DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 306/2014 – T
Tema: IS - Verba 28 da TGIS.
I - RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A, S.A., pessoa colectiva com o nº …, com sede na Rua …, …, …, …, em Lisboa, doravante designada por "Requerente", vem, nos termos do disposto no art. 2º, nº1, alínea a), 5º nº2, alíneas a) e b), 6º, nº1, 10º, nº1 alínea a) e nº 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), requerer a constituição de tribunal arbitral singular. A Requerente pede pronúncia com vista à declaração da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo ("IS") Nº …, de 14.07.2013, referente ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor total de €46.711,10, liquidação impugnada que consta do documento nº4 junto em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e se dá por integralmente reproduzida.
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do valor de Imposto de Selo pago (ilegalmente) acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
2. Apresentado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, o mesmo foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 6 de Maio de 2014, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 4 de Junho de 2014.
3. Na mesma data, foi a Requerida “AT” notificada, nos termos do disposto no artigo17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A AT juntou aos autos a sua Resposta e o processo administrativo e ainda requerimento para dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT, bem assim como de apresentação de alegações, por inexistir matéria excepcional invocada nos autos, produção de prova a realizar e a questão a decidir ser matéria exclusivamente de direito. Na mesma data foi proferido despacho arbitral de junção aos autos do requerimento apresentado pela AT e notificada a requerente para se pronunciar sobre o mesmo. Em 22 de Julho de 2014 a Requerente veio aos autos pronunciar-se favoravelmente sobre a requerida dispensa da reunião e da apresentação de alegações, em sintonia com o requerido pela AT. Nesta conformidade foi proferido despacho arbitral, em 4 de Setembro de 2014, no qual foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem assim como a apresentação de alegações das partes e fixada data para prolação da decisão arbitral até ao dia 1 de Dezembro de 2014, devendo no mesmo prazo a Requerente efectuar o pagamento da respectiva taxa subsequente.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE
4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, do acto de liquidação de Imposto de Selo, referente ao ano de 2012, com o nº …, de 14.07.2013 no montante global de €46.711,10, com referência ao prédio urbano, composto por um talhão de terreno para construção, sito na Freguesia de…, Concelho de …, inscrito na matriz predial sob o nº…, com fundamento na alínea a) do artigo 99º do Código de procedimento e de processo Tributário (CPPT). O prédio e a respectiva liquidação de imposto impugnada encontram-se devidamente identificados nos documentos nºs 1 e 4, que aqui se dão por reproduzidos.
5. Fundamenta o seu pedido na ilegalidade das liquidações de imposto e respectivos juros, alegando em síntese o seguinte:
a) A consideração dos terrenos para construção como "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS é ilegal, por violação do disposto nos artigos 2º, nº4, 23º, nº7 e 44º, nº5 do Código do Imposto do Selo e do disposto nos artigos 6.º, 41.º e 45.º do Código do IMI;
b) Alega ainda que a tributação sobre o património imobiliário introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, designadamente pela verba 28 e 28.1 da TGIS, conduz a desigualdades flagrantes entre os cidadãos que não encontram justificação material para o efeito. Desta forma, a verba 28 da TGIS viola, de forma grosseira, o princípio da igualdade e da capacidade contributiva previstos nos artigos 13º, 103º, nº1 e 104º, nº 3, e, ainda, o princípio da progressividade consagrado nos artigos 103º, nº1 e 104º, nº3, todos da Constituição da República (CRP).
C) – A RESPOSTA DA REQUERIDA
6. A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão à Requerente. A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), defende na sua resposta a legalidade da liquidação por entender qua mesma obedece à letra da lei e que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deve ser julgado improcedente, com a sua absolvição do pedido.
Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida no pedido.
D) DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
7. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
8. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.
O processo não enferma de nulidades.
II. QUESTÃO A DECIDIR
9. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir a questão de saber se é ou não conforme à lei a incidência de imposto do selo, nos termos previstos nas verbas 28 e 28.1 contidas na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) ao caso concreto do prédio urbano, caracterizado como um talhão de terreno para construção, descrito nos autos.
III – MATÉRIA DE FACTO
A) Factos provados
10. Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:
a) A Requerente A, SA (doravante “A SA) é uma sociedade comercial que se dedica, no âmbito da sua actividade, à compra de imóveis para revenda, à urbanização de terrenos próprios ou alheios, à construção de imóveis, à venda dos terrenos urbanizados e dos imóveis construídos e à administração de propriedades próprias e alheias;
b) A Requerente A, SA é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial com o nº …, da Freguesia de …, Concelho de …; (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
c) O Prédio urbano supra referenciado não tem edificada qualquer construção, sendo que na área em que o mesmo se insere foi já esgotada a área de construção constante do respectivo alvará de loteamento (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) A Requerente foi notificada em Abril de 2013 da avaliação geral efectuado ao prédio urbano em causa, no âmbito da qual foi atribuído o valor patrimonial tributário de €4.671.110,00 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) A Requerente foi notificada da liquidação n.º…, de 14.07.2013, referente ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor total de €46.711,10, em resultado da aplicação da taxa de 1% efectuada ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, com data limite de pagamento até “Dezembro de 2013” (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) Em 31-03-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral (sistema informático do CAAD);
g) Em Fevereiro de 2014 a Requerente foi citada da instauração de execução fiscal e em 28 de Março de 2014 procedeu ao pagamento do imposto e correspondentes juros e acrescidos (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
B) Factos não provados
11. Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.
C) Fundamentação da matéria de facto provada
12. Os factos provados, nos termos supra descritos, têm por base a prova documental que as Partes juntaram ao presente processo e baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
13. . Fixada a matéria de facto, importa conhecer da única questão de direito em discussão nos presentes autos, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.
Cumpre decidir.
14. A questão que é objecto da presente acção é a de saber se os terrenos para construção, a que foi atribuída, em processo de avaliação, destinado a construção urbana para "Habitação” se inserem no âmbito de incidência do n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na sua redacção inicial. Vejamos, pois, o quadro jurídico de referência para a correcta análise desta questão.
15. A tributação em sede de imposto de selo de prédios urbanos com afectação habitacional foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (LOE) que efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, a qual apresenta a seguinte redacção:
28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:
“1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.
3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”
16. Na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, o legislador utilizou o conceito de “prédio com afectação habitacional”, o qual não encontra referência em nenhum outro diploma legislativo, pelo que se impõe a concretização do mesmo.
O Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) é mencionado em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei e é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28, como sucede nos artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS. Porém, em nenhum destes normativos é utilizado um conceito com aquela designação.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alterou aquela verba n.º 28.1, dando-lhe a seguinte redacção:
“28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 % “
Tal formulação aplica-se, naturalmente, apenas a partir de 1 de Janeiro de 2014, mas diga-se antecipadamente que em nada veio ajudar a esclarecer a qualificação do conceito em presença.
17. Pelo que, importará verificar o contributo possível a extrair dos conceitos de prédios utilizados no CIMI, nos seus artigos 3.º a 6.º. Assim, segundo o artigo 2º do CIMI, entende-se por prédio:
“1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Acrescenta o artigo 3.º, que se entende por prédios rústicos:
“1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”
Já o artigo 4.º qualifica como prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
E o artigo 6.º indica as espécies de prédios urbanos, nos termos seguintes:
“1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção; (sublinhado nosso)
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”
18. Face ao quadro legal supra exposto, e considerando as regras sobre a interpretação das normas jurídicas, nomeadamente as resultantes do artigo 11º da Lei Geral Tributária[1] (LGT) impõe- se concluir que os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Assim, importa determinar o sentido e alcance do conceito de «prédio com afectação habitacional», tarefa fundamental para a interpretação e correcta aplicação do normativo contido na verba 28 e 28.1 da TGIS.
Como se vê pelo supra exposto o CIMI, não é utiliza na classificação dos prédios que adopta o conceito de «prédio com afectação habitacional».
Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
Assim, seguindo o raciocínio já prosseguido em decisões arbitrais anteriores, nomeadamente nas proferidas nos processos nºs 53/2013-T e 144/2013- T “na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.”
O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.
19. O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos por aquele n.º 2, do artigo 6.º, para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
Por isso, bastaria adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», e a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida seria ilegal, por não haver qualquer edifício ou construção.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
Porém, uma interpretação mais aprofundada do sentido a dar ao conceito em presença conduz à conclusão de que «afectação», neste contexto, significa «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». E, se tivermos em linha de conta os objectivos definidos na declaração de princípios proferida na Assembleia da República sobre a intenção do legislador introduzir uma tributação sobre as “casas de luxo”, não há dúvida que o propósito ou ratio legis subjacente é a de tributar o “uso” do prédio considerado na plenitude do grau de conforto por ele proporcionado.
Como bem refere Baptista Machado[2], “quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento».
A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência tributária, e nesta sede o Imposto de Selo afigura-se como um imposto de textura difícil e identidade confusa, deparando o intérprete com frequentes e sucessivas dificuldades, pelo que o fio condutor terá de ser, em primeira linha, o princípio da unidade do sistema jurídico, tentando impor alguma coerência de aplicação.
E, nesta linha de pensamento, não podemos dispensar o recurso à Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012. Nesta exposição de motivos é patente a preocupação do Governo de reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento e o seu empenho em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.
Neste contexto, não existindo outras coordenadas interpretativas o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, tendo em conta o significado das palavras “afectação” e “afectar”, que são “dar destino” ou “aplicar”, a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que estão já a ser utilizados como habitação, não podendo abranger os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, possam eventualmente estar a estes destinados, como sucede com os terrenos para construção habitacional.
20. Acresce que, se impõe ainda esclarecer quando é que se pode considerar um prédio como afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou por acto de licenciamento ou semelhante, ou quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada. O confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma “afectação efectiva.”[3]
Assim, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, face ao disposto no n.º 2, do artigo 6.º do CIMI, um prédio habitacional, porquanto é o próprio legislador que considera como tal os “edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados se pretendesse reportar-se também aos prédios apenas licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto não teria utilizado a expressão “prédios com afectação habitacional”.
21. Nestes termos, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente pelo legislador teve em vista alcançar uma realidade distinta, pelo que, “prédio com afectação habitacional”, não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim, tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.
Note-se que no caso dos presentes autos o prédio em causa, caracteriza-se como terreno para construção, sendo que, da Certidão junta aos autos pela Requerente como documento nº 2, é possível extrair que na área edificativa na qual se insere este lote/talhão de terreno, já se encontra esgotada a capacidade de edificação. Pelo que, embora se trate de um terreno para construção, com aptidão para construção de habitação, esta não passa de mera potencialidade, cuja concretização dependerá de obter a necessária licença de construção a qual não se afigura, face à informação constante dos presentes autos, sequer viável.
Por isso mesmo o único sentido possível para a expressão “afectação” é a de tratar-se de uma “afectação efectiva”. Veja-se que o artigo 3.º do CIMI, relativamente aos prédios rústicos, faz referência aos que “estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas”, que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Como se vê, ainda, pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que o pressuposto de uma afectação efectiva.
22. No caso em apreço não existe nenhum edifício ou construção e, atendendo ao teor do documento emitido pela Câmara Municipal de…, junto aos autos como documento nº 2, nem é certo que possa vir a existir, pelo que não podemos considerar que o prédio em causa tenha uma afectação efectiva para habitação.
Acresce ainda que, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a saber: “Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013.” (sublinhados nossos).
A referência expressa a “casas” como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa.
Por outro lado não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a “terrenos para construção”.
No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta. Pelo que a invocação da AT no artigo 16º da sua resposta não colhe quanto ao propósito relevante para a questão a decidir nos presentes autos. O mesmo se diga do Acórdão do TCA Sul aí invocado, o qual se refere, isso sim, à questão do regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção, em nada relevando para a decisão em apreciação nos presentes autos.
Por fim, é importante referir que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, também contraria a posição aqui defendida pela ATA, pois não veio esclarecer o elemento lógico subjacente à redacção inicial da verba n.º 28.1, antes veio confirmar, indirectamente, a interpretação de que ela não abrangia os terrenos para construção.
Aliás, se a primitiva redacção da verba n.º 28.1 em análise, ao falar de “prédio com afectação habitacional” pretendesse abranger os edifícios e construções que constituíam “prédios habitacionais” e os terrenos para construção para que estivesse autorizada ou prevista habitação, então o natural deveria atribuir à nova redacção natureza interpretativa, à semelhança do que faz noutras disposições nela contidas, como por exemplo o artigo 177.º, n.º 7, relativamente às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 17.º-A do Código do IRS.
23. Por tudo o que se deixa exposto é entendimento deste Tribunal que a verba 28.1 não se aplica aos terrenos para construção, ainda que estes revelem potencialidade para construção de habitação.
Importa referir que, sobre esta mesma questão foram já proferidas algumas decisões arbitrais, entre as quais se salientam as proferidas nos processos arbitrais nºs 42/2013 T, 48/2013-T, 53/2013- T, 144/2013-T, 180/2013 – T e 189/2013-T, entre outras.
Também o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão, nomeadamente, nos Acórdãos proferidos, nomeadamente, em 9 e 23 de Abril de 2014 (nos quais foi relatora Isabel Marques da Silva) e 9 de Maio de 2014 (no qual foi relatora Dulce Neto).
A este propósito, o acórdão do STA de 9 de Abril de 2014 (no qual se faz referência expressa à decisão arbitral nº 144/2013-T) conclui que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”
24. A Requerente alega ainda a violação de princípios constitucionais na fundamentação de direito do seu pedido. Pois bem, entende este Tribunal, que a apreciação e decisão da questão decidenda se prende com a correcta interpretação da norma contida na verba 28.1 da TGIS, pelo que, estamos perante a violação clara da própria norma, como sobejamente se deixa demonstrado supra.
25. Em consequência de tudo o que vem exposto, resulta que a liquidação impugnada é ilegal, padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do disposto na verba nº 28.1 da TGIS, pelo que, deve ser objecto de anulação, nos termos do artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo.
Consequentemente, deve proceder-se ao reembolso à Requerente de todos os montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 24º, nº1, alínea b) e 29º, nº1, alínea a) do RJAT, artigo 43º, nº1 e 100º da LGT.
26. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.
V - DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação impugnada e anular a liquidação de Imposto do Selo impugnada nos presentes autos (nº …);
B) Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária na restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 315º, nº2 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €46.711,10.
Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.
Registe e notifique-se.
Lisboa, 28 de Novembro de 2014
A Árbitro,
(Maria do Rosário Anjos)
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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Dispõe o Artigo 11.º da LGT, relativo à interpretação das normas tributárias, que:
“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
[2] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, J. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, últ. Ed. Almedina, página 182 e ss.
[3] Neste sentido, cfr. decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 53/2013 – T, 144/2013-T, 178/2013 – T, 285/2014 – T, entre outras.