DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., Porto, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários consubstanciados em liquidações adicionais de IVA e correspondentes juros moratórios, requerendo ainda a condenação no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma instituição de crédito que presta serviços financeiros que dão direito à dedução, como é o caso de operações de locação financeira mobiliária, e que realiza simultaneamente operações que não conferem esse direito, como seja operações de concessão de créditos enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA.
No caso das actividades de leasing automóvel e, bem assim, de alugueres de longa duração, a Requerente constatou que não estava a exercer plenamente o direito à dedução que lhe assistia, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA, porquanto não incluíra os montantes relativos à componente de amortização financeira na determinação da percentagem de dedução.
Assim, tendo apurado um valor a deduzir em falta na ordem de € 6.457.008,39, a Requerente procedeu à regularização do imposto através da aposição daquele montante na declaração periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2011 e da qual resultou a majoração da percentagem de dedução inicialmente determinada, de 7% para 21%.
A Requerente sustenta que não teria cabimento excluir a componente de capital no cálculo da dedução, para efeitos da aplicação do regime de dedução parcial, uma vez que a totalidade da renda está sujeita a IVA, quer seja quanto à componente da amortização do capital, quer seja quanto aos juros e remuneração de outros encargos.
Na verdade, a componente de amortização de capital das rendas relativas aos contratos de leasing e de alugueres de longa duração constituiria parte integrante do conceito de volume de negócios para efeitos do IVA, devendo, por isso, integrar também a fracção do pro rata de dedução.
Por outro lado, a Requerente sublinha que a regularização efectuada decorrera de um erro no regime jurídico da dedução do IVA, o qual não se confunde com o “erro material ou de cálculo” que se encontra previsto no artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA e para o qual se contempla um prazo de dois anos. Nestes termos, inexistindo qualquer limite temporal especial para o exercício do direito à dedução, seria aplicável o regime geral do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, o qual prevê um limite máximo de quatro anos.
A Autoridade Tributária não concordou com a regularização efectuada pela Requerente e desconsiderou os valores regularizados por entender que não se afigurava correcta a inclusão da componente de capital contida nas rendas facturadas nos contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração no cálculo da proporção de dedução.
A Requerente alega que as correcções efectuadas pelos serviços de Inspecção Tributária basearam-se exclusivamente no facto de ter sido indeferido o pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente. Neste sentido, seria inadmissível à luz da jurisprudência administrativa e tributária que a Autoridade Tributária viesse posteriormente, em sede de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico contra os actos de liquidação adicional de IVA, ampliar a motivação que justificaria as correcções efectuadas e a manutenção dos actos tributários recorridos.
Na sua resposta, a Autoridade Tributária defende que seria admitida a fundamentação por remissão, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 da LGT, não podendo os serviços de Inspecção Tributária deixar de se pronunciarem sobre os argumentos vertidos na decisão de indeferimento do procedimento de Revisão Oficiosa, em sede de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico apresentados das liquidações adicionais emitidas no seguimento da correcção efectuada ao período de dezembro de 2011.
Acrescendo a isto, contrariamente ao entendimento sufragado pela Requerente, a Administração sustenta que as regularizações constantes do artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA e que podem ser inscritas nas declarações periódicas de IVA só podem ser efectuadas no prazo de dois anos, pelo que, aquando da regularização efectuada pela Requerente, tal prazo já estava ultrapassado, o que, só por si, já legitimava as correcções efectuadas.
Por outro lado, de acordo com o entendimento da Fazenda Pública, só o valor dos juros e encargos associados à locação é que estariam relacionados com os custos de aquisição de bens e serviços utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução, devendo ser apenas consideradas aquelas variáveis na determinação da percentagem de dedução, sob pena de se constatarem distorções na tributação.
Deste modo, em sintonia com o entendimento ensaiado no acórdão Banco Mais do TJUE, a Autoridade Tributária considerou que seria aplicável um coeficiente de imputação específico nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA que teria a virtualidade de excluir a componente de capital da determinação da percentagem de dedução no âmbito da aplicação do método da afectação real, daqui resultando a manutenção da autoliquidação inicialmente efectuada pela Requerente .
Por seu turno, a Requerente entende que as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária estão inquinadas de ilegalidade na medida em que se encontrava suspenso o exercício do direito à liquidação nos termos do artigo 46.º, n.º 2 da LGT, constatando-se assim um obstáculo insuperável ao exercício desse direito por parte do seu titular, in casu, a Fazenda Pública.
A Autoridade Tributária entende que nada a impedia de proceder às correcções aqui em crise porquanto o regime legal previsto no artigo 46.º da LGT consagra uma ampliação do prazo para liquidar, não configurando, por isso, um regime de impedimento ao exercício do direito à liquidação, mas antes, a concessão de um alargamento do prazo para que se efective tal direito.
Finalmente, apoiando-se no acórdão Volkswagen Financial Services do TJUE, a Requerente vem sustentar que a desconsideração da componente de capital, incluída nas rendas decorrentes da actividade de leasing e de alugueres de longa duração, no cálculo do pro rata de dedução é inadmissível à luz dos princípios que enformam a mecânica do IVA. Por outro lado, apoiando-se na jurisprudência arbitral que mais recentemente se pronunciou sobre esta matéria, entende que o Código do IVA não permite a adopção de qualquer percentagem de dedução determinada em moldes distintos daqueles preceituados no artigo 23.º, n.º 4, logo, não teria qualquer suporte legal a utilização do método aplicado pela Autoridade Tributária donde resultaram os actos de liquidação adicional de IVA aqui em crise.
Por tudo isto, a Requerente conclui pela procedência do pedido.
2. No seguimento do processo foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT também destinada à produção de prova testemunhal indicada pela Requerente.
Em alegações, as partes pronunciaram-se sobre os resultados probatórios decorrentes da produção de prova testemunhal e quanto à matéria de direito mantiveram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26 de Abril de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não são invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
B) A Requerente é sujeito passivo misto para efeitos de IVA na medida em que na sua actividade realiza operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA.
C) Nos contratos de locação financeira a Requerente assume a posição de locador e adquire os bens acrescidos de IVA a terceiros fornecedores, entregando-os de imediato para uso e fruição dos locatários.
D) A Requerente incorreu em despesas para o apoio na disponibilização de viaturas, nomeadamente, através da sua vasta rede de balcões de atendimento, de call centers e de acesso de software de apoio ao cliente sendo que os cerca de quinhentos balcões pertencentes à Requerente são relevantes consumidores de recursos comuns tributados em IVA.
E) Na sequência de uma revisão aos procedimentos adoptados ao nível do exercício do direito à dedução, em concreto quanto à metodologia adoptada para efeitos do cálculo do pro rata de dedução, a Requerente verificou que não estava a exercer plenamente o direito à dedução que lhe assistia. Assim, relativamente à área de leasing e de alugueres de longa duração, a Requerente passou a incluir os montantes relativos à parcela de capital que integram as rendas desses contratos.
F) Decorrente da inclusão desta nova variável, a percentagem de pro rata passou de 7% a 21%, apurando-se um valor adicional de IVA dedutível de de € 6.457.008,39 o qual o Requerente incluiu, no Campo 40 do Quadro 6 da Declaração Periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2011.
G) Concomitantemente à regularização efectuada na Declaração Periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2011, a Requerente apresentou um pedido de Revisão Oficiosa da autoliquidação de IVA relativa ao ano de 2007, tendo sido tal pedido indeferido nos termos constantes da informação n.º ..., da Direção de Serviços do IVA, por se ter considerado, por um lado, que tal pedido não era já admissível por não ser aplicável o prazo constante do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA e do artigo 78.º da LGT, e que, por outro lado, não assistia razão à Requerente relativamente à metodologia adoptada para efeitos de cálculo do pro rata de dedução.
H) A decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de Revisão Oficiosa foi objecto de recurso hierárquico, tendo o mesmo sido, de igual modo, indeferido por Despacho proferido pelo Diretor-Geral da Autoridade Tributária no dia 30/06/2014, o qual consta da Informação n.º ... da Direcção de Serviços do IVA. De tal acto de indeferimento, a Requerente reagiu através da apresentação do respectivo processo de impugnação judicial, tendo sido tal impugnação julgada improcedente em primeira instância e da qual a Requerente interpôs o respectivo recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte.
G) Com base no decidido no âmbito do procedimento de Revisão oficiosa, a regularização de IVA concretizada no campo 40 da Declaração periódica de IVA de Dezembro de 2011, por parte da Requerente, foi corrigida no âmbito de ação inspetiva externa de âmbito geral relativa ao exercício de 2011 (em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI20130..., de 15/04/2013), da qual resultaram, em matéria de IVA, duas liquidações adicionais de IVA e correspondentes juros no montante de € 6.513.907,26.
H) Em 03/06/2013 o Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças do Porto ..., requerimento nos termos do n.º 2 do artigo 169.º do CPPT com vista à suspensão dos processos de execução fiscal n.ºs ...2014..., ...2014..., ...2014... e ...2014..., procedendo também à prestação de garantia bancária para esse efeito.
I) Em 18/06/2014 a Requerente deduziu reclamação graciosa dos actos de liquidação adicional de IVA, tendo o pedido sido indeferido por Despacho do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 16/10/2014, exarado na informação n.º .../2014, tendo a Requerente sido notificada do mesmo no dia 20/10/2014 por Ofício n.º ... de 17/10/2014.
J) A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa no dia 19/11/2014, tendo a pretensão sido indeferida por Despacho proferido pelo Subdiretor Geral da Direção de Serviços do IVA, do qual a Requerente foi notificada no dia 29/10/2015 através do Ofício n.º ... de 16/10/2015.
K) Em 22/12/2016 a Requerente foi notificada pessoalmente da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016... e da Demonstração de Liquidação de Juros, Compensação n.º 2016..., de 21/12/2016, relativos ao ato de liquidação de juros moratórios n.º 2016..., no montante de € 286.738,09, sobre a Liquidação de IVA n.º 2014..., relativa ao período de tributação 2012.
Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e ainda com base na produção de prova testemunhal em audiência.
A testemunha inquirida referiu que os custos gerais incorridos com a actividade de leasing eram tendencialmente repercutidos na componente financeira da renda (juro) cobrada aos clientes locatários, sendo impossível segregar e quantificar as despesas afectas à disponibilização dos veículos. Por outro lado, ficou esclarecido que a Requerente trata as operações de leasing como prestações de serviço para efeitos de IVA.
Matéria de direito
A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, bem como, operações de locação financeira que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada para esse efeito como um sujeito passivo misto.
A questão decidenda que se coloca perante este tribunal é a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o rendimento do locador.
A Requerente entende que as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária enfermam de vício de violação de lei por assentarem em pressupostos de facto e de direito erróneos acerca do exercício do direito à dedução do IVA. A Fazenda Pública teria desconsiderado, sem arrimo legal para o efeito, a componente de capital integrante das rendas decorrentes de contratos de locação financeira mobiliária da determinação da percentagem de dedução.
Por um lado, a Requerente defende que as decisões de indeferimento resultantes dos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico não estão devidamente fundamentadas no que concerne à aplicação do método da afectação real por parte dos serviços de IT, conforme o que se encontra previsto no artigo 46.º, n.º 3 da LGT, atenta a circunstância do ónus probatório relativamente à existência de distorções na tributação provocadas pela aplicação do método do pro rata correr por conta da Autoridade Tributária.
Por outro lado, a Requerente conclui que a Autoridade Tributária não poderia aplicar um pro rata diferente – através da imposição de um coeficiente de imputação específico – daquele que se encontra definido nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA visto que legislador nacional não procedera à transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva. Com efeito, esse normativo conferia a possibilidade aos Estados Membros, no caso da aplicação do método do pro rata, de impor aos sujeitos passivos que determinadas verbas fossem ou não consideradas no numerador/denominador da fórmula de cálculo.
No entanto, perante a inércia do legislador, a Autoridade Tributária não poderia invocar o artigo 23.º, n.º 2, in fine, do Código do IVA, de forma a justificar a consideração de um coeficiente de imputação específico - que teria a virtualidade de excluir a componente de amortização financeira ínsita na renda dos contratos de leasing e de aluguer de longa duração – no cálculo da percentagem de dedução.
Finalmente, a Requerente sustenta que a Autoridade Tributária se encontrava impedida de proceder à emissão dos actos de liquidação aqui impugnados visto que se encontraria suspenso o prazo de caducidade do direito à liquidação, em linha com o preceituado no artigo 46.º, n.º 2, alínea d) da LGT. Assim, enquanto não fosse proferida decisão sobre o pedido de impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, aquele direito não poderia ser exercido por parte da Autoridade Tributária.
Falta de fundamentação e ónus probatório
A CRP garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos que afetem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Tendo em consideração o que se encontra previsto no artigo 120.º do CPA, ter-se-á como compreendido neste conceito, os actos tributários.
Nestes termos, impende sobre a Autoridade Tributária um dever de fundamentação dos actos praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários, assim como os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme o que se encontra previsto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
Trata-se de uma disposição legal que visa assegurar a racionalidade das decisões cometidas à Administração Tributária, proporcionando um controlo interno do percurso lógico-valorativo encetado pela própria entidade antes de emitir a sua decisão e, que se destina, fundamentalmente, a desempenhar um controlo de legalidade das decisões da Administração Tributária, permitindo ao contribuinte optar, conscientemente, por cumprir a decisão, conformando-se com a mesma ou cumprir a decisão mas sindicá-la, seja pela via administrativa ou pela via judicial.
Na esteira da jurisprudência do STA sobre esta matéria, nomeadamente, acompanhando o entendimento sufragado no âmbito do processo n.º 068/17, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta.
A Requerente invoca que a Autoridade Tributária não teria feito a prova da existência de distorções na tributação, conforme o que se encontra previsto no artigo 23.º, n.º 3, alínea b) do Código do IVA, não demonstrando cabalmente a existência efectiva dessa distorção pela aplicação do método pro rata geral por parte do sujeito passivo, não estando por isso legitimada a aplicar o método de afectação real.
No entanto, o certo é que Requerente tinha conhecimento do entendimento advogado pela Autoridade Tributária, no que concerne à aplicação do método da afectação real através da imposição de um coeficiente de imputação específico, quer seja através do teor de uma Informação Vinculativa n.º 1251 por si requerida, quer seja através do Ofício-Circulado n.º 30.180/2009, ambos exarados em momento anterior à regularização efectuada na declaração periódica de IVA que está na base das correcções impugnadas.
Da leitura daquela instrução administrativa, constata-se que será sempre imposto pela Autoridade Tributária o método da afectação real a sujeitos passivos que, no âmbito da actividade financeira, realizem operações de leasing e de aluguer de longa duração, e na ausência de critérios objectivos tenham optado pelo método do pro rata geral na determinação da percentagem de dedução de IVA incorrido na aquisição de bens de utilização mista. Daqui resultando também que impenderia sobre a Requerente, em face do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos impeditivos do exercício do direito a tributar a que a Autoridade Tributária se arroga.
Dedução do imposto na actividade de locação financeira
Segundo a regra geral constante do artigo 168.º da Directiva 2006/112/CE, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade sempre que os bens ou serviços sejam utilizados “para os fins das suas operações tributadas”. Esse corresponde a um método de dedução de imputação directa, havendo de estabelecerse para esse efeito um nexo directo entre uma dada operação activa e uma dada operação passiva.
Não sendo possível estabelecer esse nexo directo, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços respeitam simultaneamente a operações tributadas e operações isentas de imposto – caso em que estaremos perante custos mistos ou custos promíscuos – o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do artigo 173.º da Directiva.
Esse preceito consagra em primeira linha o método pro rata, pelo qual relativamente a bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações e, por conseguinte, apenas em relação a operações que originam o direito à dedução.
Entende-se neste contexto que o método pro rata assenta na presunção de que os custos mistos são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que essas operações representam face ao volume total de negócios da empresa. É essa a regra de cálculo que se encontra vertida no artigo 174.º da Directiva: “o pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes – (a) no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.o e 169.o; (b) no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.
A presunção baseada na percentagem do valor das operações com direito a dedução em relação ao volume total de negócios é, todavia, afastada pelo critério da afectação real consignado na alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva, que permite que os estados membros autorizem ou imponham que a dedução do IVA seja efectuada com base, não no volume de negócios, mas na efectiva utilização dos bens ou serviços.
Haverá assim de concluir-se que a Directiva IVA contempla três distintos métodos de cálculo da dedução. O método regra de imputação directa, que é aplicável aos custos directos, ou seja, aos custos associados a operações que conferem direito à dedução, e, relativamente aos custos mistos, que estão indistintamente associados a operações que conferem ou não conferem o direito de dedução, o método pro rata e, a título de excepção, o método de afectação real. Não pode deixar de reconhecer-se, por outro lado, que a Directiva, através do referido artigo 173.º, n.º 2, alínea c), confere aos estados alguma margem de liberdade de conformação quanto à definição do critério de afectação real.
No direito interno, relativamente ao método de dedução aplicável a bens de utilização mista, constata-se que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real – quando o sujeito passivo tenha optado por esse método de dedução – e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Por outro lado, o coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.
Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Como é salientado pela Requerente, existe jurisprudência do CAAD, inaugurada pelo acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017, que aponta no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo ofício-circulado n.º 30103, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.
Essa jurisprudência assenta na ideia de que embora a norma de direito europeu admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. Porque a imposição ao sujeito passivo de um critério de imputação específico não consubstanciaria afectação real, haveria que concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Admite-se, assim, que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permitiria sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira.
No entanto, este entendimento não tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo.
No acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 1017/12, em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia pelo TJUE no caso Banco Mais, o STA conclui do seguinte modo: “o Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-183/13 esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, - é possível calcular o pro rata da forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira.
Essa orientação foi depois seguida nos Acórdãos da Secção de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17) e confirmada no recente acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), fundado na contradição existente, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre decisão arbitral (decisão recorrida) e o citado acórdão do STA de 15 de Novembro de 2017 (acórdão fundamento).
Para assim concluir, o acórdão de uniformização de jurisprudência, na parte que mais interessa considerar, refere o seguinte.
Como já se esclareceu no acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.
Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
Ora, a questão de direito que vem a ser colocada pela Requerente obteve já resposta do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, em termos a que o tribunal arbitral não pode deixar de aderir, ao consignar que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda.
Havendo que reconhecer, em face da linha da jurisprudência do STA, que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA procede à transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva; e sendo certo que a prova produzida no processo demonstra que os custos gerais da actividade de leasing eram repercutidos na componente financeira (juro) cobrada aos clientes, sendo impossível quantificar as despesas afectas à disponibilização dos veículos, logo se impõe a conclusão de que os actos de liquidação impugnados não enfermam da ilegalidade que lhes é imputada.
Suspensão do prazo de caducidade
O acto de liquidação é um acto tributário que tem de ser praticado pela Administração em conformidade com os requisitos materiais e formais estabelecidos na lei. A caducidade do direito à liquidação justifica-se assim por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de fixar definitivamente a situação jurídica do sujeito passivo num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de liquidar os tributos que lhe forem devidos.
No que diz respeito às causas suspensivas do prazo de caducidade, tal qual se encontram previstas no artigo 46.º, n.º 2 da LGT, as mesmas aplicam o princípio da suspensão do prazo, o qual estabelece do ponto-de-vista material um ampliamento do prazo de caducidade do direito à liquidação.
A Requerente entende que as correcções efectuadas pelos serviços de IT são ilegais por força do impedimento da Autoridade Tributária, quanto ao exercício do direito à liquidação, decorrente da suspensão do respectivo prazo de caducidade. Na pendência de uma causa suspensiva, o titular do direito à liquidação estaria impossibilitado de exercer aquele direito até o prazo de contagem da caducidade voltar a ser retomado.
Segundo a Requerente, até ser proferida a decisão no âmbito do processo judicial que tem por objecto a impugnação do acto de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto, os serviços de IT encontrar-se-iam arredados da possibilidade de efectuar correcções, em conformidade com o artigo 46.º, n.º 2, alínea d) da LGT. Detendo-nos naquele normativo é possível extrair que, por um lado, sempre que por qualquer motivo, a Autoridade Tributária se deparar com um obstáculo ao exercício do direito à liquidação, o prazo de caducidade daquele direito suspender-se-á para garantir a efectiva liquidação do imposto, sendo retomada a contagem do prazo a partir do momento em que seja proferida decisão sobre a reclamação ou impugnação da qual “resulte” o direito à liquidação. E, por outro lado, que naquele caso a lei tributária reconhece a possibilidade de se renovar o acto de liquidação na sequência da decisão de anulação de primeiro acto de liquidação.
A Requerente deduziu pedido visando a revisão oficiosa das autoliquidações efectuadas nas declarações periódicas referentes aos períodos de imposto compreendidos entre janeiro e dezembro de 2007, tendo igualmente interposto o respectivo recurso hierárquico, sendo que ambos foram indeferidos. Simultaneamente, procedeu a uma regularização de IVA referida às mesmas autoliquidações concretizando-a, porém, na declaração periódica de IVA referente a dezembro de 2011, tendo a mesma sido corrigida no âmbito de acção inspectiva externa de âmbito geral e da qual resultaram os actos de liquidação que aqui se impugnam.
Neste sentido, as correcções realizadas pelos serviços de IT que aqui se discutem não foram efectuadas na sequência de uma decisão de anulação mas em virtude da regularização de imposto concretizada na declaração periódica de IVA relativa a dezembro de 2011, não sendo por essa razão aplicável o artigo 46.º, n.º 2, da LGT ao caso em apreço.
Por outro lado, importa ressaltar que a suspensão do prazo de caducidade não prejudica o exercício do direito à liquidação. Daquele regime não decorre nenhum impedimento sobre a Autoridade Tributária no que concerne ao exercício do direito à liquidação. Antes pelo contrário, consagra-se uma ampliação do prazo de caducidade através da suspensão da contagem desse prazo uma vez que se pressupõe que o titular do direito à liquidação, encontrando-se numa das situações elencadas no artigo 46.º, n.º 2 da LGT, está impedido de exercer o seu direito. Por tudo isto, os actos de liquidação impugnados não enfermam da ilegalidade que lhes é imputada.
Indemnização por prestação de garantia indevida
Em face à decisão de improcedência do pedido arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de condenação da Autoridade Tributária no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido arbitral.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de €7.004.603,19 €, o qual foi contestado pela Requerida. Decorre da leitura do pedido de pronúncia que o que a Requerente pretende ver anulado respeita a correcções efectuadas pelos serviços de IT no valor de €6.457.008,39, pelo que se fixa o valor da causa nesse montante.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 80.784,00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 21 de Setembro de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha (votei a decisão na linha do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 4 de Março de 2020, e tendo em conta o grau de exigência probatória quanto à afectação de custos gerais à actividade de aquisição e disponibilização de veículos, assim revendo a posição adoptada nos Processos n.ºs 11/2019-T e 72/2019-T)
O Árbitro vogal (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo)
Paulo Lourenço
O Árbitro vogal
Sérgio Vasques
DECLARAÇÃO DE VOTO
Com todo o respeito pelas posições assumidas no âmbito do presente processo, não concordo com a decisão que foi tomada.
Na verdade, no caso concreto em apreço, está em causa a questão de saber se houve ou não transposição da Diretiva, na parte respeitante à alínea c) do nº 5 do artigo 173º da Diretiva do IVA, de forma a aferir a legitimidade da Autoridade Tributária para agir em conformidade com a regra específica constante do ofício circulado nº 30108, de 30 de janeiro de 2009.
A Requerente não conseguiu evidenciar a existência de quaisquer factos que permitam ao Tribunal apurar se os custos gerais são preponderantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação e abate dos bens locados.
Não obstante, a verdade é que, mesmo aceitando que foi efetuada a transposição da norma supra referida, o critério que a Autoridade Tributária utiliza apenas é possível, como bem sustentam o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Supremo Tribunal Administrativo, se a utilização dos bens e serviços mistos estiver relacionada, de forma determinante, com o financiamento e gestão dos contratos, ou seja, com as operações levadas a cabo pela Requerente que sejam isentas e não confiram o direito à dedução.
Ainda que não tenha sido possível a demonstração da preponderância determinante dos custos gerais, a verdade é que falta um pressuposto essencial para poder ser imposta qualquer condição especial, o que significa que, na sua ausência, a dedução do IVA terá que ser efetuada mediante a aplicação da regra geral prevista no nº 4 do artigo 23º do Código do IVA.
A utilização de um coeficiente de imputação específico apenas seria possível se a lei, não um ofício-circulado, referisse expressamente essa possibilidade na ausência de demonstração, por parte dos sujeitos passivos, da preponderância determinante acima mencionada.
Assim sendo, mesmo que se aceite, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA procedeu à transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, a Autoridade Tributária não podia aplicar um método de imputação específico que permitisse incluir somente os juros, o que significa que os atos de liquidação impugnados enfermam, na minha opinião, da ilegalidade que lhes é imputada.
O Árbitro vogal
Paulo Lourenço