Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 709/2019-T
Data da decisão: 2020-09-13  IVA  
Valor do pedido: € 1.610.825,25
Tema: IVA – Locação financeira; Método pro rata.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

A norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., Porto, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário consubstanciado na declaração periódica de IVA respeitante a Dezembro de 2010, e, bem assim, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma instituição de crédito cujo objecto social consiste na realização de operações financeiras, ao abrigo do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro .

 

No exercício da sua actividade o Requerente celebra contratos de locação financeira, nos quais figura como locador, adquirindo os bens (v.g. viaturas ou equipamentos), acrescidos de IVA a  terceiros fornecedores, entregando-os de imediato para uso e fruição dos locatários.

 

Como contrapartida da cedência dos bens em locação, à Requerente são pagas rendas, pelo locatário, que contêm uma parcela de amortização de capital e outra de juros c encargos.

 

Em sede de IVA, o Requerente é considerado um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce actividades que conferem o direito à dedução (artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA), bem como actividades que o não conferem (como é o caso da actividade financeira isenta do imposto ao abrigo do artigo 9. º, n.º 27, do Código do IVA), utilizando os métodos de dedução previstos nos artigos 20.º e 23.º , para dedução do imposto incorrido na realização das operações tributadas e do imposto incorrido na aquisição de bens de utilização mista.

 

Concretamente, relativamente às situações em que identificou uma conexão directa e exclusiva entre a aquisição de bens e serviços (inputs) e operações activas por si realizadas (outputs), o Requerente aplicou o método da imputação directa, ao abrigo do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA e quanto à determinação do IVA dedutível relativamente às restantes aquisições de bens e serviços afectas indiscriminadamente às diversas operações por si desenvolvidas (ou seja, de utilização mista), o Requerente aplicou o método geral e supletivo do pro rata, conforme o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

 

Após a revisão dos procedimentos adotados ao nível do exercício do direito à dedução, nomeadamente quanto ao cômputo do pro rata de dedução, a Requerente verificou que no ano de 2010 não exerceu o direito à dedução que lhe assistia, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA.

 

Com efeito, no entendimento da Requerente, a componente de capital das rendas facturadas no âmbito de contratos de locação financeira integra o conceito de volume de negócios para efeitos de IVA, devendo, por isso, ser contabilizada no cálculo da percentagem de dedução pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

 

Para corrigir essa situação, em 28/12/2012, a Requerente deduziu a reclamação graciosa, visando o acto de autoliquidação de IVA consubstanciado na declaração periódica de IVA de 07/02/2011, relativa ao período de tributação de dezembro de 2010, e, reclamando, nessa sede, a restituição no montante de €1.610.825,25 (€2.761.414,72 - € 1.150.589,47), referente a IVA entregue em excesso, dado que não havia incluído no cálculo da percentagem de dedução definitiva o valor das amortizações financeiras (capital) dos contratos de locação financeira.

 

A reclamação graciosa foi indeferida por despacho notificado em 28/01/2014, pelo que a Requerente interpôs dessa decisão recurso hierárquico, que foi igualmente objecto de indeferimento, notificado em 23/09/2014.

 

A Autoridade Tributária, suportando-se no entendimento sufragado no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009, sustenta que a aplicação do método do pro rata conduz a distorções significativas da tributação, justificando assim a imposição de um método de afectação real com recurso a um critério de imputação objetivo, qual seja de pro rata específico em cujo cálculo se exclua do denominador a componente de amortização financeira inerente aos contratos de locação financeira.

 

Entende a Requerente que a AT não podia impor a exclusão da componente de amortização de capital do âmbito do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, nem se encontrava habilitada a impor, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, condições especiais na determinação do imposto dedutível, no âmbito do método da afectação real.

 

De facto, ao contrário da posição defendida pela AT, a aplicação do método supletivo de pro rata no âmbito das actividades de locação financeira encontra-se perfeitamente em sintonia com o princípio da neutralidade e com o regime de deduções instituído pela Sexta Diretiva, o qual admite a existência de situações de correspondência imperfeita entre o IVA suportado nos inputs e o IVA suportado nos outputs, sem que tal conduza a distorções que mereçam a imposição de um método de dedução específico, pelo que tal imposição se revela ilegal.

 

Nestes termos, a interpretação constante do Oficio-Circulado n.º 30.108 não pode ser validamente entendida como impondo a utilização do método da afectação real, e em concreto, o coeficiente de imputação específico, pelo que viola a lei não podendo ser invocado para fundamentar o indeferimento do recurso hierárquico.

 

A Autoridade Tributária apresentou resposta, remetendo para a contestação apresentada no âmbito da impugnação judicial n.º 3471/14.4BEPRT, que correu termos no TAF do Porto.

 

Na contestação, a AT suscita a questão prévia da legitimidade do Núcleo de Representantes da Fazenda Pública para representarem a Requerida no presente processo, invocando o disposto no artigo 54.º, alínea c), do ETAF, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2012, de 14/05, que confere a representação da Fazenda Pública perante os tribunais tributários, ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que pode ser representado pelos diretores de finanças e diretores de alfândega da respetiva área de jurisdição ou por funcionários daquela Autoridade licenciados em Direito”, bem como o Despacho n.º 9414/2012, de 3 de Julho de 2012, pelo qual são designados para intervirem em representação da Fazenda Pública, nos processos de impugnação de valor superior a um milhão de euros, nos tribunais tributários, os licenciados em Direito, em funções na Direção de Serviços de Justiça Tributária, aí expressamente indigitados.

 

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária, afirma que o sujeito passivo  poderá  optar pelos métodos pro rata e afectação real,  podendo, em determinados casos, a Administração Tributária obrigar o sujeito passivo a aplicar o método de afectação real, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, quando aquele exerça actividades económicas distintas ou quando a aplicação do n.º 1 do artigo 23.º conduza a distorções significativas na tributação, o que se verifica no caso em que a Impugnante, para além de realizar operações financeiras que não conferem direito à dedução, realiza contratos de leasing e ALD. 

 

A prestação efectuada pelo locador, no âmbito de tais contratos de locação financeira, concretiza, em substância, na concessão de financiamento, que pressupõe, necessariamente, como contrapartida, a cobrança de uma verba (renda) que agrega, para além dos juros e outros encargos correspondentes, o capital emprestado, que vai sendo amortizado.

 

Nesse sentido, o contrato de locação financeira consubstancia-se não na alienação de um determinado bem, mas sim numa prestação de serviços de concessão de crédito, mediante uma remuneração concretizada nos juros e outros encargos incluídos nas rendas, sem prejuízo de se poder efectivar, no final do contrato, a opção de compra do bem objecto de locação por um valor residual.

 

Contudo, no tocante às aquisições de bens e serviços de uso indistinto ou “promíscuo”, relativamente às quais não é possível proceder à imputação directa, por se aplicarem tanto à execução de operações que conferem direito à dedução, como à execução de operações que não conferem direito à dedução, o CIVA indica, no seu artigo 23.º, os dois métodos de dedução do IVA passíveis de serem utilizados pelos sujeitos passivos mistos: o método da afectação real de todos ou parte dos bens utilizados, com base em critérios objectivos, que tenham em conta o grau de utilização desses bens e serviços, quanto à realização dessas operações (n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA) e o método da percentagem de dedução, apelidado de pro rata (alínea b) do n.º 1, n.º 4 e n.º 6 do artigo 23.º do CIVA). 

 

 No caso vertente, a aquisição dos bens objecto de locação financeira, cujo valor constitui a parte das rendas relativas à amortização de capital, foi integralmente deduzido o IVA suportado na aquisição de tais bens, tendo sido aplicado o método da imputação directa, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.  

 

Quanto aos custos comuns, advenientes de aquisições de bens e serviços afectos indiscriminadamente às diversas operações por si realizadas (isentas e não isentas) directamente relacionados com a actividade, a Impugnante procedeu de acordo com o entendimento seguido pela Administração Tributária e plasmado no Ofício-Circulado n.º 30.108. 

 

Não obstante, veio a Impugnante apresentar reclamação graciosa e, posteriormente, recurso hierárquico contra a autoliquidação consubstanciada na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2010, invocando a ilegalidade da mencionada instrução administrativa.

 

Ora, constituindo a actividade do locador a concessão de crédito, o montante inerente ao capital situar-se-á, em regra, dentro do valor acordado entre o locatário e o terceiro, ou seja, não terá gerado, no que respeita a esta parte da renda, um valor acrescentado susceptível de ser tributado, ficando, desse modo, assegurado o princípio da neutralidade fiscal do imposto e o valor acrescentado gerado que irá ser tributado será o valor relativo aos juros e outros encargos, e isto porque o locador está a agir como financiador da aquisição do bem e não como um agente que desenvolve a actividade de compra e venda.

 

Com efeito, o contrato de leasing é equivalente a uma concessão de crédito (sujeita e não isenta), pelo que, se se viesse a considerar, no cálculo da percentagem de dedução, a parte da renda relativa à amortização de capital, e não apenas o valor dos juros e outros encargos, tal como sucede nos outros casos de concessão de crédito, poder-se-ia verificar a falta de coerência nas variáveis em presença no cálculo, dando assim origem a um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns e ao ilegítimo direito à dedução.

Pelo exposto, é de considerar que o Ofício-Circulado encontra cabimento na normação constante da parte final do n.º 2 e da alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA e não enferma da ilegalidade que lhe é imputada.

Conclui pela improcedência do pedido.

 

                2. O processo arbitral foi instaurado ao abrigo do regime de migração de processos previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Abril.

 

                Por despacho de 19 de Março de 2020, foi requisitado o processo ao TAF do Porto, onde correu termos o processo de impugnação judicial n.º 3471/14.4BEPRT e, tendo sido informado que havia já sido foi devolvido à Autoridade Tributária, em 14 de janeiro de 2020, por despacho de 9 de julho seguinte, foi determinada a notificação da Requerida para juntar aos autos esse processo.

                Encontrando-se o processo arbitral ainda pendente da junção desses elementos instrutórios, o que inviabilizava a prolação da decisão arbitral no prazo inicial, nesse mesmo despacho foi prorrogado o prazo para decidir por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

               

                Por despacho arbitral de 10 de setembro de 2020, foi determinado a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, por não haver quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13 de Janeiro de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a questão prévia da regularidade de representação processual da Requerida pelo Núcleo de Representantes da Fazenda Pública, que será analisada adiante.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

3. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

B)           A Requerente é sujeito passivo misto para efeitos de IVA na medida em que na sua actividade realiza operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA. 

C)           Em 7 de Fevereiro de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa a Dezembro de 2010, em que excluiu do numerador e do denominador da fracção representativa do cálculo pro rata as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, seguindo a posição externada pela Autoridade Tributária no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009;

D)           Consequentemente, o montante a deduzir foi reduzido de € 2.761.414,72 para € 1.150.589,47, tendo a Requerente entregue IVA em excesso no montante de € 1.610.825,25;

E)            Em 28 de Dezembro de 2012, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IVA, relativa ao período de tributação de dezembro de 2010, requerendo a restituição no montante de € 1.610.825,25, referente a IVA entregue em excesso, por não ter sido incluído no cálculo da percentagem de dedução definitiva o valor das amortizações financeiras dos contratos de locação financeira;

F)            Em 28 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada, através do ofício n.º..., do indeferimento da reclamação graciosa;

G)           A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi indeferido por despacho de 8 de Setembro de 2014, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, notificado pelo ofício n.º..., de 24 de setembro seguinte;

H)           Na informação que serve de base ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico, considera-se, na parte mais relevante, o seguinte:

 

2             Apreciação do Recurso Hierárquico

2.1. A dedução de imposto na actividade de locação financeira

18.          O Recorrente entende que a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing deve ser incluída no valor das operações para efeitos de IVA o que seria uma consequência necessária do facto de, nos termos da al. h) do n.º 2 do art.º 16.º do CIVA) todo o valor da "renda recebida ou a receber do locatário" constituir o valor tributável sobre o qual há de incidir o IVA. Considerando paradoxal que a AT cinda as componentes das rendas derivadas dos contratos de locação financeira a propósito da aplicação do regime de dedução parcial.

19.          No seu entender, a posição da AT viola a fórmula de cálculo imperativa do art.º 174.º da Diretiva IVA e dos n.ºs 4 e 5 do CIVA, criando "um método de dedução inovador, desprovido de qualquer base legal, nacional ou comunitária: um pro rata alternativo, assente numa fórmula de cálculo divergente da prevista no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA" (ponto 62.).

20.          De igual modo, "não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira as apontou no Ofício-Circulado n.º  30.108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar a demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção" (ponto 47.).

21.          O Recorrente revela saber que a metodologia de dedução (previamente) imposta pela AT,  designadamente a exclusão da componente de amortização das rendas para efeitos do cômputo do  direito de dedução, não se enquadra no âmbito do pro rata de dedução geral previsto no n.º  4 do art.º  23.º do CIVA, mas sim no âmbito do método da afectação real, o qual permite, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, que a AT imponha condições especiais na dedução relativa a bens de utilização mista, designadamente quando a aplicação do pro rata geral provoque distorções significativas na tributação, como é o caso. 

22.          Preliminarmente importa referir que o Recorrente é um sujeito passivo misto, na medida em que realiza operações que não conferem direito à dedução, por se encontrarem isentas ao abrigo da al. 27) do art.º 9.º, e operações tributadas, como acontece com as rendas dos contratos de leasing.

23.          No âmbito dos contratos de locação financeira, o Recorrente adquire os bens locados, deduz o IVA que suportou na sua aquisição, e entrega os bens em locação, recebendo, em contrapartida, rendas, as quais incluem a amortização de capital pela aquisição do bem, juros e, eventualmente, outras despesas.

24.          A dedução, pelo Recorrente, do IVA suportado na aquisição dos bens locados ocorre por imputação directa, a qual confere o direito à dedução integral por a aquisição se destinar a uma atividade tributada, nos termos do art.º 20.º do CIVA

25.          O mesmo não ocorre na dedução de imposto suportado no âmbito das aquisições de bens e serviços de utilização mista, isto é, aqueles que se destinam indistintamente às diversas operações do Recorrente, tributadas e não tributadas. Nestes casos a dedução de imposto não pode ser integral, porque tais bens e serviços também são aplicados em operações que não dão origem a liquidação de imposto, porque isentas nos termos do art.º  9.º do CIVA.

26.          Para estas situações, o art.º 23.º do CIVA como regra geral, admite que os sujeitos passivos adotem o método da percentagem de dedução [pro rata, previsto na al. b) do n o 1 e calculado nos termos do n.º 4] ou o método da afectação real [al. a) do n.º 1 e n.º s 2 e 3]

27.          No entanto, o método do pro rota, porque baseado apenas no volume económico das operações tributadas e não tributadas, pode originar distorções significativas na tributação, o que legitimou que a Diretiva IVA e o CIVA autorizassem a Administração Fiscal a impor o método da afectação real com determinadas condições especiais no procedimento de dedução, quando se verificassem essas situações de distorção. É o que ocorre na atividade de locação financeira, como se demonstrará.

28.          O método da afectação real consiste na dedução de imposto através de critérios objetivos de aferição do grau de utilização dos bens e serviços de utilização mista em atividades tributadas e não tributadas como seja, por exemplo, o número de horas de utilização dos bens em cada uma dessas atividades e a área ocupada.

29.          No entanto, os sujeitos passivos que exercem estas operações de locação consideram não ser possível a aplicação desses critérios objetivos, atenta a natureza dessa atividade. E neste circunstancialismo que a AT impôs que, quando se verifique essa impossibilidade, ainda no âmbito do método da afectação real, deve ser considerada uma percentagem de dedução específica (pro rata especifico) que se distingue do método da percentagem de dedução previsto no n.º 4 do art.º 23.º  por, no seu cálculo, apenas ser considerado o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing ou de ALD, não sendo considerado a componente de capital das rendas. Ou seja, desconsidera-se o valor da renda paga correspondente ao ressarcimento do capital investido na aquisição do objecto locado, relativamente ao qual o IVA suportado na aquisição foi deduzido integralmente por imputação directa.

30.          Esta imposição pela Administração Fiscal está e estava (à data dos factos) legalmente consagrada, encontrando-se sujeita à demonstração da distorção significativa da tributação [se utilizados os métodos gerais em especial o pro rata geral previsto na al. b) do nº 1 e n.º 4 do art.º 23.º do CIVA] e desde que opere a partir da data da sua imposição, não podendo assumir caráter retroativo. Aliás, no ponto 60. da petição de recurso, o Recorrente admite que a AT pode "determinar a aplicação de pro ratas específicos".

31.       O regime da dedução de imposto por sujeitos passivos mistos veto a ser clarificado no ano de 2008, em especial no que concerne ao âmbito e caracterização do método da afectação real, o qual pode consistir numa percentagem de dedução com base noutros indicadores que não o volume de negócios.

32.          A este propósito, atente-se no disposto no relatório do grupo de trabalho sobre a dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito, datado de 2007-01-15 e que esteve na base da alteração introduzida ao art.º 23.º pela Lei n.º 67-A/2001, de 31 de dezembro.

«68. Um outro aspecto que cabe focar, no tocante ao método da afectação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, respeita à possibilidade de, na determinação da real afectação de um bem de uso misto, a mesma ser também expressa por uma proporção. Proporção, no entanto, já não baseada nos volumes de negócios gerados a jusante, rnas destinada a representar o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que possibilitam a dedução do IVA e nas outras que não a possibilitam, a partir de outros critérios que visem determinar o seu nível de utilização numa circunstância e na outra.

69.          Embora se considere ser esta última uma solução adequada para as situações de recurso ao método da afectação real, a qual se deve manter, é de admitir, em todo o caso, que a possibilidade de apurar uma proporção de utilização dos bens e serviços e, consequentemente, uma percentagem de dedução com base noutros indicadores que não o volume de negócios não tivesse estado inicialmente presente no espírito do legislador português, quando da elaboração e aprovação do CIVA

Eventualmente devido a essa perspectiva inicial sobre o alcance do método da afectação real, não parece ter sido equacionada nessa altura pelo legislador interno a possibilidade de uma dedução proporcional do IVA em aplicação de critérios que permitissem aferir do grau de afectação de um  bem ou serviço a operações de um tipo e de outro.

70.          Em face dos desenvolvimentos conceptuais que a jurisprudência comunitária tem permitido em matéria de direito à dedução, a possibilidade de dedução proporciona/ em aplicação de critérios baseados no método da afectação real, não deve deixar de ser tida em conta e, desde já, generalizadamente admitida».

33.          Posto isto, como exposto, a Administração Fiscal está e estava (à data dos factos) legalmente habilitada a, no âmbito do método da afectação real, considerar uma percentagem de dedução especifica (pro rata específico) que, no seu cálculo, apenas considere o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing ou de ALD não sendo considerado a componente de capital das rendas, justificando-se essa imposição pela existência de distorção significativa da tributação [se utilizados os métodos gerais, em especial o pro rata geral previsto na al. b) do n.º 1 e n.º 4 do art.º 23.º do não podendo, porém, essa imposição assumir caráter retroativo.

34.          De referir que, ainda antes da emissão de instruções administrativas sobre a matéria, em 2003-06-30, o Recorrente solicitou um pedido de informação vinculativa relativa à adequabilidade da consideração no cômputo da percentagem de dedução das operações relativas à locação financeira, dos juros e respetivo capital ou apenas os juros.

35.          Em face deste pedido, foi elaborada a Informação n.o 1251, de 2004-03-15, que mereceu despacho concordante do Senhor Diretor-Geral dos Impostos, de 2004-05-15, na qual se concluiu que "no cálculo da percentagem de dedução (pro rata), apenas pode ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD, desde que a utilização do de afectação real total não se mostre exequível”. Aliás, esse entendimento foi veiculado por diversas vezes, mesmo antes da emissão do ofício circulado n.º 30108, de 2009-01-30.

36.          Resta demonstrar a distorção da tributação que esteve na origem da imposição da AT

37.          A razão de ser da obrigatoriedade da utilização do método da afectação real na dedução de imposto relativa a bens de utilização mista, com exclusão da componente das rendas relativa à amortização do objecto locado, nesta atividade de locação financeira, foi veiculada no parecer do Gabinete do Diretor-Geral de 2008-06-06, com a seguinte fundamentação:

«g) Na situação em apreço, a mistura de "montantes anuais, imposto excluído" de prestações de serviços, que apenas reflectem a componente juros das operações de normal concessão de crédito, com "montantes anuais, imposto excluído" de prestações de serviços que reflectem a soma do capital financiado e dos juros, em relação a operações que sendo ainda de financiamento assumem a veste jurídica de locação financeira, retira à utilização do pro rata geral idoneidade para o apuramento a que é chamado, sendo a falta de coerência das variáveis nele utilizadas, susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, o mesmo é dizer, susceptível de conduzir a "distorções significativas na tributação"

h)           Termos em que se reputa aconselhável impor, doravante, nestas situações a obrigatoriedade de uso do método da afectação real para apurar o IVA dedutível relativamente a bens e serviços adquiridos e de utilização conjunta nos dois tipos de operações ou actividades;

i)             Neste contexto, devem os sujeitos passivos operar "com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços e operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito", sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação, cabendo-lhes, então, escolher os critérios objectivos que se mostrem mais adequados aos fins visados peia disciplina e pela fundamentação que lhe subjaz”.

j)             No caso de não se mostrar viável um índice objectivo específico, poderá, recorrer-se para o efeito a uma percentagem ou coeficiente, desde que ela faça apelo, nos seus dois membros – numerador e denominador - a variáveis que se mostrem coerentes entre si, homogeneizadas para o efeito, e com a mesma natureza, ressalvadas as devidas adaptações.

Teríamos assim o uso de uma percentagem (tal como aquela outra percentagem genérica de dedução ou pro rata geral), mas aqui não geral mas sim específico à realidade a que vai ser aplicada. E não entendido como método de apuramento de direito a dedução mas sim e apenas como coeficiente de imputação dentro do método de afectação real;

k) Como quer que seja, sempre com exigência de que os sujeitos passivos possuam elementos capazes de demonstrar, sempre que a DGCI o solicite, o bem fundado dos critérios, coeficientes ou índices utilizados e com a faculdade da administração fiscal, desde que adequadamente o justifique, poder discordar e impor as correspondentes e necessárias rectificações.

38.          É nesta sequência que foi emitido o ofício-circulado n. 0 30.108, de 2009-0100, que aprovou "regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD'.

39.          A razão de ser da imposição do método da afectação real na dedução de imposto incidente sobre bens de utilização mista foi explicitada nessa instrução administrativa:

«5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALE, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada. incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6.            Face à anterior redacção do artigo 23.º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7.            Face à actual redacção do artigo 23.º a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8.            Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a "distorções significativas na tributação", os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.o 2 do artigo 23.ºdo CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9.            Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser  considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anua/ correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

40.          No que concerne à condição especial fixada, autorizada nos termos da parte final do n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, considera-se justificado que, no apuramento do pro rata específico, apenas se inclua na percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira.

41. Como demonstrado na fundamentação do ato recorrido, se não fosse excluído a componente das rendas relativa à amortização da aquisição do bem locado, os sujeitos passivos obteriam uma vantagem injustificada ao deduzir indevidamente uma parte do IVA suportado que já fora deduzido aquando da imputação directa feita previamente, aquando da aquisição do bem.

42.          Na realidade, do facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA não decorre, necessariamente, que a parte da renda correspondente à amortização financeira seja incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte relativa aos juros outros encargos.

43.          É que, como demonstrado, no momento da aquisição do bem dado em locação, o sujeito passivo exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem, por via do método da imputação directa previsto no art.º  20.º do CIVA.

44.          Razão peta qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução específica, obtido por aplicação do método de afectação real, a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem

45.          Ademais, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda, como decorre da al. h) do n.º 2 do art.o 16.º do CIVA, é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que já foi deduzido pelo sujeito passivo.

46.          Por outro lado, a inclusão no rácio de dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provocaria um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objecto de liquidação (pelo fornecedor) e dedução (pelo locador) de IVA no momento da aquisição.

47.          A pretensão do Recorrente geraria deduções acrescidas, relativamente à aquisição de todos os bens e serviços de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente exagerado face à realidade das operações tributáveis.

48.          A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, não obtendo lucros por essa via, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros

49.          Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo ao mencionado coeficiente de imputação específico, por aplicação do método da afectação real, em harmonia com o entendimento da AT, deva ser excluída a componente de amortização incluída nas rendas pagas pelo locatário, urna vez que previamente, através do método de imputação directa, o IVA da parte da renda relativa à aquisição do bem dado em locação foi integralmente deduzido.

50.          De resto, a conformidade com o Direito Comunitário das orientações constantes do ofício-circulado foram muito recentemente confirmadas, de forma inequívoca, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão de 2014-07-10, proferido no processo C-183/13 (Banco Mais) cuja parte mais relevante se cita:

«30 Resulta do que antecede que, no que respeita, primeiro, à redação do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, segundo, ao contexto em se insere essa disposição, terceiro, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade e, quarto, à finalidade do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, dessa diretiva, qualquer Estado-membro que exerça a faculdade prevista no artigo 17.º , n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU.C 2012-689, n.º 23).

31           Com efeito, o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução (v., neste sentido, acórdão Securenta, C - 437/06, EU: C: 2008:166, n.º 37).

32           Para este efeito, a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do todo do volume de negócios (neste sentido, acórdão BLC. EU:2012:689, n.º 24).

33           A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal.

34           Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro raia de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.

35           Face a todas as considerações que antecedem, há que responder à questão submetida que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdiciona/ de reenvio verificar.

51 . Não há dúvidas que a situação em apreço enquadra-se na "maioria dos casos" a que se refere o TJUE, uma vez que a realização pela Recorrente destas operações de locação financeira (quase exclusivamente) para o setor automóvel implica a utilização de alguns bens ou serviços mistos, mas essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos'

52.          Como concluiu o TJUE, "nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rala de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel'.

53.          Em conclusão, a metodologia comunicada ao Recorrente, pelo menos, desde 2004 e preconizada no ofício-circulado n.º 30.108/2009 é a que mais se aproxima do princípio da neutralidade do imposto, estando em conformidade com o disposto no artº  23.º do CIVA e na Diretiva IVA. Pelo que, pretendendo proceder à dedução de forma diversa, a retificação da dedução de imposto pretendida pelo Recorrente não é legítima.

54.          Feita esta análise, conclui-se que o Recorrente não tem imposto a regularizar, a seu favor, porquanto o entendimento que orientou a apresentação da reclamação graciosa prevista no art.º 131.º do CPPT não está conforme com o regime da dedução de imposto, relativa a bens de utilização mista, aplicável à atividade de locação financeira, contrariando, designadamente, o disposto no ofício-circulado n.º 30.108/2009 e na jurisprudência comunitária recente;

 

L)            A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com o seguinte teor:

 

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD 

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1.            O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do SubdirectorGeral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista. 

2.            De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º). 

3.            No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante. 

4.            Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação. 

5.            No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 

6.            Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real. 

7.            Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista. 

8.            Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9.            Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.

 

Matéria de direito

Saneamento

 

4. A Autoridade Tributária apresentou resposta, fazendo juntar a contestação apresentada no âmbito da impugnação judicial n.º 3471/14.4BEPRT, que correu termos no TAF do Porto, aí se suscitando a questão da regularidade da sua representação processual, tendo em atenção o disposto no artigo 54.º, alínea c), do ETAF, na redacção dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/05, que confere a representação da Fazenda Pública perante os tribunais tributários, ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que pode ser representado pelos diretores de finanças e diretores de alfândega da respetiva área de jurisdição ou por funcionários daquela Autoridade licenciados em Direito”.

 

O Despacho n.º 9414/2012, de 3 de Julho de 2012, emitido pelo o diretor-geral veio entretanto designar para intervirem em representação da Fazenda Pública, nos processos de impugnação de valor superior a um milhão de euros, nos tribunais tributários, os licenciados em Direito, em funções na Direção de Serviços de Justiça Tributária, que se encontram aí expressamente indigitados.

 

                Importa, no entanto, ter presente que o litígio foi cometido ao tribunal arbitral ao abrigo do regime de migração de processos previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Abril, não sendo aplicáveis os critérios de representação processual especialmente aplicáveis perante os tribunais tributários, não havendo motivo para considerar a invocada irregularidade de representação.

 

Questão de fundo

 

5. A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, e operações de locação financeira, que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada para esse efeito como um sujeito passivo misto.

 

No caso das operações de locação financeira a contraprestação concretiza-se nas rendas que o locatário se obriga a pagar pela cedência dos bens locados e que integram uma parte correspondente a juros e outra a amortização financeira ou do capital.

 

A questão que vem colocada é a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o proveito ou rendimento do locador.

 

A questão foi analisada pelo TJUE em reenvio prejudicial suscitado, em caso similar, pelo Supremo Tribunal Administrativo em que se concluiu que  o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro obrigue um banco que exerce atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (acórdão de 10 de julho de 2014, Processo n.º C-183/13).

 

A Requerente sustenta, todavia, que a exclusão da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata não encontra suporte na letra e no espírito do artigo 23.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 do Código do IVA, nem nas disposições dos artigos 173.º a 175.º da Directiva IVA, o que equivale a dizer que as referidas normas de direito europeu não foram objecto de transposição para o direito interno português, e, especificamente, não foram transpostas através do artigo 23.º do CIVA, pelo que cabe aferir se a Autoridade Tributária dispõe da possibilidade, no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce actividades de locação financeira, de considerar apenas os juros para efeitos do cálculo de dedução.

 

É esta a questão que cabe dilucidar.

 

5. O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.

Segundo a regra geral constante do artigo 168.º da Directiva, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade sempre que os bens ou serviços sejam utilizados “para os fins das suas operações tributadas”. Esse corresponde a um método de dedução de imputação directa, havendo de estabelecer-se para esse efeito um nexo directo entre uma dada operação activa e uma dada operação passiva.

Não sendo possível estabelecer esse nexo directo, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços respeitam simultaneamente a operações tributadas e operações isentas de imposto – caso em que estaremos perante custos mistos ou custos promíscuos – o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do artigo 173.º da Directiva.

Esse preceito consagra em primeira linha o método pro rata, pelo qual relativamente a bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações e, por conseguinte, apenas em relação a operações que originam o direito à dedução.

Entende-se neste contexto que o método pro rata assenta na presunção de que os custos mistos são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que essas operações representam face ao volume total de negócios da empresa. É essa a regra de cálculo que se encontra vertida no artigo 174.º da Directiva: “o  pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes – (a) no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.o e 169.o; (b) no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

A presunção baseada na percentagem do valor das operações com direito a dedução em relação ao volume total de negócios é, todavia, afastada pelo critério da afectação real consignado na alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva, que permite que os estados membros autorizem ou imponham que a dedução do IVA seja efectuada com base, não no volume de negócios, mas na efectiva utilização dos bens ou serviços.

A norma dispõe nestes termos:

 

2.  Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

(…)

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

(…).

Haverá assim de concluir-se que a Directiva IVA contempla três distintos métodos de cálculo da dedução. O método regra de imputação directa, que é aplicável aos custos directos, ou seja, aos custos associados a operações que conferem direito à dedução, e, relativamente aos custos mistos, que estão indistintamente associados a operações que conferem ou não conferem o direito de dedução, o método pro rata e, a título de excepção, o método de afectação real.

Não pode deixar de reconhecer-se, por outro lado, que a Directiva, através do referido artigo 173.º, n.º 2, alínea c), confere aos estados alguma margem de liberdade de conformação quanto à definição do critério de afectação real.

No direito interno, relativamente ao método de dedução aplicável a bens de utilização mista, releva o artigo 23.° do Código do IVA, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:

 

«1.      Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2.      Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3.      A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a)      Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b)      Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4.      A percentagem de dedução específica referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do âmbito do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

[...].

6. Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real – quando o sujeito passivo tenha optado por esse método de dedução – e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Por outro lado, o coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

 

7. Como é salientado pela Requerente, a jurisprudência do CAAD, inaugurada pelo o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017, e seguida por diversas outras decisões arbitrais, aponta no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo ofício-circulado n.º 30103, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA, com base essencialmente nos seguintes considerandos.

Embora a norma de direito europeu admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, é claro que que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução.

Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).  

Admite-se, assim, que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira.

7. No entanto, este entendimento não tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo.

No acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 1017/12, em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia pelo TJUE no caso Banco Mais, o STA conclui do seguinte modo: “o Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-183/13 esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, - é possível calcular o pro rata da forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira.

Essa orientação foi depois seguida nos Acórdãos da Secção de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17) e confirmada no recente acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), fundado na contradição existente, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre decisão arbitral (decisão recorrida) e o citado acórdão do STA de 15 de Novembro de 2017 (acórdão fundamento).

Para assim concluir, o acórdão de uniformização de jurisprudência, na parte que mais interessa considerar, refere o seguinte.

Como já se esclareceu no acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.

Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.

                Importa, por outro lado, ter presente que o método específico de imputação do pro rata, implicando que  apenas possa ser deduzida, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, na linha o acórdão Banco Mais, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. E nesse sentido o STA em diversos casos, como sucedeu no acórdão de uniformização de jurisprudência, tem vindo a devolver o processo aos tribunais de instância para efeito de ampliação da matéria de facto em vista a apurar se a utilização de bens e serviços mistos “é sobretudo determinada” pelas operações de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, ou, o invés, pela disponibilização dos veículos.

 

A questão, todavia, não se coloca no presente processo.

 

De facto, a Requerente enuncia como questão essencial a decidir a de saber de a Autoridade Tributária se encontra legitimidada pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IVA um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização. E não alegou quaisquer factos que permitam ao tribunal apurar, em sede de matéria de facto, se os custos gerais são preponderantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação dos bens locados.

 

 Ora, a questão de direito que vem colocada obteve já resposta do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, em termos a que o tribunal arbitral não pode deixar de aderir, ao consignar que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda.

                  

Assim sendo, na linha da jurisprudência do STA, há que reconhecer que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA procedeu à transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, pelo que os actos de liquidação impugnados não enfermam da ilegalidade que lhes é imputada.

 

Juros indemnizatórios

10.  Face à decisão de improcedência do pedido arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido arbitral.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.610.825,25, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 21.420,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 13 de Setembro de 2020,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

Filipa Barros

 

O Árbitro vogal

João Taborda Gama