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DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dra. Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte decisão arbitral:
I – Relatório
BANCO A... S.A., anteriormente designado B... S.A. titular do número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 2ª Secção e de identificação de pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) para apreciar a legalidade dos atos tributários consubstanciados nas declarações periódica de IVA respeitantes aos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros legais.
A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:
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A Requerente é uma instituição de crédito que realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, como é o caso da concessão de créditos, e operações sujeitas que conferem o direito à dedução, como seja, a locação financeira mobiliária e o aluguer de longa duração financeiro, (doravante ALD).
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No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra contratos de aquisição de viaturas com entidades terceiras procedendo ao pagamento integral e a pronto das mesmas, entregando-as para uso e fruição ao abrigo e segundo os termos e condições dos aludidos contratos de Leasing ou de ALD ao respetivo locatário, seu cliente.
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Como contrapartida pela prestação de serviços realizada, o Locatário fica obrigado a pagar à Requerente uma retribuição que assume a forma de renda, acrescida de IVA, nos termos legais, integrando tal renda o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro.
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Quer no contrato de Leasing, quer no contrato de ALD, o Locatário tem a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao locador (ora Requerente) mediante o pagamento de um montante adicional.
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Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário, quer porque este, no final do contrato, não acionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades (leiloeiras), sendo o produto da venda uma operação sujeita a IVA;
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Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o locatário fica obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida, situação em que a Requerente emite uma fatura pelo montante em dívida ao qual acresce IVA, nos termos legais.
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Por conseguinte, parte da atividade da Requerente está sujeita a IVA (nas operações de Leasing e ALD) e outra parte está isenta (concessão de crédito), sendo possível cindir de forma autónoma, com exceção dos custos comuns, os custos e proveitos associados à atividade sujeita e os custos e proveitos associados à atividade isenta.
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No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, os designados custos comuns, a Requerente deduziu o IVA, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.
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Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fração (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo designadamente as amortizações financeiras relativas aos contratos de Leasing e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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No denominador (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
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Assim, a percentagem de dedução provisória (i.e. pro rata provisório) apuradas pela Requerente a aplicar no exercício de 2013, designadamente nos meses em causa nos autos, seria de 61% do aludido suportado em gastos comuns.
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No entanto, nas declarações periódicas de IVA de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013, a Requerente, na determinação do calculo do pro rata, optou por excluir do numerador as amortizações financeira relativas aos contratos de Leasing e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, em virtude de pretende evitar correções em sede de IVA por parte da AT resultantes da aplicação da doutrina administrativa vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, sancionado pelo Diretor-Geral e seguida pelos Serviços de Inspeção, em sede de inspeção junto da Requerente em exercícios anteriores.
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Embora a Requerente discorde da posição da AT vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, decidiu corrigir os valores deduzidos nas declarações mensais periódicas de IVA, relativas aos períodos de 2013/01, 2013/02 e 2013/03, apurando uma percentagem de dedução de 18%, e não de 61%. Em consequência, o valor de IVA deduzido nos três meses do ano de 2013 aqui em apreço foi somente de €81.310,74 e não de €275.553,08, como entende que deveria ter sido.
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A Requerente, baseando-se na jurisprudência maioritária do CAAD, sustenta que os custos gerais efetuados em vista à disponibilização de veículos, enquanto operações tributáveis, são parte dos elementos constitutivos do preço dessas operações e originam um direito à dedução.
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E, no que se refere à locação financeira, as rendas dos contratos são integramente sujeitas a IVA, quer na parte correspondente à amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos encargos financeiros como são os juros.
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Adicionalmente, defende a Requerente que o entendimento sufragado pelo TJUE no “Caso Banco Mais” não tem aplicação concreta aos presentes autos pois, o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA não constitui uma mera transposição do artigo 17.º n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva, o que significa que, a AT não se encontra habilitada para moldar as componentes da fração do pro rata de dedução de forma a obrigar uma entidade como a Requerente a incluir apenas a parte das rendas pagas pelos seus clientes no âmbito dos contratos de locação financeira, que corresponde a juros, expurgando, sem mais, o montante da amortização do capital.
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Nestes termos, o ato tributário de autoliquidação ao assentar na possibilidade de alteração dos componentes do cálculo pro rata viola o disposto no artigo 23.º do Código do IVA e o princípio da neutralidade fiscal.
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Relativamente ao meio processual adotado, defende a Requerente que nos termos do n.º 3 do artigo 131.º do CPPT a apresentação de reclamação graciosa é dispensada sempre que o seu fundamento consista exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, situação que sucede no caso em apreço, porquanto a Requerente limitou-se a seguir - ainda que a tal não se encontrasse obrigada - a orientação genérica seguida no aludido oficio circulado n.º 30108, de 31/01/2009.
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Concluindo, nestes termos, que o pedido de pronúncia arbitral ora deduzido é o meio processual adequado para atacar o ato em referência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, sendo o Tribunal competente para conhecer do mérito do pedido.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, defendendo-se por exceção e por impugnação.
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A título de exceção, começa a Requerida por invocar que nos presentes autos não está apenas em análise uma questão de direito.
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Entende que resulta do articulado da Requerente que esta pretende que se dê como provados um conjunto de factos atinentes ao clausulado dos contratos de Leasing e de ALD, como sejam, designadamente, as obrigações das partes, as contrapartidas, os elementos que compõe a renda, e as modalidades de resolução do contrato, factos estes que não se encontram espelhados nos erros constantes das declarações periódicas apresentadas pela Requerente;
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Considera que os factos em apreço não se cingem a matéria de direito, cabendo à Requerente apresentar reclamação graciosa prévia à submissão da impugnação judicial, porquanto aquela constitui pressuposto processual desta nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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Em apoio da sua tese, a Requerida invoca a jurisprudência do STA, aduzindo, no entanto, que a não ser aplicável, o que por mera hipótese se equaciona, então teria de se concluir pela falta de invocação de causa de pedir.
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Com efeito, se não houver de considerar os factos alegados pela Requerente no PPA, ainda que se concluísse pela errada consideração do direito feita pela Requerida no referido Ofício Circulado, não se obteria resultado diferente do constante das Declarações Periódicas de imposto, por não haver outros elementos de facto (que não os ali declarados), a considerar.
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Por conseguinte, caso o Tribunal não dê por verificada a falta da reclamação graciosa como falta de pressuposto processual, com a consequente extinção da instância, deverá, subsidiariamente, dar por verificada a exceção de falta de causa de pedir, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância.
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Em sede de defesa por impugnação a Requerida aduz que a questão em apreço já foi objeto de um amplo escrutínio pela jurisprudência nacional e estrangeira, sendo que, ao contrário do defendido pela Requerente, a solução maioritariamente adotada, tem sido a de seguir a posição constante do Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009.
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Para atestar o alegado, e fazendo notar que não se trata de uma decisão única e isolada, a Requerida traz à colação o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA), proferido no âmbito do processo n.º 485/17, de 15 de Novembro de 2017, que concentra e consolida na sua fundamentação os aspetos mais pertinentes e complexos em torno destas operações financeiras e do seu tratamento fiscal em sede de IVA, tanto a nível nacional como no âmbito do direito europeu.
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Na decisão tomada por parte do STA, não só foi defendido que a imposição de um coeficiente de dedução próprio para estas operações financeiras por parte da administração fiscal é legítima à luz do direito interno e europeu, como igualmente é legítima a imposição da exclusão da componente da amortização financeira das rendas pagas nos contratos de locação financeira do denominador da fração de apuramento da percentagem de dedução.
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Com efeito, na linha da jurisprudência do STA, entende a AT que a inclusão do montante de IVA suportado na transmissão de viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito no cômputo do coeficiente de imputação específico obtido pela aplicação do método da afetação real iria aumentar injustificadamente a percentagem de dedução, contendendo com o princípio da neutralidade do imposto. Daí resultando que quanto maior fosse o crédito concedido, maior seria a dedução de IVA que resultaria da aplicação do coeficiente de imputação específico. E, desse modo, não se mostra possível nem adequado o método do pro rata definido no artigo 23.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código do IVA, havendo de aplicar-se o disposto no n.º 3 desse artigo 23.º do CIVA, em conjugação com o entendimento constante do Ofício Circulado n.º 30103.
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Argumenta a AT que a redação da segunda parte do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.» (sublinhado e negrito da nossa responsabiIidade)” permanece estável e inalterada desde a publicação da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, legitimando a AT na emissão de instruções como as vertidas no Ofício-Circulado n.º 30108, não ofendendo em medida nenhuma o princípio da legalidade.
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Acresce que na definição do âmbito do poder regulamentar da AT, a jurisprudência do STA, tem entendido que a imposição de condições diversas não se resume exclusivamente a fazer cessar um dos métodos previstos no n.º 1 do art.º 23.º do CIVA por outro, já que a norma refere expressamente a designação de condições especiais, não obstante ser o método da afetação real que se encontra a ser imposto aos sujeitos passivos que pratiquem, entre outras, operações de leasing ou de ALD.
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Por conseguinte, segundo a AT quer a jurisprudência do TJUE quer jurisprudência do STA consolidam o entendimento de que as instruções vertidas no Oficio-Circulado n.º 30108 não enfermam de qualquer ilegalidade, não se podendo dar como provado, em consonância com a decisão do TJUE, que a aplicação de um outro método que não o previsto na instrução, não provoca distorções significativas na tributação, ónus que incumbe ao sujeito passivo.
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Em consequência, requer-se que na eventualidade do Tribunal arbitral decidir em linha com o STA, sempre concluirá que para atender à pretensão da Requerente, se mostraria necessária uma ampliação/alteração da matéria de facto, exigindo-se que demonstrasse, comparando, que a inclusão das operações de Leasing e ALD na percentagem de dedução geral a que se refere o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, não provoca distorções significativas na cobrança do IVA.
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Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 26 de Junho 2020 o Tribunal arbitral notificou a Requerente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre a Resposta apresentada pela AT, tão só e apenas quanto à matéria das exceções.
Em 07 de Julho de 2020 a Requerente apresentou a sua resposta defendendo a improcedência das exceções invocadas pela AT, considerando, em suma, que é vasta a jurisprudência e a doutrina que defendem a dispensa de recurso ao meio gracioso previamente à impugnação, em situação como a que está em causa nestes autos, nos quais se discute a apreciação de uma matéria de direito, a saber, a (i)legalidade da orientação genérica plasmada no Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009, que foi seguida pela Requerente nas autoliquidações de IVA efetuadas por referência aos períodos 2013/01, 2013/02 e 2013/03.
No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e remetido o processo para alegações. Em sede de alegações as partes reiteraram as posições assumidas nos respetivos articulados.
No mesmo despacho o Tribunal fixou como data previsível para a prolação e notificação da decisão final o dia 22-10-2020, tomando-se em linha de conta a suspensão do prazo previsto no artigo 21º n.º 1, do RJAT, entre 9-3-2020 e 3-6-2020 (Leis nos 1-A/2020, 4- A/2020 e 16/2020).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05 de Fevereiro de 2020.
O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente tem como objeto social, nos termos legalmente permitidos às Instituições Financeiras de Crédito, a “realização de operações bancárias financeiras e prestação de serviços conexos” designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira – (cfr. registo permanente com o seguinte número de acesso: 8206-1051-1173);
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Para efeitos do IRC, a Requerente encontra-se coletada para o exercício de “outra intermediação monetária”, com o CAE 64190, estando sujeito a IRC, por força do artigo 2.º do Código do IRC;
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Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, sendo um sujeito passivo misto, na medida em que na sua atividade realiza operações de locação financeira mobiliária (Leasing e ADL), que são tributáveis e conferem o direito à dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e crédito ao consumo, que são isentas do imposto, sem direito à dedução do IVA;
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Por força dos contratos de Leasing celebrados nos três períodos de 2013 ( 2013/01, 2013/02 e 2013/03), a Requerente, a solicitação e indicação do Locatário, adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato ao Locatário, para uso e fruição, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato (cfr. cópia de contrato de Leasing junto com o PPA, como doc. n.º 10);
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Como contrapartida pela referida prestação de serviços, o Locatário ficava obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assumia a forma de renda – (cfr. cláusula n.º 2, alínea d), das condições particulares do contrato de Leasing, junto ao PPA como doc. n.º 10).
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Para a determinação da renda cobrada ao Locatário eram considerados, designadamente, os seguintes fatores: o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro.
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Nos termos do Contrato de Leasing, o Locatário podia, no final do contrato e se assim o pretendesse, adquirir o bem ao Locador mediante o pagamento do valor residual, correspondente, em média a 5% do valor do contrato (cfr. cláusula n.º 2, alínea e), das condições particulares do contrato de Leasing junto ao PPA como doc. n.º 10).
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Em relação aos contratos de ALD Financeiro celebrados pela Requerente nos períodos de 2013/01, 2013/02 e 2013/03, a Requerente adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento imediato do mesmo, cedendo-o, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato, ao Locatário, para uso e fruição que abrangesse “a maior parte da vida útil do bem” (cfr. cópia de contrato de ALD Financeiro junto com o PPA, como doc. n.º 11).
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Como contrapartida pela prestação de serviços realizada, o Locatário ficava obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assumia a forma de renda (cfr. cópia do contrato de ALD Financeiro, junto no PPA, como doc. n.º 11);
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Para a determinação da renda nos contratos de ALD a Requerente considerava, designadamente, os seguintes fatores: o preço de aquisição do bem (veículo), os demais encargos e a margem de lucro;
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Tal como no contrato de Leasing, também nos contratos de ALD Financeiro, o Locatário tinha a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao Locador, mediante o pagamento de um montante adicional – correspondendo este, em média, a uma renda do valor do contrato – (cfr. documento de promessa de compra e venda anexo ao contrato de ALD junto no PPA, como doc. n.º 11);
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Nos contratos de ALD efetivamente cumpridos, foi transferida a propriedade, por força da cláusula de opção pela compra do bem e mediante o pagamento do valor residual;
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Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário quer porque este, no final do contrato, não acionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades leiloeiras;
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Ao valor das vendas relativas aos referidos contratos acresceu IVA à taxa legal, (cfr. cópia da fatura junta com o PPA, como doc. n.º 13);
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Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o locatário fica obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida (cfr. condições gerais dos contratos de Leasing juntos com o PPA, como doc. n.º 10);
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Nos casos referidos no ponto O) supra a Requerente emite uma fatura pelo montante em dívida ao qual acresce, nos termos legais, o respetivo IVA (cfr. cópia da fatura junta com o PPA, como doc. n.º 13);
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A Requerente líquida IVA nas operações de Leasing e ALD, sobre o valor total da renda (cfr. cópia das faturas/recibo juntas com o PPA, como docs. n.º 14 e 15);
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No caso das operações não sujeitas, como a concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário, a Requerente não liquidou IVA, sujeitando as referidas operações, nos termos da lei em vigor, a Imposto do Selo (cfr. cópia das faturas/recibo juntas com o PPA, como docs. n.º 16 e 17).
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Sendo a Requerente um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, tem vindo a autonomizar na respetiva contabilidade, com a exceção dos custos comuns, os custos e proveitos associados a atividade sujeita e os custos e proveitos associados à atividade isenta, aplicando o método da afetação real;
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No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução – custos comuns – a Requerente deduziu o IVA, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.
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Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fração (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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No denominador da fração (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
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Para o exercício de 2013, designadamente nos períodos de 2023/01, 2013/02, 2013/03, a percentagem de dedução provisória apurada pela Requerente seria de 61%, pelo que, o IVA a deduzir no mesmo exercício ascendia a €275.553,08, correspondente a 61% do IVA suportado nos gastos comuns num total de €451.726,36 (cfr. mapa junto ao PPA como doc. n.º 7);
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No dia 20 de Fevereiro de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2013 (cfr. documento n.º 1 junto com o PPA).
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No dia 07 de Março de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2013 (cfr. documento n.º 2 junto com o PPA).
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No dia 05 de Abril de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2013 (cfr. documento n.º 3 junto com o PPA).
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Nas declarações periódicas mensais de IVA de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013, a Requerente excluiu do numerador e do denominador da fração representativa do cálculo pro rata as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, seguindo a posição externada pela Autoridade Tributária no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, sem, contudo, concordar com a mesma;
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Em consequência da aplicação da doutrina vertida no Ofício-Circulado de n.º 30108 de 30/01/2009, a Requerente reduziu o pro rata de 61% (valor definitivo para 2012), segundo o critério seguido pela Requerente, para 18% (valor definitivo para 2012), seguindo o critério imposto pela AT – (cfr. mapa de cálculo junto ao PPA como documento n.º 6).
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A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com o seguinte teor:
“Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD
Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:
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O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdiretor-geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correto enquadramento das várias atividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afetação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
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De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, exceto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma atividade económica, caso em que é obrigatória a afetação real. Nos demais casos, a afetação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).
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No caso de utilização da afetação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afetação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objetivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objetivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevante.
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Os critérios adotados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
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No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
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Face à anterior redação do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afetação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afetação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afetação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afetação real.
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Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
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Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.
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Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
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A Requerente não apresentou reclamação graciosa das autoliquidações resultantes das declarações de imposto entregues nos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03;
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No dia 14/11/2019 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral – (cfr. requerimento eletrónico submetido no CAAD).
III- DO DIREITO
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Questão prévia
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Da Incompetência do Tribunal Arbitral
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A Requerida invoca a incompetência do Tribunal Arbitral, por entender que a impugnação judicial dos atos de liquidação deveria ter sido precedida de uma reclamação graciosa, uma vez que a impugnação dos erros constantes das declarações periódicas apresentadas pela Requerente, não se cingem apenas à matéria de direito, mas também, aos factos. Defende assim, que a prévia reclamação graciosa é um pressuposto processual necessário para o recurso à via contenciosa, uma vez que não está apenas em apreço uma questão de direito, pelo que teria a Requerente de apresentar a Reclamação Graciosa previamente a apresentar a presente impugnação judicial, porquanto aquela constitui um pressuposto processual desta nos termos previstos no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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A Requerente, notificada para se pronunciar sobre a dita exceção, veio em suma sustentar, que nestes autos está apenas em causa a apreciação de uma matéria de direito, ou seja, a de saber se a Requerente, no cálculo do pro rata nas autoliquidações do IVA aqui em causa, deveria, ou não, ter seguido a orientação genérica da AT (Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009) e excluir as amortizações e indemnizações/abates do numerador daquele pro rata, aplicando-se assim a previsão constante o n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, que permite a impugnação judicial direta da autoliquidação sem necessidade de recorrer à reclamação previa.
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Atendendo à posição das partes, a questão controversa prende-se com saber se estamos perante uma questão de direito ou de facto, e consequentemente se existe ou não obrigação de previa reclamação graciosa;
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Ora dos autos, não merece dúvidas que a autoliquidação foi efetuada de acordo com orientações genéricas da administração tributária, Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009, e que a impugnação das autoliquidações não foram procedidas de reclamação graciosa, foram sim diretamente impugnadas via judicial, no dia 14 de Maio de 2013, contra os atos tributários, referentes aos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03, que correu termos na Unidade Orgânica 3, do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo 829/13.0BELRS;
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Ora, sobre a impugnação dos atos de autoliquidação, prevê o n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, o seguinte: “Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1”.
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No caso em apreço, o thema decidendum consiste em saber, se os valores das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira e aluguer de longa duração e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados no âmbito dos mesmos contratos devem ser incluídos no cálculo do apuramento do montante do imposto (imposto sobre o valor acrescentado) dedutível, quando esteja em causa um método de apuramento proporcional ou pro rata, e, portanto, prende-se com uma questão de direito;
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Neste sentido, também JORGE LOPES DE SOUSA:“a reclamação necessária prevista no n.º 1 do artigo 131.º justifica-se por a administração tributária não ter previamente possibilidade de tomar posição sobre a autoliquidação, efetuada pelo contribuinte por sua própria iniciativa. Assim, nos casos em que a autoliquidação foi efetuada de acordo com orientações genéricas da administração tributária, esta já se pronunciou antecipadamente sobre a questão suscitada pelo interessado na impugnação, estando mesmo vinculada à observância das «orientações genéricas constante de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário« (art.º 68.º, n.º 4, alínea b) da LGT), pelo que é presumivelmente inútil suscitar a sua intervenção através de reclamação graciosa, que teria de ser indeferida”.
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Assim sendo, do anteriormente exposto, entende o tribunal que se encontra cumprido o disposto no nº 3 do art.º131.º do CPPT e desse modo à Requerente assiste-lhe o direito de diretamente impugnar judicialmente as autoliquidações, sem necessitar de previa reclamação graciosa.
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Improcede, assim, a exceção de incompetência do tribunal.
V - DECISÃO
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Termos em que acorda este Tribunal Arbitral o seguinte:
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Defende a Requerente, em suma, que “Os atos tributários objeto da presente Petição Arbitral – as liquidações de IVA referentes aos períodos de Janeiro a Março de 2013 – têm por base o entendimento da AT de que parte das rendas, i.e. das operações sujeitas – mais especificadamente a parte correspondente à amortização (comumente designada por capital) – não pode ser considerada no cálculo do pro rata na medida em que, não constituindo, na esfera da Instituição Financeira, um proveito, não integram o volume de negócios para o cálculo do pro rata. Ou seja, os fundamentos dos atos tributários em crise assentam, resumidamente, no entendimento da AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata apenas pode ser incluída a componente dos juros e não já a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de locação financeira e de ALD celebrados pela Requerente.”.
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A Requerida, por sua vez, defende que as instruções vertidas no Oficio-Circulado n.º 30108 não enfermam de qualquer ilegalidade, encontrando-se em consonância com a decisão do TJUE e do STA, de que a aplicação de um outro método que não o previsto na instrução não provoca distorções significativas na tributação, ónus que incumbe ao sujeito passivo.
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Assim sendo, o thema decidendum consiste em saber se os valores das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira e aluguer de longa duração e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados no âmbito dos mesmos contratos, devem ser incluídos no cálculo do apuramento do montante do imposto (imposto sobre o valor acrescentado) dedutível, quando esteja em causa um método de apuramento proporcional ou pro rata.
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Retomando os factos provados, temos que a Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, sujeito passivo misto, na medida em que na sua atividade realiza operações de locação financeira mobiliária (Leasing e ADL), que são tributáveis e conferem o direito à dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e crédito ao consumo, que são isentas do imposto, sem direito à dedução do IVA;
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Que, para cálculo do pro - rata de dedução definitiva respeitante ao ano 2013, relativo a bens e serviços de utilização mista, aplicou a Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».
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Por conseguinte, para a analise da questão controvertida, vejamos, antes de mais, o que estabelece a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, a legislação nacional e o Ofício Circulado aplicado pela Requerente.
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Assim, nos termos do disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, é estabelecido o seguinte:
“Artigo 173.º
1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.
2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
Artigo 174.º:
1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:
a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;
b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.
Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.
2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:
a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;
b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;
c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.
3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.”
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Olhemos de seguida, o disposto no artigo 23.º do CIVA:
“Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”
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Por último, olhemos para o Ofício Circulado n.º 30108, emitido em 30-01-2009 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido, publicado em:
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf,
“7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.
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Retomando os autos, temos que a Requerente no período em questão, desenvolveu atividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA), bem como atividade económica isenta designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, na redação vigente em 2013).
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Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua atividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na atividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA e artigo 168.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].
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Relativamente aos bens de utilização mista, usados não só para operações com direito à dedução, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é permitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigo 173.º n.º 1, da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 e n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA).
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Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fração que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do Código do IVA).
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O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do Código do IVA).
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Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA).
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A utilização deste método de afetação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Tributária Fiscal o determinar, o que poderá fazer «quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas» ou «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» (n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA na redação vigente em 2013). A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».
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Assim, a dedução segundo a afetação real relativamente a bens de utilização mista apenas pode ocorrer por opção do sujeito passivo, ou por imposição da Administração Tributária quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação.
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Em concreto, o Ofício Circulado n.º 30108, de 30-1-2009 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem simultaneamente um dos ou os dois tipos de atividade, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).
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Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor aos sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afetação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades».
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Em segunda linha, no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afetação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD».
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Existe vasta jurisprudência sobre a questão em apreço, quer do STA[1], quer do CAAD[2], com decisões em ambos os sentidos.
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Como é salientado pela Requerente, a jurisprudência do CAAD, inaugurada pelo o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017, e seguida por diversas outras decisões arbitrais, aponta no sentido da ilegalidade dos atos tributários que aplicam o critério específico de dedução adotado pelo ofício-circulado n.º 30103, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA, com base essencialmente nos seguintes considerandos.
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Embora a norma de direito europeu admita que, na aplicação do método de afetação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efetuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
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Ora, resulta claro que não é com base na consideração do valor parcial da renda (correspondente apenas à componente dos juros) que é possível determinar, com objetividade, as despesas comuns que estão afetas à atividade de locação financeira que conferem o direito à dedução.
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Sendo assim, haveria de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que exclua sem mais do numerador da fração o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o volume de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).
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Admite-se, assim, que o Código do IVA efetuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva para o direito interno, mas que a transposição efetuada não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à atividade de locação financeira.
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No entanto, este entendimento não tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA).
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Com efeito, o STA em 4 de Março de 2020, proferiu acórdão uniformizador de jurisprudência no âmbito do processo 07/19.4BALSB[3], que resultou de um recurso da decisão arbitral proferida a 29 de Novembro de 2018 no processo n.º 335/2018-T;
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Do acórdão uniformizador do STA, resulta o seguinte: “(…) em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.” (…)
“A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).
Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.
Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.
A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.
E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.
E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.
Como afirma o TJUE (Considerando 19), “o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado‑Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva”. Vejamos as disposições legais em causa:
O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação” (nosso sublinhado).
E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:
(…)
Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.
Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).
Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), incisivamente referido pela Recorrida, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.”
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Por conseguinte, face ao anteriormente exposto, entende o Tribunal que o referido acórdão tem aplicação nos presentes autos.
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Desse modo, aderimos ao acórdão uniformizador do STA de 4 de Março de 2020, concluindo que a Administração Tributaria pode criar um sistema específico, estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista.
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Por conseguinte, o método de cálculo da percentagem de dedução preconizado pela Administração Tributária, traduzido na imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico», e o respetivo Ofício Circulado n.º 30108, não enferma de vício de violação de lei e de erro sobre os pressupostos de direito, concluindo assim que os atos impugnados deverão ser mantidos na ordem jurídica, improcedendo o pedido da Requerente de anulação das autoliquidações, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
As questões de (in)constitucionalidade suscitadas
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Por último, a Requerente alega que a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, constituiu uma violação dos princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), da legalidade (artigo 112., n.º 5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa. E em sede de alegações referiu: uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstrato, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização) é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].
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Sobre a constitucionalidade da interpretação do art. 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, vejamos o que resulta do já exposto.
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Com efeito, resulta do exposto que este Tribunal Arbitral não fez aplicação da dimensão normativa apodada de inconstitucional, nem decorre da posição assumida o reconhecimento de que o critério constante do instrumento administrativo tenha força jurídica suscetível de o converter em norma de aplicação geral e abstrata e de aplicação incondicional, pelo que, não tendo o critério sido aplicado como ratio decidendi na dimensão controvertida, o conhecimento do mérito da questão de constitucionalidade redundaria num puro exercício académico, o que está vedado a este tribunal.
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Todavia, uma tal consideração, em todo o contexto em que se desenvolve a peça processual, é feita na perspetiva de que não chegou a ocorrer a transposição para o direito interno da referida disposição da Diretiva.
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Ora, o tribunal, abordando a questão que constituía o objeto do pedido, limita-se a reconhecer, adotando a orientação do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA citado, que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA procedeu à transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, assim afastando a ilegalidade que era imputada aos actos de liquidação impugnados. E não formulou a interpretação normativa que a Requerente imputa, nas suas alegações, os vícios de constitucionalidade.
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Não tendo o tribunal adotado uma tal interpretação normativa, é claro que não tem de conhecer da suposta violação de princípios constitucionais.
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Pelo que, não se verificando o pressuposto de que partiu a Recorrente, toda a sua argumentação em torno da inconstitucionalidade, formal e material, deixa de assumir relevância.
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Perante o exposto, concluindo assim que os atos impugnados deverão ser mantidos na ordem jurídica, improcedendo o pedido da Requerente de anulação das autoliquidações, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
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Por fim, importa reafirmar que foram conhecidas e apreciadas nos termos expostos supra, as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Concretamente e em conclusão: relativamente à arguição de inconstitucionalidade por violação dos princípios da separação de poderes, do princípio da legalidade tributária e da reserva da lei da Assembleia da República, o conhecimento de tais questões resulta suficientemente traduzido na exposição supra, cumprindo-se deste modo o acórdão do TCAS de 23 de junho de 2023, proferido no processo nº 92/20.6BCLSB, em recurso interposto do acórdão arbitral proferido anteriormente e que foi anulado por omissão de pronúncia relativa a alegada inconstitucionalidade do artigo 23º, nº 2 e 3, do CIVA.
V. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios fica prejudicada a sua apreciação, dada a decisão de total improcedênccia do pedido
VI. DECISÃO
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado respeitante aos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03, que fixou um imposto a pagar de €194.242,33 (cento e noventa e quatro mil duzentos e quarenta e dois euros e trinta e três cêntimos).
VII- VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €194.242,33 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
VII. CUSTAS
Custas no montante de €3.672,00 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Notifique, incluindo o Ministério Público.
Lisboa, 24 de novembro de 2023
O Presidente do Tribunal Arbitral,
com a declaração de voto seguinte:
Mantenho a posição que tenho defendido e que fez vencimento nos acórdãos que subscrevi, sobre a matéria em discussão, designadamente nos processos do CAAD nºs 311/2017-T, 498/2018-T (que deu origem ao acórdão uniformizador assinalado infra, de 4-3-2020), 706/2019-T e 854/2019-T, publicados no site do CAAD (www.caad.org.pt), embora reconheça que esta minha posição (que é, aliás, segundo se julga, a maioritária na arbitragem tributária), não é a que a Jurisprudência do STA tem sufragado de forma praticamente unânime[4] conforme foi já assinalado (embora haja um ou outro voto de vencido), sendo alguns desses arestos proferidos em sede de uniformização de Jurisprudência, o primeiro, de 4 de Março de 2020, no âmbito do processo nº 07/19.4BALSB , que resultou, conforme já anteriormente assinalado, de um recurso extraordinário da decisão arbitral proferida em 29 de Novembro de 2018 no processo CAAD n.º 335/2018-T e, mais recentemente, o acórdão uniformizador proferido no processo nº 052/19.0BALSB de 4-3-2020, relativo à sobredita decisão arbitral proferida no processo CAAD nº 498/2018-T.
Certo que os acórdãos uniformizadores de Jurisprudência, ao invés do que ocorria com os “assentos” que o artigo 2º, do Código Civil, na redação inicial de 1966, integrava nas fontes normativas, não gozam de força vinculativa a não ser no âmbito do processo em que são proferidos, embora se lhes reconheça uma força persuasiva especial decorrente da conjugação de diversos fatores, tais como serem proferidos no âmbito de um recurso extraordinário, para o Pleno da Secção correspondente do STA (no caso, a Tributária) e publicados na 1ª Série do Diário da República (cfr artigo 152º, do CPTA). Mas não deixam de ser, com estas particularidades, tal como, em geral, toda a demais Jurisprudência, fontes mediatas da Lei.
Ou seja e numa brevíssima síntese: o entendimento que defendo não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”).
Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo
denunciado pela Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como
decorre dos §§.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua citada decisão no pressuposto
de que o nº 2 do artigo 23º, do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da
determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea
c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17º, nº
5, primeiro parágrafo, e 19º, nº 1, dessa Diretiva e constitui a transposição, para o direito
interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da
4 Sexta Diretiva” .
Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração
Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a
que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um
critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método
garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante
do outro citado método .
Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral que deu origem, como se viu, ao primeiro acórdão uniformizador de Jurisprudência, proferida no âmbito do processo nº 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União” (sublinhado nosso).
Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao
processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal
pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal
nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das
regras de direito nacional”
Decorre então do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23º, do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.o 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do nº 2 do artigo 173º, da Directiva IVA, não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.
Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23º, do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:
– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do nº 1 do artigo 23º do Código do IVA por remissão para o nº 4 da mesma norma; e
– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (nº 2 do artigo 23º do Código do IVA).
Ademais, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 23º, quando a aplicação do método previsto no nº 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no nº 2; contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Ora, é manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.
Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do nº 2 do artigo 23º.
Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo nº 3 do artigo 23º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, deste modo, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do nº 1 do artigo 23º, e este método é o que consta do nº 4, do mesmo artigo.
Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.
Concluindo: não sufragando, pelas razões assim sumária mas suficientemente expostas, o entendimento que fez vencimento, voto, todavia a decisão tão só e apenas em resultado de que o ora decidido está em conformidade com a citada Jurisprudência uniformizadora do STA.
José Poças Falcão
A Árbitro vogal,
Filipa Barros
A Árbitro vogal
Rita Guerra Alves
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 766/2019-T
Tema: IVA - Competência do Tribunal Arbitral; Pro rata na Locação financeira – Ofício-circulado n.º 30108.
*Substituída pela decisão arbitral de 24 de novembro de 2023.
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DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dra. Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte decisão arbitral:
I – Relatório
A... S.A., anteriormente designado B... S.A. titular do número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa –... Secção e de identificação de pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) para apreciar a legalidade dos atos tributários consubstanciados nas declarações periódica de IVA respeitantes aos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros legais.
A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:
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A Requerente é uma instituição de crédito que realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, como é o caso da concessão de créditos, e operações sujeitas que conferem o direito à dedução, como seja, a locação financeira mobiliária e o aluguer de longa duração financeiro, (doravante ALD).
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No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra contratos de aquisição de viaturas com entidades terceiras procedendo ao pagamento integral e a pronto das mesmas, entregando-as para uso e fruição ao abrigo e segundo os termos e condições dos aludidos contratos de Leasing ou de ALD ao respetivo locatário, seu cliente.
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Como contrapartida pela prestação de serviços realizada, o Locatário fica obrigado a pagar à Requerente uma retribuição que assume a forma de renda, acrescida de IVA, nos termos legais, integrando tal renda o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro.
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Quer no contrato de Leasing, quer no contrato de ALD, o Locatário tem a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao locador (ora Requerente) mediante o pagamento de um montante adicional.
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Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário, quer porque este, no final do contrato, não acionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades (leiloeiras), sendo o produto da venda uma operação sujeita a IVA;
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Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o locatário fica obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida, situação em que a Requerente emite uma fatura pelo montante em dívida ao qual acresce IVA, nos termos legais.
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Por conseguinte, parte da atividade da Requerente está sujeita a IVA (nas operações de Leasing e ALD) e outra parte está isenta (concessão de crédito), sendo possível cindir de forma autónoma, com exceção dos custos comuns, os custos e proveitos associados à atividade sujeita e os custos e proveitos associados à atividade isenta.
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No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, os designados custos comuns, a Requerente deduziu o IVA, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.
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Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fração (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo designadamente as amortizações financeiras relativas aos contratos de Leasing e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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No denominador (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
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Assim, a percentagem de dedução provisória (i.e. pro rata provisório) apuradas pela Requerente a aplicar no exercício de 2013, designadamente nos meses em causa nos autos, seria de 61% do aludido suportado em gastos comuns.
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No entanto, nas declarações periódicas de IVA de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013, a Requerente, na determinação do calculo do pro rata, optou por excluir do numerador as amortizações financeira relativas aos contratos de Leasing e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, em virtude de pretende evitar correções em sede de IVA por parte da AT resultantes da aplicação da doutrina administrativa vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, sancionado pelo Diretor-Geral e seguida pelos Serviços de Inspeção, em sede de inspeção junto da Requerente em exercícios anteriores.
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Embora a Requerente discorde da posição da AT vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, decidiu corrigir os valores deduzidos nas declarações mensais periódicas de IVA, relativas aos períodos de 2013/01, 2013/02 e 2013/03, apurando uma percentagem de dedução de 18%, e não de 61%. Em consequência, o valor de IVA deduzido nos três meses do ano de 2013 aqui em apreço foi somente de €81.310,74 e não de €275.553,08, como entende que deveria ter sido.
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A Requerente, baseando-se na jurisprudência maioritária do CAAD, sustenta que os custos gerais efetuados em vista à disponibilização de veículos, enquanto operações tributáveis, são parte dos elementos constitutivos do preço dessas operações e originam um direito à dedução.
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E, no que se refere à locação financeira, as rendas dos contratos são integramente sujeitas a IVA, quer na parte correspondente à amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos encargos financeiros como são os juros.
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Adicionalmente, defende a Requerente que o entendimento sufragado pelo TJUE no “Caso Banco Mais” não tem aplicação concreta aos presentes autos pois, o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA não constitui uma mera transposição do artigo 17.º n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva, o que significa que, a AT não se encontra habilitada para moldar as componentes da fração do pro rata de dedução de forma a obrigar uma entidade como a Requerente a incluir apenas a parte das rendas pagas pelos seus clientes no âmbito dos contratos de locação financeira, que corresponde a juros, expurgando, sem mais, o montante da amortização do capital.
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Nestes termos, o ato tributário de autoliquidação ao assentar na possibilidade de alteração dos componentes do cálculo pro rata viola o disposto no artigo 23.º do Código do IVA e o princípio da neutralidade fiscal.
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Relativamente ao meio processual adotado, defende a Requerente que nos termos do n.º 3 do artigo 131.º do CPPT a apresentação de reclamação graciosa é dispensada sempre que o seu fundamento consista exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, situação que sucede no caso em apreço, porquanto a Requerente limitou-se a seguir - ainda que a tal não se encontrasse obrigada - a orientação genérica seguida no aludido oficio circulado n.º 30108, de 31/01/2009.
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Concluindo, nestes termos, que o pedido de pronúncia arbitral ora deduzido é o meio processual adequado para atacar o ato em referência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, sendo o Tribunal competente para conhecer do mérito do pedido.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, defendendo-se por exceção e por impugnação.
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A título de exceção, começa a Requerida por invocar que nos presentes autos não está apenas em análise uma questão de direito.
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Entende que resulta do articulado da Requerente que esta pretende que se dê como provados um conjunto de factos atinentes ao clausulado dos contratos de Leasing e de ALD, como sejam, designadamente, as obrigações das partes, as contrapartidas, os elementos que compõe a renda, e as modalidades de resolução do contrato, factos estes que não se encontram espelhados nos erros constantes das declarações periódicas apresentadas pela Requerente;
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Considera que os factos em apreço não se cingem a matéria de direito, cabendo à Requerente apresentar reclamação graciosa prévia à submissão da impugnação judicial, porquanto aquela constitui pressuposto processual desta nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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Em apoio da sua tese, a Requerida invoca a jurisprudência do STA, aduzindo, no entanto, que a não ser aplicável, o que por mera hipótese se equaciona, então teria de se concluir pela falta de invocação de causa de pedir.
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Com efeito, se não houver de considerar os factos alegados pela Requerente no PPA, ainda que se concluísse pela errada consideração do direito feita pela Requerida no referido Ofício Circulado, não se obteria resultado diferente do constante das Declarações Periódicas de imposto, por não haver outros elementos de facto (que não os ali declarados), a considerar.
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Por conseguinte, caso o Tribunal não dê por verificada a falta da reclamação graciosa como falta de pressuposto processual, com a consequente extinção da instância, deverá, subsidiariamente, dar por verificada a exceção de falta de causa de pedir, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida da instância.
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Em sede de defesa por impugnação a Requerida aduz que a questão em apreço já foi objeto de um amplo escrutínio pela jurisprudência nacional e estrangeira, sendo que, ao contrário do defendido pela Requerente, a solução maioritariamente adotada, tem sido a de seguir a posição constante do Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009.
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Para atestar o alegado, e fazendo notar que não se trata de uma decisão única e isolada, a Requerida traz à colação o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA), proferido no âmbito do processo n.º 485/17, de 15 de Novembro de 2017, que concentra e consolida na sua fundamentação os aspetos mais pertinentes e complexos em torno destas operações financeiras e do seu tratamento fiscal em sede de IVA, tanto a nível nacional como no âmbito do direito europeu.
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Na decisão tomada por parte do STA, não só foi defendido que a imposição de um coeficiente de dedução próprio para estas operações financeiras por parte da administração fiscal é legítima à luz do direito interno e europeu, como igualmente é legítima a imposição da exclusão da componente da amortização financeira das rendas pagas nos contratos de locação financeira do denominador da fração de apuramento da percentagem de dedução.
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Com efeito, na linha da jurisprudência do STA, entende a AT que a inclusão do montante de IVA suportado na transmissão de viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito no cômputo do coeficiente de imputação específico obtido pela aplicação do método da afetação real iria aumentar injustificadamente a percentagem de dedução, contendendo com o princípio da neutralidade do imposto. Daí resultando que quanto maior fosse o crédito concedido, maior seria a dedução de IVA que resultaria da aplicação do coeficiente de imputação específico. E, desse modo, não se mostra possível nem adequado o método do pro rata definido no artigo 23.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código do IVA, havendo de aplicar-se o disposto no n.º 3 desse artigo 23.º do CIVA, em conjugação com o entendimento constante do Ofício Circulado n.º 30103.
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Argumenta a AT que a redação da segunda parte do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.» (sublinhado e negrito da nossa responsabiIidade)” permanece estável e inalterada desde a publicação da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, legitimando a AT na emissão de instruções como as vertidas no Ofício-Circulado n.º 30108, não ofendendo em medida nenhuma o princípio da legalidade.
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Acresce que na definição do âmbito do poder regulamentar da AT, a jurisprudência do STA, tem entendido que a imposição de condições diversas não se resume exclusivamente a fazer cessar um dos métodos previstos no n.º 1 do art.º 23.º do CIVA por outro, já que a norma refere expressamente a designação de condições especiais, não obstante ser o método da afetação real que se encontra a ser imposto aos sujeitos passivos que pratiquem, entre outras, operações de leasing ou de ALD.
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Por conseguinte, segundo a AT quer a jurisprudência do TJUE quer jurisprudência do STA consolidam o entendimento de que as instruções vertidas no Oficio-Circulado n.º 30108 não enfermam de qualquer ilegalidade, não se podendo dar como provado, em consonância com a decisão do TJUE, que a aplicação de um outro método que não o previsto na instrução, não provoca distorções significativas na tributação, ónus que incumbe ao sujeito passivo.
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Em consequência, requer-se que na eventualidade do Tribunal arbitral decidir em linha com o STA, sempre concluirá que para atender à pretensão da Requerente, se mostraria necessária uma ampliação/alteração da matéria de facto, exigindo-se que demonstrasse, comparando, que a inclusão das operações de Leasing e ALD na percentagem de dedução geral a que se refere o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, não provoca distorções significativas na cobrança do IVA.
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Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 26 de Junho 2020 o Tribunal arbitral notificou a Requerente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre a Resposta apresentada pela AT, tão só e apenas quanto à matéria das exceções.
Em 07 de Julho de 2020 a Requerente apresentou a sua resposta defendendo a improcedência das exceções invocadas pela AT, considerando, em suma, que é vasta a jurisprudência e a doutrina que defendem a dispensa de recurso ao meio gracioso previamente à impugnação, em situação como a que está em causa nestes autos, nos quais se discute a apreciação de uma matéria de direito, a saber, a (i)legalidade da orientação genérica plasmada no Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009, que foi seguida pela Requerente nas autoliquidações de IVA efetuadas por referência aos períodos 2013/01, 2013/02 e 2013/03.
No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e remetido o processo para alegações. Em sede de alegações as partes reiteraram as posições assumidas nos respetivos articulados.
No mesmo despacho o Tribunal fixou como data previsível para a prolação e notificação da decisão final o dia 22-10-2020, tomando-se em linha de conta a suspensão do prazo previsto no artigo 21º n.º 1, do RJAT, entre 9-3-2020 e 3-6-2020 (Leis nos 1-A/2020, 4- A/2020 e 16/2020).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05 de Fevereiro de 2020.
O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente tem como objeto social, nos termos legalmente permitidos às Instituições Financeiras de Crédito, a “realização de operações bancárias financeiras e prestação de serviços conexos” designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira – (cfr. registo permanente com o seguinte número de acesso:...);
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Para efeitos do IRC, a Requerente encontra-se coletada para o exercício de “outra intermediação monetária”, com o CAE 64190, estando sujeito a IRC, por força do artigo 2.º do Código do IRC;
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Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, sendo um sujeito passivo misto, na medida em que na sua atividade realiza operações de locação financeira mobiliária (Leasing e ADL), que são tributáveis e conferem o direito à dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e crédito ao consumo, que são isentas do imposto, sem direito à dedução do IVA;
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Por força dos contratos de Leasing celebrados nos três períodos de 2013 ( 2013/01, 2013/02 e 2013/03), a Requerente, a solicitação e indicação do Locatário, adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato ao Locatário, para uso e fruição, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato (cfr. cópia de contrato de Leasing junto com o PPA, como doc. n.º 10);
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Como contrapartida pela referida prestação de serviços, o Locatário ficava obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assumia a forma de renda – (cfr. cláusula n.º 2, alínea d), das condições particulares do contrato de Leasing, junto ao PPA como doc. n.º 10).
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Para a determinação da renda cobrada ao Locatário eram considerados, designadamente, os seguintes fatores: o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro.
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Nos termos do Contrato de Leasing, o Locatário podia, no final do contrato e se assim o pretendesse, adquirir o bem ao Locador mediante o pagamento do valor residual, correspondente, em média a 5% do valor do contrato (cfr. cláusula n.º 2, alínea e), das condições particulares do contrato de Leasing junto ao PPA como doc. n.º 10).
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Em relação aos contratos de ALD Financeiro celebrados pela Requerente nos períodos de 2013/01, 2013/02 e 2013/03, a Requerente adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento imediato do mesmo, cedendo-o, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato, ao Locatário, para uso e fruição que abrangesse “a maior parte da vida útil do bem” (cfr. cópia de contrato de ALD Financeiro junto com o PPA, como doc. n.º 11).
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Como contrapartida pela prestação de serviços realizada, o Locatário ficava obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assumia a forma de renda (cfr. cópia do contrato de ALD Financeiro, junto no PPA, como doc. n.º 11);
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Para a determinação da renda nos contratos de ALD a Requerente considerava, designadamente, os seguintes fatores: o preço de aquisição do bem (veículo), os demais encargos e a margem de lucro;
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Tal como no contrato de Leasing, também nos contratos de ALD Financeiro, o Locatário tinha a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao Locador, mediante o pagamento de um montante adicional – correspondendo este, em média, a uma renda do valor do contrato – (cfr. documento de promessa de compra e venda anexo ao contrato de ALD junto no PPA, como doc. n.º 11);
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Nos contratos de ALD efetivamente cumpridos, foi transferida a propriedade, por força da cláusula de opção pela compra do bem e mediante o pagamento do valor residual;
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Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário quer porque este, no final do contrato, não acionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades leiloeiras;
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Ao valor das vendas relativas aos referidos contratos acresceu IVA à taxa legal, (cfr. cópia da fatura junta com o PPA, como doc. n.º 13);
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Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o locatário fica obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida (cfr. condições gerais dos contratos de Leasing juntos com o PPA, como doc. n.º 10);
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Nos casos referidos no ponto O) supra a Requerente emite uma fatura pelo montante em dívida ao qual acresce, nos termos legais, o respetivo IVA (cfr. cópia da fatura junta com o PPA, como doc. n.º 13);
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A Requerente líquida IVA nas operações de Leasing e ALD, sobre o valor total da renda (cfr. cópia das faturas/recibo juntas com o PPA, como docs. n.º 14 e 15);
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No caso das operações não sujeitas, como a concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário, a Requerente não liquidou IVA, sujeitando as referidas operações, nos termos da lei em vigor, a Imposto do Selo (cfr. cópia das faturas/recibo juntas com o PPA, como docs. n.º 16 e 17).
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Sendo a Requerente um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, tem vindo a autonomizar na respetiva contabilidade, com a exceção dos custos comuns, os custos e proveitos associados a atividade sujeita e os custos e proveitos associados à atividade isenta, aplicando o método da afetação real;
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No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução – custos comuns – a Requerente deduziu o IVA, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.
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Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fração (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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No denominador da fração (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
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Para o exercício de 2013, designadamente nos períodos de 2023/01, 2013/02, 2013/03, a percentagem de dedução provisória apurada pela Requerente seria de 61%, pelo que, o IVA a deduzir no mesmo exercício ascendia a €275.553,08, correspondente a 61% do IVA suportado nos gastos comuns num total de €451.726,36 (cfr. mapa junto ao PPA como doc. n.º 7);
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No dia 20 de Fevereiro de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2013 (cfr. documento n.º 1 junto com o PPA).
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No dia 07 de Março de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2013 (cfr. documento n.º 2 junto com o PPA).
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No dia 05 de Abril de 2013, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2013 (cfr. documento n.º 3 junto com o PPA).
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Nas declarações periódicas mensais de IVA de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013, a Requerente excluiu do numerador e do denominador da fração representativa do cálculo pro rata as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, seguindo a posição externada pela Autoridade Tributária no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, sem, contudo, concordar com a mesma;
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Em consequência da aplicação da doutrina vertida no Ofício-Circulado de n.º 30108 de 30/01/2009, a Requerente reduziu o pro rata de 61% (valor definitivo para 2012), segundo o critério seguido pela Requerente, para 18% (valor definitivo para 2012), seguindo o critério imposto pela AT – (cfr. mapa de cálculo junto ao PPA como documento n.º 6).
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A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com o seguinte teor:
“Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD
Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:
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O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdiretor-geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correto enquadramento das várias atividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afetação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
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De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, exceto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma atividade económica, caso em que é obrigatória a afetação real. Nos demais casos, a afetação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).
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No caso de utilização da afetação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afetação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objetivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objetivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevante.
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Os critérios adotados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
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No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
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Face à anterior redação do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afetação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afetação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afetação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afetação real.
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Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
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Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.
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Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
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A Requerente não apresentou reclamação graciosa das autoliquidações resultantes das declarações de imposto entregues nos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03;
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No dia 14/11/2019 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral – (cfr. requerimento eletrónico submetido no CAAD).
III- DO DIREITO
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Questão prévia
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Da Incompetência do Tribunal Arbitral
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A Requerida invoca a incompetência do Tribunal Arbitral, por entender que a impugnação judicial dos atos de liquidação deveria ter sido precedida de uma reclamação graciosa, uma vez que a impugnação dos erros constantes das declarações periódicas apresentadas pela Requerente, não se cingem apenas à matéria de direito, mas também, aos factos. Defende assim, que a prévia reclamação graciosa é um pressuposto processual necessário para o recurso à via contenciosa, uma vez que não está apenas em apreço uma questão de direito, pelo que teria a Requerente de apresentar a Reclamação Graciosa previamente a apresentar a presente impugnação judicial, porquanto aquela constitui um pressuposto processual desta nos termos previstos no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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A Requerente, notificada para se pronunciar sobre a dita exceção, veio em suma sustentar, que nestes autos está apenas em causa a apreciação de uma matéria de direito, ou seja, a de saber se a Requerente, no cálculo do pro rata nas autoliquidações do IVA aqui em causa, deveria, ou não, ter seguido a orientação genérica da AT (Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009) e excluir as amortizações e indemnizações/abates do numerador daquele pro rata, aplicando-se assim a previsão constante o n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, que permite a impugnação judicial direta da autoliquidação sem necessidade de recorrer à reclamação previa.
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Atendendo à posição das partes, a questão controversa prende-se com saber se estamos perante uma questão de direito ou de facto, e consequentemente se existe ou não obrigação de previa reclamação graciosa;
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Ora dos autos, não merece dúvidas que a autoliquidação foi efetuada de acordo com orientações genéricas da administração tributária, Ofício Circulado n.º 30108, de 30/01/2009, e que a impugnação das autoliquidações não foram procedidas de reclamação graciosa, foram sim diretamente impugnadas via judicial, no dia 14 de Maio de 2013, contra os atos tributários, referentes aos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03, que correu termos na Unidade Orgânica ..., do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo .../13...BELRS;
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Ora, sobre a impugnação dos atos de autoliquidação, prevê o n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, o seguinte: “Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1”.
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No caso em apreço, o thema decidendum consiste em saber, se os valores das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira e aluguer de longa duração e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados no âmbito dos mesmos contratos devem ser incluídos no cálculo do apuramento do montante do imposto (imposto sobre o valor acrescentado) dedutível, quando esteja em causa um método de apuramento proporcional ou pro rata, e, portanto, prende-se com uma questão de direito;
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Neste sentido, também JORGE LOPES DE SOUSA:“a reclamação necessária prevista no n.º 1 do artigo 131.º justifica-se por a administração tributária não ter previamente possibilidade de tomar posição sobre a autoliquidação, efetuada pelo contribuinte por sua própria iniciativa. Assim, nos casos em que a autoliquidação foi efetuada de acordo com orientações genéricas da administração tributária, esta já se pronunciou antecipadamente sobre a questão suscitada pelo interessado na impugnação, estando mesmo vinculada à observância das «orientações genéricas constante de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário« (art.º 68.º, n.º 4, alínea b) da LGT), pelo que é presumivelmente inútil suscitar a sua intervenção através de reclamação graciosa, que teria de ser indeferida”.
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Assim sendo, do anteriormente exposto, entende o tribunal que se encontra cumprido o disposto no nº 3 do art.º131.º do CPPT e desse modo à Requerente assiste-lhe o direito de diretamente impugnar judicialmente as autoliquidações, sem necessitar de previa reclamação graciosa.
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Improcede, assim, a exceção de incompetência do tribunal.
V - DECISÃO
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Termos em que acorda este Tribunal Arbitral o seguinte:
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Defende a Requerente, em suma, que “Os atos tributários objeto da presente Petição Arbitral – as liquidações de IVA referentes aos períodos de Janeiro a Março de 2013 – têm por base o entendimento da AT de que parte das rendas, i.e. das operações sujeitas – mais especificadamente a parte correspondente à amortização (comumente designada por capital) – não pode ser considerada no cálculo do pro rata na medida em que, não constituindo, na esfera da Instituição Financeira, um proveito, não integram o volume de negócios para o cálculo do pro rata. Ou seja, os fundamentos dos atos tributários em crise assentam, resumidamente, no entendimento da AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata apenas pode ser incluída a componente dos juros e não já a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de locação financeira e de ALD celebrados pela Requerente.”.
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A Requerida, por sua vez, defende que as instruções vertidas no Oficio-Circulado n.º 30108 não enfermam de qualquer ilegalidade, encontrando-se em consonância com a decisão do TJUE e do STA, de que a aplicação de um outro método que não o previsto na instrução não provoca distorções significativas na tributação, ónus que incumbe ao sujeito passivo.
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Assim sendo, o thema decidendum consiste em saber se os valores das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira e aluguer de longa duração e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados no âmbito dos mesmos contratos, devem ser incluídos no cálculo do apuramento do montante do imposto (imposto sobre o valor acrescentado) dedutível, quando esteja em causa um método de apuramento proporcional ou pro rata.
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Retomando os factos provados, temos que a Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, sujeito passivo misto, na medida em que na sua atividade realiza operações de locação financeira mobiliária (Leasing e ADL), que são tributáveis e conferem o direito à dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e crédito ao consumo, que são isentas do imposto, sem direito à dedução do IVA;
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Que, para cálculo do pro - rata de dedução definitiva respeitante ao ano 2013, relativo a bens e serviços de utilização mista, aplicou a Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD».
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Por conseguinte, para a análise da questão controvertida, vejamos, antes de mais, o que estabelece a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, a legislação nacional e o Ofício Circulado aplicado pela Requerente.
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Assim, nos termos do disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, é estabelecido o seguinte:
“Artigo 173.º
1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.
2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respetivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
Artigo 174.º:
1. O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:
a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;
b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.
Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as diretamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.
2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:
a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;
b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;
c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.
3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.”
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Olhemos de seguida, o disposto no artigo 23.º do CIVA:
“Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”
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Por último, olhemos para o Ofício Circulado n.º 30108, emitido em 30-01-2009 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido, publicado em:
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf,
“7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.
9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.
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Retomando os autos, temos que a Requerente no período em questão, desenvolveu atividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA), bem como atividade económica isenta designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, na redação vigente em 2013).
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Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua atividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na atividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA e artigo 168.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].
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Relativamente aos bens de utilização mista, usados não só para operações com direito à dedução, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é permitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigo 173.º n.º 1, da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 e n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA).
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Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fração que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do Código do IVA).
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O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do Código do IVA).
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Mas, o sujeito passivo pode optar por «efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA).
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A utilização deste método de afetação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Tributária Fiscal o determinar, o que poderá fazer «quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas» ou «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» (n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA na redação vigente em 2013). A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».
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Assim, a dedução segundo a afetação real relativamente a bens de utilização mista apenas pode ocorrer por opção do sujeito passivo, ou por imposição da Administração Tributária quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação.
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Em concreto, o Ofício Circulado n.º 30108, de 30-1-2009 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem simultaneamente um dos ou os dois tipos de atividade, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).
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Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor aos sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afetação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades».
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Em segunda linha, no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afetação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD».
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Existe vasta jurisprudência sobre a questão em apreço, quer do STA[5], quer do CAAD[6], com decisões em ambos os sentidos.
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Como é salientado pela Requerente, a jurisprudência do CAAD, inaugurada pelo o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017, e seguida por diversas outras decisões arbitrais, aponta no sentido da ilegalidade dos atos tributários que aplicam o critério específico de dedução adotado pelo ofício-circulado n.º 30103, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA, com base essencialmente nos seguintes considerandos.
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Embora a norma de direito europeu admita que, na aplicação do método de afetação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efetuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
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Ora, resulta claro que não é com base na consideração do valor parcial da renda (correspondente apenas à componente dos juros) que é possível determinar, com objetividade, as despesas comuns que estão afetas à atividade de locação financeira que conferem o direito à dedução.
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Sendo assim, haveria de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que exclua sem mais do numerador da fração o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o volume de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).
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Admite-se, assim, que o Código do IVA efetuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva para o direito interno, mas que a transposição efetuada não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à atividade de locação financeira.
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No entanto, este entendimento não tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA).
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Com efeito, o STA em 4 de Março de 2020, proferiu acórdão uniformizador de jurisprudência no âmbito do processo 07/19.4BALSB[7], que resultou de um recurso da decisão arbitral proferida a 29 de Novembro de 2018 no processo n.º 335/2018-T;
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Do acórdão uniformizador do STA, resulta o seguinte: “(…) em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce atividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fração a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.” (…)
“A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).
Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra atualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.
Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objeto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.
A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.
E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efetue, concomitantemente com a respetiva atividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fração destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de eletricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.
E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.
Como afirma o TJUE (Considerando 19), “o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado‑Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva”. Vejamos as disposições legais em causa:
O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação” (nosso sublinhado).
E o artigo 17.º, n.º 5 da Diretiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:
(…)
Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.
Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respetivos termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afetação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Diretiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Diretiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Diretiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspetiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).
Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excecional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na atividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de atividade isenta –”. Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), incisivamente referido pela Recorrida, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.”
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Por conseguinte, face ao anteriormente exposto, entende o Tribunal que o referido acórdão tem aplicação nos presentes autos.
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Desse modo, aderimos ao acórdão uniformizador do STA de 4 de Março de 2020, concluindo que a Administração Tributaria pode criar um sistema específico, estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista.
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Por conseguinte, o método de cálculo da percentagem de dedução preconizado pela Administração Tributária, traduzido na imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico», e o respetivo Ofício Circulado n.º 30108, não enferma de vício de violação de lei e de erro sobre os pressupostos de direito, concluindo assim que os atos impugnados deverão ser mantidos na ordem jurídica, improcedendo o pedido da Requerente de anulação das autoliquidações, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
V. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios fica prejudicada a sua apreciação, dada a decisão anteriormente proferida.
VI. DECISÃO
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado respeitante aos períodos de 2013/01, 2013/02, 2013/03, que fixou um imposto a pagar de €194.242,33 (cento e noventa e quatro mil duzentos e quarenta e dois euros e trinta e três cêntimos).
VI- VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €194.242,33 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
VII. CUSTAS
Custas no montante de €3.672,00 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 7 de Outubro de 2020
O Presidente do Tribunal Arbitral,
com a declaração de voto seguinte:
Mantenho a posição que tenho defendido e que fez vencimento nos acórdãos que subscrevi sobre a matéria em discussão, designadamente nos processos do CAAD nºs 311/2017-T, 498/2018-T (que deu origem ao acórdão uniformizador assinalado infra, de 4-3-2020), 706/2019-T e 854/2019-T, publicados no site do CAAD (www.caad.org.pt), embora reconheça que esta minha posição (que é, aliás, a maioritária na arbitragem tributária), não é a que a Jurisprudência do STA tem sufragado de forma praticamente unânime[8] conforme foi já assinalado (embora haja um ou outro voto de vencido), sendo alguns desses arestos proferidos em sede de uniformização de Jurisprudência, o primeiro, de 4 de Março de 2020, no âmbito do processo nº 07/19.4BALSB , que resultou, conforme já anteriormente assinalado, de um recurso extraordinário da decisão arbitral proferida em 29 de Novembro de 2018 no processo CAAD n.º 335/2018-T e, mais recentemente, o acórdão uniformizador proferido no processo nº 052/19.0BALSB de 4-3-2020, relativo à sobredita decisão arbitral proferida no processo CAAD nº 498/2018-T.
Certo que os acórdãos uniformizadores de Jurisprudência, ao invés do que ocorria com os “assentos” que o artigo 2º, do Código Civil, na redação inicial de 1966, integrava nas fontes normativas, não gozam de força vinculativa a não ser no âmbito do processo em que são proferidos, embora se lhes reconheça uma força persuasiva especial decorrente da conjugação de diversos fatores, tais como serem proferidos no âmbito de um recurso extraordinário, para o Pleno da Secção correspondente do STA (no caso, a Tributária) e publicados na 1ª Série do Diário da República (cfr artigo 152º, do CPTA). Mas não deixam de ser, com estas particularidades, tal como, em geral, toda a demais Jurisprudência, fontes mediatas da Lei.
Ou seja, e numa brevíssima síntese: o entendimento que defendo não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”).
Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo
denunciado pela Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como
decorre dos §§.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua citada decisão no pressuposto de que o nº 2 do artigo 23º, do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea
c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17º, nº
5, primeiro parágrafo, e 19º, nº 1, dessa Diretiva e constitui a transposição, para o direito
interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da
4 Sexta Diretiva” .
Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração.
Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a
que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um
critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método
garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante
do outro citado método.
Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral que deu origem, como se viu, ao primeiro acórdão uniformizador de Jurisprudência, proferida no âmbito do processo nº 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União” (sublinhado nosso).
Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao
processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal
pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal
nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das
regras de direito nacional”
Decorre então do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23º, do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Diretiva n.o 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do nº 2 do artigo 173º, da Diretiva IVA, não é uma disposição de efeito direto, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.
Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23º, do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica previstos, a saber:
– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do nº 1 do artigo 23º do Código do IVA por remissão para o nº 4 da mesma norma e
– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (nº 2 do artigo 23º do Código do IVA).
Ademais, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 23º, quando a aplicação do método previsto no nº 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no nº 2; contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Ora, é manifesto que a determinação da afetação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objetivo que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objetividade, por exemplo, quais as despesas de eletricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.
Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objetivo para efeitos do nº 2 do artigo 23º.
Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo nº 3 do artigo 23º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, deste modo, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista diretamente na alínea b) do nº 1 do artigo 23º, e este método é o que consta do nº 4, do mesmo artigo.
Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Diretiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.
Concluindo: não sufragando, pelas razões assim sumária mas julga-se que suficientemente expostas, o entendimento que fez vencimento, voto, todavia a decisão tão só e apenas em resultado de que o ora decidido está em conformidade com a citada Jurisprudência uniformizadora do STA.
José Poças Falcão
A Árbitro vogal,
Filipa Barros
A Árbitro vogal
Rita Guerra Alves
[1] Acórdãos proferidos a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17.
[2] Decisões: 498/2018-T, 354/2019-T, 383/2019-T, 384/2019-T, 396/2019-T, 400/2019-T, 404/2019-T, 469/2019-T, 498/2018-T, 505/2019-T e 769/2019-T.
[4] Cfr v.g., os acórdãos de 29-10-2014 (Proc 01075/13[4]), 3-6-2015 (Proc 0970/13), 17-6-2015 (Proc 01874/13), 27-1-2016 (Proc 0331/14), 15-11-2017 (Proc 0485/17) 4-3-2020 (Proc 52/19.0) e 6-5-2020 (Proc 01745/10.2).
[5] Acórdãos proferidos a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17.
[6] Decisões: 498/2018-T, 354/2019-T, 383/2019-T, 384/2019-T, 396/2019-T, 400/2019-T, 404/2019-T, 469/2019-T, 498/2018-T, 505/2019-T e 769/2019-T.
[8] Cfr v.g., os acórdãos de 29-10-2014 (Proc 01075/13[8]), 3-6-2015 (Proc 0970/13), 17-6-2015 (Proc 01874/13), 27-1-2016 (Proc 0331/14), 15-11-2017 (Proc 0485/17) 4-3-2020 (Proc 52/19.0) e 6-5-2020 (Proc 01745/10.2).
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