuível à mesma, transferiu o valor bruto de € 14.052,53, sem proceder à respetiva retenção na fonte, i.e., quando devia ter transferido apenas o valor de € 10.539,40 – cfr. Docs. n.ºs 4 e 6 juntos ao exercício do direito de audição prévia ao projeto de correções à declaração de IRS, que integra o processo administrativo instrutor.
9. Tal lapso por parte da entidade locatária foi posteriormente corrigido por acerto de contas, no pagamento de rendas posteriores.
10. Do supra exposto resulta evidente que, tratando-se de um contrato com renda variável, a Requerente recebeu a primeira renda apenas em Janeiro de 2017, tendo emitido o respetivo recibo de renda eletrónica no mesmo mês.
11. Tendo as rendas sido recebidas somente em 2017, a ora Requerente declarou-as na Declaração Modelo 3 do IRS referente ao ano 2017, entregue no dia 28 de Maio de 2018 (data posterior ao exercício do direito de audição prévia), com o n.º ... / 2017 / ... (cfr. cópia que juntou como Anexo n.º 3 na reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor), mais especificamente no campo 4001 do Quadro 3 do Anexo F, no qual consta o montante total de rendas recebidas em 2017 relativas a este imóvel.
12. Decorre da factualidade supra exposta que a Requerente auferiu os rendimentos em causa em 2017, porquanto foram recebidos no dia 9 de Janeiro desse ano. Ora, o artigo 8.º, n.º 1, do Código do IRS estabelece que se consideram “rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares”.
13. Desta forma, os rendimentos prediais só se encontram sujeitos a tributação a partir do momento do pagamento ou colocação à disposição, i.e., para os rendimentos prediais em IRS existe uma ótica de caixa.
14. Termina sustentando, ser declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação do IRS relativo aos rendimentos auferidos no ano de 2016.
D - DA RESPOSTA DA REQUERIDA
15. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
16. Após consultas ao sistema da AT, verificou-se que registou a 05/04/2017, sob o n.º..., contrato com renda variável e sujeito a retenção na fonte, do tipo “Arrendamento- Não habitacional”, com inicio a 15/11/2016, relativo ao imóvel com o artigo matricial n.º ...-U-..., sendo o seu locatário a entidade B..., SA, NIPC... .
17. A Requerente apresentou a 24/05/2017, declaração de rendimentos Mod 3, respeitante ao ano de 2016 (ID...) na qual declarou rendimentos da Categoria F, abrangidos pelo art.º 6.º n.º 1 do CIRS, indicativa do rendimento auferido pelo sujeito passivo NIPC ..., no montante de 11.818,24€, relativa ao arrendamento do artigo matricial n.º ... .Porém, e após análise pela AT às declarações Mod. 10, além da entidade referida no ponto anterior, verificou-se que a entidade B..., SA indicou que a Requerente, auferiu durante o ano de 2016, a quantia de 14.052,53€, com o código de rendimentos: 02- “Cedência de uso ou parte dele, que não arrendamento”.
18. A declaração Mod. 10, destina-se a declarar os rendimentos sujeitos a imposto, isentos e não sujeitos, bem como as respetivas retenções na fonte, auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes no território nacional.
19. Assim, devem ser declarados, pelas entidades devedoras, todos os rendimentos auferidos por residentes no território nacional, sujeitos a IRS pagos ou colocados à disposição do respetivo titular, quando enquadráveis, o que acontece no caso sub Júdice, na categoria F do IRS (subal. 1) da al. c) e da al. d) do n.º 1 do art.º 119.º do CIRS.
20. Pelo que na presença de divergências entre os valores declarados por ambas, veio a entidade pagadora, após solicitação de esclarecimentos pelo Serviço de Finanças Lisboa ..., confirmar que os valores declarados foram pagos no ano de 2016, não tendo alterado a declaração Mod. 10 (...).
21. E no caso sub Júdice, verifica-se que a liquidação oficiosa, objeto de impugnação nos presentes autos, teve como resultado a não declaração da totalidade dos rendimentos da categoria F no ano de 2016, de acordo com o disposto no art.º 57.º do CIRS.
22. Termina a Requerida defendendo que deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, a Requerida absolvida dos pedidos e a liquidação impugnada mantida na ordem jurídica.
E- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
23. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
24. A Requerente exerce a atividade CAE 55201- Alojamento mobilado para turistas, enquadrada em rendimentos empresariais- Categoria B, no regime simplificado.
25. A Requerente celebrou um contrato de exploração turística com a B..., S.A., com sede no Aldeamento Turístico ..., ..., ..., ...-... ..., …, Pessoa Coletiva Número ..., referente à Unidade de Alojamento Turístico número ... localizada no Aldeamento Turístico ... do Empreendimento Turístico ..., ..., ...-... ...-..., Freguesia de..., Concelho de Grândola, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ... .
26. Trata-se de um contrato com rendas variáveis, com início em 15 de Novembro de 2016, celebrado por um período indeterminado, conforme resulta do registo efetuado junto da AT.
27. A Requerente, para os rendimentos em apreço, em 06-04-2017, emitiu um recibo de renda eletrónico com o n.º .../1, respeitante ao período de 01-01-2017 a 31-01-2017, no valor total de €14.052,53, com retenção em sede de IRS no valor de 3.513.13€.
28. Esse recibo de renda, foi o primeiro recibo emitido por conta do contrato de arrendamento, não tendo sido emitido qualquer recibo de renda no ano de 2016 ou para rendimentos obtidos em 2016.
29. A Requerente recebeu mediante transferência bancaria de B..., S.A, em 9 Janeiro de 2017 o valor de € 14.052,53, por conta do recibo de renda eletrónico com o n.º .../1.
30. Devido a um lapso na transferência bancaria, por ter sido transferido o valor total da renda e não o valor da renda deduzido da retenção na fonte por parte da entidade pagadora, a Requerente e a B..., S.A., procederam posteriormente à correção por acerto de contas dos valores das rendas pagas.
31. A Requerente recebeu, por conta do recibo emitido de renda eletrónico com o n.º .../1 o valor de bruto de € 14.052,53, e líquido após retenção na fonte de €10.539,40.
32. Em 24 de Maio de 2017, a Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS relativa ao exercício fiscal de 2016.
33. A Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças de Lisboa ..., do projeto de correções à declaração de IRS através do Ofício n.º..., datado de 1 de março 2018.
34. A Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação, à qual foi atribuída o n.º ...2019..., indeferida em 06-12-2019, e notificada à Requerente em 16 de Dezembro de 2019.
F- FACTOS NÃO PROVADOS
35. Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
G - QUESTÕES DECIDENDAS
36. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentados, constituem questões centrais a dirimir:
i. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2018..., relativo ao ano de 2016, que fixou um imposto a pagar de €4.139,09 (quatro mil, cento e trinta e nove euros e nove cêntimos).
ii. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
H - MATÉRIA DE DIREITO
37. A questão decidenda, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, consiste em determinar, qual o momento fiscalmente relevante para a tributação dos rendimentos prediais de Categoria F, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
38. Em síntese, a Requerente sustenta, que recebeu os rendimentos prediais em questão, no ano de 2017, tendo emitido o recibo de renda igualmente durante o decurso do ano de 2017, e que o rendimento nos termos do artigo 8.º n.º 1 do CIRS, deve ser tributado no ano em que é recebido.
39. Por seu turno, a Requerida, alega, que de acordo com a declaração fiscal prestada pela entidade pagadora do rendimento, a sociedade B..., SA, indicou que a Requerente, auferiu durante o ano de 2016, a quantia de 14.052,53€, com o código de rendimentos: 02- “Cedência de uso ou parte dele, que não arrendamento” pelo que o rendimento é tributável no período fiscal de 2016.
40. Por conseguinte, para a analise da questão controvertida, vejamos o que estabelece a legislação relevante para a apreciação do caso sub-judice.
41. Prevê o n.º 1 do artigo 1.º do CIRS:
“1- O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;
Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais;
Categoria E - Rendimentos de capitais;
Categoria F - Rendimentos prediais;
Categoria G - Incrementos patrimoniais;
Categoria H - Pensões.” (nosso negrito)
42. Prevê o n.º 1 e n.º 2 alínea a) do artigo 8.º CIRS, o seguinte:
“1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.
2 - São havidas como rendas:
a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;” (nosso negrito)
43. De acordo com a moldura jurídico fiscal citada, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos, no caso, da categoria F, pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares.
44. Alem do mais, o n.º 1 do artigo 74.º do CIRS, permite englobar rendimentos que comprovadamente tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo e este fizer a correspondente imputação na declaração de rendimentos, se não vejamos:
“1 - Se forem englobados rendimentos que comprovadamente tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo e este fizer a correspondente imputação na declaração de rendimentos, o respetivo valor é dividido pela soma do número de anos ou fração a que respeitem, incluindo o ano do recebimento, aplicando-se à globalidade dos rendimentos a taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos produzidos no próprio ano.”
45. Contudo, essa possibilidade legal, nem sequer se aplica a este caso concreto, uma vez que a Requerente comprovou que os rendimentos foram pagos e colocados à sua disposição apenas no ano de 2017 e dizem respeito a esse mesmo ano.
46. Sobre o regime regra em sede de IRS, veja-se também o Ac. do STA 043/11 STA de 23-11-2011: “regime regra em sede de IRS, que é o de em cada ano haver englobamento e tributação dos rendimentos nele recebidos ou postos à disposição do seu titular, mesmo quando referentes a anos anteriores.”
47. Com efeito, resulta das disposições legais atrás enunciadas, que os rendimentos referentes ao ano de 2016, que tenham sido recebidos no ano de 2017, devem ser declarados e tributados no período fiscal de 2017.
48. Perante o exposto, retomando o caso concreto, vejamos qual o momento em que o rendimento foi pago ou colocado à disposição da Requerente, e sobre quem é que recai o ónus da prova de tal facto.
49. Ora, resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
50. Acresce que, sobre a questão da distribuição do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à Autoridade Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide entre outros, o Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de Maio de 2015):
“Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.” (…) “Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.”
(…) Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…) Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).
Daí que incida sobre a Requerente o ónus da demonstração efectiva dos factos inscritos e das razões na base dos ajustamentos realizados na contabilidade, não bastando ficar a dúvida sobre a viabilidade da respectiva justificação, porquanto o disposto no n.º 1 do art. 110.º do CPPT tem a sua aplicação fulcral quando é a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação (cfr., assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11). Deste modo, a prova produzida deve assegurar, com a certeza exigível, que as regularizações e ajustamentos realizados possuem consistência e materialidade bastante em face das justificações que lhe presidem.”
51. Nesse mesmo sentido, também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “ Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004. (…) Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material). (…)
52. De acordo com o anteriormente exposto, e retomando o caso em apreço, temos por certo que recai sobre a Requerente o ónus da prova dos factos inscritos nas declarações, cabe-lhe provar os rendimentos que auferiu e qual o momento em que os auferiu.
53. Com efeito e de acordo com a matéria de facto dada como provada, por via documental, designadamente, através da declaração do contribuinte e dos extratos bancários, a Requerente recebeu os ditos rendimentos em 9 de Janeiro de 2017, referentes ao período de 1 a 31 de Janeiro de 2017.
54. Além do mais, existe a presunção legal de veracidade e de boa-fé, das declarações do contribuinte apresentadas nos termos previstos na lei ou inscritos na sua contabilidade ou escrita, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT:
"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".
55. Por conseguinte do anteriormente exposto, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correção, uma vez que foram pela Requerente promovidos.
56. Por sua vez, impende sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado de o rendimento em questão se enquadrar no período fiscal de 2016.
57. Sobre o afastamento da presunção estabelecida no 75.º da LGT, estabelece o nº 2 que só ocorre, quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).
58. Sucede, que não se verifica no presente caso, nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 75.º da LGT, e, portanto, inexiste afastamento da presunção legal de veracidade e de boa-fé, das declarações do contribuinte.
59. Retomando os factos provados, temos que, a Requerente recebeu a título de rendimentos prediais, o valor bruto de €14.052,53, sujeito a retenções legais a cargo da entidade pagadora, transferido pela entidade pagadora para a sua conta bancaria no dia 9 Janeiro de 2017, conforme resulta dos extratos bancários e que a Requerente, emitiu um recibo de renda sobre o rendimento em questão, recibo n.º .../1, emitido em 06-04-2017, respeitante ao período de renda de 01-01-2017 a 31-01-2017.
60. A Requerente preencheu assim a responsabilidade que lhe recai sobre o ónus da prova, e não se verifica qualquer fundamento para o afastamento da presunção da veracidade e boa fé das declarações do contribuinte.
61. Em contraste, cabia à Requerida nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC fazer a prova de que as declarações prestadas pela Requerente não correspondem à verdade, e compete-lhe afastar a respetiva presunção prevista no normativo referido.
62. A Requerida, não produziu a prova que permita afastar a presunção estipulada no artigo 75.º n. 1 e n.º 2 alínea a) e b) da LGT.
63. A Requerida, não afastou a referida presunção, e não comprovou que os rendimentos obtidos pela Requerente dizem respeito ao período fiscal de 2016, tão pouco identificou qual o período temporal no ano de 2016, a que dizem respeito.
64. Já a Requerente, provou junto do processo administrativo e nos presentes autos, nos termos do artigo 75.º n.º 1 e n.º 2 alínea b) da LGT, ao abrigo do dever de esclarecimento, a sua situação tributária, de modo a manter a referida presunção, todos os rendimentos que declarou no ano de 2017, através dos extratos bancários, e recibo n.º .../1, que juntou aos autos.
65. Em face de tudo isto, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão da Requerente, concluindo pela ilegalidade do ato de liquidação e juros compensatórios, por enfermarem de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito.
I - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
66. A Requerente pede, ainda, que a Requerida seja condenada a restituir-lhe o imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, fixados nos termos do artigo 43.º da LGT.
67. Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
68. Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).
69. Deste modo, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20-12-2016) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.
J - DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, 2018..., relativo ao ano de 2016, que fixou um imposto a pagar de €4.139,09 (quatro mil, cento e trinta e nove euros e nove cêntimos).
b) Condenar a Requerida, na restituição do valor à Requerente, correspondente ao valor do imposto indevidamente pago;
c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento até efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT
L. VALOR DO PROCESSO, CUSTAS
Fixa-se o valor do processo em €4.139,09 (quatro mil, cento e trinta e nove euros e nove cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00€ (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 12.º do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, n.º 1, al. a) do art.º 5.º do RCPT, n.º 1, al. a) do 97.º-A, do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Outubro de 2020.
A Árbitra
Rita Guerra Alves