DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dra. Ana Teixeira de Sousa (Árbitra Vogal) e Dr. Nuno Cunha Rodrigues (Árbitro Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Janeiro de 2020, decidem o seguinte.
I. RELATÓRIO
I.1
1. Em 17 de Outubro de 2019 a contribuinte A..., S.A., n.º..., com sede na Av. ... n.º ... A ...-... Lisboa, de ora em diante designada por Requerente, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação de árbitros (Tribunal Coletivo) pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 18 de Outubro de 2019 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) e à Requerente.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º2, al. a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. O tribunal foi constituído em 13.01.2020.
5. A AT apresentou a sua resposta em 18.02.2020 incluindo o envio do processo administrativo.
6. Por despacho de 26.02.2020 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias e indicada a data de 19.04.2020 para a prolação do Acórdão.
7. Em 02.06.2020 o Tribunal emitiu Despacho reconhecendo a suspensão de prazo para as partes apresentarem alegações desde 09.03.2020, suspensão que cessou a 03.06.2020 com base na Lei nº 16/2020 de 29.05.2020, determinando que o prazo para proloção e notificação da decisão deverá previsivelmente coincidir com o termo do prazo previsto no artigo 21.º 1 do RJAT
8. Em 17.06.2020 a Requerente apresentou alegações.
9. A Requerida não apresentou as suas alegações de direito.
10. A Requerente, tendo sido notificada, em 17.09.2019, do resultado das segundas avaliações dos terrenos para construção inscritos na matriz da União de Freguesias de ... e ... sob o artigos matriciais ... e ... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”), pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral Coletivo com vista à declaração de ilegalidade dos referidos atos de fixação do VPT praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
11. Pretende desta forma a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dos atos de fixação do Valor Patrimonial Tributário notificados em 17.09.2019, por ofício nº ..., de 10.09.2019, resultado da 2ª avaliação realizada ao artigo ...º, de que resultou o VPT de € 4.044.320,00, conforme Termo da 2ª Avaliação e Ficha de Avaliação nº ... e por ofício nº..., de 10.09.2019, resultado da 2ª avaliação realizada ao artigo..., de que resultou o VPT de € 2.564.340,00, conforme Termo da 2ª Avaliação e Ficha de Avaliação nº... .
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. As questões que a Requerente pretende ver apreciadas pelo douto Tribunal prendem-se com a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e da majoração do valor base dos prédios edificados constantes dos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção.
2. A Requerente entende que, por um lado, que os referidos coeficientes de localização e de afetação não podem ser aplicados na avaliação dos terrenos para construção (posição que é corroborada quer pela jurisprudência consolidada dos tribunais superiores quer pela doutrina mais autorizada nesta matéria) e, por outro lado, que o valor a considerar para efeitos do cálculo do VPT é o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., 482,40 aplicável no ano de imposto de 2018) ao invés do valor base dos prédios edificados (603) que foi indevidamente aplicado pela AT nos atos de fixação do VPT contestados (posição que foi confirmada pela doutrina mais autorizada nesta matéria).
3. Quer o perito designado pela AT quer o perito designado pela Câmara Municipal do Porto decidiram adotar posição diversa da adotada pela Requerente e pela perita designada pela mesma, tendo considerado quer os coeficientes de localização e de afetação quer a majoração de 25% do custo médio de construção na avaliação dos Terrenos para Construção.
4. Nas segundas avaliações dos Terrenos para Construção, mantiveram-se os parâmetros das primeiras avaliações, tendo sido aplicada quer a fórmula prevista no artigo 45.º do Código do IMI (que contém as regras especiais aplicáveis à determinação do VPT dos terrenos para construção) quer, analogicamente, a fórmula de cálculo geral estabelecida nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI e aplicável exclusivamente na avaliação de prédios edificados e, por conseguinte, foram aplicados quer os coeficientes de localização e de afetação quer o valor base dos prédios edificados com aplicação da majoração de 25% sobre o custo médio de construção por referência ao ano de 2018 (482,40).
5. Assim, em decurso dos erros da AT na aplicação e interpretação das normas jurídicas que contêm as regras de determinação do VPT dos terrenos para construção, as segundas avaliações dos Terrenos para Construção apontaram para os seguintes resultados:
a. o VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... fixado pela AT (€4.044.320) é bastante superior (mais de duas vezes) ao VPT que devia ter sido fixado pela AT (€1.670.000); e
b. o VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... fixado pela AT (€6.223.680) é bastante superior ao VPT que devia ter sido fixado (€2.564.340).
6. Segundo a Requerente, da errónea quantificação do VPT dos Terrenos para Construção (no valor agregado máximo de €6.033.680) resultou um acréscimo de IMI a pagar pela Requerente em 2019 por referência ao ano de imposto de 2018 (ano de apresentação das Declarações Modelo 1 do IMI) e implicará igualmente um acréscimo dos impostos (i.e., do IMI e do AIMI) a pagar entre o ano de imposto de 2019 e a data prevista para a conclusão do prédio (2024) sendo precisamente essa a utilidade económica do presente pedido arbitral que irá sustentar.
7. De acordo com o resultado das segundas avaliações o VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... foi fixado em €4.044.320 e apurados nos seguintes termos:
8. O VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... foi fixado em €6.223.680 nos seguintes termos:
9. Assim, ao contrário do que havia sido solicitado pela Requerente e do que seria expetável atendendo à jurisprudência uniforme dos tribunais superiores e à posição sufragada pela doutrina mais autorizada na matéria, as segundas avaliações dos Terrenos para Construção consideraram os coeficientes de localização de 1,9 na avaliação das parcelas dos Terrenos para Construção destinadas a habitação e de 1,7 na avaliação das parcelas destinadas a comércio, o coeficiente de afetação de 1,2 nas parcelas dos Terrenos para Construção destinadas a comércio e um valor base dos prédios edificados de 603 ao invés do valor que deveria ter sido aplicado de 482,40.
Da cumulação de pedidos
10. A Requerente solicita a cumulação de pedidos, ao abrigo do regime previsto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, dado os actos de fixação do VPT contestados serem ambos relativos a terrenos para construção com edificação prevista ou autorizada mista (para habitação, comércio e estacionamento) e também os fundamentos de direito invocados para justificar a ilegalidade dos atos de fixação do VPT contestados serem rigorosamente os mesmos.
Da utilidade económica do pedido
11. Estão em crise no presente pedido arbitral os atos de fixação do VPT dos Terrenos para Construção através do qual os mesmos passaram a ter um VPT agregado de € 10.268.000 ao invés do VPT agregado que devia ter sido fixado de €4.234.340.
12. Estabelece o n.º 3 que nos casos previstos nas alíneas b) (no qual se incluem os atos de fixação de VPT como o que ora se contesta) e c) [entretanto revogada] do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o valor da causa “é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar”.
13. Deve assim concluir-se que, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do RCPAT, da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, e da alínea e) do n.º 2 artigo 10.º do RJAT, o pedido de declaração de ilegalidade de atos de fixação do VPT de Terrenos para Construção como que ora se analisa repercutir-se-á num número determinado e previsível de atos tributários (no caso em análise, nas liquidações de IMI e AIMI a emitir relativamente aos Terrenos para Construção).
14. Em face do exposto, o valor da utilidade económica máxima do presente requerimento de constituição de tribunal arbitral deverá corresponder ao valor máximo de €260.655 (i.e., às liquidações de IMI e de AIMI a que a Requerente pretende obstar – ainda que parcialmente – até ao ano de imposto de 2024 no qual será concluído o projeto previsto para os Terrenos para Construção em análise).
Das ilegalidades dos atos de fixação do VPT contestados por erros na aplicação do direito e preterição de formalidades legais essenciais
15. A Requerente refere, em síntese, que os VPTs de € 4.044.320,00 e € 6.223.680,00, fixados na segunda avaliação, respectivamente para os artigos ...º e ...º, incorrem em errónea quantificação por resultarem da aplicação do coeficiente aplicável exclusivamente aos prédios edificados aos prédios com afectação a comércio (1,2) e do coeficiente de localização (1,9 e 1,7), a que se refere o art. 38º do Código do IMI, elementos que não devem ser considerados na avaliação de terrenos para construção, o qual deverá ser determinado apenas nos termos da formula prevista no art. 45º do mesmo Código.
16. Entende, do mesmo modo, que foi erroneamente considerado o valor base dos prédios edificados com aplicação da majoração de 25% sobre o custo médio de construção por referência ao ano de 2018 (482,40).
17. Pelo que, ao contrário do VPT apurado para os artigos ...º e ...º, no valor, respectivamente, de € 4.044.320,00 e de € 6.223.680,00, deveria fixar-se o VPT de € 1.670.000,00 e de € 2.564.340,00.
18. A determinação do VPT dos terrenos para construção deve assentar no previsto nos arts. 45.º, 42.º, n.º 3, 40.º-A, n.º 5 e 40.º, n.º 4 do CIMI, motivo pelo qual não é possível recorrer à fórmula geral prevista no artigo 38.º do CIMI e, designadamente, não é possível aplicar os coeficientes previstos em tal norma por ausência total de base legal para esse efeito.
19. Ao contrário do sucede no caso da avaliação dos prédios da espécie “Outros” em que existe uma remissão expressa para as regras gerais / fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do Código do IMI, a avaliação dos terrenos para construção é feita nos termos do artigo 45º do Código do IMI não existindo, no artigo 45.º do Código do IMI, qualquer remissão para o disposto no artigo 38.º do Código do IMI.
20. A AT não poderia ter aplicado a fórmula geral estabelecida no artigo 38.º do Código do IMI e, em concreto, não poderia ter considerado o coeficiente de localização nem o coeficiente de afectação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI por ausência total de base legal para esse efeito.
21. A Requerente cita abundante jurisprudência referindo que os tribunais superiores têm afastado repetidamente a aplicação do coeficiente de localização uma vez que os fatores que são ponderados na determinação da percentagem da área de implantação do terreno para construção (que é um dos elementos preponderantes da determinação do VPT dos terrenos para construção) são os mesmos que servem de base à determinação do coeficiente de localização não podendo, no entendimento daqueles tribunais, ser novamente considerado a título individual, sob pena de o mesmo influenciar duplamente o VPT.
22. Os tribunais superiores decidiram que, na ausência de remissão expressa do artigo 45.º do Código do IMI para a fórmula geral do artigo 38.º do Código do IMI, esta última fórmula (maxime, os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto) não poderá ser aplicada analogicamente à avaliação dos terrenos para construção.
23. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI, pelo que o valor patrimonial [dos terrenos para construção] deverá ser determinado por avaliação direta (n.º 2 do artigo 15.º do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38º do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços.
24. A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38.º do CIMI.
25. Mas, porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável, tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se refletir na norma de incidência na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.
26. A majoração de 25% estabelecida no artigo 39.º do Código do IMI aplica-se exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção.
27. O VPT dos terrenos para construção resulta já do somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, devidamente ponderada pela percentagem de área de implantação (no caso de 25%) e o coeficiente de ajustamento de áreas, acrescido do valor do terreno adjacente à implantação.
28. O que significa que o valor que advém da majoração do próprio terreno que contribui para a formação do valor base dos prédios edificados (120,60) é duplamente considerado na fórmula aplicada pela AT na determinação do VPT dos terrenos para construção.
29. Assim, a aplicação da referida majoração de €120,60 no caso dos terrenos para construção não só não tem suporte legal (tendo particularmente em conta que o artigo 39.º do Código do IMI refere expressamente prédios edificados o que indica que o legislador não pretendia a aplicação de tal majoração aos terrenos para construção) como, além do mais, implica a dupla consideração do referido valor (€120,60) na avaliação dos terrenos para construção.
30. Deve, assim, concluir-se que a consideração do coeficiente de localização e da majoração de 25% do valor médio de construção de 482,40 resultante da aplicação analógica dos artigos 38.º e 39.º, n.º 1, do Código do IMI (a qual é proibida nos termos do artigo 11.º, n.º 4, da LGT) implicou um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção fixado pela AT.
31. A aplicação desses coeficientes [i.e. dos coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização] na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
32. Subsidiariamente a Requerente alega que os atos de fixação do VPT contestados padecem de vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 152.º, n.º 2 do CPA - aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
33. Tendo a Requerente fundamentado devidamente a sua pretensão e suportado a sua posição com inúmeras referências jurisprudências e doutrinárias, as notificações das segundas avaliações deveriam conter as razões pelas quais a AT entendeu julgar improcedente a pretensão da Requerente e manter os VPTs fixados nas primeiras avaliações, o que manifestamente não sucedeu.
34. Os atos de fixação do VPT contestados padecem de vício de falta de fundamentação substancial nos termos conjugados dos artigos 77.º da LGT, 153.º do CPA e 268.º, n.º 3, da CRP, o que configura preterição de formalidades legais essenciais e inquina de ilegalidade determinando a anulabilidade dos referidos atos, nos termos e para os efeitos previstos no atual art.º 163.º do CPA aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.
I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. A questão jurídica controvertida nos presentes autos consiste em saber se o acto de fixação do VPT do terreno para construção em causa resulta, ou não, de uma errónea interpretação e aplicação do art. 45.º do CIMI. Ou seja, se padece, ou não, de errada aplicação dos coeficientes de afectação e de localização a que se refere o art. 38.º do CIMI, bem como o valor base
2. Em suma, do art. 45.º do CIMI decorre que na avaliação dos terrenos para construção, o legislador não afastou liminarmente a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo ter em consideração os coeficientes constantes no art. 38.º do CIMI.
Da majoração de 25% do valor-base dos prédios edificados
3. O VPT dos terrenos para construção não pode deixar de considerar o valor-base dos prédios edificados previsto no art. 39.º do CIMI.
4. O valor base dos prédios edificados é um elemento previamente determinado de aplicação a nível nacional que permite apurar o VPT do prédio, edifício ou terreno para construção, ajustado ao valor do mercado, não podendo ser alterado no acto de avaliação.
5. O valor base dos prédios edificados corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.
6. Por seu turno, o valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos directos e indirectos suportados na construção do edifício, como, por exemplo, os materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, etc., sendo fixado anualmente nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 e n.º3 do art. 63.º do CIMI.
7. Nessa medida, o valor base dos prédios edificados não pode deixar de ser considerado no VPT dos terrenos para construção, que tem por referência o valor do mercado, o que permite conferir maior uniformidade e imparcialidade.
Quanto ao coeficiente de afectação:
8. O coeficiente de afectação permite diferenciar o VPT de um terreno para construção em função da utilização aprovada ou permitida, uma vez que a futura afectação do edifício a construir em determinado terreno tem por base o acto de licenciamento de obras de construção.
9. É que, do ponto de vista do mercado imobiliário, a afectação da futura edificação, por se tratar de uma verdadeira expectativa de utilização aprovada no procedimento de licenciamento, é geradora de um valor económico do terreno diferenciador.
10. Ora, a não consideração do coeficiente de afectação nos mesmos terrenos para construção, implicaria que os valores patrimoniais tributários destes fossem iguais, situação que originaria valores patrimoniais tributários desajustados face ao valor de mercado, originando distorções e injustiças graves.
Quanto ao coeficiente de localização:
11. Há que ponderar o coeficiente de localização na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, pois só assim é possível distinguir um terreno com a mesma aptidão construtiva, mas que, em função da sua localização, têm valores de mercado distintos.
12. Se assim não fosse, um terreno localizado numa aldeia do interior do país e outro localizado em Cascais, Lisboa, em zona de elevado valor de mercado, com igual aptidão construtiva, ou seja, com a mesma área de construção autorizada e a mesma percentagem do valor do terreno de implantação, teriam o mesmo VPT.
13. Há que ponderar que o preço do terreno para construção é diferente consoante a sua localização, pelo que, a não consideração do coeficiente da localização na determinação do valor patrimonial tributário implicaria que não existisse qualquer diferenciação.
14. Note-se que existem muitas zonas do país onde o coeficiente de localização é inferior à unidade, pelo que, se o mesmo não fosse considerado, verificar-se-ia, nessas zonas, um agravamento dos valores patrimoniais tributários dos respectivos terrenos, produzindo-se um efeito contrário ao do mercado imobiliário.
15. É essa expectativa de produção de uma riqueza consubstanciada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário de um terreno para construção, logo que um terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Assim é que quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.
Quanto à alegada preterição de formalidades legais essenciais resultante do vício de manifesta falta de fundamentação:
16. Será de considerar suficiente a fundamentação de um termo de avaliação no qual a comissão de segunda avaliação se pronuncie objetivamente sobre os elementos, pressupostos e critérios que estiveram na base da avaliação do prédio em concreto, ou seja, que permita compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores, não cabendo a uma comissão técnica e pericial a emissão de parecer ou pronúncia relativamente a um conjunto de decisões judiciais proferidas em sede de casos concretos submetidos à apreciação dos tribunais.
17. Ademais, a Requerente demonstra que tomou conhecimento dos motivos, pressupostos e critérios que estiveram na base dos procedimentos de avaliação em referência, uma vez que, quer no requerimento apresentado com as declarações modelo 1 de IMI, quer no pedido de segunda avaliação, quer ainda a petição inicial do presente pedido de constituição de tribunal arbitral, faz uma exaustiva e pormenorizada apreciação dos pressupostos e critérios que estiveram na base das avaliações postas em crise, objetando o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores, ou seja, conhece os fundamentos que sustentam os actos de fixação de valores patrimoniais em causa.
Quanto à utilidade económica do pedido
18. No caso dos autos a Requerente não aponta nenhum vício à liquidação de IMI do ano de 2018, e naturalmente das liquidações de IMI e AIMI dos anos de 2019 a 2024, contestando, tão-só, os vícios do VPT que esteve na base de apuramento da liquidação de IMI do ano de 2018, que foi notificada e cujo pagamento já efetuou.
19. É-lhe assim vedado, por manifesta falta de base legal, em sede de impugnação arbitral do mesmo VPT, impugnar as liquidações de IMI e de AIMI dos anos de 2019 a 2024, enquanto liquidações futuras, eventualmente incertas, daqueles impostos, como pretende a Requerente na Petição Arbitral.
20. Assim sendo, não é de admitir a impugnação dos actos de liquidação de IMI e de AIMI dos anos de 2019 a 2024, apenas com fundamento em discordância sobre os VPTs sob impugnação, como é o caso dos autos.
21. Pelo acima exposto, a utilidade económica do pedido há-de corresponder ao valor das liquidações de IMI e de AIMI parcialmente anuladas, que tenham sido emitidas com base no VPT impugnado nos autos, efetivamente notificadas à Requerente (pelo menos de uma nota de cobrança), e não um valor projetado, com base na soma de liquidações, futuras, incertas, que poderão ou não ser vir a ser emitidas.
22. Daí que o valor indicado de € 260.655,00 careça de base legal,
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
As questões a apreciar são as seguintes:
a) Na avaliação dos terrenos para construção, prevista no CIMI para o cálculo do VPT, deve-se ter em conta o coeficiente de localização (Cl) e o coeficiente de afectação (CA)?;
b) Na avaliação dos terrenos para construção, prevista no CIMI para o cálculo do VPT, o valor base (Cl) é o custo médio de construção por metro quadrado, sem qualquer majoração?;
c) Os atos de fixação dos VPTs estão devidamente fundamentados?
d) Se está correto o valor indicado para o pedido.
IV. – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. A Requerente é proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia da União de Freguesias ... e ... sob os artigos matriciais ... e ... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) correspondentes aos lotes 3 e 5 do Alvará de Loteamento n.º ALV/.../08/DMU, de 04.04.2008 - cf. cadernetas prediais urbanas e Alvará de Loteamento que se juntaram sob a designação conjunta de Doc. 2.
2. Em 28 de dezembro de 2018, a Requerente submeteu eletronicamente duas Declarações Modelos 1 do IMI para os Terrenos para Construção, com fundamento em alteração de áreas - cf. cópias das Declarações Modelo 1 do IMI às quais foram atribuídos os n.ºs de registo ... (U-...) e ... (U-...) que se juntaram sob a designação conjunta de Doc. 4.
3. Mais apresentou dois requerimentos da validação das referidas Modelos 1 do IMI nos quais solicitou, além do mais, o seguinte:
(i) No requerimento de validação da Modelo 1 do IMI relativo ao terreno para construção U-..., a Requerente solicitou:
a) a correção da área bruta de construção, de acordo com a informação constante no Alvará de Loteamento;
b) a consideração do destino misto (a habitação, comércio e serviços) do Terreno para Construção, designadamente para efeitos de aplicação do coeficiente de ajustamento de áreas nos termos e para os efeitos previstos no artigo 40.º-A, n.º 5, alínea b), do Código do IMI;
c) a desconsideração dos coeficientes de afetação (de 1,2 na parcela do terreno correspondente a comércio e serviços) e de localização (atualmente de 1,7 e de 1,9 no que diz respeitos aos prédios urbanos habitacionais e com afetação a comércio) na fórmula de cálculo de avaliação do Terreno para Construção nos termos da jurisprudência consolidada dos Tribunais superiores;
d) a desconsideração da majoração estabelecida no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI na determinação do VPT do Terreno para Construção, devendo aplicar-se apenas o valor de construção, por metro quadrado, cujo valor em vigor à data da submissão e validação da Modelo 1 do IMI ascende a €482,40 - cf. requerimento apresentado que se juntou como Doc. 5.
(ii) No requerimento de validação da Modelo 1 do IMI relativo ao terreno para construção U-..., a Requerente solicitou:
e) a correção do erro detetado na área bruta de construção do Terreno para Construção
f) a desconsideração dos coeficientes de afetação (de 1,2 na parcela do terreno correspondente a comércio) e de localização (de 1,7 e de 1,9 no que diz respeitos às parcelas destinadas a comércio e habitação respetivamente) na fórmula de cálculo de avaliação do Terreno para Construção nos termos da jurisprudência consolidada dos Tribunais superiores;
g) a desconsideração da majoração estabelecida no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI na determinação do VPT do Terreno para Construção, devendo aplicar-se apenas o valor de construção, por metro quadrado, cujo valor em vigor à data da submissão e validação da Modelo 1 do IMI ascende a €482,40 - cf. requerimento apresentado que se juntou como Doc. 6.
4. Na sequência da submissão das referidas Declarações Modelo 1 do IMI e da apresentação dos referidos requerimentos de validação das mesmas, a AT validou as Declarações Modelo 1 do IMI com data de 31.12.2019 e a Requerente foi notificada do resultado das avaliações que se juntaram sob a designação conjunta de Doc. 7.
5. Nesta avaliação foram considerados para cálculo do VPT do Terreno para Construção:
(i). os coeficientes de localização de 1,9 e 1,7 aplicáveis aos prédios edificados com afetação a habitação e a comércio;
(ii). o coeficiente de afetação de 1,2 aplicável aos prédios edificados com afetação a comércio.
6. Foi considerado um valor base de prédios edificados de €603.
7. Em 15.04.2019, a Requerente pediu a 2ª avaliação dos Terrenos para Construção inscritos sob os artigos ...º e ...º, em que requereu a desconsideração do coeficiente de afectação 1,2 e do coeficiente de localização 1,9 e 1,7, bem como, a majoração de 25% aplicada sobre o valor médio de construção, na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção que se juntaram sob a designação conjunta de Doc. 8.
8. A Comissão de Avaliação decidiu, por maioria, manter a fórmula aplicada nas primeiras avaliações dos Terrenos para Construção.
9. Assim, em 17.09.2019, por ofício nº..., de 10.09.2019, a Requerente foi notificada do resultado da 2ª avaliação realizada ao artigo ...º, de que resultou o VPT de € 4.044.320,00, apurado nos termos do art. 45º do Código do IMI, conforme Termo da 2ª Avaliação e Ficha de Avaliação nº... .
10. Em 17.09.2019, por ofício nº..., de 10.09.2019, a Requerente foi notificada do resultado da 2ª avaliação realizada ao artigo ...º, de que resultou o VPT de € 2.564.340,00, apurado nos termos do art. 45º do Código do IMI, conforme Termo da 2ª Avaliação e Ficha de Avaliação nº... .
11. Na Ficha da 2ª Avaliação nº..., que se dá por reproduzida para todos os efeitos, consta:
Afectação: Habitação
Área Total do Terreno: 4.508,0000 m2
Área de Implantação do Prédio: 1.485,0000 m2
Área Bruta de Construção: 18.777,0000 m2
Área Bruta Dependente: 9.740.0000 m2
Coordenadas X,Y: 157.055,00 / 465.967,00
Percentagem para cálculo da área de implantação:35,00
Tipo de Coeficiente de localização: Habitação
Coeficiente de localização 1,90
Justificativo da Avaliação
A avaliação decorreu nos termos do CIMI. A CA decidiu apreciar os elementos do processo de finanças nomeadamente o alvará de loteamento n.º ALV/.../08/DMU onde constam áreas por Lote e áreas construtivas por afetação de uso.
A CA decidiu, por maioria, considerar na determinação do VTP o critério definido no CIMI, que: A determinação VPT de terrenos para construção segue o previsto no art 45º do CIMI; Trata-se de um lote de terreno destinado à edificações com diferentes afetações, pelo que o valor patrimonial tributário (Vt) corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários (Vt’s) das diferentes afetações; O Coeficiente de localização (Cl) é em função da afetação; A área de aparcamento foi atribuída na mesma proporção das diferentes áreas afetadas; Vc - Valor base dos prédios edificados em 2018, é de € 603 (Portaria 379/2017, 19/12).
O Louvado da Parte discorda dos argumentos dos peritos de finanças, apresentando a justificação que se encontra integralmente reproduzida no Termo de Avaliação.
Valor Patrimonial Tributário - Demonstração do Cálculo
Artigo ...º
FÓRMULA : V5
Vt = Vc x [(Abc-Ab + Ab x 0,3) x Caj x % Ai+ Ac x 0,025 + Ad x 0,005] x Ca x Cl x Cq
Vt Comércio (Vtc)
Vtc= 603x[(2364+2548,96x0,3)xCaj x 35%+777,265x0,025+13,870x0,005]x1,2x1,7x1
Vtc=€ 1138209,88
Vt Habitação (Vth)
Vth = 603x[(4533+3190,28x0,3) x Cajx35%+529,5684x0,025+0x0,005]x1,2x1,7x1
Vth = € 2906104,01
Vt Indústria (Vti)
Vti =
Vti =€ 0,00
Vt Serviços (Vts)
Vts =
Vts =€ 0,00
Vt Outra afectação (Vto)
Vto =
Vto =€ 0,00
Vt Outras edificações (Método de custo) (Vtt)
Vtt= (Ai x Preço/m2 + Abc x Custo/m2) x % + (Ac x 0,025 + Ad x 0,005) x Ca x Cl x Vc
Vtt=
Vtt=€ 0,00
Vt (total) = Vtc + Vth+ Vti + Vts + Vto+ Vtt
VT= €4044313,89
Caj art 40ºA do CIMI
Artigo...º
FÓRMULA : V5
Vt = Vc x [(Abc-Ab + Ab x 0,3) x Caj x % Ai+ Ac x 0,025 + Ad x 0,005] x Ca x Cl x Cq
Vt Comércio (Vtc)
Vtc= 603x[(4533+3190,28x0,3)xCaj x 35%+529,5684x0,025+0x0,005]x1,2x1,7x1
Vtc=€ 1943851,28
Vt Habitação (Vth)
Vth = 603x[(10892+7664,72x0,3) x Cajx35%+1272,4316x0,025+0x0,005]x1x1,9x1
Vth = € 4279827,96
Vt Indústria (Vti)
Vti =
Vti =€ 0,00
Vt Serviços (Vts)
Vts =
Vts =€ 0,00
Vt Outra afectação (Vto)
Vto =
Vto =€ 0,00
Vt Outras edificações (Método de custo) (Vtt)
Vtt= (Ai x Preço/m2 + Abc x Custo/m2) x % + (Ac x 0,025 + Ad x 0,005) x Ca x Cl x Vc
Vtt=
Vtt=€ 0,00
Vt (total) = Vtc + Vth+ Vti + Vts + Vto+ Vtt
VT= €6223679,25
Caj art 40ºA do CIMI
IV.2. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 11 são dados como assentes por acordo das partes e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 10 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).
IV. FUNDAMENTAÇÃO (continuação)
O Direito
Relembram-se que, para além do valor do pedido a apreciar e fixar a final, são, em síntese, as seguintes as questões suscitadas:
a) Se, na avaliação dos terrenos para construção, prevista no CIMI para o cálculo do VPT, se deve ter em conta o coeficiente de localização (Cl) e o coeficiente de afetação (CA);
b) Se na avaliação dos terrenos para construção, prevista no CIMI para o cálculo do VPT, o valor base (Cl) é o custo médio de construção por metro quadrado, sem qualquer majoração e
c) Se os atos de fixação dos VPTs estão devidamente fundamentados.
Todas estas questões acabam por se reconduzir ao apuramento do critério ou fórmula legal que deve ser aplicada na avaliação de terrenos destinados a construção, maxime, se devem ser considerados os coeficientes de afetação e de localização a que alude o artigo 38º, do CIMI ou se, pelo contrário, como defende a Requerente, se essa avaliação se deve reger exclusivamente pelo disposto no artigo 45º, do CIMI.
Vejamos, transcrevendo, estas duas normas do CIMI aplicáveis ao caso sub juditio atualmente em vigor e também vigentes em 2018 (ano da avaliação) :
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.
Artigo 38º
Determinação do valor patrimonial tributário
1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afetação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de
euros imediatamente superior.
3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do
artigo46.º (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos. (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
O artigo 1.º do Código do IMI, o imposto municipal sobre imóveis (IMI), incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, definindo os artigos subsequentes, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º).
O artigo 6.º, por seu turno, estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
No que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º.
Dispõe este último artigo:
Artigo 46.º
Valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «Outros»
1- No caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º, com as adaptações necessárias.
2- No caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38º, o perito deve utilizar o método do custo adicionado do valor do terreno.
3- No caso de terrenos, o seu valor unitário corresponde ao que resulta da aplicação do coeficiente de 0,005, referido no nº 4 do artigo 40º, ao produto do valor base dos prédios edificados pelo coeficiente de localização.
4- O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com deliberação da câmara municipal.
O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos art.ºs. 38.º a 70.º, do CIMI.
O objetivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38º, do C.I.M.I., com a seguinte expressão (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.45 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.28 e seg.):
Vt = Vc x A x Ca x CL x Cq x Cv em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
CL = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
A avaliação assenta nestes seis coeficientes, todos eles de carácter objetivo que se podem agregar em dois conjuntos:
(i) Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL) e
(ii) Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez - Cv (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/2/2012, proc.4950/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7223/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.6982/13).
No que se refere ao regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está, como se viu, consagrado no art.º 45.º, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respetivo projeto.
Seguindo a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Sul (cfr., v. g., o processo nº 907/09, de 11/16/2017), “(...) É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (...)” (cfr.artº.6, nº.3, do C.I.M.I.; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.107 e seg.).”
Revertendo ao caso dos autos, defende a Requerida que a avaliação realizada não violou o quadro legal que regula a avaliação dos terrenos para construção e a Requerente pelo contrário, considera que avaliação objeto do presentes autos violou a forma de cálculo prevista no artº.45, do C.I.M.I., quanto aos terrenos para construção, assim não se podendo manter na ordem jurídica, devido a vício de violação de lei.
Vejamos mais de perto a questão:
Estando em causa um terreno para construção, o valor patrimonial tributário tem por base, como se viu, os critérios definidos naquele artigo 45.º, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir acrescido do valor do terreno adjacente à implantação. Além de que a norma define os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (n.ºs 2 e 3) e o valor da área adjacente à construção (n.º 4), cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção.
É nestes termos e no respetivo somatório que a lei fixa o valor patrimonial de um terreno para construção para efeitos de avaliação.
Ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno.
Por outro lado, ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretendeu equiparar os terrenos para construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.
Aliás, a remissão efetuada pela norma para os artºs. 40.º e 42.º, do C.I.M.I., por contraposição com a redação dada ao artº. 46.º, n.º 1, do mesmo diploma, relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações”, é demonstrativa de que o legislador, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não quis que entrassem outros fatores que não fossem o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
A citada remissão efetuada pela norma para os artºs. 40.º e 42.º, do C.I.M.I., não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respetivamente, as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
Em decorrência do acabado de dizer, deve concluir-se que não é aplicável também, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo artº.42º, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artº. 38º, do mesmo diploma.
Segue esta mesma orientação, a Jurisprudência suficientemente consolidada sobre a matéria ora em discussão quando que inequivocamente no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção deve observar-se o disposto no artigo 45º, do CIMI uma vez que é esta que constitui a norma específica que regula tal matéria, não havendo que considerar os coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto a que alude o artigo 38º, do CIMI, coeficientes que, aliás, caso fossem aplicados analogicamente, potenciariam a alteração da base tributável interferindo assim, de forma inadmissível, na incidência do imposto.
Concluindo e descendo ao caso dos autos: à AT estava legalmente vedada a aplicação da fórmula geral estabelecida no artigo 38.º do Código do IMI e, em concreto, não poderia ter considerado o coeficiente de localização nem o coeficiente de afetação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI por ausência total de base legal para esse efeito.
É este, reafirma-se, o sentido praticamente, senão mesmo, unânime, da Jurisprudência do STA, ou seja, que, na ausência de remissão expressa do artigo 45.º do Código do IMI para a fórmula geral do artigo 38.º do Código do IMI, esta (maxime, os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto) não poderá ser aplicada analogicamente à avaliação dos terrenos para construção (Cfr, entre outros, os acórdãos do STA de 11-11-2009, 20-4-2016, 16-5-2018, prolatados nos processos nºs 0765/09, 0824/15 e 0986/16 e, em especial, o acórdão uniformizador de Jurisprudência proferido em 21-9-2016, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA no processo nº 010831/13, todos publicados em www.dgsi.pt e ainda e, pelo menos, dois acórdãos arbitrais proferidos, em 8-4-2020 e 6-5-2019, por Tribunais constituídos no âmbito do CAAD – Processoas nº 554/2019-T e 428/2018-T, publicados no site do CAAD – www.caad.org.pt).
Assinale-se finalmente, e en passant, que, no que respeita ao coeficiente de localização, este fator já se encontra estabelecido ou contemplado no citado artigo 45.º (2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas; 3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º) conforme tem sido decidido também pelo STA [cfr., v. g., Acórdão de 5-4-2017 – Proc nº 01107/16: “ Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”].
Em síntese: resulta do exposto que os atos de fixação de valor patrimonial tributário (VPT) dos mencionados terrenos para construção com recurso aos coeficientes de afetação, conforto, qualidade e localização, são ilegais por violação do disposto no artigo 45º, do CIMI.
Pedidos com conhecimento prejudicado
A procedência do pedido de anulação dos atos de avaliação, com base em ilegalidade, prejudica a apreciação dos demais vícios ou questões suscitadas nos autos pela Requerente à luz do princípio da melhor e mais eficaz tutela do direito da Requerente.
V. – DECISÃO
Pelo exposto decide este Tribunal:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o acto de fixação do valor patrimonial tributário impugnado;
b) Julgar prejudicada a apreciação e decisão das demais questões suscitadas, sem prejuízo da pronúncia infra sobre o valor da causa e
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas, atento o seu decaimento.
Valor da causa
Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do RJAT “[p]ela constituição de tribunal arbitral é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa.”.
No entanto, o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (Regulamento) não dispõe de norma habilitante para regular mais do que a fixação da taxa de arbitragem. Por outras palavras, o Regulamento apenas rege a matéria relativa ao valor da causa dos litígios sujeitos à jurisdição arbitral.
Assim, importa aplicar o artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a título subsidiário, por força do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT.
O artigo 97.º-A, n.º 1, al. c), do CPPT, determina que: “1 – Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: c) quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado”.
E qual será então o valor contestado?
A interpretação mais aceitável da expressão “valor contestado”, constante da alínea c) do n.°1 do artigo 97º-A do CPPT, conforme à lei e à Constituição, será aquela que a faz corresponder ao imposto que seria cobrado caso se fixassem os valores patrimoniais na ordem jurídica.
Por outro lado, o princípio em matéria de tributação ou de custas do processo de arbitragem é o da correspondência do valor da causa ao da utilidade económica do pedido – Cfr artigo 10º-2/e), do RJAT.
E foi, parece, seguindo este raciocínio, que a Requerente fixou o valor a esta acção arbitral, considerando ser o indicado - € 260 555,00 - correspondente às liquidações de IMI efetuadas e a efetuar pela AT, com base no VPT objeto de impugnação.
Alegou e concluiu, concretamente, que “[...] a errónea quantificação do VPT dos Terrenos para Construção (no valor agregado máximo de €6.033.680) implicou um acréscimo do IMI a pagar pela Requerente em 2019 por referência ao ano de imposto de 2018 (ano de apresentação das Declarações Modelo 1 do IMI) e implicará igualmente um acréscimo dos impostos (i.e., do IMI e do AIMI) a pagar entre o ano de imposto de 2019 e a data prevista para a conclusão dos prédios (2024), sendo precisamente essa a utilidade económica do pedido arbitral apresentado (...)” – Cfr alegações nos autos.
Assinale-se que não repugna considerar para cálculo do valor da ação para efeitos de custas, que se tome em linha de conta prestações vincendas (no caso, liquidações futuras de IMI, com base no VPT que foi impugnado) – Cfr artigo 300º, do CPC, aplicável extensiva ou analogicamente à situação sub juditio.
A Requerida, tendo embora contestado o valor, fê-lo, por um lado, considerando (indevidamente) estar em causa, não a impugnação de valor tributário mas de ato ou atos de liquidação e, por outro, de forma incompleta e formalmente ineficaz porquanto não ofereceu ou indicou, em substituição, outro valor para a causa – Cfr artigo 305º-1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT.
Pelo assim sumariamente exposto e sem outras, desnecessárias, considerações, aceita-se o valor indicado pela Requerente e, em consequência, fixa-se à causa o valor de € 260.655,00.
Valor das Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, cujo pagamento fica a cargo da Requerida conforme decidido supra.
Notifique.
Lisboa, 29 de setembro de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(árbitro presidente)
Ana Teixeira de Sousa
(árbitro vogal)
Nuno Cunha Rodrigues
(árbitro vogal)