Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 862/2019-T
Data da decisão: 2020-09-18  IVA  
Valor do pedido: € 6.527,84
Tema: IVA - Enquadramento das ajudas pagas no âmbito do Programa Comunitário POSEIMA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Sumário: As ajudas comunitárias concedidas no âmbito do programa POSEIMA são equiparadas a subvenções directamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos da sua subsunção à previsão da norma constante do artigo 16.º n.º 5 alínea c) do Código do IVA,

 

I – Relatório

1. Em 17 de Dezembro de 2019, A..., S.A., NIF..., com sede na Rua ..., ..., Ponta Delgada, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição do Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos termos do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao período de 2019-01, com fundamento na ilegalidade de tal liquidação por vício de violação de Lei, no montante de € 6.527,84 (cfr. documento n.º 1 junto em anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA)).

2. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado. 

3. O presente Tribunal foi constituído no dia 6 de Março de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

4. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 1 de Julho de 2020, defendendo-se unicamente por impugnação. 

5. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

6. Por despacho de 13 de Julho de 2020, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo sucessivo de dez dias.

7. Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 30 de Setembro de 2020 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

8. A Requerente não apresentou alegações. A Requerida apresentou as suas em 17-09-2020, remetendo e dando por integralmente reproduzidos os argumentos aduzidos na sua resposta.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IVA, referente ao período de 2019-01, no montante de € 6.527,84, no seguinte:

a) Invoca que as ajudas pagas ao abrigo do programa POSEIMA não revestem objectivamente a natureza de subvenções tributáveis em IVA nem se encontram abrangidas pelo artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA).

b) De acordo com a interpretação que a Requerente faz dos Regulamentos que instituíram e regulamentaram o benefício POSEIMA ao abastecimento – que engloba a isenção de direitos niveladores e aduaneiros relativamente às mercadorias originárias de países terceiros e a ajuda relativamente aos procedentes da comunidade – este não deve ser considerado como subvenções directamente conexas com o preço das operações tributáveis uma vez que não são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas nem do volume de serviços prestados, nem pretendem influenciar directamente o preço de comercialização dos produtos transformados.

c) Com efeito, considera a Requerente que a ajuda POSEIMA ao abastecimento, destina-se tão somente a compensar o afastamento, ultraperificidade e a insularidade dos Açores e da Madeira em relação da determinados produtos agrícolas, sendo certo que a incidência de IVA sobre o benefício constituído pela ajuda, no caso de produtos oriundos da União Europeia (UE), implicaria um encarecimento dos produtos provenientes da UE relativamente aos originários de países terceiros, o que constitui uma violação do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento 1453/2001, bem como os princípios da concorrência, da livre circulação de mercadorias e da não discriminação.

d) Finalmente, a Requerente entende existir vasta jurisprudência do TJUE sobre a interpretação da norma relativa ao artigo 73.º da Directiva IVA, num sentido claro e uniforme de interpretação restritiva, concretamente quanto aos pressupostos da “noção de subvenções directamente relacionadas com o preço das operações”, não bastando para efeitos da sujeição a IVA que a subvenção tenha influência sobre os preços dos bens entregues ou dos serviços prestados.

e) Conclui, pela ilegalidade da liquidação em sede de IVA, sub judice, reiterando que a actuação da AT é contrária ao disposto no artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA, artigo 3.º n.º 2 do Regulamento (CE) 1451/2001 do Conselho de 28 de Junho de 2001, artigos 6.º e 8.º n.º 1 do Regulamento n.º 20/2002, da Comissão, de 28 de Dezembro 2001 e artigo 11-A, n.º 1 , a) da Sexta Directiva.

f) Sem prejuízo de se afigurar claro que a actuação da AT é incompatível com o Código do IVA e com o direito da União Europeia, no que respeita ao enquadramento das ajudas POSEIMA no conceito de subvenções directamente relacionadas com o preço das operações e consequentemente sujeitas a IVA,  caso ainda assim subsistam dúvidas, requer o reenvio prejudicial ao TJUE.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte: 

a) Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, entendendo que a legislação nacional que sujeita a IVA as ajudas concedidas ao abrigo do programa POSEIMA, designadamente o artigo 34.º, n.º 4 da Lei n.º 127-B/97, respeita as disposições comunitárias, sendo a liquidação de IVA em causa legal;

b) Começa por referir que o Regulamento (CE) n.º 1453/2001 do Conselho de 28 de Junho de 2001, que estabelece medidas específicas relativas a determinados produtos agrícolas a favor dos Açores e da Madeira o qual revogou o Regulamento (CEE) n.° 1600/92 (POSEIMA), se encontra revogado desde 14/02/2006, ou seja, em data anterior aos factos em apreço.

c) O Regulamento actualmente em vigor, Regulamento (CE) n.º 247/2006 do Conselho, de 30 de Janeiro de 2006, estabelece medidas específicas no domínio agrícola a favor das regiões ultraperiféricas da União Europeia, estabelecendo, designadamente, no âmbito dos seus objectivos que “as vantagens económicas do regime específico de abastecimento devem repercutir-se no nível dos custos de produção e reduzir os preços até ao utilizador final. É, pois, conveniente que a concessão dessas vantagens fique subordinada à repercussão efectiva das mesmas e que sejam postos em prática os controlos necessários.”

d) Apoiada no texto do referido Regulamento comunitário e nos ensinamentos da doutrina dominante, a AT entende que as subvenções em apreço devem ter reflexo efectivo nos preços a pagar pelo consumidor final, apesar de não serem concedidas ou estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

e) Para suportar o seu entendimento, a Requerida invoca a jurisprudência firmada pelos Tribunais superiores, e bem assim a resposta afirmativa da Comissão Europeia na sequência das perguntas parlamentares realizadas tendo em vista obter a confirmação do cumprimento por parte do Estado português da conformidade do regime de tributação em sede de IVA no âmbito do programa comunitário de ajudas POSEIMA.

f) A Requerida conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que a lei portuguesa que equipara as ajudas do POSEIMA a subvenções directamente ligadas ao preço das operações não viola as normas de direito comunitário, sendo, pois, legal a liquidação adicional de IVA em causa. 

 

 IV. Saneamento

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

V. Matéria de facto

a. Factos dados como provados  

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto as indústrias de moagem de cereais, massas alimentícias, bolachas e alimentos compostos para animais, assim como a exploração da pecuária e das indústrias consideradas complementares ou afins do mencionado objecto e a comercialização dos respectivos produtos.

b) Em sede de IVA, a Requerente é um sujeito passivo enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal; (cf. Processo Administrativo (doravante PA)).

c) No âmbito da sua actividade, tem introduzido na Região Autónoma dos Açores, mercadorias para abastecimento, destinadas à transformação, adquiridas na UE ou em Países Terceiros, ao abrigo do Programa Comunitário de Opções Específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores (POSEIMA); (cf. PA).

d) Em 11 de Março de 2019 a Requerente apresentou uma declaração periódica de IVA referente ao período de Janeiro de 2019, na qual, seguindo o entendimento da AT, incluiu o montante de € 163.125,38, respeitante à ajuda contemplada no Programa POSEIMA, registando no campo 41 do Quadro 6, o correspondente IVA no valor de € 6.527,84; (cf. PA).

e) Em 20 de Junho de 2019, não se conformando com o entendimento da AT, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IVA, no montante de € 6.527,84, correspondente ao IVA que, no período de Janeiro de 2019, incidiu sobre os valores do programa POSEIMA; (cf. PA).

f) Em 2 Outubro de 2019, por decisão do Director de Finanças de Ponta Delgada, foi indeferida a reclamação graciosa da Requerente, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 4 da Lei n.º 127-B, de 20 de Dezembro, equiparando o valor recebido pela Requerente do programa POSEIMA a uma subvenção tributável em IVA; (cf. PA);

g) No dia 17 de Dezembro de 2019 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral. 

 

b. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados. 

 

c. Fundamentação dos factos provados

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a posição das partes, a prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como o processo administrativo junto aos autos.

 Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do actual CPC).

 

VI. Do direito

1. Delimitação da questão a decidir

A única questão que está em causa nos presentes autos passa por aferir se as ajudas pagas à Requerente no âmbito do programa POSEIMA devem ser ou não consideradas subvenções directamente conexas com o preço das operações tributáveis, nos termos do artigo 16.º n.º 1 e 5, alínea c) do Código do IVA, e do disposto no artigo 34.º n.º 4 da Lei n.º 127-B/97 de 20 de Dezembro, e, em caso afirmativo, sujeitas IVA.

A este respeito, a Requerente entende que as ajudas em causa não são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas nem do volume de serviços prestados, defendendo que o artigo 34.º n.º 4 da Lei n.º 127-B/97 de 20 de Dezembro, ao vir equiparar as ajudas POSEIMA a subvenções directamente conexas com preço das operações, viola o disposto no direito da União Europeia, concretamente, no artigo 11.º, a), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva e no actual Artigo 73º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA).

Ora, esta questão foi já analisada, em situação em que foi impugnada uma liquidação de IVA com os mesmos fundamentos, no acórdão proferido no processo n.º 589/2019-T, que tinha subjacente a mesma factualidade. Não havendo motivo para alterar esse entendimento, no qual nos revemos e que acompanhamos, passa aqui a reproduzir-se a parte mais relevante da sua fundamentação:

 

1.1 Do reenvio prejudicial

«Uma vez enquadrada a questão que se discute nos autos, importa antes de mais analisar o segmento do pedido da Requerente, em que solicita o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), caso se entenda que a desconformidade das liquidações de IVA em causa com o direito da União Europeia não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Como se refere no Ponto 7 das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE: «o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional.»

Mais se recorda, no Ponto 12 daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i) já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii) quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no Ponto 13, «um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correcta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece.»

Por fim, conforme consta do Ponto 18 das mesmas recomendações, «O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.»

No caso em apreço, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir decisão, nem a Requerente o demonstra, baseando em grande parte, a sua própria argumentação na interpretação que faz da jurisprudência abundante proferida pelo TJUE sobre a matéria que se discute nos autos.

Por conseguinte, e como se demonstrará infra, entende-se que a jurisprudência disponível do TJUE esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correcta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que se conhece.

Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial.

 

1.2 Programa POSEIMA – Breve caracterização 

O programa comunitário de opções específicas para fazer face ao afastamento e insularidade da Madeira e dos Açores (POSEIMA), foi instituído pela Decisão do Conselho 91/315/CEE, de 26 de Junho de 1991 (cf. artigo 1.º desta decisão).  

De acordo com o 4.º considerando, os Açores e a Madeira “sofrem um atraso estrutural importante, agravado por dificuldades (insularidade, grande afastamento, superfície reduzida, relevo e clima difíceis) cuja constância e cumulação condicionam pesadamente o respectivo desenvolvimento económico e social e colocam estes dois arquipélagos entre as regiões mais desfavorecidas da Comunidade; que estas dificuldades específicas impõem o reforço do apoio da Comunidade para garantir que os Açores e a Madeira participem plenamente na dinâmica do mercado interno; que este apoio se traduz, por um lado, em intervenções dos Fundos estruturais, no âmbito da prioridade reconhecida às regiões ditas do objectivo n° 1, mas deve igualmente traduzir-se, por outro lado, e de forma complementar, na tomada em consideração das dificuldades específicas dos Açores e da Madeira na aplicação das políticas comuns, seguindo neste aspecto a perspectiva comunitária em relação às regiões ultraperiféricas, de que a adopção e execução do programa Poseidom (…) constitui a primeira manifestação concreta.”

De acordo com o considerando 13 “a situação geográfica excepcional dos Açores e da Madeira em relação às fontes de abastecimento em produtos a montante de determinados sectores da alimentação, essenciais para o consumo corrente ou para a transformação nos dois arquipélagos, impõe a estas regiões encargos que oneram pesadamente esses sectores”. Neste sentido, considera-se conveniente prever um regime específico de abastecimento dos produtos em causa, dentro dos limites das necessidades do mercado dos dois arquipélagos interessados e tendo em conta as produções locais e as correntes de trocas tradicionais. 

O programa POSEIMA consta do anexo da Decisão 91/315, resultando do ponto 3.1 do Anexo I que tem em vista a realização dos objectivos gerais do Tratado, contribuindo para a implementação dos seguintes objectivos na região:

1) A melhor inserção da Madeira e dos Açores na Comunidade, estabelecendo um quadro adequado para a aplicação das políticas comuns nessas regiões;

2) A plena participação da Madeira e dos Açores na dinâmica do mercado interno, utilizando de forma optimizada as regulamentações e instrumentos comunitários existentes;

3) A contribuição para a recuperação económica e social dos Açores e da Madeira, através, nomeadamente, do financiamento comunitário das medidas específicas previstas no programa POSEIMA.

Por seu turno, o título IV do programa em análise nos seus pontos 9 a 12, prevê medidas específicas destinadas a minorar os efeitos da situação geográfica excepcional consubstanciadas em acções que se destinam a minorar o impacte dos sobrecustos de abastecimento em produtos agrícolas decorrentes do afastamento e da insularidade dos Açores e da Madeira.

Nos termos do ponto 9.2, a acção comunitária consistirá, no que diz respeito aos produtos agrícolas essenciais para o consumo ou a transformação nas duas regiões e dentro dos limites das necessidades do mercado dos Açores, tendo em conta as produções locais e as correntes comerciais tradicionais e zelando pela preservação da parte dos abastecimentos em produtos do resto da Comunidade:  

1) Em isentar de direitos niveladores e/ou de direitos aduaneiros e dos montantes previstos no artigo 240.º do Acto de Adesão os produtos originários de países terceiros;

2) Em permitir, em condições equivalentes e sem aplicação dos montantes previstos no citado artigo 240.º, o fornecimento de produtos comunitários colocados na intervenção ou disponíveis no mercado da Comunidade.

Mais estabelece que a aplicação do sistema POSEIMA assentará designadamente nos seguintes princípios:

- As quantidades que são objeto do presente sistema de abastecimento serão determinadas anualmente no âmbito de balanços previsionais;

- Com o objectivo de garantir que estas medidas se repercutam no nível dos custos de produção e no dos preços ao consumidor, será conveniente prever um mecanismo de controlo dessa repercussão até ao consumidor final; (sublinhado nosso)

- Quanto ao abastecimento dos Açores em açúcar bruto o sistema será aplicável até ao momento em que o desenvolvimento da produção local de beterraba sacarina permita satisfazer as necessidades do mercado dos Açores e da forma que o volume total de açúcar refinado nos Açores não ultrapasse 10 000 toneladas. 

Na sequência da adopção da Decisão n.º 91/315, foi aprovado o Regulamento (UE) n.º 228/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Março de 2013  que estabelece medidas específicas no domínio da agricultura a favor das regiões ultraperiféricas da União. Este Regulamento, foi subsequentemente completado pelo Regulamento Delegado (UE) n.º 179/2014, de 6 de Novembro e pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 180/2014, de 20 de Fevereiro, ambos da Comissão, sendo este o regime em vigor à data dos factos.

De acordo com o parágrafo 8 do Regulamento n.º 228/2013, “A fim de realizar eficazmente o objectivo de diminuição dos preços nas regiões ultraperiféricas, mitigando os custos adicionais decorrentes da ultraperifericidade, é conveniente conceder ajudas para o fornecimento de produtos da União àquelas regiões. Essas ajudas deverão ter em conta os custos adicionais de transporte para as regiões ultraperiféricas e os custos com a exportação para países terceiros, bem como, no caso de factores de produção agrícola ou de produtos destinados à transformação, os custos adicionais associados à ultraperifericidade, nomeadamente a insularidade e as pequenas superfícies, relevo e clima difíceis e a dispersão das ilhas.”

Acresce que “para realizar os objectivos do regime, as vantagens económicas do regime específico de abastecimento deverão repercutir-se no nível dos custos de produção e reduzir os preços até ao utilizador final. É, pois, conveniente que a concessão dessas vantagens fique subordinada à repercussão efectiva das mesmas e que sejam postos em prática os controlos necessários.”  (sublinhado nosso). 

Tendo em vista alcançar os objectivos previstos para o programa, o Regulamento n.º 228/2013 estabeleceu um regime específico de abastecimento para os produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado, essenciais para a Região, quer para consumo humano, quer para o fabrico de outros produtos, sendo que as necessidades anuais de abastecimento são quantificadas por estimativa. 

Nos termos do n.º 2 do artigo 10.º “o montante dessa ajuda é fixado para cada tipo de produto em causa, tendo em conta os custos adicionais de transporte para as regiões ultraperiféricas e os preços praticados nas exportações para os países terceiros, bem como, no caso de produtos destinados a transformação ou de fatores de produção agrícola, outros custos adicionais associados à ultraperifericidade (...)”. 

Nos termos do artigo 11.º do Regulamento, o regime será aplicado de modo a tomar em consideração designadamente:

a) As necessidades específicas das regiões ultraperiféricas e, no caso dos produtos para transformação ou dos factores de produção agrícola, as exigências de qualidade;

b) As correntes comerciais com o resto da União; c) O aspeto económico das ajudas previstas; d) A necessidade de assegurar que a produção local existente não seja desestabilizada, nem o seu desenvolvimento entravado.

Por fim, resta notar que decorre do artigo 13.º do Regulamento, sob a epigrafe “Repercussão da Vantagem” que “O benefício do regime específico de abastecimento resultante da isenção do direito de importação ou da concessão da ajuda fica subordinado à repercussão efectiva da vantagem económica até ao utilizador final, que, consoante o caso, pode ser o consumidor, sempre que se trate de produtos destinados ao consumo directo, o último transformador ou acondicionador, sempre que se trate de produtos destinados às indústrias transformadoras ou de acondicionamento, ou o agricultor, sempre que se trate de produtos utilizados para a alimentação animal ou como factores de produção agrícola. A vantagem referida no primeiro parágrafo deve ser igual ao montante da isenção dos direitos de importação ou ao montante da ajuda.” (sublinhado nosso).

 

1.3 Programa comunitário POSEIMA – Enquadramento em sede de IVA 

Posto que se julga incontroverso que foram concedidos pagamentos à Requerente, provenientes de fundos da União Europeia com o objectivo de minorar o impacto dos sobrecustos de abastecimento em produtos agrícolas essenciais para o consumo ou a transformação na região do Açores, cabe aferir em seguida se tais montantes integram os pressupostos de que depende a tributação das subvenções, de acordo com a legislação aplicável e à luz da jurisprudência do TJUE.

Para este efeito, importa analisar em que medida tais pagamentos efectuados à Requerente – que é um sujeito passivo de IVA, realizando operações sujeitas a imposto – pela sua natureza, representam subvenções ao preço, nos termos e para os efeitos do artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA, caso em que será devido o IVA em conformidade com a posição da AT.

O artigo 16.º, n.º 1 do Código do IVA e, bem assim, o seu correlativo artigo 73.º da Directiva IVA, incluem no âmbito de incidência deste imposto qualquer contraprestação relativa a operações que caiam no seu âmbito de incidência, seja esta contraprestação obtida do adquirente dos serviços, dos seus destinatários ou de terceiros.

Ponto é que a contraprestação tenha um nexo directo (direct link) com os bens transaccionados ou com serviços prestados, como tem sido entendimento reiterado do TJUE, o que, nas circunstâncias do caso, inequivocamente se infere dos factos, uma vez que os pagamentos efectuados pela União Europeia têm por pressuposto e condição que o benefício do regime específico de abastecimento fique subordinado à repercussão efectiva, até ao utilizador final, da vantagem económica resultante da isenção do direito de importação ou da ajuda, sendo que os Estados Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar o cumprimento do regulamento, em matéria de controlo e de sanções administrativas. 

Importa ainda relembrar que as ajudas têm em conta um conjunto de factores como a superfície reduzida, o clima, o isolamento e os custos adicionais de transporte para as regiões ultraperiféricas dos Açores, bem como os custos com a exportação para países terceiros, sendo esses pagamentos calculados em função das necessidades anuais de abastecimento, mensurados com base em critérios objectivos que assegurem a participação plena dos Açores no mercado interno.  

Acresce notar que o legislador português equiparou as ajudas pagas no âmbito do programa POSEIMA a subvenções directamente conexas com o preço das operações, nessa medida incluídas no valor tributável em IVA, nos termos do artigo 34.º n.º 4 Lei n.º 127-B/97, 20 Dezembro (Lei do Orçamento Geral do Estado para 1998).

Alega a Requerente, que o artigo 34.°, n.º 4, da Lei n° 127-B/97, de 20 de Dezembro, veio reconhecer que tais ajudas não são materialmente subvenções directamente conexas com o preço das operações, ao ter a necessidade de as equiparar às subvenções contempladas no artigo 16.°, n.º 5, alínea c), do Código do IVA, apenas para efeitos da sua tributação.

Ora, sobre esta matéria assinalamos a posição adoptada recentemente pelo STA, em relação a um caso análogo, a qual acompanhamos, a propósito da consonância da norma nacional supra citada com o regime do programa POSEIMA em consequência de:

“-as ajudas ao abastecimento no âmbito do programa deverem ser repercutidas, designadamente, nos preços ao consumidor (Decisão do Conselho 91/315/CEE, 26 Junho 1991 ponto 9.1 e 9.2 do programa);

- o benefício do regime específico de abastecimento ficar subordinado à repercussão efectiva, até ao utilizador final, da vantagem económica resultante da ajuda, o que significa a necessidade de incorporação da ajuda no valor tributável do produto final a pagar pelo adquirente (Regulamento nº 247/2006, do Conselho 30 Janeiro 2006 Preâmbulo §7º e art. 3º nº4). 

5ª A incorporação das subvenções pagas aos sujeitos passivos beneficiários do programa comunitário na base de incidência do IVA tem por objectivo submeter ao imposto a totalidade do valor dos bens e das prestações de serviços, deste modo evitando que o pagamento da subvenção dê origem a menos receita do imposto, por previsível redução do preço pago pelo consumidor final (acórdão TJUE 15 Julho 2004 processo nº C-381/01 parágrafo 27).

6ª Este mecanismo permite a tendencial recuperação do montante das subvenções por via do imposto repercutido e pago pelo utilizador final dos produtos ou beneficiário do serviço: embora o IVA não seja um recurso próprio comunitário, a respectiva matéria tributável serve de base ao cálculo das contribuições financeiras dos Estados-Membros, através da aplicação de uma taxa uniforme (Decisão nº 2000/597/CE, do Conselho, 29 Setembro 2000, relativa ao sistema dos recursos próprios das Comunidades Europeias).

7ª A norma constante do art.34º nº 4 Lei nº 127-B/97, 20 Dezembro não viola o art.73º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, 28 Novembro 2006 (Directiva IVA), o qual expressamente prevê como compreendido no valor tributável das entregas de bens e das prestações de serviços as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.”  (sublinhado nosso)  

Neste mesmo sentido se tem também pronunciado a jurisprudência do TJUE, alertando que a noção de subvenção, na acepção do IVA, constitui uma noção autónoma de direito comunitário, configurando uma matéria directamente relacionada com a determinação do valor tributável das operações sujeitas a IVA, reportando-se ao conceito específico de subvenções directamente relacionadas com o preço de operações.

Destaca-se a pronúncia do Acórdão do TJUE, de 22 de Novembro de 2001, no processo C-184/00, Office des Produits Wallons (“OPW”) 4, que no seu quadro fundamentador explicita os pressupostos fundamentais do tratamento das subvenções, para efeitos de IVA, entretanto complementado pelo Acórdão Rayon d’Or, processo C-151/13, de 27 de Março de 2014.

A razão da inclusão no valor tributável dos subsídios directamente relacionados com o preço das operações prende-se com o facto de estarmos perante um imposto que visa tributar o consumo, pelo que, neste caso, não se poderia excluir do valor tributável uma parte da contraprestação. Sabermos quando é que uma subvenção é incluída no valor tributável de uma operação sendo objeto de tributação em sede de IVA, pode revelar-se uma tarefa complexa.

Neste âmbito, o TJUE tem entendido que para estarmos perante um subsídio devem encontrar-se reunidos cumulativamente alguns pressupostos:

i)             Deve ser recebido por um sujeito passivo de IVA, excluindo-se as subvenções destinadas a incentivar o consumo, que têm como destinatários consumidores finais;

ii)            Deve ter um carácter patrimonial, abrangendo não apenas as prestações de carácter pecuniário, mas o valor correspondente a determinadas prestações em espécie, avaliáveis em dinheiro; 

iii)           Deve ser entregue através do recurso a dinheiros de origem pública, isto é, o subsídio deve ser proveniente, ou com recurso a verbas, de um organismo internacional ou de um organismo público nacional, seja de âmbito estadual, regional ou local; 

iv)           A autoridade que concede a subvenção não deve ser o destinatário das operações tributáveis realizadas pelo sujeito passivo, sendo necessário o envolvimento de três partes: aquele que concede a subvenção, o sujeito passivo que a aufere e o destinatário dos bens ou serviços disponibilizados por esse sujeito passivo (deve existir uma relação triangular;  

v)            A subvenção é paga à entidade subvencionada para que esta, concretamente, transmita certos bens ou preste determinados serviços, apenas lhe sendo concedida caso tais operações sejam por ela efectuadas;  

vi)           O subsídio deve possibilitar à entidade subvencionada praticar preços inferiores aos praticados na sua ausência, de que os adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços sejam directamente os beneficiários; 

vii)          A contrapartida consubstanciada na subvenção, deve ser determinada ou determinável, não sendo necessário que o montante subvencionado corresponda exactamente à diminuição do preço, bastando que o seja de forma significativa. 

Conforme sublinham Maria Odete Oliveira e Severino Henriques Duarte, a subvenção deve ser fixada antes da operação, mas não é necessário que esteja determinada, basta que seja determinável. 

Estes pressupostos correspondem, aliás, àqueles que a Autoridade Tributária e Aduaneira enunciou genericamente na Informação n.º 1758, de 28 de Janeiro de 1992. 

Assim, acompanhando o recente Acórdão do STA no processo proc. n.º 0217/18, supra referido, numa situação idêntica à dos presentes autos arbitrais, e a jurisprudência comunitária citada, em particular os Acórdãos OPW e Le Rayon d’Or, dir-se-á que subjaz, em primeira linha, ao regime de IVA das subvenções o princípio da neutralidade, que emerge do Considerando 7 e do artigo 1.º da Directiva IVA, no sentido de ser assegurado o tratamento fiscal equivalente a operações económicas idênticas, uma subvencionada e outra não subvencionada, e de atingir o objectivo de influenciar o mínimo possível as decisões dos agentes económicos.

Recordando as características do programa POSEIMA analisadas no ponto 1.2 supra, na situação sub judice, constatam-se todos os elementos constitutivos do facto tributário tal como enunciados pela jurisprudência do TJUE. 

Ademais, e como resulta da jurisprudência do STA, tendo o legislador, no exercício da sua liberdade de conformação normativa, expressamente equiparado as ajudas comunitárias concedidas no âmbito do programa POSEIMA a subvenções directamente conexas com o preço das operações para efeito da sua inclusão no valor tributável em IVA, é irrelevante para a decisão da causa a análise da natureza económica daquelas, assumindo-se o acto de liquidação como um ato vinculado. 

Não obstante, a conjugação das premissas enunciadas aponta no sentido da conformidade com o artigo 73.º Directiva IVA da norma constante do artigo 34.º n.º 4 da Lei n.º 127-B/97, de 20 Dezembro (Lei OGE 1998), que equipara as ajudas concedidas no âmbito do programa POSEIMA a subvenções directamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos da sua subsunção à previsão da norma constante do artigo 16.º n.º 5 alínea c) do Código do IVA, não enfermando o ato tributário de liquidação de IVA dos vícios materiais que lhe foram imputados pela Requerente.»

Acompanhamos, sem reservas, a jurisprudência do STA, do TJUE e acima referidas e o acórdão do CAAD proferido no Processo n.º 589/2019-T que aqui se transcreveu, considerando este Tribunal que não assiste razão à Requerente, pelo que improcede o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IVA ora impugnada.

 

VII. Decisão 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral,

-              Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do mesmo;

-              Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VIII. Valor do processo 

Fixa-se o valor do processo em € 6.527,84 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IX. Custas 

Custas no montante de € 612,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Setembro de 2020

 

O Árbitro,

Cristina Aragão Seia