Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 578/2019-T
Data da decisão: 2020-10-16  IRC  
Valor do pedido: € 282.911,39
Tema: IRC – Gastos; Amortizações; Agentes de jogadores; Pagamentos a territórios de tributação privilegiada; Ónus da prova.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Profª Doutora Rita Calçada Pires e Dr. Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-11-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A..., NIF..., com sede no ..., ..., ..., ..., ... (doravante A... ou Requerente), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea b) do n.º 2, do artigo 6.º, e na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), deduzir pedidos de anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2018 ... (com correcção de prejuízos fiscais) e da compensação 2018 ..., relativas ao exercício de 2014, e de anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2018 ... e da compensação 2018 ..., relativas ao exercício de 2018, bem como das liquidações de juros compensatórios e moratórios n.ºs 2018 ... e 2018 ... .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-09-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 23-10-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22-11-2019.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 09-09-2020, 02-10-2020 e 09-10-2020, realizaram-se reuniões em que foi produzida prova testemunhal e alegações.

                               O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Não há obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

                2.1. Factos provados

                Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é a sociedade desportiva que agrega a actividade de futebol profissional masculino do A... (A...);

B.            A A... foi alvo de uma inspecção tributária à sua actividade relativa aos anos de 2014 e 2015, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. IRC - GASTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE

O n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC estabelece que o resultado líquido do período determinado com base na contabilidade é uma das componentes do lucro tributável, constituída por elementos positivos (rendimentos ou ganhos) e elementos negativos (gastos ou perdas).

Para definir quais são estes elementos negativos, o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC enuncia, como critério geral, que se consideram como gastos ou perdas, aqueles que, devidamente comprovados, tenham sido incursos ou suportados pelo SP para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto.

Trata-se, antes de mais, de garantir que sucedeu um consumo de um bem ou serviço na esfera da empresa e depois comprovar que o consumo desse bem ou serviço se mostra adequado ao encargo suportado e aos fins empresariais, como sejam a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou a manutenção da fonte produtora ("garantir os rendimentos"),

Nos casos em que a presunção da veracidade declarativa seja afastada, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova de que os encargos contabilizados correspondem inequivocamente a serviços prestados e, caso seja provada a sua existência, que foram incursos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

De acordo com o artigo 74.º da LGT "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributaria ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque", sendo certo que ao sujeito passivo cabe o ónus da prova de que os gastos registados foram incursos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC e que esses gastos existiram de facto, sob pena da respetiva despesa não ser fiscalmente dedutível.

 

III.1. GASTOS RELATIVOS À AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO NA CONTRATAÇÃO DE JOGADORES

O sujeito passivo considerou como gasto encargos suportados na aquisição / renovação dos direitos de contratação dos jogadores identificados, com serviços de intermediação / representação prestados por agentes de jogadores / empresários desportivos na celebração desses negócios.

Da análise documental efetuada verificou-se que os registos dos valores no ativo intangível, relativo às prestações de serviços de intermediação/representação, se encontram geralmente suportados por "acordos" celebrados entre a B... e o agente / empresa do agente, onde o SP se compromete a pagar àquele(a) se o jogador assinar / renovar contrato com a B... .

Analisando os contratos de trabalho desportivo celebrados entre a B... e cada um dos jogadores, verifica-se que, em parte deles, ficou expresso que a participação do agente era feita em nome e em representação do jogador, tendo ficado confirmado, pelas várias entidades que assinaram o contrato, que o agente agiu em representação do jogador.

Noutras situações, em que o contrato de trabalho desportivo é omisso ou não refere que o agente representava o jogador, ficou confirmado, por outras fontes, que serão expostas caso a caso, que o agente agiu em representação do jogador e não da B... .

Assim, resulta dos "acordos" que a B... aceita suportar os encargos de intermediação / representação efetuada em nome dos jogadores.

Ora, para um encargo configurar um gasto, ele deve corresponder, inegavelmente, ao consumo de um bem / serviço na esfera dessa entidade.

Por conseguinte, não tendo o consumo do serviço ocorrido em representação da B..., não se podem considerar estes encargos como gastos fiscais do SP, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

Acerca da entidade representada

O (novo) Regulamento FIFA, relativo aos Agentes de Jogadores, aprovado pelo Comité Executivo da FIFA em 2007-10-29 e com entrada em vigor em 2008-01-01, preconiza que a remuneração do agente seja efetuada exclusivamente pelo seu cliente.

Repare-se que o Regulamento dos Agentes, no n.º 8 do seu artigo 19.º, ainda com o intuito de evitar conflitos de interesses, impõe a proibição da "dupla representação" e determina que um agente de jogadores só poderá representar ou gerir os interesses de uma das partes envolvidas na operação.

Mas não são só os Regulamentos FIFA que impõem tal disposição.

O Regime jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva (RJCTD), publicado com a Lei n.º 28 /98, de 26 de junho,10 prevê no n.º 2 do artigo 22.º que "a pessoa que exerça a atividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual".

Consequentemente, nos termos do n.º 1 do artigo 24,º do RJCTD, "só podem ser remuneradas pela parte que representam".

Esta situação anómala, de o clube / SAD remunerar o agente do jogador, é algo usual, para a qual João Leal Amado tem alertado: «(...) as ambiguidades e indefinições que frequentemente rodeiam a atividade de

 empresários/intermediários refletem-se, não apenas na circunstância de estes poderem desempenhar funções em proveito de qualquer das partes, mas inclusive no facto, claramente anómalo, de tais empresários, mesmo quando prestem os seus serviços ao praticante, por vezes serem remunerados pelo clube(!) ou até verem a sua remuneração dividida (ou multiplicada) por ambos intervenientes.

O enquadramento da atividade dos empresários desportivos na celebração de contratos de cedência, aquisição e renovação dos direitos desportivos dos jogadores, foi esclarecido com a publicação da Circular n.º 15/2011 da DGCI.

A questão fulcral para a aceitação do encargo na esfera da B... seria saber quem o agente representava e que considerou indispensável incluí-lo no negócio,

Esta questão foi cabalmente respondida pelo SP aquando da celebração dos contratos com cada jogador onde, de forma expressa, ficou declarado, por todas as partes, que o agente representou o jogador.

Em outros casos, em que não ficou contratualmente expressa a representação em nome do jogador, comprovou-se, por outros documentos, que o agente/representante representava de facto o jogador.

Correspondendo os encargos em causa à remuneração do empresário desportivo enquanto representante do jogador no negócio, aqueles encargos configuram encargo do jogador e não da B... .

Assim, só poderia vir a constituir-se encargo da B..., se tivesse ficado legalmente previsto, nomeadamente em contrato assinado com o jogador, que caberia ao SP suportar o encargo devido com a representação do jogador, ou seja, a cedência de dívida do jogador para a B... .

Neste caso, também não poderia deixar de ser considerado como um rendimento a tributar na esfera do jogador, sujeito a retenção na fonte a efetuar pela entidade patronal, o que, de acordo com os registos contabilísticos do SP, não aconteceu.

 

Da jurisprudência

O exato objeto ora em análise, relativamente a anos anteriores, para os mesmos jogadores, foi objeto de decisão pelo CAAD, tendo as diversas sentenças arbitrais, parcialmente desfavoráveis à AT já transitado em julgado na data da elaboração do presente relatório. Verifica-se contudo, que estamos em face de decisões cuja votação não foi unânime, ou seja tem votos vencidos em face da existência de entendimentos divergentes.

Veja-se a propósito a decisão proferida no Processo n.º 347/2016-T:

Esta decisão parcialmente desfavorável à AT, foi tomada com uma declaração de voto que de seguida se transcreve:

«Pese embora a douta fundamentação da decisão que fez maioria, não a subscrevo integralmente por divergências relativamente a alguns aspectos, designadamente quanto à interpretação da situação de facto.

Fundamentando a minha posição quanto à análise das diferentes questões decididas, tal como identificadas no ponto 3. do Acórdão, distingo:

1. Gastos relativos à aquisição de serviços de intermediação de empresários de futebol na contratação de diversos jogadores

No caso da contratação do jogador BB... (ponto 3.1.6.), tendo em conta que o jogador celebrou um contrato com o agente CC..., e que a A..., ao mesmo tempo que assinou contrato de trabalho desportivo, pagou ao referido agente admitindo que este representava o jogador, decidiu-se que face à representação do jogador pelo empresário em causa, as despesas com contratos de intermediação só poderiam ser pagas pelo jogador, de acordo com o disposto nos artigos 22º, n.º 2, e 24.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98. Defendeu-se claramente, neste caso, que face ao regime legal aplicável é indiferente que o representante do jogador também tenha prestado serviços à entidade desportiva que o contrata, pois resulta do n.º 1 do artigo 24º que a serem remunerados esses serviços, a remuneração incumbe ao jogador. Em consequência da verificação desta situação, veio a aceitar-se a correcção efectuada peta AT quanto à não aceitação das despesas deduzidas pela Requerente, na medida em que, para além do elenco de despesas consideradas, de acordo com o disposto no artigo 23.º do CIRC, indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, terá que se atender à previsão de não dedutibilidade de certos encargos enunciados no artigo 45º do CIRC. Entre eles, na alínea c) do nº 1 do referido artigo, encontram-se os «encargos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente autorizado a suportar» (n.º 1, alínea c), pelo que, ainda que os encargos com a contratação do jogador tenham sido assumidos pela entidade empresarial e considerados indispensáveis, não podem ser deduzidos.

Concordo inteiramente com esta decisão e fundamentação, considerando que a mesma deveria ter sido aplicada ao caso de outros jogadores.

É que nos casos dos jogadores F... (F), L.,., O..., W..., DD..., foi considerado na presente decisão que a correcção à matéria colectável assentara em erro sobre os pressupostos, em síntese, porque: as informações sobre a representação dos jogadores careciam de fiabilidade; ainda que fossem verdadeiras o facto de as Partes (SAD e jogador) serem representadas um por uma sociedade e outro por sócio da mesma, não constituiria dupla representação vedada pelo artigo 22º, nº 2, e 24º, nº 1, da Lei nº 28/98, de 26/6 (norma que apenas proíbe que as pessoas singulares ou colectivas que exercem a actividade de empresário desportivo sejam remuneradas e ajam em nome e por conta de mais que uma parte na relação contratual); uma maior exigência eventualmente resultante dos Regulamentos da FIFA não produz efeitos fora da esfera desportiva, mas em qualquer dos casos, os pagamentos ou foram feitos à sociedade representante da SAD, e não ao representante do jogador (casos dos jogadores F..., L..., O..., S... e DD...) ou, apesar de as Partes serem representadas pela mesma pessoa, esta agiu por procuração do representante do jogador e não teria qualquer relação perceptível com este (caso de W...), pelo que não se verificaria a situação prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 45º do CIRC.

Mas quanto a estas situações, apesar de possível circulação de erradas informações na internet e nos media, não nos parece que repetidas notícias, em diversos órgãos de comunicação ou sites desportivos, possam ser totalmente afastadas pelo depoimento de testemunhas apresentadas pela

Requerente. E é a interpretação desses depoimentos, na sua globalidade e interpretação, conjugada com a experiência que decorre de leituras de factos descritos quotidianamente na imprensa assim como de doutrina lida sobre a matéria, que nos leva a ter muitas dúvidas sobre alguns dos factos considerados provados na decisão, assim como a decorrente aplicação de direito.

Causa-me bastante estranheza a coincidência, existente na generalidade dos casos sub judice, verificada no momento da outorga do contrato de trabalho desportivo entre a SAD e os jogadores, quanto à representação de uma das Partes por uma sociedade e representação da outra Parte por um sócio da mesma sociedade, acontecendo mesmo casos em que é a mesma pessoa física a assumir esse duplo papel...

Apesar da existência do écran da personalidade jurídica colectiva, torna-se extremamente pouco crível que nas negociações não tenha sido compreendido (como sustentado por uma das testemunhas) que a respectiva representação se processava através de agentes, cujos substractos físicos e psicológicos exerciam a sua actividade no seio de uma mesma entidade societária. Ou seja, a representação da SAD e do jogador era efectuada por pessoas físicas/seres humanos (quando não uma mesma e única pessoa física) actuando ora sob a capa de sociedade ora a título individual.

Tal situação, pese embora a questão formal da diferente personalidade jurídica, parece configurar uma situação de eventual conflito de interesses e dupla representação (art.261º, n.º 1 Código Civil), rejeitada pelas disposições aplicáveis, designadamente o art. 22.º, nº 2, da Lei nº 28/98, de 26/6, ao pretender assegurar a melhor defesa dos interesses do jogador. Ora esta finalidade parece exigir que os interesses autónomos do jogador sejam, em termos de actuação material, defendidos por um agente diferente daquele que defende os interesses da outra parte, não bastando que uma pessoa singular actue sob diferentes chapéus, num caso na qualidade de representante da sociedade de que é sócio, noutro caso, como pessoa singular, ela própria'

Na situação, considero que os elementos probatórios trazidos ao processo foram insuficientes para destruir as fundadas dúvidas manifestadas pela Requerida com base na inspecção tributária, e normais em situações como estas no mundo desportivo1 e que levam às restrições quanto a dupla representação, quer por razões de transparência desportiva e tutela de interesses dos desportistas como por razões fiscais

Assim, atendendo à realidade económica e aos fundamentos expostos supra, considerando que bastaria a intervenção de o agente representante do jogador para a realização da intermediação e concretização do negócio e, na ausência de demonstração de prestação concreta de serviços à SAP, não aceitaria os custos correspondentes.»

Considerando o exposto e as opiniões divergentes existentes sobre o mesmo objeto, proporemos a manutenção da posição da AT independentemente de a mesma já ter sido alvo de decisões anteriores. De facto, a remuneração pelos serviços de intermediação apenas podem ser pagos pelo jogador, por força do disposto nos artigos 22,º, n.º 2, e 24.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, que estabelecem que «a pessoa que exerça a actividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual» e que «as pessoas singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanentemente, só podem ser remuneradas pela parte que representam».

Em face deste regime, tem de se concluir que as despesas com contratos de Intermediação em que os serviços sejam prestados pelos representantes dos jogadores, só podem ser pagas por estes.

É indiferente, à face deste regime, que o representante do jogador também tenha prestado serviços à entidade desportiva que o contrata, pois resulta do n.º 1 do artigo 24.º que, a serem remunerados esses serviços, a remuneração incumbe ao jogador.

No caso em apreço, a lei não autoriza a SAD a suportar as despesas referidas, sendo indiferente, por isso, que a correção resulte também da Circular n.º 15/2011, a qual, sendo certo que não tem efeito vinculativo para os contribuintes, vincula contudo a AT ao seu cumprimento.

 

Conclusão

Os agentes representaram os jogadores e não a B..., pelo que foram os jogadores que impuseram a sua presença no negócio.

Não tendo o serviço sido prestado em representação da B..., não corresponde ao consumo de um serviço na esfera do SP, donde não configura um gasto incurso ou suportado para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Por outro lado, tendo o agente agido em representação do jogador, tanto a lei portuguesa como os regulamentos FIFA impõem que aquele só pode ser remunerado pelo jogador, pelo que este encargo não poderia ser dedutível para a determinação do lucro tributável.

 

III.1.1.1. Gastos de amortização relativos à contratação de C...

No período de 2014, a B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo a amortização dos encargos relativos à aquisição do jogador C...:

 

No período de 2015, A B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo à "Revogação CT  C...":

 

O valor de 26.550,00 EUR, que no período de 2014 foi registado a débito da conta 64.3141, respeita à amortização correspondente ao terceiro de cinco anos (1/5) do montante de 132.750,00 EUR, referido no "acordo" celebrado em 2012-07-03, com a D... SL, com sede em Espanha.

O valor de 11.062,50 EUR, que no período de 2015 foi registado a débito da conta 64.3141, respeita à amortização de 5/12 (5 meses) do quarto de cinco anos (1/5) do mesmo montante referido no parágrafo anterior.

O valor de 42.037,50 EUR, que no período de 2015 foi registado a débito da conta 68.73, respeita ao saldo que não foi amortizado, do montante de 132.750,00 EUR registado na conta 44.5000541.

Em 2012-07-03, a B... celebrou um "acordo" (epigrafado em inglês: "Agreement for serv/ces for the incorporation of the player C... ", com a entidade D... SL, com sede em Espanha, representada pelo seu diretor E... .

Nos termos desse acordo: «Whereas D… SL, as Agent of the plaver has negotiated, without any connection with A…, the eventual termination by mutual agreement of the employment contract of the player, with F…, and has closed an agreement, by virtue of which, with a sole payment ofthe amount of 132.750.-€, F… will assume the termination of the employment contract of the player C… .»

Conforme cláusula quarta do mesmo acordo: «Whereas the parties has agreed that A… will pay de amount of 132.750.-€ (...), in the name of D... To this effect, D… SL will issue the corresponding invoice to the Club A…, for Services rendered in connection with the incorporation of the player E... D… SL, by means of this document, GUARANTEE that the player C… will sign an employment contract with A…, (...)».

Verifica-se, portanto, pela leitura do acordo entre a B... e a D..., que esta última era agente e representante do jogador, pelo que a mesma D... SL se compromete com a futura aceitação do contrato de trabalho, por parte do jogador, com a B... .

Conforme é referido no presente acordo, a D... SL, agente e representante do jogador, iria emitir uma fatura, por serviços prestados à B..., no montante de 132.750,00 EUR.

Na mesma data, 2012-07-03, a B... celebrou com o jogador C..., com o NIF..., um "Contrato de trabalho desportivo". No n.º 2 da cláusula primeira do contrato pode ler-se que o C... é um jogador livre, dado que não tem nenhum impedimento à celebração deste contrato.

Em 2012-08-02, a D... emitiu à B... a fatura n.º 005/12, no montante de 132.750,00 EUR, referente a «Honorários por los servicios prestados de asesoramiento em Ia incorporation dei jugador C... al  A...».

Resulta do "Acordo" celebrado entre a B... e a D... SL que a B... aceita suportar os encargos de representação / intermediação efetuada pela D... SL em nome do jogador.

Ora, para um encargo configurar um gasto, aquele deve corresponder ao consumo de um bem / serviço na esfera da entidade.

Nos termos do n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 28 /98: «A pessoa que exerça a atividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual.»

O serviço não foi prestado em representação da B..., pelo que não pode ser aceite como gasto fiscal da B..., nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Por outro lado, mesmo que assim não fosse, tendo o agente agido em representação do jogador, tanto a lei portuguesa como os regulamentos FIFA impõem que aquele só pode ser remunerado pelo jogador, pelo que aquele encargo não seria fiscalmente dedutível para efeito da determinação do lucro tributável.

Assim, a amortização daquela despesa não pode ser aceite como gasto fiscal, sendo de acrescer ao quadro 07 das declarações de rendimentos modelo 22 do IRC, relativas aos períodos de 2014 e de 2015, para efeitos da determinação do lucro tributável, os valores de 26.550,00 EUR e de (11.062,50+42.037,50 =) 53,100,00 EUR, respetivamente.

 

III.1.1.2. Gastos de amortização relativos à contratação do jogador G...

No período de tributação de 2014, a B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo a amortização dos encargos relativos à aquisição do jogador G...:

 

No período de 2015, A B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo à "Revogação CT G...":

 

O valor contabilizado do ativo intangível cujo valor, após à venda de 50% à GG..., tem o valor de contabilístico de 266.250,00 EUR, foi apurado da seguinte forma:

 

Em 2008-12-12 o SP celebrou, com a entidade H..., Lda., com o NIF/NIPC..., representada peto seu gerente único I..., um "Acordo" pelo qual se obriga a pagar, àquela entidade, a quantia de 35.000,00 EUR.

Em 2009-01-05 o SP celebrou, com o jogador de futebol G..., um contrato de trabalho desportivo, pelo qual o jogador se obriga a exercer a sua atividade de jogador de futebol profissional ao serviço do SP, a vigorar de 2009-01-01 até 2014-06-30.

Conforme a cláusula décima-terceira deste contrato, o mesmo «foi celebrado com a intervenção de J..., Agente Licenciado pela Federação Portuguesa de Futebol, com a licença n.º..., em representação do Jogador».

Conclui-se, portanto, que o serviço prestado por H..., Lda., na pessoa do seu gerente único J..., não foi prestado em representação da B... .

De facto, conforme o contrato assinado pelo jogador, aquele agente agiu "em representação do jogador", pelo que aquela despesa de 35.000,00 EUR não pode ser aceite como gasto fiscal da B..., nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Por outro lado, mesmo que assim não fosse, tendo o agente agido em representação do jogador, tanto a lei portuguesa como os regulamentos FIFA impõem que aquele só pode ser remunerado pelo jogador, pelo que aquele encargo não seria fiscalmente dedutível para efeito da determinação do lucro tributável.

Assim, conclui-se que a amortização daquela despesa não pode ser aceite como gasto fiscal, sendo de acrescer ao quadro 07 da declaração modelo 22, para efeitos da determinação do lucro tributável.

A seguir vamos apurar o valor incluído na amortização (em 2014) e no abate (em 2015), e que corresponde ao valor pago à H..., Lda. Os valores podem ser conferidos pela análise dos valores contantes do mapa de amortizações apresentado pelo SP:

 

Calcula-se a seguir o valor correspondente à amortização (em 2014) / abate (em 2015) daquele valor de 35.000,00 EUR, alegadamente pagos à H..., deduzidos do valor de 10.000,00 EUR referentes à comparticipação do K...:

               

Assim, a amortização daquela despesa não pode ser aceite como gasto fiscal, sendo de acrescer ao quadro 07 das declarações de rendimentos modelo 22 do IRC, relativas aos períodos de 2014 e de 2015, para efeitos da determinação do lucro tributável, os valores de 1.225,49 EUR, em cada período.

 

III 1.1.1.3. Gastos no abate da contratação do jogador L...

No período de tributação de 2014, o A... contabilizou como gasto, o valor global de 63.962,50 EUR, referente ao abate ao imobilizado dos direitos referentes ao jogador L..., por rescisão do contrato:

 

Do montante global, registado como gasto e referido no parágrafo anterior, destacamos o valor de 25.000,00 EUR, correspondente à amortização de 25% do valor de 100.000,00 EUR, que o SP contabilizou como gastos relativos à intermedtação na contratação do jogador.

Em 2011-06-08, a B... assinou um "Acordo", com a entidade M..., com sede em Vila Nova de Gaia e o NIF ..., representada pelo agente FIFA N... .

Dos considerandos do referido "Acordo" consta que: «A primeira outorgante pretende contratar o jogador L..., e para isso recorreu aos serviços prestados pelo segundo outorgante.»

Conforme a cláusula primeira do "Acordo": «A primeira outorgante obriga-se a pagar ao segundo outorgante, pelos serviços prestados pela sua intervenção na aquisição dos direitos de inscrição desportiva do atleta L..., a quantia de 100.000,00€ (...)».

Na mesma data, 2011-06-30, a B... celebrou com o jogador L..., com o NIF..., um "Contrato de Trabalho Desportivo", por quatro épocas, com início em 2011-07-01 e termo em 2015-06-30.

Conforme consta da cláusula décima-terceira do referido contrato: «O presente contrato foi celebrado com a intervenção de N... Agente Licenciado pela Federação Portuguesa de Futebol, com a Licença n.º..., em representação do segundo.outorgante.»

Verifica-se que N..., que representou a M... na assinatura do "Acordo" com a B..., aparece na celebração do "Contrato de Trabalho Desportivo" como representante do jogador.

Nos termos do n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 28/98: «A pessoa que exerça a atividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual.»

Resulta do "Acordo" que a B... aceita suportar os encargos de representação / intermédia cão efetuada em nome do jogador. Ora, para um encargo configurar um gasto, aquele deve corresponder ao consumo de um bem / serviço na esfera da entidade.

O serviço não foi prestado em representação da B..., pelo que não pode ser aceite como gasto fiscal da B..., nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Por outro lado, mesmo que assim não fosse, tendo o agente agido em representação do jogador, tanto a lei portuguesa como os regulamentos FIFA impõem que aquele só pode ser remunerada pelo jogador, pelo que aquele encargo não seria fiscalmente dedutível para efeito da determinação do lucro tributável.

Assim, a amortização daquela despesa não pode ser aceite como gasto fiscal, sendo de acrescer ao quadro 07 da declaração modelo 22 do período de 2014, para efeitos da determinação do lucro tributável, o valor de 25.000,00 EUR.

 

III.1.1.4. Gastos de amortização na contratação do jogador O...

No período de 2014, a B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo a amortização e abate dos direitos desportivos do jogador O...:

 

O valor de 32.812,50 EUR, registado a débito da conta 64.3141, respeita à amortização correspondente a sete meses (7/12) do segundo de quatro anos (1/4) do valor de 225.000,00 EUR referente ao "acordo" celebrado em 2013-07-01, com a entidade P... Ltd., com sede em Malta.

O valor registado a débito na conta 68.73 inclui 135.937,50 EUR, respeitantes aos restantes 5 meses (do segundo ano) + dois anos por amortizar, do montante contabilizado referente ao mesmo "acordo" referido no parágrafo anterior.

Em 2013-07-01, a B... celebrou um "acordo" com a entidade P... Ltd., com sede em Malta, representada pelo seu diretor Q... .

Conforme consta desse acordo: «Em virtude da intervenção e serviços prestados por parte da segunda outorgante, em favor único e exclusivo da primeira outorgante, esta logrou alcançar um acordo com o jogador referido tendo na presente data celebrado com o mesmo um contrato de trabalho desportivo nos termos pretendidos».

Conforme n.º 1 da cláusula primeira do mesmo acordo: «(...) a segunda outorgante terá direito a receber o montante de 225.000,00€ (...)».

Na mesma data, 2013-07-01, a B... celebrou com o jogador O..., de nacionalidade servia, um "Contrato de trabalho desportivo".

Atendendo à mesma data de celebração de ambos os contratos, não se pode deixar de concluir que não permitiriam uma margem temporal de negociação entre entidades que não estivessem já vinculadas entre si.

Neste contexto, está colocada em causa a realização de um serviço à B... e a sua indispensabilidade.

No n.º 2 da cláusula primeira do contrato pode ler-se que O... é um jogador livre, dado que não tem nenhum impedimento à celebração deste contrato; «estando neste momento em condições para se vincular à primeira outorgante, não existindo qualquer impedimento ao vinculo que estabelece através do presente contrato com a primeira outorgante, i.e., não existe qualquer impedimento ao facto de se vincular à primeira outorgante e a favor da mesma passar a exercer oficialmente e em termos imediatos a sua actividade de jogador profissional de futebol».

A fim de verificar se o intermediário representava a B... ou o jogador, foram compulsadas as notícias que circularam na Internei à data dos factos, encontram-se artigos de imprensa, pela leitura dos quais se pode comprovar que a entidade P... Ltd. era já na altura representante do jogador, a título de exemplo:

Notícia publicada em 2013-05-09, portanto antes do acordo entre a B... e a entidade P... Ltd. e antes da celebração do contrato de trabalho desportivo entre a B... e o jogador O...: «Fudbaler Partizana O... ponuden je spanskoj ..., ali to nije uõinio kiub vec njegova menadzerska agencija " P...", ....»

Face aos documentos descritos e existindo a indicação de que a entidade P... Ltd. teria representado o jogador e não a B..., resultou do confronto entre a factualidade descrita e a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, o afastamento da presunção de veracidade contabilística dos encargos contabilizados como referentes a um serviço prestado em representação do SP.

Tendo ficado demonstrado que a entidade P... Ltd., representava o jogador e não a B..., conclui-se, portanto, pela não aceitação como gasto fiscal, sendo de acrescer, para efeitos de determinação do lucro tributável do período de 2014, o montante de (32.812,50 + 135.937,50 =) 168.750,00 EUR.

 

III.1.1.5. Gastos relativos à contratação de R...

No período de tributação de 2014, a B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo à amortização dos direitos desportivos e económicos relativos ao jogador R..:

 

No período de tributação de 2015, a B... contabilizou o seguinte lançamento, relativo à amortização dos direitos desportivos e económicos relativos ao mesmo jogador R..:

 

O valor de 25.000,00 EUR, registado a débito da conta 64.3141, corresponde a 1/4 do valor de um "Acordo" celebrado e assinado em 2013-06-25, com a entidade S..., com sede na Polónia, representada pelo seu representante legal T... .

Nos termos desse acordo, a B... obrigava-se a pagar ao segundo outorgante, a quantia de 100.000,00 EUR, pelos «serviços de intermediação e auxílio na contratação pela primeira outorgante do jogador U...».

Em 2013-07-03, a B... celebrou, com o jogador U..., um contrato de trabalho desportivo, para vigorar até 2017-06-30.

Conforme a cláusula décima-quarta, este contrato «foi celebrado sem a intervenção de agentes desportivos».

O n.º 1 do artigo 28.º do Regulamento FIFA, relativo aos Agentes de Jogadores, que entrou em vigor em 2008-01-01, estatui a obrigatoriedade de que, em qualquer contrato em que o agente intervenha em representação dos interesses do clube, aquele agente deve estar identificado como tal.

O "Acordo" com a entidade S..., que a B... apresenta, foi celebrado poucos dias antes da data em que celebrou o contrato de trabalho desportivo com o jogador.

Atendendo às datas próximas de celebração de ambos os contratos, não se pode deixar de concluir que não permitiriam uma margem temporal de negociação entre entidades que não estivessem já vinculadas entre si.

Neste contexto, está colocada em causa a realização de um serviço à B... e a sua indispensabilidade.

Compulsando a informação nas notícias que circularam na Internet, encontram-se diversos artigos de imprensa, em datas anteriores à contratação, pela leitura dos quais se pode comprovar que T... era já na altura representante do jogador, de entre os quais destacamos:

 

Face aos documentos descritos e existindo a indicação de que T... teria representado o jogador e não a B..., resultou do confronto entre a factualidade descrita e a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, o afastamento da presunção de veracidade contabilística dos encargos contabilizados como referentes a um serviço prestado em representação do SP.

Tendo ficado demonstrado que o agente T..., representava o jogador e não a B..., conclui-se, portanto, pela não aceitação como gasto fiscal, sendo de acrescer, às declarações de rendimentos modelo 22, relativas aos períodos de 2014 e de 2015, para efeitos de determinação do lucro tributável, o valor de 25.000,00 EUR, em cada período.

(...)

 

III.2.5 Encargos pagos à entidade W...

No período de 2015, o sujeito passivo registou como gasto, na conta "22.201 - Trabalhos especializados", o valor de 60.000,00 EUR.

O sujeito passivo apresenta, como suporte ao registo contabilístico, um contrato celebrado, em 2015-11-02, entre a B... e W..., com sede em..., em..., nos Emirados Árabes Unidos e uma fatura n.º 2015701, com a descrição dos serviços prestados: «Marketing Consulting and Market Research in Middle East», pelo valor de 60.000,00 EUR.

Nos termos da cláusula primeira do referido contrato:

A Segunda Outorgante compromete-se a diligenciar contactos com um conjunto de empresas, sociedades comerciais ou instituições financeiras com sede ou sucursal no Médio Oriente, designadamente nos Emirados Árabes Unidos, Qatar, Irão e Arábia Saudita com vista a angariar contratos de sponsorização (patrocínio) para a Primeira Outorgante.

O sujeito passivo foi notificado, em 2018-05-24, para:

a. Esclarecer quais os serviços efetivamente prestados por aquele fornecedor e que apresentasse os mapas de cálculo e/ou outros elementos justificativos dos valores faturados.

b. Justificar, nos termos do n.º 1 do artigo 74 da LGT, de que modo é que os referidos gastos contribuíram, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, para obtenção dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora.

Em resposta, o SP limitou-se a informar, por mensagem de correio eletrónico datada de 2018-06-14, que:

«Efetivamente, o contrato foi outorgado na expectativa de angariação de um ou mais patrocinadores no médio oriente (tais como "FF...", que estava a entrar no mercado nacional desportivo como é exemplo o patrocínio outorgado entre esta empresa e a X...), mas com prioridade em relação a 2 empresas previamente identificadas pelo mandatário, a Y... e a Z... .

 

Pela promoção do nome e imagem da B... e demais obrigações assumidas pelo mandatário conforme resulta das cláusulas 1ª a 6.ª do contrato, a B... obrigou-se apagar-lhe a quantia de 60.000€ (o que se verificou) e ainda o sucess fee de 10% dos patrocínios angariados (o que infelizmente, não se verificou)."»

Tendo-se verificado que, aquela entidade, alegada prestadora de serviços, era residente em ..., nos Emirados Árabes Unidos e que, por isso, preenchia os pressupostos previstos na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, o SP foi notificado, em 2018-09-07, para, nos termos daquela norma, provar que as operações em causa correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um caráter anormal ou montante exagerado.

Em resposta, enviada por mensagem de correio eletrónico datada de 2018-10-03, o SP vem alegar o seguinte:

«(...) no contrato com a "W..." estão em causa serviços efetivamente contratados e prestados. (...) e não chegou à B... qualquer evidência de que o prestador contratado não agiu em conformidade com o contrato outorgado; de outra forma teria sido intentada a respetiva ação de responsabilidade civil contratual contra o prestador.

«Também o valor dos (...) contratos nos parece ajustado face à atividade a desenvolver e duração dos mesmos; em todo o caso o Princípio da Liberdade Contratual previsto na legislação Portuguesa (tal como, art. 405.º do Código Civil) permitiria à B... acertar com os prestadores de serviços o valor que bem entendesse dentro da negociação que existiu na altura.

«No caso da "W...", conforme documento na posse da AT, o contrato corresponde a um mandato para angariação de patrocínios, em especial no Médio Oriente. Realçamos que o contrato foi outorgado numa altura em que existia interesse acrescido de empresas dessa zona do globo em patrocinar clubes europeus, tal como aconteceu com o X... (FF...).

O contrato previu ainda que o mandatário desenvolveria contactos em especial com as seguintes empresas Y... (rede de hotéis); e Z... (grupo empresarial com vários ramos de atividade/indústria).

A contrapartida do mandatário era até 10% do valor ano de cada patrocínio (e renovações) e 60.000€ garantidos (que nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido).

Infelizmente, a B... pagou apenas 60.000€, não tendo ocorrido a angariação efetiva de qualquer patrocínio.»

Da análise das respostas do SP às notificações efetuadas, verifica-se que, apesar de uma primeira solicitação e das notificações efetuadas:

O sujeito passivo não apresentou qualquer prova objetiva e justificativa do encargo em causa que, conforme requerido nos termos da alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, provasse que o encargo correspondia a operações efetivamente realizadas ou que comprovassem a efetiva prestação dos serviços faturados.

 

Conclusão e proposta de correção

Em face dos elementos apresentados pela B..., conclui-se que não foi devidamente cumprido o ónus da prova que incide sobre a B..., de que os encargos em causa correspondem a operações efetivamente realizadas e que as mesmas não têm um carácter anormal e nem eram de montante exagerado, senão vejamos:

O contrato exibido respeita à prestação de serviços de angariação de contratos de sponsorização (patrocínio), dando prioridade aos contactos com as Instituições Y... e Z...;

Desde logo, o contrato de prestação de serviços de angariação de sponsorização previa a elaboração de cartas de intenções entre os interessados;

De acordo com os esclarecimentos prestados pela B..., não houve a angariação efetiva de qualquer patrocínio.

Acresce o facto do contrato exibido referir especificamente o Médio Oriente.

A B... não apresenta nenhum elemento comprovativo da existência da prestação dos serviços de angariação de patrocínios, nem tão pouco dos contactos efetuados com potenciais patrocinadores.

Em resposta à notificação efetuada, a própria B... refere a inexistência efetiva de serviços de angariação de patrocínios.

Não logrando demonstrar sequer a sua tentativa.

Verifica-se assim que apesar de notificada para tal a B... não apresenta nenhum elemento que permita confirmar a existência de serviços de angariação de sponsorização, ou de qualquer tentativa de angariação dos mesmos, por parte do alegado prestado de serviços.

Nem tão pouco de qualquer tentativa da devolução do montante de 60.000€ que de acordo com o A... «...nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido».

Aliás, em resposta à notificação a própria B... reconhece este direito ao afirmar «que não chegou à B... qualquer evidência de que o prestador contratado não agiu em conformidade com o contrato outorgado: de outra forma teria sido intentada a respetiva ação de responsabilidade civil contratual contra o prestador».

Ora, em condições normais de mercado, uma entidade não estaria disposta a abdicar de um direito de retorno resultante de algum incumprimento contratual por parte do alegado prestador de serviços.

Em face do exposto conclui-se que, apesar de notificado para tal, o SP não apresentou qualquer documento que provasse, nos termos da alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que aquele encargo corresponde a operações efetivamente realizadas, pelo que, nos termos da mesma norma, não pode ser aceite como gasto fiscal.

Com efeito, o SP não demonstrou que as transferências de fundos correspondem a operações reais e não demonstrou que não tem um carácter anormal e nem que não eram de montante exagerado, como lhe é exigido alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A e pelo n.º 8 do art.º 88.º, ambos do CIRC, a que nos referiremos nos pontos posteriores do presente relatório.

Em consequência, este gasto não é aceite fiscalmente, pelo se propõe a correção ao lucro tributável declarado pelo SP, devendo ser acrescido no quadro 07 da declaração modelo 22 do período de 2015, o valor de 60.000,00 EUR

(...)

III.4. TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS

III.4.1. Do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC

Dispõe o n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, que são sujeitas a regime de tributação autónoma: «as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a Qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e ai submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

De referir que, enquanto o artigo 23.º-A do Código do IRC não permite a dedutibilidade dos gastos ai tipificados na alínea r) do seu n.º 1, por outro lado conforme o disposto no n.º 8 do artigo 88.º do mesmo código, as despesas, independentemente de serem considerados como gasto, pagas a qualquer título a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, estão sujeitas a tributação autónoma, nos termos da lei.

 

III.4.2. Das Portarias n.º 150/2004 e n.º 292 /2011

Os países, territórios e regiões considerados como tendo um regime de tributação claramente mais favorável, constam de lista publicada com a Portaria n.º 150/2004, atualizada pela Portaria n.º 292 /2011, de cuja lista constam os "Emirados Árabes Unidos", sob o n.º 22.º

 

III.4.3. Do ónus da prova

Conforme se pode verificar, o regime estabelecido nas disposições em análise, consiste na não aceitação, em principio, como encargos dedutíveis de certos pagamentos efetuados a sociedades instaladas em territórios com regime de tributação privilegiada, a menos que o contribuinte efetue prova de dois factos: que as despesas correspondem a operações verdadeiras e que elas não apresentam um caráter anormal ou exagerado.

A solução da inversão do ónus da prova foi introduzida pelo então artigo 57.º-A do Código do IRC, (alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A, à data dos factos tributários), que tem por objetivo combater o fenómeno evasivo da deslocalização de rendimentos para territórios que assegurem um regime fiscal privilegiado. Posteriormente, acrescentou-se a esta disposição a previsão do n.º 8 do artigo 81.º do Código do IRC, atual artigo 88.º, que acima se transcreveu.

Para realizar prova da veracidade da operação, o contribuinte, sobre quem recai o ónus da prova, deve demonstrar que houve, efetivamente, a aquisição de um bem, uma prestação de serviço, o recebimento de empréstimo, juros, royalties ou outros, sendo que para tal não se considera suficiente a apresentação de documentos escritos, tais como, contratos celebrados (uma vez que as operações se pressupõem simuladas) nem comprovativo de pagamento do preço estabelecido (já que este não é posto em causa).

Já no que respeita à prova da inexistência de caráter anormal ou exagerado nas despesas esta deve estabelecer-se mediante a demonstração de que o contrato se apresenta equilibrado. Para esse efeito o contribuinte deverá ser capaz de demonstrar qual a importância real das vantagens conferidas pelo contrato e provar que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens nomeadamente por comparação com os custos dos serviços análogos no mercado.

O legislador não estabeleceu, quais os meios de prova suscetíveis de determinar a convicção de se estar perante operações efetivamente realizadas, que não têm um carater anormal ou um montante exagerado, vigorando assim o sistema de prova livre.

 

III.4.4. Dos factos

Compulsados os dados que constam das declarações modelo 38 referentes ao ano de 2015, em conjugação com outros elementos recolhidos na ação de inspeção em curso, verificou-se a existência de transferências transfronteiriças, nomeadamente uma transferência efetuada em 2015-11-25, para a entidade W..., com sede em ..., nos Emirados Árabes Unidos, no montante de 60.000,00 EUR:

 

III.4.5. Das notificações efetuadas ao SP

Conforme dispõe o n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, recai sobre o SP o ónus da prova de que os factos relacionados neste capítulo cumprem todos os requisitos para não estarem sujeitos à tributação autónoma prevista na referida norma.

Em consequência, nos termos da última parte do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, o SP foi notificado para, no prazo de 30 dias, provar que as operações referidas neste capítulo «correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».

Em resposta, enviada por mensagem de correio eletrónico datada de 2018-10-03, o SP vem alegar o seguinte:

«(...) no contrato com a "W..." estão em causa serviços efetivamente contratados e prestados. Os contratos (e outra documentação conexa com a prestação e serviços) estão na posse da AT e não chegou à B... qualquer evidência de que o prestador contratado não agiu em conformidade com o contrato outorgado; de outra forma teria sido intentada a respetiva ação de responsabilidade civil contratual contra o prestador.

«Também o valor dos (...) contratos nos parece ajustada face à atividade a desenvolver e duração dos mesmos; em todo o caso o Princípio da Liberdade Contratual previsto na legislação Portuguesa (tal como, art. 405.º do Código Civil) permitiria à B... acertar com os prestadores de serviços o valor que bem entendesse dentro da negociação que existiu na altura.

«No caso da "W...", conforme documento na posse da AT, o contrato corresponde a um mandato para angariação de patrocínios, em especial no Médio Oriente. Realçamos que o contrato foi outorgado numa altura em que existia interesse acrescido de empresas dessa zona do globo em patrocinar clubes europeus, tal como aconteceu com o X... (FF...).

O contrato previu ainda que o mandatário desenvolveria contactos em especial com as seguintes empresas Y... (rede de hotéis); e Z... (grupo empresarial com vários ramos de atividade/indústria).

A contrapartida do mandatário era de 10% do valor ano de cada patrocínio (e renovações) e 60.000€ garantidos (que nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido).

Infelizmente, a B... pagou apenas 60.000€, não tendo ocorrido a angariação efetiva de qualquer patrocínio.»

Da análise das respostas do SP às notificações efetuadas como consta do ponto III.2.5 para o qual se remete, verifica-se que o SP não apresentou qualquer documento que provasse, nos termos da última parte do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, que aquele pagamento corresponde a operações efetivamente realizadas, pelo que, nos termos da mesma norma, está aquela transferência transfronteiriça para a entidade residente nos Emirados Árabes Unidos, sujeita a tributação autónoma.

De facto, para demonstrar a veracidade das operações realizadas, é insuficiente apresentar os contratos celebrados entre as partes. Se o artigo 88.º do Código do IRC inverte o ónus da prova, fá-lo porque essas operações são tidas como presumivelmente simuladas. Ora, o contrato pelo qual se firma essa operação também se deverá ter por presumivelmente simulado.

Logo, para efeitos de ilidir a presunção do artigo 88.º do Código do IRC, o contribuinte deve demonstrar a efetiva prestação de serviços. O mesmo é válido para a demonstração da inexistência de um caráter anormal ou montante exagerado na transação.

A apreciação da prova apresentada, bem como a fundamentação para não se poder considerar devidamente cumprido o ónus da prova que incide sobre o SP de que os encargos em causa correspondem a operações efetivamente realizadas, consta do ponto III.2.5 do presente relatório, para o qual se remete.

III.4.6. Conclusão e proposta de correção

Em face do exposto, comprovou-se ter sido feita uma transferência, no montante de 60.000,00 EUR, a favor de entidade residente nos Emirados Árabes Unidos, país com um regime fiscal claramente mais favorável, conforme a Portaria n.º 292 /2011.

Dos registos do SP e das suas declarações fiscais não consta que o SP tenha auferido qualquer tipo de rendimento ou benefício com origem na atividade desenvolvida por aquela sociedade.

Relativamente ao montante em causa na transferência transfronteiriça em questão, o SP não demonstrou, como lhe competia, que o montante transferido corresponde a operações efetivamente realizadas.

O sujeito passivo não apresentou igualmente qualquer prova que ilidisse o facto de que a transferência de fundos em causa teve um carácter anormal e um montante exagerado.

Em conclusão, o SP não provou que a transferência efetuada corresponde a operações reais e não demonstrou que não tem um caráter anormal e nem que não é de montante exagerado, como lhe é exigido pelo n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, pelo que são propostas correções em sede de tributação autónoma, nos termos dessa norma.

Assim, o imposto em falta, a entregar ao Estado, pela aplicação da taxa de 35% prevista no n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, é de:

60.000,00 x 35% = 21.000,00 EUR.

 

C.            Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu:

•             a liquidação de IRC n.º 2018... (com correcção de prejuízos fiscais e tributações autónomas) e da demonstração de acerto de contas (compensação) n.º 2018..., relativas ao exercício de 2014;

•             liquidação de IRC n.º 2018... e a demonstração de acerto de contas (compensação) n.º 2018..., relativas ao exercício de 2015, bem como das liquidações de juros compensatórios n.º 2018... e de juros de mora n.º2018 ... (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

D.           A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, que foi indeferida por despacho de 14-06-2019, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Delegação de competências (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E.            A Requerente dispõe de departamento de detecção de jogadores muito curto, que não tem facilidade de aceder a jogadores de mercados como a América Latina, sendo mais eficiente recorrer a serviços especializados de agentes conhecedores desses mercados, com estruturas nele montadas e já com confiança dos clubes vendedores, decorrente de anteriores negócios (depoimento da testemunha AA...);

F.            A Requerente, para contratar jogadores de futebol, contacta serviços de profissionais especializados em angariação (agentes ou empresários de jogadores de futebol), com actuação em, em vários mercados, com indicação dos tipos, perfil e  características dos jogadores pretendidos, normalmente jogadores de baixo custo, mas com grande potencial de valorização desportiva, que, depois, transfere com mais-valias (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);

G.           A Requerente propunha verbalmente vários agentes tendo em vista a contratação de cada jogador, apenas formalizando contrato de intermediação com o agente que lhe indicar o jogador que vier a ser contratado (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);

H.           Só são pagos os serviços de angariação relativamente aos agentes que apresentarem jogadores que vierem a ser efectivamente contratados, independentemente dos serviços que tenham sido prestados (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);

I.             Os serviços de angariação podem incluir os necessários para desvinculação do jogador de anterior clube, como sucedeu no caso do jogador C..., que a Requerente, por o agente ter conseguido a desvinculação, pôde contratar a custo zero, como jogador livre (depoimento da testemunha AA...);

J.             Nesse caso, a Requerente não podia dirigir-se directamente ao jogador, pois poderia ser acusada de aliciamento de jogador vinculado, nem conseguiria obter a contratação sem contrapartida financeira ao anterior clube (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);

K.            Foi da forma descrita nas antecedentes alíneas d. a i. que foram contratados os jogadores C..., G..., L..., O... e R... (depoimento da testemunha AA...);

L.            Há também agentes que contactam a Requerente propondo a contratação de alguns jogadores e, nesses casos, quando é feita a contratação, a Requerente nada paga ao empresário, por não lhe estar a prestar um serviço, mas sim ao jogador (depoimentos das testemunhas AA... e BB...);

M.          A Requerente nos casos em que contacta agentes para angariação de jogadores não tem conhecimento de eventuais relações entre eles, ou suas empresas e os jogadores que são apresentados, pagando sempre aos agentes pelo serviço que foi prestado à Requerente, designadamente de selecionar o jogador e apresentá-lo (depoimento da testemunha AA...);

N.           A Requerente, quando tem conhecimento de que os agentes representam jogadores, não paga aos agentes (depoimento da testemunha BB...);

O.           Até 2015 a Requerente tinha patrocínio para publicidade nas camisolas dos jogadores de futebol, tendo-o perdido para a época 2015/2016. Nesse ano, só encontrou patrocinadores que não pagavam o valor pretendido pela Requerente (depoimentos das testemunhas CC... e AA...);

P.            A Requerente foi contactada pela empresa W... (doravante “W...”) que lhe ofereceu os seus serviços para angariação de patrocínio nos Emiratos Árabes Unidos, onde tinha a sua sede (depoimentos das testemunhas AA... e DD...);

Q.           A procura de um patrocínio dos Emiratos Árabes Unidos foi motivada pelo conhecimento de um patrocínio da FF... ao X... e que haveria outras empresas árabes pretendendo efectuar patrocínios, sendo o representante W..., que é da zona de..., que contactou o seu presidente propondo prestar serviços para esse fim (depoimentos das testemunhas CC... e AA...);

R.            O facto de empresas dos Emiratos Árabes Unidos já estarem a investir em publicidade no futebol, gerou uma elevada expectativa da Requerente de poder vir a obter um patrocínio de empresas dessa região (depoimento da testemunha AA...);

S.            Os termos do contrato incluíam o pagamento de € 60.000,00 pela Requerente, que tinham de ser garantidos para as despesas que o representante da W... disse que teria de suportar para prestar os serviços, por ser uma empresa dos Emiratos Árabes Unidos e, embora o representante tivesse ligação à zona de ..., teria de fazer uma série de viagens e trazer interessados a ... ou a Portugal para negociar e queria garantir algum capital para esse efeito (depoimentos das testemunhas CC... e AA...);

T.            Para além disso, o contrato previa o pagamento à W... de 10% de eventual patrocínio que viesse a ser obtido (depoimentos das testemunhas CC... e AA...);

U.           Havia duas empresas potencialmente interessadas no patrocínio e os representantes de uma delas, a Y..., vieram a Portugal, trazidos pela W..., mas não foi obtido acordo, porque a Requerente pretendia € 1.000.000,00 por ano e a empresa só aceitou pagar € 600.000,00 (depoimentos das testemunhas CC... e DD...);

V.           Na época de 2015/2016 havia desinvestimento das empresas portuguesas em patrocínios de equipas de futebol, pois a Requerente tinha obtido em anos anteriores patrocínios para publicidade de um banco nas camisolas, no valor de € 500.000,00 por ano e aquele passou a propor o pagamento de apenas € 200.000,00 (depoimento da testemunha CC...);

W.          Antes de 2015, a Requerente obteve patrocínio da empresa EE..., para o nome do estádio e publicidade nas camisolas dos jogadores de 1.000.000,00 por ano (depoimento da testemunha  AA...);

X.            A Requerente procurou obter patrocínios junto de outras empresas, nomeadamente contratou uma empresa para tentar obter patrocínio de uma empresa de cervejas da Galiza, que estaria interessada em entrar no mercado português, mas não pagou nada a essa empresa, pois o pagamento seria feito apenas se fosse obtido o patrocínio (depoimento da testemunha CC...);

Y.            A Requerente celebrou também contratos para angariação de patrocínio com outras empresas portuguesas (depoimento da testemunha CC...);

Z.            O pagamento dos € 60.000,00 justificou-se pelo facto de haver necessidade de viagens dispendiosas e estadias para obter o patrocínio nos Emiratos Árabes Unidos o que não sucede com a Galiza (depoimento da testemunha CC...);

AA.        Só na época 2019/2020 a Requerente obteve patrocínio pago para as camisolas da equipa de futebol, de uma empresa grega de apostas (depoimento da testemunha CC...);

BB.         O departamento de marketing da Requerente em 2015 não tinha funcionários que pudessem obter os patrocínios directamente, em que conhecessem o mercado dos Emiratos Árabes Unidos como a empresa W... (depoimentos das testemunhas CC... e AA...);

CC.         O facto de o representante da W...,  DD..., ser da zona de ..., dava algumas garantias de obterem um patrocínio (depoimento da testemunha AA...);

DD.        Se a Requerente enviasse funcionários seus para tratar de obter o patrocínio nos Emiratos Árabes Unidos, a probabilidade de sucesso seria bastante inferior à que tinha a tentativa de obtenção através da W... (depoimento da testemunha AA...);

EE.          Para obter patrocínios a Requerente, às vezes, contrata empresas para esse fim, outras vezes, é contactada directamente por empresas interessadas em patrocinar e tem também funcionários seus que procuram obtê-los (depoimento da testemunha AA...);

FF.          No caso da W..., a Requerente entendeu que era preferível contratar alguém com experiência na região onde pretendia obter patrocínio, conhecedora do país e seus costumes (depoimento da testemunha AA...);

GG.        Foi esta a única vez que a Requerente trabalhou com a W..., o que se justificou por estar em causa a prospecção numa zona específica em que ela tinha experiência (depoimento da testemunha AA...);

HH.        A decisão de contratar com a W...  foi da direcção da Requerente, não tendo sido consultado o seu departamento financeiro (depoimento da testemunha AA...);

II.            As despesas com a deslocação a Portugal de representantes da empresa Y... foram suportadas pela  W... (depoimentos das testemunhas CC..., AA... e DD...);

JJ.           A W... foi criada em 2013 (depoimento da testemunha DD...);

KK.         A W... tinha experiência em realizar eventos da região do Médio Oriente, designadamente com automóveis, tendo conseguido várias parcerias (depoimento da testemunha DD...);

LL.          A W...  nunca tinha angariado patrocinadores para clubes de futebol (depoimento da testemunha DD...);

MM.      Em 02-09-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

2.2.1. Não se provou como foi concretamente determinado o valor de € 60.000,00 que foi pago à empresa W....

Na resposta à notificação que lhe foi efectuada durante a inspecção tributária. a Requerente apenas referiu, quanto a este ponto, que os «€ 60.000,00 garantidos (...)nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido» e que aquele valor lhe «parece ajustado à atividade a desenvolver e duração». Isto é, nada esclareceu, sobre esta matéria.

A testemunha AA... disse que aquele valor foi uma estimativa dos custos, mas não indicou a forma como foi efectuada.

Por outro lado, a referida resposta da Requerente durante a inspecção tributária, no sentido de que os «€ 60.000,00 garantidos (...)nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido», não permite concluir que se trate de uma estimativa de custos, mas antes um valor mínimo garantido que teria de ser pago independentemente dos custos que a W... tivesse de suportar, que nem seriam previsíveis no momento da contratação.

Por sua vez, a testemunha DD... embora tenha referido que os € 60.000 eram para despesas hotéis refeições viagens de avião, acabou por dizer também que os 60.000,00 são um valor que acharam que deveriam levar e que esse valor não era só para custos, era também para o trabalho de muitas horas.

 

2.2.2. Não se provou qual o valor que a Requerente pretendia obter com o patrocínio proveniente dos Emiratos Árabes Unidos.

A testemunha CC... referiu que, com a contratação da W..., a Requerente pretendia obter patrocínio entre € 500.000 e € 750.000.

Mas, a testemunha AA... diz que a expectativa era 1.000.000 por ano, que anteriormente pagava empesa EE... , podendo baixar um pouco, mas não muito.

Por outro lado, a testemunha DD... referiu que o acordo entre a Requerente e a W... não foi concretizado porque a Requerente pretendia € 1.000.000,00 por ano e a W... apenas aceitava pagar € 600.000,00.

 

                2.2.3. Não se provou qual a concreta actividade que a W... desenvolveu em execução do contrato celebrado com a Requerente, para além de ter trazido a Portugal representantes da empresa Y..., para uma reunião.

                A testemunha DD... referiu que contactaram centenas empresas e fizeram dezenas de reuniões, mas não há qualquer facto que comprove a correspondência à realidade dessa afirmação e o escasso resultado comprovado dessa alegada actividade (os representantes de uma empresa que vieram a Portugal) não permite concluir pela existência de uma actividade dessa grande dimensão, mas pelo contrário.

 

                2.2.4. Não se provou quais as despesas que a W... terá suportado para trazer a Portugal os representantes referidos.

                Na verdade, nem se quer foram indicadas concretamente quais as despesas suportadas.

 

2.2.5. Não se provou que a Requerente tenha pago a quantia liquidada.

Não foi apresentada qualquer prova de pagamento, nem isso é alegado.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e documentos que constam do processo administrativo.

Nos pontos indicados no probatório, a decisão baseou-se nos depoimentos das testemunhas, que aparentaram depor com isenção.

 

3. Matéria de direito

 

A Administração Tributária efectuou uma inspecção tributária à Requerente, relativa aos exercícios de 2014 e 2015, em matéria de IRC, tendo efectuado várias correcções à matéria tributável e aplicado uma tributação autónoma.

  Das correcções efectuadas, a Requerente impugna as relativas  gastos não aceites fiscalmente, nos termos do art. 23.º do CIRC, relativos a pagamentos a empresários de futebol relativos à aquisição de serviços de intermediação na contratação de diversos jogadores (ponto III.1.1 do relatório inspetivo) e gastos não aceites, nos termos do art. 23.-Aº do CIRC (e consequente tributação autónoma [art. 88.º do CIRC]) relativos à prestação de serviços da W..., sociedade com sede nos Emiratos Árabes Unidos (pontos lll.2.5. e III.2.4 do relatório inspetivo). 

 

3.1. Questão dos gastos não aceites fiscalmente, nos termos do art. 23.º do CIRC, relativos a pagamentos a empresários de futebol referentes à aquisição de serviços de intermediação na contratação de diversos jogadores

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou como gastos os pagamentos efectuados pela Requerente a agentes que tiveram intervenção nas contratações de vários jogadores, designadamente C..., G..., L..., O... e R....

Essencialmente, em todas as situações, a razão pela qual a Administração Tributária entendeu que os encargos não podiam ser aceites como gastos é o entendimento de que «analisando os contratos de trabalho desportivo celebrados entre a B... e cada um dos jogadores, verifica-se que, em parte deles, ficou expresso que a participação do agente era feita em nome e em representação do jogador, tendo ficado confirmado, pelas várias entidades que assinaram o contrato, que o agente agiu em representação do jogador» e que «noutras situações, em que o contrato de trabalho desportivo é omisso ou não refere que o agente representava o jogador, ficou confirmado, por outras fontes, que serão expostas caso a caso, que o agente agiu em representação do jogador e não da  B...».

A Administração Tributária entendeu que «para um encargo configurar um gasto, ele deve corresponder, inegavelmente, ao consumo de um bem / serviço na esfera dessa entidade» e que, nestes casos, «não tendo o consumo do serviço ocorrido em representação da B..., não se podem considerar estes encargos como gastos fiscais do SP, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC».

A Requerente defendeu, como veio a ser confirmado pela testemunhal produzida, que não possui meios próprios para sondagem do mercado de jogadores de futebol, pelo que contactou vários agentes, tendo em vista concretizar a contratação de jogadores com as características que pretendia, o que é seu procedimento habitual, ficando a formalização por escrito dos contratos com os agentes e o pagamento pelos serviços prestados dependente da concretização das contratações dos jogadores.

Assim, resulta da prova testemunhal produzida que houve efectivamente serviços prestados à Requerente pelos agentes, conexionados com a actividade da Requerente.

Trata-se, por isso, de pagamentos efectuados para remunerar serviços prestados no interesse da Requerente.

Como entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17, «o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados».

Por isso, desde logo, é de concluir que estas correcções enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC que é a única disposição legal invocada como suporte destas correcções, não permitir a relevância fiscal dos encargos com os agentes empresários de jogadores.

Por outro lado, o erro de direito que afecta as liquidações é reforçado pelo facto de nos exercícios de 2014 e 2015, que aqui estão em causa, já estar em vigor uma nova redacção do artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 103/97, de 13 de Setembro (que criou um regime fiscal especial para as sociedades desportivas), introduzida pela Lei n.º 56/2013, de 14 de Agosto, que estabelece o seguinte:

3 - O valor amortizável do direito de contratação inclui, ainda, as quantias pagas pela sociedade desportiva às entidades detentoras dos direitos económico-desportivos relativos ao jogador como contrapartida da transferência, as importâncias pagas ao próprio jogador pelo facto de celebrar ou renovar o contrato e os montantes pagos pela sociedade desportiva a agentes ou mandatários, relativos a transferências de jogadores.  (negrito nosso).

 

A Proposta de Lei n.º 119/XII, que serviu de base à referida Lei n.º 56/2013, na sua «Exposição de Motivos» esclarece a intenção legislativa desta alteração: 

 

Por outro lado, a intervenção dos agentes ou dos intermediários nas transferências dos agentes desportivos de uns clubes para os outros constitui atualmente a regra geral, o que significa que as quantias por eles auferidas devem ser enquadradas do ponto de vista tributário. Não obstante o agenciamento ou a intermediação constituírem verdadeiras prestações de serviços, o respectivo valor deve ser levado em linha de conta, na sua totalidade, no montante objecto de amortização, à semelhança do que se verifica com outras prestações de serviços relacionadas com a aquisição de bens e serviços no âmbito da respectiva atividade. Como consequência, clarifica-se a norma constante do artigo 4º, passando a prever-se expressamente que devem ser objecto de amortização as quantias pagas a agentes ou a intermediários. (negrito nosso)

 

                Tratando-se de um regime especial para as sociedades desportivas, como é o caso da Requerente, ele prevalece sobre o regime geral de relevância fiscal de gastos, que consta do artigo 23.º do CIRC, de que resulta que desde que os montantes pagos pela sociedade desportiva a agentes ou mandatários sejam relativos a transferências de jogadores, são fiscalmente dedutíveis, por via de amortizações. 

                À face deste regime especial, para afastar a relevância fiscal destes montantes, a Administração Tributária teria de demonstrar que eles não se relacionam com transferência de jogadores, que é a única condição aqui prevista para a sua relevância fiscal.

                Assim, as liquidações impugnadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito (artigo 23.º, n.º 1, do CIRC e artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 103/97, de 13 de Setembro), na parte em que têm como pressuposto as correcções baseadas nos pagamentos a empresários de futebol relativos à aquisição de serviços de intermediação na contratação de diversos jogadores.

                Esse vício justifica a anulação das liquidações, nas partes respectivas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.2. Questões dos gastos não aceites, nos termos do art. 23.º-A do CIRC (e consequente tributação autónoma [art. 88.º do CIRC] relativos à factura de prestação de serviços de pela W..., com sede nos Emiratos Árabes Unidos

 

                A Requerente contabilizou como gasto no exercício de 2015 uma factura com a designação «Marketing Consulting and Market Research in Middle East», relativa a um pagamento de € 60.000,00 à empresa W..., com sede nos Emiratos Árabes Unidos.

                A Requerente explicou que a factura referida se reporta a serviços de angariação de um ou mais patrocinadores no médio oriente.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dos gastos referidos, com fundamento na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, e aplicou a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, por entender que a Requerente não fez a prova dos factos de que depende a não aplicação destas normas.

                A Requerente procurou fazer essa prova, através de documentos e testemunhas.

                Aquelas normas estabelecem o seguinte, na redacção vigente em 2015:

 

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

                1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes     encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

 

                Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou, pelas mesmas razões, a correspondente tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 8, do CIRC, em que se estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2015:

 

Artigo 88.º

 

Taxas de tributação autónoma

 

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.    

 

                Os Emiratos Árabes Unidos estavam incluídos, em 2015, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

Resulta deste regime legal que a aceitação da relevância fiscal de tais encargos e a não aplicação da tributação autónoma dependem de o sujeito passivo provar que se trata de operações efectivamente realizadas e que não têm um caráter anormal ou um montante exagerado

A Requerente apresentou documentos para prova das operações, designadamente o contrato celebrado com a W... e a factura por esta emitida, e também prova testemunhal.

Assim, as questões que se colocam são as de saber se a Requerente provou

– que a operação referida foi efectivamente realizada;

– que a operação não tem um carácter anormal;

– que o montante da operação não é exagerado.

 

                São duas as ilegalidades que a Requerente imputa a estas correcções:

                – o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do CIRC não pode ser aplicado em, relação a operações com Estados com os quais existe Convenção para Evitar a Dupla Tributação (doravante “CDT”);

                – a Requerente fez a prova exigida por essa norma e pelo n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.

 

                No âmbito desta correcção, a Requerente imputa ainda à decisão da reclamação graciosa vício por violação do artigo 55.º da LGT, «na vertente de que a atuação da AT deve reger-se pelos princípios da imparcialidade e da justiça», por não ter atendido a sugestão que fez na reclamação graciosa para que «ouvisse algum dos seus administradores para confirmar o que escreveu».

 

                3.2.1. Questão da aplicabilidade dos artigos 23.-A, n. 1, alínea r), e 88.º, n.º 8, do CIRC

 

                Pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2012, de 13 de Abril, foi aprovada a Convenção entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Abu Dhabi em 17 de Janeiro de 2011 (CDT).

                A Requerente defende, em suma, que

– havendo CDT, as leis internas têm de se adaptar ao texto e princípios desse tratado internacional, que prevalece hierarquicamente sobre a lei interna, pela origem da sua fonte e por ser lei posterior;

– não faz sentido que o Estado Português, via lei interna, crie normas de repulsa de países off-shores e, ao mesmo tempo, estabeleça com eles tratados internacionais para organizar a dupla tributação; tratando-os ali como países de competição fiscal abusiva e aqui como parceiros com quem partilham soberania fiscal;

– a lei interna (o art. 23.º-A, n.º 1, al. r) do CIRC) tem de ser interpretada no sentido de que se exclui da sua hipótese legal os Estados, ainda que indicados na portaria 150/2014, mas em relação aos quais o Estado Português tenha depois celebrado uma CDT — como é o caso dos Emiratos Árabes Unidos;

– donde, o art. 23.ºA, n.º 1, al. r), do CIRC não se pode aplicar ao caso dos autos — e por consequência, a dedução desta verba de 60 mil euros rege-se pelas regras gerais de dedução do art. 23.º do CIRC – e é por isso fiscalmente dedutível: o ônus da prova é da AT; não é uma operação simulada; e corresponde à liberdade de gestão do A... de contrair despesas (serviços de mandato) para tentar obter patrocínios; e o facto do objetivo se ter gorado, apesar das diligências da W..., é irrelevante, totalmente irrelevante, para conduzir à recusa da dedução fiscal do gasto real e efetivo.

 

                Porém, a Requerente não tem razão.

                Na verdade, a CDT tem prevalência sobre as normas de direito interno português, como decorre do n.º 2 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português». 

                No entanto, neste caso, é a própria CDT que estabelece, no n.º 1 do seu artigo 27.º, que «as disposições da Convenção não serão interpretadas de modo a impedir a aplicação por um Estado Contratante das disposições antiabuso previstas na sua legislação interna».

                As normas contidas no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), e no artigo 88.º, n.º 8, do CIRC têm natureza de normas anti-abuso, sendo justificadas por presunção de que as operações relacionadas com países e territórios de tributação privilegiada estarão conexionadas com evasão fiscal.

                Embora o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do CIRC tenha sido introduzido neste Código pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a norma que nele se contém já existia quando foi aprovada a CDT, constando em termos substancialmente idênticos do artigo 65.º n.ºs 1 e 2, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que estabelecem:

 

Artigo 65.º

 

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

 

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

 

A alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC estabelece o seguinte:

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

           

                Independentemente das alterações de redacção, o regime desta alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, conjugado com a Portaria n.º 291/2011, de 11 de Agosto, é substancialmente idêntico ao que estava previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 65.º daquele Código na redacção vigente em 2011, conjugada com a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

                Na verdade, quando foi assinada a CDT, em 17-01-2011, já os Emiratos Árabes Unidos eram um dos «países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis» indicado na Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, mantida em vigor pela Portaria n.º 193/2005, de 17 de Julho (e actualizada, já depois de ser assinada a CDT, pela Portaria n.º 291/2011, de 11 de Agosto, e mantida em vigor pelo art. 215.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro).

                Assim, conclui-se que o regime previsto nos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r), e 88.º, n.º 8, do CIRC, que já vigorava quando foi assinada a CDT, não é com ela incompatível por força do preceituado no n.º 1 do seu artigo 27.º.

                Por isso, a relevância fiscal como gasto da quantia paga pela Requerente à W... e o afastamento da aplicação da tributação autónoma que foi aplicada dependem da prova exigida naquelas normas, cabendo o ónus da prova à Requerente.

 

                3.2.2. Questão da prova exigida pelos artigos 23.-A, n. 1, alínea r), e 88.º, n.º 8, do CIRC

 

                3.2.2.1. Prova da realização das operações        

 

A prova testemunhal produzida confirmou que a operação em causa foi efectivamente realizada.

Foram inquiridas três testemunhas (CC..., AA... e DD...), que é o número máximo permitido por lei relativamente a cada facto [artigo 118.º, n.º 1, do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], que mostraram ter conhecimento da realização da operação, inclusivamente da deslocação a Portugal de representantes da empresa Y..., que se reuniram com representantes da Requerente. 

Para além disso, as testemunhas CC... e AA... explicaram, de forma coerente, as razões pelas quais a Requerente procurou obter patrocinadores no Médio Oriente e a razão pela qual não foi concretizado o patrocínio.

  Por isso, é de considerar provado de que a operação em causa foi efectivamente realizada.

 

3.2.2.2. Prova de que a operação não tem um carácter anormal

O pagamento de serviços que são contratados não é, decerto, anormal.

Mas, à face da prova produzida, a operação em causa apresenta indícios de anormalidade, sobretudo quanto à escolha pela Requerente da W... para a prestação de serviços a que se refere o contrato em causa.

Na verdade, a W... tinha experiência em realizar eventos da região do Médio Oriente, mas não em obtenção de patrocinadores para empresas que detêm clubes de futebol, e, tendo a W... sido criada em 2013, a experiência que invoca seria, em 2015, de duração pouco significativa.

Por isso, não haveria razões objectivas para prever que viesse a ter êxito na tarefa que se propôs realizar, pelo que o pagamento antecipado e definitivo da quantia de € 60.000,00, que é considerável, se afigura estar fora dos padrões de normalidade, inclusivamente dos que adopta a própria Requerente.

Na verdade, a operação em causa, na parte em que incluiu o pagamento antecipado e definitivo da quantia de € 60.000,00, foi desenvolvida em moldes diferentes dos que a Requerente adopta para a contratação de jogadores, com o êxito que referiram as testemunhas CC..., AA... e BB..., pois nunca faz pagamentos antecipados e apenas remunera os agentes no caso de se concretizarem as contratações.

A Requerente não fez prova de que ela própria ou qualquer outra entidade tenha feito um contrato com condições do tipo do que fez com a W... .

Para além disso, nem se apurou mesmo qual a razão ou razões pelas quais foi pago aquele valor e não qualquer outro.

Na verdade, a Requerente disse que os «€ 60.000,00 garantidos (...)nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido» e que aquele valor lhe «parece ajustado à atividade a desenvolver e duração», mas nem esclareceu porque é que o considera ajustado.

Por outro lado, a prova produzida é contraditória quanto à justificação para ter sido fixado aquele valor, pois, enquanto a testemunha AA... disse que aquele valor foi uma estimativa dos custos, sem indicar a forma como foi efectuada, o facto de a Requerente afirmar que os «€ 60.000,00 garantidos (...) nos foram solicitados para que o serviço contratado fosse desenvolvido», aponta no sentido de se tratar de valor mínimo garantido que teria de ser pago, independentemente dos custos que a W... tivesse de suportar, sendo também neste sentido que aponta o depoimento da testemunha DD..., que disse que os € 60.000 eram para despesas hotéis, refeições, viagens de avião, mas que esse valor não era só para custos, era também para o trabalho de muitas horas.

Por isso, não se pode concluir que a Requerente tenha provado que a operação não tem um carácter anormal, quer quanto à forma de pagamento, diferente da normalmente utilizada pela Requerente, quer quanto à forma como foi fixado o valor a pagar, que não assentou em pressupostos claros.

                          

3.2.2.3. Prova de que o montante pago não é exagerado

 

Como resulta da decisão da matéria de facto, não se provou como foi concretamente determinado o valor de € 60.000,00 que foi pago à empresa W..., nem há a certeza de qual o fim a que se destinava.

Para decidir se há ou não exagero é necessário ter como termo de comparação alguma situação semelhante, ou positivamente estar demonstrado que o valor é adequado aos serviços prestados e custos a suportar pelo prestador, ou que o sujeito passivo não podia obter os mesmos serviços por quantia inferior.

No caso em apreço, não foi apresentada qualquer operação comparável, quer no âmbito da Requerente, quer externa, nem foi determinado como foi calculada a quantia, nem que os mesmos serviços não podiam ser obtidos por preço inferior, designadamente pela forma usualmente utilizada pela Requerente para a intermediação da contratação de jogadores ou com pagamento apenas dos custos que se comprovassem.

Pelo exposto, não se pode considerar provado que os pagamentos não eram exagerados.

                Para além disso, a Requerente imputa à decisão da reclamação graciosa vício por violação do artigo 55.º da LGT, «na vertente de que a atuação da AT deve reger-se pelos princípios da imparcialidade e da justiça», por não ter atendido a sugestão que fez na reclamação graciosa para que «ouvisse algum dos seus administradores para confirmar o que escreveu».

 

                3.2.2.4. Vício procedimental da decisão da reclamação graciosa  

 

                No âmbito desta correcção, a Requerente imputa ainda à decisão da reclamação graciosa vício por violação do artigo 55.º da LGT, «na vertente de que a atuação da AT deve reger-se pelos princípios da imparcialidade e da justiça», por não ter atendido a sugestão que fez na reclamação graciosa para que «ouvisse algum dos seus administradores para confirmar o que escreveu».

Antes de mais, é de notar que os vícios de forma de actos de segundo grau, como é a decisão de uma reclamação graciosa, podem ser fundamento da sua própria ilegalidade, mas dela não decorre a ilegalidade das liquidações que são seu objecto.

As irregularidades de natureza formal e procedimental, designadamente as praticadas durante o procedimento de liquidação de tributos, podem repercutir-se nestes actos de liquidação, afectando a sua validade, por estes actos de liquidação serem posteriores à ocorrência do vício e terem como pressuposto os actos procedimentais anteriores.

Mas, a ilegalidade de um acto não pode resultar supervenientemente da eventual ilegalidade formal de actos posteriores, como é o caso da decisão da reclamação graciosa em relação ao acto de liquidação.

As irregularidades de actos posteriores à prática dos actos de liquidação não podem afectar a sua validade, pois aqueles actos mantêm o conteúdo que têm, legal ou ilegal, independentemente de irregularidades posteriores.

Assim, por natureza, as ilegalidades formais e procedimentais repercutem-se nos actos posteriores a elas terem sido cometidas, mas não nos actos anteriores.

Sendo assim, não tem relevância invalidante dos actos de liquidação impugnados a alegada violação de princípios procedimentais durante o procedimento de reclamação graciosa.

Na verdade, a eventual violação de princípios procedimentais no procedimento de reclamação graciosa apenas poderia conduzir, a verificar-se, à anulação da sua decisão, que, podendo ser relevante para outros efeitos, nunca poderia justificar a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação aí impugnados.

Assim, é de concluir que, independentemente da solução que se desse à questão do vício procedimental, o pedido de pronúncia arbitral não poderia ser julgado procedente com fundamento nele.

Por outro lado, a Requerente nem sequer formula pedido de anulação da decisão da reclamação graciosa, pelo que nem sequer foi colocada a este Tribunal Arbitral a questão da anulação desta.

Pelo exposto, tem de se concluir que improcede o pedido de anulação das liquidações com fundamento no vício procedimental referido. 

 

3.2.2.4. Conclusão

 

Sendo a prova da não anormalidade da operação e do não exagero das quantias pagas requisitos positivos da relevância fiscal da despesa em causa e da não aplicação da tributação autónoma, tem de se concluir que a liquidação impugnada relativa ao exercício de 2015, na parte em que aplicou a alínea r) do n.º 1 do artigo 23.-ºA e o n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, não enferma de vício de violação destas normas.

             

                4. Juros indemnizatórios

 

                A Requerente pretende «a anulação das liquidações impugnadas, nas partes contestadas nesta ação arbitral, com todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros».

                A Requerente não especifica a que juros se refere, mas é de pressupor que se referirá aos juros indemnizatórios, que a lei prevê como consequência da anulação da actos de liquidação.

Apenas em relação à liquidação de IRC relativa ao exercício de 2015 foi liquidado imposto e juros compensatórios e moratórios.

Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas liquidações, improcede necessariamente hipotético direito a juros indemnizatórios.

Por outro lado, a Requerente não provou que tenha pago as quantias liquidadas relativamente ao exercício de 2015.

                Por isso, tem de se julgar improcedente o pedido pagamento de juros indemnizatórios.

               

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto às correcções respeitantes aos gastos relativos à contratação dos jogadores, referentes ao exercício de 2014, no montante global de € 246.525,49, que não deram origem a liquidação de imposto, mas apenas à fixação de prejuízos fiscais;

b)           Anular a liquidação de IRC n.º 2018..., na parte em que tem como pressuposto as correcções efectuadas em relação ao exercício de 2014;

c)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção respeitante ao pagamento efectuado à W... e tributação autónoma e correspondentes liquidação n.º 2018..., referente ao exercício de 2015 e respectivas liquidações de juros compensatórios e juros de mora n.ºs 2018 ... e 2018...;

d)           Julgar improcedente o pedido de juros.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 282.911,39.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto à liquidação relativa ao exercício de 2014, quanto ao valor processual de € 246.525,49 e improcede na parte restante, que tem o valor processual de € 36.385,90.

Assim, de acordo com o decaimento, os encargos com as custas serão suportados pela Requerente na percentagem de 12,86% e pela Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 87,14%.

 

Lisboa, 16-10-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Rita Calçada Pires)

(Amândio Silva)