Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 867/2019-T
Data da decisão: 2020-09-21  IRC  
Valor do pedido: € 297.778,40
Tema: IRC – Não residente; Retenção na fonte. Ganhos obtidos com swap de taxas de juro. Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-03-2020, acordam no seguinte:

             

                1. Relatório

 

A..., S.A.U.. sociedade constituída e existente de acordo com a legislação de Espanha. matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Madrid, com o número de pessoa coletiva A-..., com sede em ..., Madrid, Espanha, sociedade-mãe do anteriormente designado B..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL. pessoa coletiva n.º..., com representação na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa (doravante designado o “Requerente” ou “B...”), que encerrou a sua representação permanente em Portugal em 11 de Maio de 2016, veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) e artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das retenções na fonte a que se referem as guias de pagamento n.ºs ... e ... e subsequentes autoliquidações.

A Requerente pede ainda indemnização por garantia prestada e juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 12-03-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 18-08-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

Apenas o Requerente apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 11.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           O B..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL era, nos anos de 2005 a 2007, uma agência geral da companhia de seguros C... S.A., sociedade com sede e direcção efectiva em Espanha, que exercia em Portugal a actividade de seguro direto e resseguro do ramo vida;

B)           No dia 27-02-2007, o Requerente pediu a emissão de declarações de retenções na fonte relativas aos pagamentos ao D... referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2005 (documento n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

C)           Nos termos das referidas declarações, o Requerente deveria proceder ao pagamento das quantias de € 42.959,00 e de € 254.819,40, relativas a tais retenções na fonte;

D)           Na sequência, foram emitidas as guias de pagamento, com os números ... e ..., relativas a pagamentos efectuados a não residentes, durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2005, no montante total de € 1.488.892,01 (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E)            Após a apresentação das declarações, o Requerente entendeu que elas não deveriam ter sido emitidas, porque não houve nem tinha de haver qualquer retenção na fonte relativamente aos pagamentos efectuados a não residentes, durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2005;

F)            Em data não determinada, o Requerente solicitou enviou à Administração Tributária a anulação das declarações que apresentara, através do email cuja cópia consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

G)           Em 29-06-2007, o Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa -..., reclamação graciosa, solicitando a anulação das declarações de retenção na fonte apresentadas e, consequentemente, das respetivas guias de pagamento (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           A reclamação graciosa não foi decidida no prazo de 6 meses;

I)             Após este prazo, em 28-01-2008, o Requerente apresentou impugnação Judicial no Tribunal Tributário de Lisboa que deu origem do processo judicial n.º .../08...BELRS;

J)            Por o Requerente não ter efectuado o pagamento voluntário das quantias relativas às retenções na fonte mencionadas, foi instaurado contra o Requerente o processo de execução fiscal n.º ...2007... (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K)           O Requerente prestou a garantia bancária n.º..., de 14-08-2007, para suspender o processo de execução fiscal referido (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L)            Até 18-06-2013, o Requerente despendeu a quantia de € 99.048,83 com a prestação de garantia referida, que se manteve após esta data (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)          O processo de execução fiscal referido foi extinto por pagamento, em 22-12-2015 (documentos n.ºs 8, 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

N)           O Requerente pagou no processo de execução fiscal referido o montante total de € 326.519,40, correspondente a retenções na fonte relativas e correspondentes juros compensatórios, juros de mora e outras despesas e encargos (documento n.º 8);

O)           De forma a limitar a sua responsabilidade e a rentabilizar o capital proveniente dos prémios pagos pelos beneficiários dos seguros que colocava à disposição dos seus Cliente, o Requerente, seguindo as instruções do grupo económico em que se inseria, optou por transferir parte do risco assumido para outra empresa do grupo – o D... PLC –, com sede e residência fiscal no Reino Unido (abreviadamente “D...”) (depoimentos das testemunhas G... e H...);

P)           A residência fiscal do B... era no Reino Unido, no ano de 2005 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Q)           Como contrapartida da referida limitação de risco, o Requerente pagou ao B..., no período correspondente a janeiro e fevereiro de 2005. a quantia de € 1.488.892,01;

R)           Não foram efectuadas quaisquer retenções na fonte relativamente a estes pagamentos;

S)            No âmbito do acordo de limitação do risco assumido no desenvolvimento da sua atividade seguradora, o Requerente pagou ao B...:

a. a quantia de € 214.795,00, em 12 de janeiro de 2005;

b. a quantia de € 214.027,76, em 4 de fevereiro de 2005;

c. a quantia de € 570.576,00, em 21 de fevereiro de 2005;

d. a quantia de € 417.705,00, em 25 de fevereiro de 2005; e

e. a quantia de € 71.788,25, em 28 de fevereiro de 2005;

perfazendo um total de € 1.488.892,01 a título de pagamento de uma prestação de serviços;

T)            A Administração Tributária emitiu liquidações de juros compensatórios relativamente às referidas declarações de retenção na fonte, com os números 2007 ... e 2007..., no valor de € 3.464,96 e € 19.575,71 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

U)           O Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de juros compensatórios, que foi deferida, com os fundamentos que constam do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

3 - CAUSA DE PEDIR

A reclamante invoca não serem devidos juros compensatórios por te em sido enviadas, por lapso, de auto liquidação de IRC do exercício de 2005, resultante da emissão de guias para pagamento das retenções na fonte n°s ... e ..., relativos a pagamentos efectuados a não residentes inerentes aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2005

4-PEDIDO

Anulação das liquidações autónomas de juros compensatórios n°s 2007 ... e 2007..., no valor de 3.464,96 e 19.575,71, respectivamente.

5 - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E PARECER

É alegado pela reclamante que se trata de uma agência geral da B... SA, empresa com sede e direcção efectiva em Espanha, pertencente ao D..., com sede no companhia de seguros Reino Unido, tendo em Portugal por objecto exclusivo o exercício da actividade de seguro directo e de resseguro do ramo vida, seguindo a política definida pelo Grupo. Invoca, se encontrar devidamente autorizada a exercer a actividade seguradora e registada no Instituto de Seguros de Portugal.

No que concerne à actividade seguradora alega assumir perante os beneficiários, responsabilidades futuras mediante a celebração de seguros de vida.

De forma a limitar a sua responsabilidade e rentabilizar o capital proveniente dos prémios pagos pelos beneficiários dos seguros, a impugnante optou por transferir

parte do risco assumido para a empresa D... PLC - (departamento de investimento E...). Esta empresa, D..., com sede residência fiscal no Reino Unido.

Esta decisão de gestão teve como finalidade limitar a responsabilidade da impugnante a um determinado montante, transferindo, mediante o pagamento de uma contrapartida, qualquer encargo superior a esse montante, para o D... PLC.

Vem a reclamante alegar que, em 27.02.2007, muito embora não tenha efectuado retenções na fonte, relativamente aos pagamentos de Janeiro e Fevereiro de 2005, no valor 1.488.892,01 €, ao D... PLC, veio a submeter guias de pagamento de retenções na fonte de 42.959,00 € e 254.819,40 € alegando corresponderem à taxa de 20% de retenção, lapso só mais tarde detectado.

Foi efectuado, pela reclamante, um pedido de reclamação graciosa contra o acto de auto liquidação de IRC do exercício de 2005, resultante da submissão de guias para pagamento das retenções na fonte n°s ... e ..., relativos a pagamentos efectuados a não residentes inerentes aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2005.

Deste modo foram emitidas duas liquidações autónomas de juros compensatórios, n.º 2007... e n.º 2007..., decorrentes da não entrega ao Estado das referidas retenções, no valor total de 23.040,67 €.

A fim de se encontrarem os serviços prestados isentos de retenção de imposto, teria o contribuinte de apresentar comprovantes como formulários e certificado de residência

preceituado no artigo 90° A do Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), como não apresentou logo, os juros reclamados são manter, propondo-se o indeferimento do pedido

6 - CONCLUSÃO E PROPOSTA DE DECISÃO

Em face do exposto e salvo melhor opinião, conclui-se pelo indeferimento do pedido.

7 - DIREITO DE AUDIÇÃO

Tendo em conta os factos apurados e anteriormente descritos, foi o sujeito passivo notificado, através de carta registada com aviso de recepção, para o exercício do direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, no prazo de 15 dias, do projecto de decisão, de harmonia com o disposto no artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT) aprovada pelo D.L. 398/98 de 17 de Dezembro, através do ofício n° ..., datado de 31-12-2008, com o registo dos CTT n.º RC ... PT.

Veio o sujeito passivo exercer o seu direito de audição prévia, no dia 19 de Janeiro, entrada geral n°..., apresentando cópias certificadas dos formulários - Mod 12-RFI- atestando a qualidade de residente no Reino Unido, no ano de 2005, do D... PLC.

Informa, o sujeito passivo, que o certificado de residência se encontra junto ao processo, nos termos da qual a F... atesta que o D... PLC, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, tinha residência fiscal no Reino Unido.

Informa ainda que:

"8. Com efeito, nos termos da alteração introduzida pelo n° 1 do artº 48° da Lei n° 67-A/2007, de 31/12 (LOE 2008), a alegada exigência da apresentação do certificado de residência e formulários poderá, face ao novo enquadramento legal (artigo 48°, n.º 1 e 4), ser apresentado a posteriori.

11. Efectivamente, nos termos do n° 4 do artº 48º da Lei do Orçamento do Estado, ficou consagrado que:

"O afastamento da responsabilidade prevista no n.º 4 do artigo 90º e no n° 6 do artigo

90°-A do Código do IRC, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da presente Lei, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação".

12. Pelo que, tendo em consideração as alterações expressamente introduzidas pelo legislador na Lei do Orçamento de Estado para 2008, é ainda possível afastar a sua responsabilidade mediante a apresentação de documento que do beneficiário (certificado de residência).

...

14. Termos em que, concretizada a prova de residência, os rendimentos colocados à disposição da Beneficiária, não estão sujeitos a retenção na fonte por força da aplicação da CDT com o Reino Unido (artigo 7°), logo, os juros aqui em causa também não são devidos."

PARECER

Tido a reclamante apresentado os formulários, de acordo com o preceituado no art° 90° A do Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas, no exercício do direito de participação na decisão, do projecto de decisão, de harmonia com o disposto no artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo D.L 398/98 de 17 de Dezembro, e estando presente no processo o respectivo certificado de residência, somos razão à Reclamante.

Em face do exposto e salvo melhor opinião, conclui-se pelo deferimento do pedido, e proceder à anulação das liquidações autónomas de juros compensatórios n.ºs 2007... e 2007... .

 

V)           O Requerente para diminuir os riscos que assumia no âmbito de seguros de vida fazia acordos com outras empresas do grupo, relativos a swap das taxas de juro, pois este impunha que esses acordos fossem efectuados dentro do grupo (depoimentos das testemunhas G... e H...);

W)          O Requerente fazia contratos de seguros de vida garantindo aos seus clientes uma rentabilidade variável indexada à Euribor e com o dinheiro que recebia dos seus clientes comprava obrigações de taxa fixa e para não correr o risco derivado das oscilações da Euribor entregava o rendimento a taxa fixa ao D... PLC, com sede no Reino Unido, e este devolvia ao Requerente os rendimentos à taxa variável que o Requerente garantiu aos clientes, mais um spread, sendo este o ganho do Requerente (documentos juntos pelo Requerente em 13-08-2020 e depoimento da testemunha H...);

X)           Foi no âmbito desses acordos que foram efectuados os pagamentos a que se referem as declarações de retenções na fonte (depoimentos das testemunhas G... e H...);

Y)            Os pedidos de emissão de declarações de retenção na fonte apresentados pelo Requerente foram efectuados por lapso, por os montantes terem sido indevidamente incluídos em listas dos pagamentos sujeitos a retenção na fonte que o Requerente fazia aos seus clientes (depoimentos das testemunhas G... e H...);

Z)            O Requerente não fez retenções relativamente a esses pagamentos por serem efectuados a empresa com sede no Reino Unido (depoimentos das testemunhas G... e H...);

AA)        Em 18-12-2019, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

                2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente. e processo administrativo.

A testemunha G... era responsável pela contabilidade do Requerente e outras empresas do grupo D..., nos anos de 2005 a 2007.

A testemunha H... era Técnico Oficial de Contas do Requerente.

Ambas as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

 

3. Matéria de direito

 

O Requerente, no âmbito da sua actividade de comercialização de seguros de vida seguradora, celebrou contratos com o D... PLC, com sede no Reino Unido, visando a transferência de parte dos riscos assumidos, tendo efectuado, no ano de 2005, pagamentos a este.

O Requerente não efectuou retenções na fonte relativamente a esses pagamentos e entendia que elas não deviam ser efectuadas, mas, em 2007, por lapso, pediu a emissão de declarações que constam dos documentos n.ºs 3 e 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

Como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 36.º da sua Resposta (com o expresso acordo do Requerente no artigo 11.º do requerimento apresentado em 13-08-2020), «a relação contratual existente entre a Requerente e o Banco D... inscreve-se no quadro das operações de swap de taxa de juros, utilizadas, fundamentalmente, como instrumento de cobertura de risco, que permite às empresas, em particular, salvaguardar-se das consequências adversas das oscilações desfavoráveis das taxas de juro. tendo por base uma troca de pagamentos em taxa fixa por pagamentos em taxa variável».

Assim, a questão essencial que se coloca é a de saber se os rendimentos provenientes de contratos de swap de taxas de juros, pagos a entidade residente no Reino Unido no ano de 2005, estavam sujeitos a retenção na fonte.

O Requerente defende, em primeira linha, que os rendimentos em causa não são abrangidos pelo âmbito de incidência do IRC, designadamente por estarem, excluídos pela subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

Em segundo lugar, o Requerente defende que a não sujeição dos rendimentos a retenção na fonte resulta da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT") celebrada entre Portugal e o Reino Unido.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de defender que se trata de contratos de swap de taxas de juros (ponto sobre o qual há acordo das Partes, em face do referido pelo Requerente no artigo 11.º requerimento apresentado em 13-08-2020) defende que é o Requerente quem tem de fazer prova da verificação dos requisitos de aplicação da CDT.

 

3.1. Questão da inclusão dos rendimentos no âmbito de incidência do IRC

 

Os ganhos decorrentes de operações de swaps de taxas de juro são considerados rendimentos de capitais, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea q), do CIRS, sendo tributada a «diferença positiva entre os juros», por força do disposto na alínea b) do n.º 6 do mesmo artigo.

As pessoas coletivas não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal são sujeitos passivos do IRC relativamente aos rendimentos aí obtidos e qualificados de acordo com as categorias, consideradas para efeitos do IRS, como resulta do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), e 3.º, n.º 1, alínea d) do CIRC (redacção vigente em 2005).

Como resulta do teor expresso do n.º 2 do artigo 4.º do CIRC, «as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos».

A indicação dos rendimentos de não residentes que se consideram obtidos em território português consta do n.º 3 do mesmo artigo 4.º do CIRC, em que se estabelece, na redacção vigente em 2005, o seguinte:

 

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:

a) Rendimentos relativos a imóveis situados no território português, incluindo os ganhos resultantes da sua transmissão onerosa;

b) Ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direcção efectiva em território português, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia, ou de outros valores mobiliários emitidos por entidades que aí tenham sede ou direcção efectiva, ou ainda de partes de capital ou outros valores mobiliários quando, não se verificando essas condições, o pagamento dos respectivos rendimentos seja imputável a estabelecimento estável situado no mesmo território; (redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro)

                c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:

 

1) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico;

2) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico;

3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;

4) Remunerações auferidas na qualidade de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas e outras entidades;

5) Prémios de jogo, lotarias, rifas, totoloto e apostas mútuas, bem como importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos; (redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro)

6) Rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos;

7) Rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras;

8) Rendimentos provenientes de operações relativas a instrumentos financeiros derivados (aditado o n.º 8 pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro) ;

 

d) Rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos ou desportistas. (Redacção da Lei 32-B/02, de 30-12.)

e) Incrementos patrimoniais derivados de aquisições a título gratuito respeitantes a: (redacção da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto)

1) Direitos reais sobre bens imóveis situados em território português;

2) Bens móveis registados ou sujeitos a registo em Portugal;

3) Partes representativas do capital e outros valores mobiliários cuja entidade emitente tenha sede ou direcção efectiva em território português;

4) Direitos de propriedade industrial, direitos de autor e direitos conexos registados ou sujeitos a registo em Portugal;

5) Direitos de crédito sobre entidades com residência, sede ou direcção efectiva em território português;

6) Partes representativas do capital de sociedades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português e cujo activo seja predominantemente constituído por direitos reais sobre imóveis situados no referido território.

 

No caso em apreço, os rendimentos não são imputáveis a estabelecimento estável do D... PLC, pelo que a sua sujeição a IRC apenas pode resultar do seu enquadramento em qualquer das alíneas e subalíneas referidas.

Neste caso, tratando-se de rendimentos cujo devedor tinha estabelecimento estável em território português (B..., S.A. – Sucursal em Portugal), a sujeição a IRC tem de ser aferida a face das situações arroladas na alínea c) do referido n.º 3.

Como diz o Requerente, os rendimentos relativos a actividades financeiras estão, em geral, excluídos do âmbito dos que se consideram obtidos em território nacional de incidência do IRC, por força do disposto na subalínea 7).

No entanto, para o específico caso de situações de «rendimentos provenientes de operações relativas a instrumentos financeiros derivados», estabelece-se expressamente, na subalínea 8) da mesma alínea c), que se consideram obtidos em território português.

Ora, entre os instrumentos financeiros derivados incluem-se swaps de taxas de juro, como se conclui, nomeadamente, dos parágrafos AG 15 e AG 19 do Guia de aplicação da IAS 32 – Instrumentos financeiros e do parágrafo AG 9 do Guia de aplicação da IAS 39 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração. 

Assim, destas normas do CIRC resulta a incidência de IRC sobre os rendimentos em causa.

Improcede, assim, o primeiro fundamento de anulação invocado pelo Requerente.

 

3.2. Questão da exclusão de tributação dos rendimentos em Portugal à face da CDT

 

O Requerente defende que os rendimentos que pagou ao D... PLC não são tributados em Portugal, por força do disposto no artigo 7.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27 de Março de 1968, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48497, de 24-07-1968, que estabelece o seguinte:

 

ARTIGO 7.º

Lucros industriais ou comerciais

1) Os lucros industriais ou comerciais de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros industriais ou comerciais podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.

2) Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros industriais ou comerciais que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas actividades ou actividades similares nas mesmas condições ou em condições similares e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.

3) Na determinação do lucro de um estabelecimento estável, é permitido deduzir as despesas devidamente comprovadas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direcção e as despesas gerais de administração igualmente comprovadas e efectuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado, quer fora dele, excluídas as despesas que não seriam dedutíveis se o estabelecimento estável fosse uma empresa separada.

4) Nenhum lucro será imputado a um estabelecimento estável pelo facto da simples compra de mercadorias por esse estabelecimento estável para a empresa.

5) A expressão «lucros industriais ou comerciais» significa os rendimentos obtidos por uma empresa do exercício de actividade comercial ou industrial, incluindo os rendimentos obtidos pela prestação de serviços de empregados ou outro pessoal e os dividendos, juros ou royalties conexionados efectivamente com a actividade comercial ou industrial exercida por meio de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante; todavia, a expressão não inclui os dividendos, juros ou royalties não conexionados do modo referido e não inclui igualmente as remunerações por serviços pessoais, incluindo os serviços das profissões liberais.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, porém, defende que é aplicável o artigo 11.º da mesma CDT em que se estabelece o seguinte:

 

ARTIGO 11.º

Juros

1) Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2) No entanto, esses juros podem ser tributados no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado; mas, quando o residente do outro Estado Contratante está nele sujeito a imposto por esses juros, o imposto assim estabelecido no Estado primeiramente mencionado não excederá 10 por cento do montante dos juros.

3) O termo «juros» usado neste artigo significa os rendimentos da dívida pública, de obrigações com ou sem garantia hipotecária e com direito ou não a participar nos lucros e de créditos de qualquer natureza, bem como quaisquer outros rendimentos assimilados aos rendimentos de importâncias emprestadas pela legislação fiscal do Estado de que provêm os rendimentos.

4) O disposto nos parágrafos 1) e 2) não é aplicável se o beneficiário dos juros residente de um Estado Contratante tiver no outro Estado Contratante, de que provêm os juros, um estabelecimento estável a que estiver efectivamente ligado o crédito que dá origem aos juros. Neste caso, são aplicáveis as disposições do artigo 7.º

5) Os juros consideram-se provenientes de um Estado Contratante quando o devedor for esse próprio Estado, uma sua autarquia local ou um residente desse Estado. Todavia, quando o devedor dos juros, seja ou não residente de um Estado Contratante, tiver num Estado Contratante um estabelecimento estável em relação com o qual haja sido contraída a obrigação que dá origem aos juros e esse estabelecimento estável suporte o pagamento desses juros, tais juros são considerados provenientes do Estado Contratante em que o estabelecimento estável estiver situado.

6) Quando, devido a relações especiais existentes entre o devedor e o credor ou entre ambos e qualquer outra pessoa, o montante dos juros pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o credor na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada Estado Contratante, tendo em conta as outras disposições desta Convenção.

 

A aplicação deste artigo 11.º, especificamente aplicável a «juros», depende do enquadramento dos rendimentos provenientes de contratos de swap de taxas de juro no conceito definido no n.º 3 deste artigo 11.º.

Como pertinentemente refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a interpretação da norma correspondente da Convenção Modelo da OCDE, conduz à não inclusão no conceito de «juros» dos ganhos obtidos com contratos de swap de taxas de juro, como expressamente se refere no comentário 21.1 ao artigo 11.º :

 

«21.1 The definition of interest in the first sentence of paragraph 3 does not normally apply to payments made under certain kinds of nontraditional financial instruments where there is no underlying debt (for example, interest rate swaps). However, the definition will apply to the extent that a loan is considered to exist under a “substance over form” rule, an “abuse of rights” principle, or any similar doctrine». (   )

 

No entanto, na parte final do n.º 3 do artigo 7.º da CDT referida prevê-se a extensão do conceito de «juros» a «quaisquer outros rendimentos assimilados aos rendimentos de importâncias emprestadas pela legislação fiscal do Estado de que provêm os rendimentos», pelo que tem de ser apurado se a legislação fiscal portuguesa vigente em 2005 estabelecia essa assimilação dos ganhos obtidos com contratos de swap de taxas de juro aos «rendimentos de importâncias emprestadas».

Ora, essa assimilação não existia em 2005, pois o artigo 5.º do CIRS, previa os juros e os ganhos provenientes de operações de swap de taxas de juro em disposições autónomas e não existia qualquer norma que estabelecesse equiparação.

Por outro lado, confirmando que essa assimilação não existia em 2005, constata-se que a equiparação veio a ser determinada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou ao artigo 5.º do CIRC um n.º 10 em que se estabelecia que «os rendimentos a que se refere a alínea q) do n.º 2 são, para todos os efeitos, assimilados a juros», mas esta norma veio a ser revogada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Assim, esta evolução legislativa patenteia que, na perspectiva legislativa, a equiparação não existia antes da Lei n.º 67-A/2007 e deixou de existir a partir da entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008.

Por isso, o regime aplicável aos rendimentos em causa, pagos em 2005, é o previsto no artigo 7.º da CDT, de que resulta que «os lucros industriais ou comerciais de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado».

Neste caso, o D... PLC não desenvolveu a sua actividade referida através de estabelecimento estável, pelo que deste artigo 7.º da CDT resulta que os ganhos em causa não eram tributados em Portugal.

No que concerne ao modelo 12-RFI apresentado pelo Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não era o adequado, por dever ser apresentado o modelo 9-RFI.

No entanto, à face do preceituado no Despacho n.º 11701/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 17-06-2013, páginas 9107 a 9128, o modelo 9-RFI é adequado apenas para rendimentos de dividendos e juros, o que não é o caso dos autos. Por outro lado, modelo 12-RFI é o adequado «para utilização sempre que sejam rendimentos não previstos em nenhum dos formulários referidos nas alíneas anteriores», sendo isso que sucede no caso dos autos.

De qualquer forma, a apresentação ou não do modelo adequado é irrelevante, pois como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 22-06-2011, proferido no processo n.º 0283/11, «estes formulários não constituem requisitos "ad substantiam", sendo a prova de residência um mero requisito "ad probationem", já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência».

Na mesma linha decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 14-12-2016, processo 0141/14, que tem o seguinte sumário:

I – Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.

II – As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.

III – Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no n.º 1 do artigo 1º da LGT.

IV – Resulta da interpretação dos artigos 103 da CRP e 90 do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados – a posteriori" dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364 n.º 2 do Código Civil.

 

Pelo exposto, é de considerar provada a qualidade de não residente do D... PLC.

Assim, conclui-se que os rendimentos pagos pelo Requerente ao D... PLC a que se referem as declarações de retenção na fonte impugnadas não estavam sujeitos a tributação em Portugal, pelo que aquelas enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

O Requerente prestou garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança coerciva das quantias a que se referem as declarações de retenção na fonte impugnadas e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando O príncipe se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente à liquidação impugnada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois esta foi de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Como resulta da matéria de facto fixada, até 18-06-2013 o Requerente despendeu a quantia de € 99.048,83 com a prestação de garantia referida.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada «no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida», com decorre do preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

                5. Juros indemnizatórios

 

                Em 22-12-2015, o Requerente pagou em processo de execução fiscal as quantias liquidadas despendendo o montante de € 326.519,40 e pede a restituição desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas, no montante de € 326.519,40.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que houve erro na emissão das declarações de retenção na fonte que é imputável ao Requerente, pois foi quem pediu a sua emissão, por lapso.

No entanto, em 22-12-2015, quando foi efectuado o pagamento, o Requerente já havia apresentado à Administração Tributária uma reclamação graciosa (em 27-06-2007), que não foi objecto de decisão e deveria ter sido deferida.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter, por falta da decisão administrativa devida, uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la, deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. (   )

Assim, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados com base na quantia indevidamente paga (€ 326.519,40), contados desde 22-12-2015, data do pagamento, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                6. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular as declarações de retenção na fonte a que se referem as guias de pagamento, com os números ... e ...;

C)           Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente a quantia de € 99.048,83, para além de despesas com a prestação de garantia posteriores a 18-06-2013 que forem liquidadas em execução do presente acórdão;

D)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária a pagá-los a Requerente calculados nos termos referidos no ponto 5 deste acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 297.778,40.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-09-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Francisco Nicolau Domingos)

(A. Sérgio de Matos)