Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 951/2019-T
Data da decisão: 2020-09-18  IRC  
Valor do pedido: € 837.743,02
Tema: IRC – Não residente; Retenção na fonte; Direito da União Europeia.
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SUMÁRIO:

 

A tributação de entidades não residentes e sem estabelecimento estável no território português por rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos  dos artigos 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º do Código do IRC, à data vigentes, sem a possibilidade de dedução dos encargos directamente relacionadas com a sua actividade, é ilegal por violação dos princípios da liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais consagrados nos artigo 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... B.V., anteriormente designada B... B.V., pessoa coletiva com sede e direção efetiva em ..., ..., Países Baixos, com o número de identificação fiscal português ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte, no montante de € 837.743,02, relativos aos anos de 2004 e 2005, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

                 

A Requerente é uma sociedade de direito holandês, com sede e direção efetiva nos Países Baixos, que tem por objeto social a detenção de participações sociais no capital de outras sociedades, sendo configurada como um sujeito passivo não residente em território nacional.

 

Em 2004 e 2005, o capital social da Requerente era integralmente detido pela C..., S.A., participação social que havia sido adquirida em 19 de agosto de 2002, e, nesse contexto, a Requerente celebrou com a C... contratos de mútuo ao abrigo dos quais recebia juros como contrapartida da disponibilização originária dos fundos.

 

Aquando do vencimento dos juros, a C..., enquanto substituta tributária da Requerente, procedeu à retenção na fonte de IRC à taxa de 10% sobre o respetivo montante bruto, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação (CDT Portugal-Holanda), tendo o valor do imposto retido totalizado € 837.745,02

 

À data dos factos, resultava do disposto nos artigos 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º, n.ºs 1, alínea c), 2 e 3, alínea b), do CIRC, que os juros devidos por um sujeito passivo de IRC residente em território nacional a uma entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal estava sujeito a tributação à taxa de 20%, ou a uma taxa inferior se se tratasse de uma situação suscetível de ser enquadrada numa convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal (artigo 90.º-A, n.º 1, do CIRC).

 

No entanto, se o beneficiário dos juros fosse uma sociedade residente em território português, havia lugar a retenção na fonte à taxa de 15% (artigo 101.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, por remissão do artigo 88.º, n.ºs 1, alínea c), e 4, do CIRC), mas correspondente a uma retenção na fonte por conta do imposto devido a final (artigo 88.º, n.º 3, do CIRC), ao contrário de um credor não residente, que seria tributado sobre o rendimento bruto sem possibilidade de deduzir em Portugal os gastos em que possa ter incorrido na operação em apreço. 

 

Esse diferente regime jurídico entre entidades residentes e não residentes é discriminatório e suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, tal como se decidiu no acórdão do TJUE no Processo n.º C-18/15 (acórdão Brisal).

 

Em caso de dúvida interpretativa sobre o direito da União Europeia, a Requerente não se opõe a que seja suscitado o reenvio prejudicial para o TJUE.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere, a título prévio, que o presente processo arbitral foi instaurado ao abrigo do regime de migração de processos previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, que prevê no seu n.º 2 que as pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, pelo que competia à Requerente demonstrar a identidade do pedido e da causa de pedir entre a impugnação judicial interposta perante o tribunal tributário e o pedido de pronúncia arbitral.

 

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária alega que a Diretiva 2003/49/CE, que estabeleceu um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes, estabelece para Portugal um período transitório de 8 anos, sendo que a taxa aplicável nos primeiros 4 anos não pode ser superior a 10% e nos 4 anos subsequentes não pode ser superior a 5%, havendo lugar à transposição para a ordem jurídica interna de modo a ser aplicada a partir de 1 de Janeiro de 2005.

 

A Diretiva foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 34/2005, de 17 de Fevereiro, com início de vigência a partir de 1 de Janeiro de 2005, pelo que as retenções na fonte impugnadas encontram-se plasmadas na lei portuguesa e em conformidade com a Diretiva 2003/49/CE.

 

Sendo que a Autoridade Tributária se encontra sujeita ao princípio da legalidade tributária e não pode desaplicar normas ainda que com fundamento em inconstitucionalidade.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. O pedido arbitral foi apresentado ao abrigo do regime de migração de processos previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, e na sequência do despacho de declaração da extinção da instância proferido, a requerimento da Impugnante, no processo de impugnação judicial n.º .../08...BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

 

                No seguimento do processo arbitral, e após a junção da resposta, foi determinada, por despacho de 6 de Julho, a notificação da Autoridade Tributária para juntar o processo administrativo, sob a cominação constante do artigo 84.º, n.º 6, do CPTA, subsidiariamente aplicável. O processo administrativo não foi apresentado até ao termo do prazo concedido para o efeito.

 

Por despacho arbitral de 10 de Setembro de 2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18 de Março de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi suscitada a questão prévia da verificação do pressuposto a que se refere o artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 81/2018, que será analisada adiante.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente é uma sociedade de direito holandês, com sede e direção efetiva nos Países Baixos, que tem por objeto social a detenção de participações sociais no capital de outras sociedades;

B)           Para efeitos do disposto no artigo 2.º do Código do IRC, a Requerente é configurada como um sujeito passivo não residente em território nacional;

C)           Em 2004 e 2005, o capital social da Requerente era integralmente detido pela C..., S.A. (C...), pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º ..., participação social que a C... havia adquirido em 19 de agosto de 2002;

D)           Foi nesse contexto de relação societária que a Requerente celebrou com a C... contratos de mútuo ao abrigo dos quais receberia juros, como contrapartida da disponibilização originária dos fundos;

E)            Aquando do vencimento dos juros a C..., enquanto substituta tributária da ora Requerente, procedeu à retenção na fonte de IRC à taxa de 10% sobre o respetivo montante bruto, fazendo aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação (CDT);

F)            Os montantes retidos na fonte, no valor total de € 837.745,02 foram os seguintes:

 

Data da colocação do rendimento à disposição Juros     IRC (10%)             Modelo 9 RFI     Documento comprovativo da entrega do IRC retido na fonte

11/05/2004

20/05/2004

24/05/2004

27/05/2004

28/05/2004

                € 2.072,00

€ 8.880,00

€ 86.243,68

€ 14.675,68

€ 44.994,87 

(cf. Doc. n.º 8)   € 207,20

€ 888,00

€ 8.624,37

€ 1.467,57

€ 4.499,49

                cf. Doc. n.º 9      € 15.686,62 (cf. Doc. n.º 10)

08/06/2004

18/06/2004

                € 14.504,00

€ 23.680,00

(cf. Doc. n.º 11)                € 1.450,40

€ 2.368,00

                cf. Doc. n.º 12    € 3.818,40 (cf. Doc. n.º 13)

06/07/2004

08/09/2004

                € 19.886,27

€ 27.824,00

(cf. Doc. n.º 14)                € 1.988,63

€ 2.782,40

                cf. Doc. n.º 15    € 4.771,03 (cf. Doc. n.º 16)

12/10/2004

                € 51.800,00 (cf. Doc. n.º 17)       € 5.180,00          cf. Doc. n.º 18    € 14.326,59

(€ 5.180.00)

(cf. Doc. n.º 19)

18/10/2004

                € 53.576,00 (cf. Doc. n.º 20)       € 5.357,60          cf. Doc. n.º 21    € 14.326,59 (€ 5.180,00)

(cf. Doc. n.º 22)

29/10/2004

                € 37.889,89 (cf. Doc. n.º 23)       € 3.788,99          cf. Doc. n.º 24    € 14.326,59 (€ 3.788,99)

(cf. Doc. n.º 25)

11/11/2004        € 60.680,00        € 6.068,00          cf. Doc. n.º 27    € 6.068,00

                (cf. Doc. n.º 26)                                                (cf. Doc.º n. 28

02/12/2004

21/12/2004

                € 89.196,90

€ 18.139,67

(cf. Doc. n.º 29)                € 8.919,69

€ 1.813,97

                cf. Doc. n.º 30    € 10.730,66 (cf. Doc. n.º 31)

10/01/2005

                € 261,47 (cf. Doc. n.º 32)              € 26,15                cf. Doc. n.º 33    € 26,15

(cf. Doc. n.º 34)

17/02/2005

                € 139.813,76 (cf. Doc. n.º 35)     € 13.981,38        cf. Doc. n.º 36    € 13.981,38 (cf. Doc. n.º 37)

06/04/2005

08/04/2005

02/05/2005

                € 519,48

€ 104.488,00

€ 7.578.324,42

(cf. Doc. n.º 38)                € 51,95

€ 10.448,80

€ 757.832,44

                cf. Doc. n.º 39    € 768.334,19 (cf. Doc. n.º 40)

TOTAL   € 8.377.450,09 € 837.745,02                     € 837.745,02

 

G)           A Requerente apresentou, em 28 de Dezembro de 2006, reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte referidos, junto da Direção de Finanças de Lisboa;

H)           A reclamação graciosa, que teve o n.º ...-2007/..., foi indeferida por despacho de 31-10-2008, com os fundamentos da informação que consta do documento n.º 42 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

 

                ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE

B..., BV, com sede e direção efetiva em..., ..., ..., em Amesterdão, Holanda, com o número de identificação fiscal holandês ... e com o número de identificação fiscal  português ..., representada  por  D..., advogado de E..., vem ao abrigo do disposto  no n.º 3 e n.º 4 do artigo 32º  do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT),  reclamar dos actos de retenção na fonte, com os fundamentos constantes da sua petição a fls. 2 a 47 dos presentes  autos e que aqui e dão por integralmente reproduzidos,  sendo resumidamente os seguintes:

 

a)            Deduz a presente reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte, nos quais se afigura como substituída tributária, referentes a pagamentos de juros por empréstimos que concedeu à C..., SA em ..., em Setúbal, com o n.º de identificação fiscal ..., no exercício de 2004 e 2005.

b)           A reclamante tem sede e direção efetiva na Holanda.

c)            A reclamante celebrou em 06/07/2004 vários contratos de empréstimo com a C..., SA, nos seguintes montantes: € 100.000.000,00; € 83.320.777,30; € 52.449.539,00; € 4.999.968,80; € 25.700.000,00.

d)           Em 25/02/2005 celebrou vários contratos de empréstimo com a C..., SA, nos seguintes montantes: € 3.000.000,00; € 3.000.000,00; € 2.000.000,00; € 2.000.000,00; € 7.354.000,00; € 7.000.000,00.

e)           No período que decorreu entre 11 de Maio de 2004 e 2 de Maio de 2005, estes empréstimos venceram juros a favor da reclamante num montante total de € 8.377.450,09, os quais foram sujeitos a uma retenção na fonte de 10%, num montante total de € 837.745,03.

f)            A retenção na fonte à taxa de 10% foi efetuada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Convenção entre a República Portuguesa e os Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.

g)            As retenções na fonte no montante total de € 837.745,03, referentes aos empréstimos supra referidos, foram pagas do seguinte modo:

- € 15.686,62, em 18/06/2004, através da guia n.º ...;

- € 3.818,40, em 17/09/2004, através da guia n.º...;

- € 4.711,03, em 18/10/2004, através da guia n.º...;

- € 14.326,59, em 17/11/2004, através da guia n.º...;

- € 6.068,00, em 15/12/2004, através da guia n.º ...;

- € 10.730,66, em 17/01/2005, através da guia n.º...;

- € 26, 15, em 16/02/2005, através da guia n.º...;

- € 13.981,38, em 16/03/2005, através da guia n.º...;

- € 768.334, 19, em 17/06/2005, através da guia n.º...;

h) Ora, nos termos do disposto no n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do artigo do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), o substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada tem de reclamar graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária a fim de exercer o seu direito de impugnação judicial, contando que o faça no prazo de 2 anos a contar do termo do ano em que ocorreu o pagamento indevido e que a retenção não tenha a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, pelo que a presente reclamação é tempestiva.

h) De acordo com o disposto no artigo 88.º, n.º 1, alínea c) do CIRC, os juros estão sujeitos a tributação, mediante retenção na fonte, no caso de o beneficiário dos juros ser uma entidade não residente.

i) Nesta situação, a Diretiva n.º 2003/49/CE, de 3 de Junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e Royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes procura assegurar a não diferenciação entre residentes e não residentes.

j) Da apreciação legal comparativa das situações entre residentes e não residentes, quanto à tributação dos juros recebidos, conclui-se existir um tratamento diferenciado em desfavor das entidades beneficiárias não residentes, originando uma discriminação juridicamente intolerável.

k) Ao estabelecer uma retenção na fonte a título definitivo para o pagamento de juros a não residentes, a legislação ordinária portuguesa incorre numa situação de clara inconstitucionalidade, já que impede que esses não residentes possam demonstrar a sua verdadeira situação contributiva.

l) O tratamento diferenciado dos não residentes, em face dos residentes, para a tributação dos juros, constitui uma discriminação incompatível com a Constituição da República Portuguesa, com o Tratado que institui a Comunidade Europeia e com a orientação jurisprudencial do Tribunal de Justiça das Comunidades.

m) Os residentes e os não residentes, a propósito do recebimento de juros, encontram-se em idêntica situação objectiva.

n) A natureza definitiva da retenção na fonte feita aos residentes, por oposição à natureza de imposto por conta dos residentes, conjugada com uma taxa de tributação normal mais elevada, conduz: a uma menor disponibilidade e liquidez do capital; a uma tributação do rendimento bruto, não atendendo aos custos inerentes à obtenção desse rendimento, em claro contraste com o regime aplicável aos residentes; a que no caso de inexistência de lucros, o imposto pago através da retenção na fonte não possa a vir a ser restituído.

o) A discriminação é agravada com a dispensa de retenção na fonte para os juros pagos a sociedades tributadas pela RETGS, SGPS e a entidades financeiras residentes em contraste com as não residentes.

p) Neste âmbito, a retenção na fonte a que foram sujeitos os juros pagos à Reclamante padece de ilegalidade, por violação de lei constitucional e da lei comunitária, na vertente da livre circulação de capitais.

q) Nestes termos, deverá a liquidação ser anulada e devolvido à Reclamante o montante de € 837.745,03, correspondente a IRC retido na fonte a título definitivo correspondente a juros de empréstimos concedidos a entidade residente em Portugal nos exercícios de 2004 e 2005, acrescidos dos competentes juros compensatórios.

 

II - DESCRIÇÃO DOS FACTOS

1. A reclamante, através da empresa a quem efectuou os empréstimos e de quem recebeu juros, entregou e pagou as guias identificadas na alínea f) do Capítulo í da presente informação.

2. Da análise do sistema informático verifica-se que na Visão do Contribuinte a reclamante não tem representante nomeado. No entanto, apresentou com a reclamação procuração do advogado F..., da firma de advogados E..., para efeitos desta reclamação.

3. Em 20/05/2008, veio juntar uma nota informativa do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, dando conta da acção intentada contra Portugal pela Comissão Europeia, em 06 de Março de 2008.

4. A presente reclamação foi entregue em 28/12/2006.

 

III-ANÁLISE DO PEDIDO

Face aos factos descritos, cumpre-nos fazer a análise da matéria controvertida, pelo que nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 75º do CPPT referimos:

> O processo é próprio de acordo com o artigo 70.º do CPPT;

> A reclamante tem legitimidade para o acto, nos termos do artigo 9.º conjugado com o artigo 68.º, ambos do CPPT; e

> A reclamação é tempestiva nos termos do artigo 102.º do mesmo código.

5. Na análise efectuada à petição apresentada pelo sujeito passivo, a fls.1 a 20 e respectivos documentos anexos, e consulta aos elementos disponíveis, incluindo o sistema informático de que resultou a descrição dos factos efectuada no ponto II verificamos que é de indeferir a presente petição, com base no seguinte:

6. A reclamante vem solicitar o reembolso das retenções na fonte de IRC pagas, a título definitivo, referentes a recebimentos de juros por empréstimos a entidades consideradas residentes em território português.

7. Alega para o efeito, o facto de haver uma clara desigualdade no tratamento fiscal do mesmo tipo de rendimentos auferidos por entidades residentes e por entidades não residentes, violando os princípios constitucionais portugueses e violando também o tratado das comunidades quanto à livre circulação de capitais.

8. Ora, sobre este assunto cumpre-me informar o seguinte:

• A lei fiscal portuguesa, para os anos aqui postos em crise, contemplava a tributação de juros de entidades não residentes, mais favoravelmente, desde que houvesse convenção assinada entre Portugal e o país da sociedade não residente.

•Esta situação era extensiva a outros países além dos pertencentes à Comunidade Europeia desde que existisse a referida convenção.

• No entanto, em 3 de Junho 2003, foi publicada a Diretiva 2003/49/CE que estabeleceu um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes.

• No preambulo dessa Diretiva é referido que as transacções de juros e royalties entre sociedades de Estados-Membros diferentes não deveriam estar sujeitas a condições fiscais menos favoráveis que as que se aplicam às sociedades consideradas residentes.

• Assim, é proposta a abolição da tributação desses rendimentos.

• No entanto, este regime deve somente aplicar-se ao eventual montante de juros e royalties que teria sido acordado entre o pagador e o beneficiário efetivo na ausência de uma relação especial. Ora, no caso em apreciação, não é líquido a não existência de relações especiais entre quem paga e quem recebe os juros aqui postos em crise.

• A Diretiva estabelece para Portugal um período transitório de 8 anos, sendo que a taxa aplicável nos primeiros 4 anos não pode ser superior a 10% e nos 4 anos subsequentes não pode ser superior a 5%.

• Quanto à transposição para a ordem jurídica interna, esta tem que ser efectuada de modo a ser aplicada a partir de 1 de Janeiro de 2005.

• Estabelece a mesma Diretiva que os Estados Membros podem implementar disposições internas necessárias a evitar fraudes e abusos fiscais.

• Os outros Estados Membros foram também autorizados a manter a tributação na fonte dos juros e royalties, durante o período transitório a vigorar para Portugal, ficando as empresas com direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, calculado nos termos previstos no artigo 85.º do CIRC.

9. Assim, as orientações desta Diretiva foram transpostas para a Lei nacional, através do Decreto-Lei 34/2005, de 17 de Fevereiro, com aplicação a 1 de Janeiro de 2005.

10. Assim, as retenções efectuadas pela reclamante encontram-se plasmadas na lei portuguesa e de acordo com a Diretiva 2003/49/CE, pelo que não é possível, em sede de reclamação, proceder em sentido contrário ao estipulado pela Lei Fiscal Nacional.

11. Convém referir ainda, que nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º da LGT a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação que estiverem em vigor no momento do facto tributário.

12. Deste modo, não merecem provimento as pretensões da reclamante.

IV - INFORMAÇÃO SUCINTA

Realizada a instrução do processo nos termos do artigo 73º do Código do Procedimento e do Processo Tributário e tendo sido elaborado o projecto de decisão a fls. 165 a 172 dos autos, no sentido de indeferimento do pedido, foi o mesmo dado conhecimento à reclamante, através do oficio n.º 070 951 de 19/09/2008 e mediante registo, conforme consta das fls. 176 e 177 dos autos, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, direito de participação na decisão que a reclamante não exerceu.

Assim, não foi trazido por parte da reclamante qualquer outro elemento novo ao processo, pelo facto de não ter exercido o direito de participação na decisão consignado na Lei, sendo em consequência, de manter o INDEFERIMENTO da reclamação, de acordo com os fundamentos descritos nesta informação, esclarecendo-se que não fica a reclamante inibida de utilizar as garantias previstas na lei.

V-CONCLUSÃO

Atentos os factos e analisada a matéria controvertida, sou de parecer que a presente reclamação graciosa referente ao IRC do exercício - retenções na fonte de 2004 deverá ser indeferida, por não assistir razão ao alegado pela reclamante.

 

I)             A Requerente apresentou a 3 de Dezembro de 2008 impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa, a que foi atribuído o n.º .../08...BELRS;

J)            Em 27 de novembro de 2019, a Requerente apresentou, no processo de impugnação judicial um requerimento com vista à extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, que foi deferido por despacho de 6 de dezembro de 2019;

K)           O despacho refere que o processo interposto perante o tribunal tributário visava impugnar o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...-2007/..., relativa a atos de retenção na fonte de IRC, nos exercícios de 2004 e 2005.

L)            Em 31-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes. A Autoridade Tributária não apresentou o processo administrativo no prazo cominado por despacho arbitral, que determinou a sua junção.

 

Saneamento

 

5. A Autoridade Tributária suscita a questão prévia relativa ao preenchimento dos pressupostos processuais da migração de processo para o tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, por não se encontrar demonstrada, conforme impõe o n.º 2 desse artigo, a identidade do pedido e da causa de pedir entre a impugnação judicial interposta perante o tribunal tributário e o pedido de pronúncia arbitral.

 

O falado artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, sob a epígrafe “Cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem”, dispõe nos seguintes termos:

 

1 – Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.

2             – As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.

3             – O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo”.

 

O n.º 2 estabelece, como pressuposto da migração, a coincidência com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir no tribunal tributário.

 

A Requerente juntou ao pedido arbitral, como documento n.º 1, certidão do despacho judicial, de 6 de Dezembro de 2019, proferido pelo juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, no Processo n.º .../08...BELRS, que julgou verificados os fundamentos para a extinção da instância, consignando-se no Relatório que a B... B.V., actualmente designada A... B.V. e ora a Requerente, veio impugnar o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...-2007/..., relativa a atos de retenção na fonte de IRC, nos exercícios de 2004 e 2005.

 

Tendo o presente pedido por objeto a decisão de indeferimento da mesma reclamação graciosa deduzida contra os atos de retenção na fonte relativos aos mesmos períodos de tributação que estavam em causa no Processo n.º .../08...BELRS, que correu termos perante o Tribunal Tributário de Lisboa, é claro que existe identidade de pedido e causa de pedir, encontrando-se verificado o pressuposto do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, pelo que a questão prévia suscitada pela Autoridade é manifestamente improcedente.

 

Matéria de direito

               

6. Em debate está a questão de saber se as entidades não residentes e sem estabelecimento estável no território português podem ser tributadas pelos rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos  dos artigos 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º do Código do IRC, à data vigentes, sem a possibilidade de deduzirem os encargos diretamente relacionadas com a sua atividade, ao contrário do que sucede com as entidades residentes relativamente às quais a tributação incide sobre o lucro tributável.

 

Na situação do caso, está em causa a obtenção de juros no território português por uma instituição com sede na Holanda, que não possui estabelecimento estável em Portugal, e que, por efeito do disposto em Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Holanda (CDT), foi sujeita a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa reduzida de 10%.

 

Neste contexto, a Requerente sustenta que se o beneficiário dos juros fosse uma sociedade residente em território português, havia lugar a retenção na fonte à taxa de 15%, mas correspondente a uma retenção na fonte por conta do imposto devido a final, pelo que lhe seria dada oportunidade de deduzir aos rendimentos obtidos as despesas profissionais e de funcionamento.

 

Assim sendo, a Requerente foi objeto de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes, em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

Com efeito, nos termos do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos (n.º 2), considerando-se como obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, são especificados nas diversas alíneas do n.º 3, e, entre estes, os rendimentos de aplicação de capitais (alínea c), subalínea e)).

 

                Nos anos de 2004 e 2005, em que ocorreram os pagamentos de juros relativamente aos quais foi efetuada retenção na fonte, os artigos 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º tinham a seguinte redação:

 

Artigo 80.º

Taxas

 

(...)

2 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, exceto relativamente aos seguintes rendimentos:

(...)

c) Rendimentos dos títulos de dívida e outros rendimentos de aplicação de capitais, excetuados os lucros colocados à disposição por entidades sujeitas a IRC e o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º, seja considerado como tal, em que a taxa é de 20%;

 

 

Artigo 88.º

Retenção na fonte

 

1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

   (…)

       c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, excetuados os referidos no n.º 4 do mesmo artigo.

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:

       a) Quando, nos termos dos artigos 9.º e 10.º, ou nas situações previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais, se excluam da isenção de IRC todos ou parte dos rendimentos de capitais;

       b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

 

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 324/2005, de 17 de Fevereiro, com entrada em vigor em 1 de Julho de 2005 que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3 de Julho, que estabelece um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes, alterou o n.º 2 do artigo 80.º, mediante o aditamento da alínea g), nos seguintes termos:

 

2 -Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, exceto relativamente aos seguintes rendimentos:

(…)

   g) Juros e royalties, cujo beneficiário efetivo seja uma sociedade de outro Estado membro da União Europeia ou um estabelecimento estável situado noutro Estado membro de uma sociedade de um Estado membro, devidos ou pagos por sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas residentes em território português ou por um estabelecimento estável aí situado de uma sociedade de outro Estado membro, em que a taxa é de 10% durante os primeiros quatro anos contados da data de aplicação da Diretiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3 de Junho, e de 5% durante os quatro anos seguintes, desde que verificados os termos, requisitos e condições estabelecidos na referida Diretiva, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor.

 

Porém, no caso em apreço, sendo a Requerente residente na Holanda, era aplicável e Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação, em cujo artigo 11.º se estabelece o seguinte:

 

Artigo 11.º

Juros

 

1 - Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2 - No entanto, esses juros podem ser igualmente tributados no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo dos juros for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos juros.

 

Resulta das transcritas disposições, que a taxa de IRC aplicável a rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável era de 25 %  (artigo 80.º, n.º 2, alínea c)), encontrando-se limitada a 10%, no caso vertente, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação a que o Estado Português se encontrava vinculado. Por sua vez, o artigo 88.º sujeitava a retenção na fonte os rendimentos obtidos em território português que aí se encontram referenciados, incluindo os rendimentos de aplicação de capitais (n.º 1, alínea c)), estipulando que a retenção na fonte tem carácter definitivo (não podendo, por isso, ser entendido como pagamento por conta do imposto) quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em Portugal (n.º 3, alínea b)).

 

Por outro lado, a retenção na fonte relativamente a juros pagos a sujeitos passivos de IRC residentes em território nacional era feita à taxa de 15%, prevista no artigo 101.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, na redação da Lei n.º 32-B/02, de 30 de Dezembro, aplicável por remissão do n.º 4 do artigo 88.º do CIRC.

 

Importa ainda reter que o Decreto-Lei n.º 34/2005, que transpôs a Diretiva 2003/48/CE, através da nova alínea g) do n.º 2 do artigo 88.º do CIRC, pretendeu concretizar o regime transitório consagrado no seu artigo 6.º, n.º 1, pelo qual Portugal, por razões orçamentais, ficava autorizado a não aplicar, de imediato, o regime de isenção consagrado no artigo 1.º dessa Diretiva, e passaria a instituir taxas reduzidas num período transitório de 8 anos, sendo de 10% durante os primeiros quatro anos e 5 % durante os últimos quatro anos.

 

                               No entanto, a transposição da Diretiva, que visava assegurar na esfera da sociedade beneficiária dos rendimentos, a igualdade no tratamento fiscal dos juros e royalties gerados em operações internas e operações transfronteiriças efetuadas entre empresas associadas (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2005)), não tem direta aplicação ao caso, não apenas porque entrou em vigor em 1 de julho de 2005, não abrangendo a tributação que aqui está em causa, como também porque se limitou a reduzir a taxa a 10% de que a Requerente já beneficiava por efeito da CDT celebrada entre Portugal e a Holanda.

               

                A questão que, por conseguinte, está em apreciação é a de saber se o facto de o rendimento proveniente dos juros por não residentes sem estabelecimento estável em Portugal não ser englobado para determinação do lucro tributável, e não permitir a dedução das despesas suportadas para os obter, pode reconduzir-se a um tratamento discriminatório em face das disposições de direito da União Europeia.

 

                                               7. Questão idêntica à que assim vem colocada foi já analisada no acórdão do STA de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 0298/13), na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016, Processo n.º C-18/15 (acórdão Brisal)). No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STA de 22 de Março de 2017 (Processo n.º 0165/13) e não há motivo para alterar o entendimento que foi então sufragado.

 

                                               O Tribunal de Justiça, respondendo às questões prejudiciais que haviam sido suscitadas pelo STA, concluiu nos seguintes termos:

 

                O artigo 49.º do Tratado da Comunidade Europeia (a que corresponde o actual artigo 56º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração paga às instituições financeiras não-residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não-residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo prosseguido.

                Todavia, aquela disposição opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não-residentes pelos rendimentos de juros obtidos em Portugal sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade em questão, inviabilizando a tributação do rendimento líquido, ao passo que reconhece essa possibilidade às instituições financeiras residentes.

                A resposta formulada quanto à segunda questão que vinha colocada no reenvio prejudicial surge explicitada nos parágrafos 23. e 24. em que o Tribunal de Justiça reafirma:

23. No que diz respeito ao segundo aspeto do pedido de decisão prejudicial, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à tomada em consideração das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, que os prestadores residentes e os prestadores não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C 234/01, EU:C:2003:340, n.º 27; de 6 de julho de 2006, Conijn, C 346/04, EU:C:2006:445, n.º 20; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C 345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

24. O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.º CE se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas (acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C 234/01, EU:C:2003:340, n.ºs 29 e 55; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C 290/04, EU:C:2006:630, n.º 42; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C 345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

                O Tribunal de Justiça sublinhou, por outro lado, que não é relevante para justificar a restrição à liberdade de prestação de serviços que a taxa de tributação aplicável aos não residentes por efeito da CDT (10%) seja inferior à que é aplicável aos residentes de acordo com a legislação interna (15%).

 

                A esse propósito, o Tribunal, nos considerandos 31., 32. e 33., refere o seguinte:

31. A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes.

32. No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman - Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, nº 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C - 498/10, EU:C:2012:635, nº 31).

33. Daqui decorre que uma restrição à livre prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes. -

Em suma, o TJUE considera que o facto de a entidade não-residente não poder deduzir em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em causa, inviabilizando a tributação do seu rendimento líquido, constitui um tratamento discriminatório, contrário a uma liberdade fundamental constante de norma de direito europeu, independentemente de quaisquer outras considerações  como seja a sujeição a uma taxa de tributação comparativamente mais favorável que a taxa que vigora para as entidades residentes, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.

                Torna-se, assim, indiscutível que as instituições financeiras não-residentes devem ser tratados do mesmo modo que as instituições residentes, tendo o direito de ver reconhecidas, perante a administração tributária portuguesa, os encargos e as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, e o direito de as deduzir antes da tributação, isto é, de serem tributadas em Portugal apenas pelo rendimento líquido.

8. A Autoridade Tributária contrapõe que a Diretiva 2003/49/CE, que estabeleceu um regime fiscal aplicável aos pagamentos de juros e royalties entre sociedades associadas de Estados Membros, foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 34/2005, de 17 de Fevereiro, pelo que as retenções na fonte foram fixadas em conformidade com o estabelecido na lei, acrescentando que, encontrando-se sujeita ao princípio da legalidade, não pode desaplicar as disposições legais a que se encontra subordinada.

 

Ora, como se deixou exposto, o Decreto-Lei n.º 34/2005, tendo entrado em vigor em 1 de Julho de 2005, não tem aplicação aos períodos de tributação em causa no presente processo. Além de que, ao efetuar a transposição da Diretiva 2003/48/CE, limitou-se a instituir um regime transitório de redução de taxas aplicáveis aos pagamentos de juros e royalties, que passou a ser num período inicial de 10%, mas que não tem qualquer influência na situação do caso, visto que a Requerente já beneficiava da aplicação dessa taxa por efeito da CDT celebrada entre Portugal e a Holanda. E o que está em causa não é a taxa aplicável, mas a impossibilidade ditada pelo direito interno de permitir a dedução das despesas profissionais e de funcionamento relativamente aos rendimentos por juros obtidos por não residentes em território português, sendo nesse plano que reside a desconformidade do direito interno com o direito da União Europeia.

 

Acresce, como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de direito da União Europeia (neste sentido, cfr. os acórdãos do STA de 25-10-2000, Processo n.º 25128, de 31-1-2003, Processo n.º 3757, de 7-11-2001, Processo n.º 26432, de 13-10-2003, Processo n.º 2602, de 7-11-2001, Processo n.º 26404).

 

E a Constituição estabelece o princípio do primado do direito da União Europeia, como decorre do n.º 4 do artigo 8.º, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

Sendo que as normas e princípios de direito internacional comum são parte integrante do direito português com o conteúdo e extensão que possuem no plano jurídico-constitucional e vinculam o Estado Português, e, encontrando-se a Administração subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), não pode deixar o cumprir o disposto nas disposições convencionais.

E, em qualquer caso, os tribunais não podem deixar de recusar a aplicação judicial de normas que violem princípios constitucionais ou se tornem inválidas por desconformidade com normas de grau superior ou perante as quais devam ceder.

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

                Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

9. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago no valor de € 837.743,02, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

 Por outro lado, o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma de direito europeu  também não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a Autoridade Tributária “não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito europeu do que se trata é da aplicação de normas que vigoram diretamente na ordem jurídica interna e prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da EU”.

 

                Com efeito, as normas e princípio de direito internacional comum são parte integrante do direito português com o conteúdo e extensão que possuem no plano jurídico-constitucional e vinculam o Estado Português (artigo 8.º da CRP), e, encontrando-se a Administração subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), não pode deixar de cumprir o disposto nas disposições convencionais.

 

Por força do princípio da legalidade, a Administração apenas se encontra impedida de desaplicar uma lei a pretexto da sua inconstitucionalidade, tarefa que, em termos difusos, e conforme o disposto no artigo 204.º, se encontra apenas conferida aos tribunais (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 800). E só na circunstância de a decisão judicial recusar a aplicação de norma por inconstitucionalidade – quando ela constitua fundamento do ato tributário impugnado – é que se não verifica o pressuposto de que depende a condenação em juros indemnizatórios.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados  sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

Reenvio prejudicial

 

10. A Requerente solicitou a título subsidiário o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciar as questões que estão em análise.

 

No entanto, não subsiste dúvida fundada quanto à interpretação dos princípios da livre prestação de serviços e da livre circulação de capitais, e, como se deixou exposto, existe jurisprudência do TJUE que se pronunciou expressamente sobre as questões de direito que relevam para a apreciação do objeto do processo e de que o tribunal se serviu para fundamentar a sua posição.

 

Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos tributários de retenção na fonte impugnados, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;

b)           Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 837.743,02, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11.934,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Setembro de 2020.

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Nuno Cunha Rodrigues

 

O Árbitro vogal

Rui Rodrigues