DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Raquel Franco e Dr. Amândio Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., n.º..., no Porto (...) com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., (doravante, a "Requerente") apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, parte final e n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e, bem assim, do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2007... e respectiva liquidação de juros compensatórios, ambas respeitantes ao exercício de 2004, datadas de 03-12-2007, e a decisão de indeferimento parcial que recaiu sobre o recurso hierárquico que interpôs da decisão da reclamação graciosa deduzida contra aquela liquidação.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-12-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-03-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 12-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2004, em que foram efectuadas correcções à matéria tributável, entre as quais uma correcção relativa a retenções na fonte de IR – pagamentos a não residentes – as quais originaram o apuramento de um montante de imposto de € 190.475,81, sendo que € 90.000,00 respeitava a retenções na fonte sobre direitos de propriedade intelectual e € 100.475,81 a retenções na fonte sobre prestações de serviços (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:
I - 3.1.2.2 PAGAMENTOS A NÃO RESIDENTES
I - 3.1.2.2.1 RETENÇÕES NA FONTE SOBRE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
- € 90.000,00 (alínea a) do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do art.º 88º do CIRC)
Valor referente a retenções na fonte com não residentes, não efectuadas pelo sujeito passivo, (cfr. descrito no ponto III -1.2.2.1 do presente Projecto de Relatório de Conclusões).
O sujeito passivo não contestou, em sede de direito de audição, a correcção proposta (cfr. ponto IX- 1.2.2.1 do presente Relatório de Conclusões).
I - 3.1.2.2.2 RETENÇÕES NA FONTE SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS
- € 100.475,81 (alínea g) do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do art.º 88º do CIRC)
Montante referente a retenção na fonte em falta decorrente de pagamento de serviços prestados por entidades não residentes, (cfr. descrito no ponto III - 1.2.2.2 do presente Projecto de Relatório de Conclusões).
O sujeito passivo não contestou, em sede de direito de audição, a correcção proposta (cfr. ponto IX- 1.2.2.2 do presente Relatório de Conclusões).
(...)
III -1.2.2. PAGAMENTOS A NÃO RESIDENTES
III -1.2.2.1 RETENÇÕES NA FONTE SOBRE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
- € 90.000,00 (alínea a) do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do art,º 88º do CIRC)
No exercício de 2004, o Banco A... efectuou os pagamentos que constam do Anexo n.º 12, relativos a operações com entidades não residentes, sem estabelecimento estável em Portugal e sobre os quais não efectuaram a respectiva retenção na fonte.
Esses pagamentos reportam a rendimentos da B..., no montante de € 600.000,00, respeitantes a Direitos de Propriedade Intelectual, cedidos pelo titular originário, e que se consideram obtidos em território português, de acordo com a subalínea 1) da alínea c), do n.º 3 do art.º 4º do Código do IRC. Acresce que, tendo em conta a natureza dos rendimentos, estes não se encontram na exclusão da tributação prevista no n.º 4 do art.º 4º do Código do IRC.
Então, os rendimentos encontram-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, nos termos da alínea a) do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do art.º 88º do Código do IRC, à taxa de retenção de 15%, conforme o previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 80º do mesmo diploma. A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, ocorre na data em que estiver estabelecida, para obrigação idêntica no Código do IRS, por força do disposto no n.º6 do artº 88º do Código do IRC. Assim, no caso em concreto, existe obrigação de retenção na fonte no momento do pagamento ou colocação ã disposição, conforme o estipulado no n.º 3 do art.º 8º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, conjugado com o n.º 1 do art.º 98º do Código do IRS.
As entidades devedoras dos rendimentos, de acordo com o n.º 2 do art.º 90º do Código do IRC, só poderão eximir-se da aplicação das taxas de retenção previstas no ordenamento jurídico interno nos pagamentos efectuados, se os beneficiários dos rendimentos forem residentes em Estado com o qual exista uma CDT e esta não atribua a competência da tributação ao Estado da fonte ou a atribua de forma limitada.
Ou seja, quando existe Convenção para Eliminar a Dupla Tributação com o país do qual o beneficiário do rendimento é residente, torna-se necessário o desencadeamento de determinados requisitos com vista à sua activação, não bastando, por si só, a existência de convenção para que possa ser afastada a dupla tributação. De acordo com o n.º 1 do art.º 74º da Lei Geral Tributária (LGT), compete ao sujeito passivo o ónus de provar que reúne as condições para aplicar a Convenção, através da existência de formulários apropriados devidamente certificados pelas Entidades Competentes do país da sede do não residente.
Nesta sequência, para que se verifique a dispensa de retenção na fonte, o n.º 3 do art.º 90º do Código do IRC exige a apresentação de um formulário de modelo apropriado, devidamente certificado pelas autoridades tributárias competentes, a apresentar perante a entidade devedora dos rendimentos, até à data em que o imposto deva ser entregue nos Cofres do Estado, constituindo prova bastante da reunião dos pressupostos legais que se destinam a accionar a CDT.
Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do art.º 90º do Código do IRC, o seu n.º 4 prevê que, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário, neste caso o sujeito passivo, obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
No caso em apreço o sujeito passivo não apresentou os formulários respectivos, sendo então de aplicar o disposto no n.º 4 do art.º 90º do Código do IRC.
Portanto, não tendo sido accionadas as respectivas CDTs, não se verificam as condições de redução ou dispensa de retenção na fonte de IRC.
Acresce, por força do disposto no artº 123.º do Código do IRC, que "Não se poderão realizar transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido."
Face ao exposto, o sujeito passivo não reteve e não entregou imposto no montante total de € 90.000,00, resultante da aplicação da taxa interna, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 80º do Código do IRC, conforme Anexo n.º12.
Tratando-se de entidades não residentes sem estabelecimento estável, a retenção na fonte tem carácter definitivo, logo, a responsabilidade originária pelo imposto em falta é do sujeito passivo, nos termos do n.º 5 do art.º 106º do Código do IRC e dos artigos 20º e 28º, n.º 3, ambos da LGT.
O imposto em falta está sujeito a juros compensatórios, nos termos do n.º 1 do art.º 94º e n.º 2 do art.º 106º do Código do IRC e do n.º 1 do art.º 35º da LGT.
O sujeito passivo não contestou, em sede de direito de audição, a correcção proposta (cfr. ponto IX - 1.2.2.1 do presente Relatório de Conclusões).
III -1.2.2.2 RETENÇÕES NA FONTE SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS
- € 100.475,81 (alínea g) do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do art.º 88º do CIRC)
No exercício de 2004, o Banco A... efectuou os pagamentos, que constam do Anexo n.º 13, relativos a operações com entidades não residentes, sem estabelecimento estável em Portugal e sobre os quais não efectuou a respectiva retenção na fonte.
Esses pagamentos, reportam a rendimentos no montante de € 669.838,76, respeitantes a Prestações de Serviços de Formação e Assessoria Jurídica e que se consideram obtidas em território português, de acordo com a subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do art.º 4º do Código do IRC. Acresce que, tendo em conta a natureza dos rendimentos, estes não se encontram na exclusão da tributação prevista no n.º 4 do art.º 4º do Código do IRC.
Então, os rendimentos encontram-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, conforme disposto na alínea g) do n.º 1 e alínea b) do n.º 3 do art.º 88º do Código do IRC, à taxa de 15% prevista na alínea e) do n.º 2 do art.º 80º do mesmo diploma. A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, ocorre na data em que estiver estabelecida, para obrigação idêntica no Código do IRS, por força do disposto no n.º6 do art.º 88º do Código do IRC. Assim, no caso em concreto, existe obrigação de retenção na fonte no momento do pagamento ou colocação à disposição, conforme o estipulado no n.º 3 do art.º 8º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, conjugado com o n.º 1 do art.º 98º do Código do IRS.
As entidades devedoras dos rendimentos, de acordo com o n.º 2 do art.º 90º do Código do IRC, só poderão eximir-se da aplicação das taxas de retenção previstas no ordenamento jurídico interno nos pagamentos efectuados, se os beneficiários dos rendimentos forem residentes em Estado com o qual exista uma CDT e esta não atribua a competência da tributação ao Estado da fonte ou a atribua de forma limitada.
Ou seja, quando existe Convenção para Eliminar a Dupla Tributação com o país do qual o beneficiário do rendimento é residente, torna-se necessário o desencadeamento de determinados requisitos com vista à sua activação, não bastando, por si só, a existência de convenção para que possa ser afastada a dupla tributação. De acordo com o n.º 1 do art.º 74º da Lei Geral Tributária (LGT), compete ao sujeito, passivo o ónus de provar que reúne as condições para aplicar a Convenção, através da existência de formulários apropriados devidamente certificados pelas Entidades Competentes do país da sede do não residente.
Nesta sequência, para que se verifique a dispensa de retenção na fonte, o n.º 3 do art.º 90º do Código do IRC exige a apresentação de um formulário de modelo apropriado, devidamente certificado pelas autoridades tributárias competentes, a apresentar perante a entidade devedora dos rendimentos, constituindo prova bastante da reunião dos pressupostos legais que se destinam a accionar a CDT.
Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do art.º 90º do Código do IRC, o seu n.º 4 prevê que, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário, neste caso o sujeito passivo, obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
Ora, no caso em apreço, o sujeito passivo não apresentou os formulários, sendo então de aplicar o disposto no n.º 4 do art.º 90º do Código do IRC.
Portanto, não tendo sido devidamente accionadas as respectivas CDTs, não se verificam as condições de dispensa de retenção na fonte de IRC.
Acresce, por força do disposto no art.º 123º do Código do IRC que "Não se poderão realizar transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.".
Face ao exposto, o sujeito passivo não reteve e não entregou imposto no montante total de €100.475,81, resultante da aplicação da taxa interna de 15%, pelas razões invocadas e previstas na alínea a) do n.º 2 do art.º 80º do Código do IRC, conforme Anexo n.º 13.
Tratando-se de entidades não residentes sem estabelecimento estável, a retenção na fonte tem carácter definitivo, logo, a responsabilidade originária pelo imposto em falta é do sujeito passivo, nos termos do n.º 5 do art.º 106º do Código do IRC e dos artigos 20º e 28º, n.º 3, ambos da LGT.
O imposto em falta está sujeito a juros compensatórios, nos termos do n.º 1 do art.º 94º e n.º 2 do art.º 106º do Código do IRC e n.º 1 do art.º 35º da LGT.
O sujeito passivo não contestou, em sede de direito de audição, a correcção proposta (cfr. ponto IX - 1.2.2.1 do presente Relatório de Conclusões).
C) As correções foram efectuadas por a administração tributária ter identificado situações em que foram pagos rendimentos a não residentes relativos a direitos de propriedade intelectual alegadamente cedidos pela B... (adiante apenas B...) no montante de € 600.000,00, e outros respeitantes a prestações de serviços de diversa natureza com referência às sociedades C..., D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., no valor de € 669.838,76;
D) Na sequência da inspecção a Administração Tributária emitiu a liquidação de Imposto de Rendimento/Retenções na Fonte nº ..., no valor de € 190.475,81, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2007..., 2007..., 2007..., 2007..., 2007..., 2007..., 2007... e 2007..., no valor global de € 25.291,05 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) Em 28-01-2008, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações referidas;
F) A reclamação graciosa foi parcialmente deferida, tendo-se nela anulado o montante de € 90.758,40 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 14.264,76 e decidido serem devidos juros compensatórios no montante de € 11.026,29 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Na decisão da reclamação graciosa a Administração Tributária entendeu que seria de manter a correcção respeitante aos € 6.195,00 relativos aos rendimentos pagos ao C..., por não ter sido apresentado o original do certificado de residência, mas fotocópia não autenticada;
H) Em 21-10-2009, o Requerente apresentou recurso hierárquico contra a referida decisão de indeferimento parcial, em que, para além de reiterar a ilegalidade das liquidações então recorridas, juntou aos autos cópia certificada do formulário modelo RFI relativo ao beneficiário C..., sendo anulada a liquidação na parte referente aos rendimentos da C..., no valor de € 6195,00, bem como € 685,01 relativamente às liquidações de juros compensatórios (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) Na informação em que se baseia a decisão do recurso hierárquico refere-se, além do mais o seguinte:
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO PELA DSIRC
O presente recurso mostra-se tempestivo, já que foi interposto em 21.10.09, dentro de
prazo de trinta dias mencionado no disposto do n° 2 do artigo 66° do CPPT, começado
a contar a partir de 21.09.09, data em que o sujeito passivo foi notificado do deferimento parcial que recaiu sobre a sua reclamação, conforme registo postal dos CTT (referência RM ... PT ).
Posto isto e reportando-nos agora à matéria em questão, temos a referir que, com a decisão de deferir a correcção relativamente à entidade designada B..., proferida em sede de reclamação graciosa, a matéria que resta agora para analisar em sede do presente recurso, prende-se exclusivamente com a situação da não retenção na fonte em território nacional de imposto incidente sobre prestações de serviços efectuadas em Portugal por entidades não residentes no valor de 99.717,41 € (confrontar com mapa a página 2 desta Informação) e que não têm no nosso país quaisquer estabelecimento estável, conforme se informa no relatório de inspecção tributária a páginas 32, 63 dos autos de reclamação.
Assim sendo, informa-se que, no respeitante ao rendimento em questão, as normas previstas no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e Património, atribuem competência para tributar ao Estado de residência dos beneficiários em detrimento do Estado da fonte.
Este entendimento tem sido seguido na elaboração das várias CDTs celebradas entre Portugal e outros países e consta normalmente do artigo 7° dessas mesmas CDT's.
É claro que esta atribuição de competência a um Estado em detrimento do outro Estado, constitui uma limitação da soberania desse mesmo Estado que fica limitado ou impedido de tributar tais rendimentos. Daí que, se possa considerar que seja legitimo a esse Estado exigir o cumprimento de determinadas formalidades que lhe permitam aferir que efectivamente estão reunidos os pressupostos para se abster de tributar aquele tipo de rendimento.
Aliás, o antigo artigo 123° do CIRC, actual 132°, intitulado - Pagamento de rendimentos a entidades não residentes - refere que: " Não se podem realizar transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido..."
No entanto, para que possa ser accionada uma disposição convencional que atribui competência tributária exclusivamente ao Estado de residência do beneficiário dos rendimentos, torna-se necessário que o mesmo faça prova da sua qualidade de residente naquele Estado.
Não é automático o reconhecimento do direito consagrado nas referidas Convenções para evitar a Dupla Tributação.
Como o próprio sujeito passivo reconhece e menciona na sua petição (vide Ponto 25), é delegado em cada um dos Estados contratantes a regulamentação dos requisitos de aplicação das CDT's. E assim é, porquanto, conforme se verifica por exemplo na Convenção para Evitar a Dupla Tributação estabelecida entre Portugal e França (Decreto-Lei n° 105/71 de 26 de Março), o seu artigo 30° determina expressamente que: "As autoridades competentes dos Estados contratantes determinarão as modalidades de aplicação da presente Convenção."
Assim, e ao contrário do que o sujeito passivo quer fazer crer, faz sentido que nestas situações a lei nacional estipule, conforme se dispõe no actual artigo 98° do CIRC, a forma de activar o referido procedimento.
É claro que as entidades portuguesas que procedem ao pagamento destes rendimentos
actuam em substituição da Administração Tributária portuguesa (artigo 20° da LGT), consequentemente, é essa mesma entidade responsável pelo imposto que deixar de ser
liquidado (artigo 28° do mesmo diploma).
Em face do exposto, sempre que uma entidade portuguesa proceda ao pagamento do tipo da rendimentos como aquele que aqui está em presença, se não estiver de posse de um certificado de residência fiscal validamente emitido, deverá aplicar a legislação interna, considerando, assim, que não foi accionado o procedimento Convencional, sob pena de não o fazendo, e caso não se venha a confirmar a residência do beneficiário dos rendimentos justificativa da não retenção na fonte, transferir para si a responsabilidade do pagamento do imposto que tenha ficado por liquidar devido à sua actuação. Reportando-nos agora ao caso em concreto, verifica-se que a recorrente não apresentou até esta data, com excepção do efectuado relativamente à entidade C... em que aproveitou a prerrogativa dada pelo disposto nos artigos 46° e 48° do Orçamento de Estado para 2008 (Lei n° 67-A/2007 de 31 de Dezembro), quaisquer certificados de residência fiscal para as restantes entidades mencionadas no Anexo 13 do relatório da Inspecção Tributária.
Em face de tudo o antes referido, conclui-se então que, na presente situação não assiste qualquer razão ao sujeito passivo porquanto, não foi violado o primado do direito internacional nem se verificam terem sido cometidas quaisquer outras ilegalidades, razão por que deve o presente recurso hierárquico ser indeferido.
J) No que se refere aos demais pagamentos efetuados a não residentes, relativamente aos quais não foi apresentado o respetivo formulário RFI, a decisão do recurso hierárquico manteve o entendimento já aduzido em sede de reclamação graciosa, determinando a manutenção das liquidações adicionais, de Imposto de Rendimento no valor de € 93.522,41 e de juros compensatórios, no valor de € 10.341,28, o que perfaz o valor de € 103.863,69, que é o valor atribuído ao processo;
K) Em 15-02-2011, o Requerente apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto impugnação judicial da decisão do recurso hierárquico e das liquidações, que deu origem ao processo n.º .../11... BEPRT (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
L) Em 31 de Dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial requerimento com vista à extinção da instância judicial, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 8172018, de 15 de Outubro;
M) Em 31 de Dezembro de 2019, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
N) Com o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou o documento n.º 11, cujo teor se dá como reproduzido.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e que parcialmente constam do processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.
3. Matéria de direito
No ano de 2004, o Requerente efectuou pagamentos referentes a prestações de serviços e direitos de propriedade intelectual a entidades não residentes, sem estabelecimento estável em Portugal, não efectuando retenções na fonte.
A Administração Tributária efectuou a respectiva liquidação que revogou parcialmente nas decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.
3.1. Posições das Partes
A Administração Tributária não pôs em causa que as entidades fossem não residentes em Portugal e não tivessem estabelecimento estável, mas entendeu que, à face do preceituado no artigo 90.º do CIRC, na redacção vigente em 2004, tinha de ser efectuada a retenção na fonte pelas seguintes razões invocadas na decisão do recurso hierárquico, que definiu a posição final da Administração Tributária, em suma:
– as normas previstas no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e Património, atribuem competência para tributar ao Estado de residência dos beneficiários em detrimento do Estado da fonte;
– este entendimento tem sido seguido na elaboração das várias CDTs celebradas entre Portugal e outros países e consta normalmente do artigo 7° dessas mesmas CDT's;
– esta atribuição de competência a um Estado em detrimento do outro Estado, constitui uma limitação da soberania desse mesmo Estado que fica limitado ou impedido de tributar tais rendimentos. Daí que, se possa considerar que seja legitimo a esse Estado exigir o cumprimento de determinadas formalidades que lhe permitam aferir que efectivamente estão reunidos os pressupostos para se abster de tributar aquele tipo de rendimento.
– o antigo artigo 123° do CIRC, actual 132°, intitulado - Pagamento de rendimentos a entidades não residentes - refere que: "Não se podem realizar transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido...";
– para que possa ser accionada uma disposição convencional que atribui competência tributária exclusivamente ao Estado de residência do beneficiário dos rendimentos, torna-se necessário que o mesmo faça prova da sua qualidade de residente naquele Estado;
– não é automático o reconhecimento do direito consagrado nas referidas Convenções para evitar a Dupla Tributação;
– é delegado em cada um dos Estados contratantes a regulamentação dos requisitos de aplicação das CDT's;
– sempre que uma entidade portuguesa proceda ao pagamento do tipo da rendimentos como aquele que aqui está em presença, se não estiver de posse de um certificado de residência fiscal validamente emitido, deverá aplicar a legislação interna, considerando, assim, que não foi accionado o procedimento Convencional, sob pena de não o fazendo, e caso não se venha a confirmar a residência do beneficiário dos rendimentos justificativa da não retenção na fonte, transferir para si a responsabilidade do pagamento do imposto que tenha ficado por liquidar devido à sua actuação;
– o Requerente não apresentou quaisquer certificados de residência fiscal para além das entidades relativamente às quais foi parcialmente anuladas as liquidações de Imposto sobre o Rendimento e juros compensatórios.
O Requerente defende o seguinte, em suma:
– a obrigatoriedade de apresentação dos formulários em causa, não se justifica em situações como a vertente, em que a residência dos beneficiários dos rendimentos se encontra plenamente demonstrada – conforme às próprias Convenções nas quais aqueloutro se baseou para tornar obrigatório esse formalismo, carecendo mesmo, no entendimento do Requerente, de qualquer sustentação legal ou convencional;
– nas convenções internacionais para evitar a dupla tributação delega-se em cada um dos Estados contratantes a regulamentação dos requisitos de aplicação daquelas, nomeadamente, a comprovação da residência dos beneficiários dos rendimentos, mas não se determina que esta demonstração tenha de ser realizada, quer em momento contemporâneo ou posterior ao do pagamento dos rendimentos, quer através de um meio probatório específico, designadamente um formulário de modelo oficial, pelo que tem de ser aceite qualquer meio de prova;
– vigorando na ordem jurídica interna portuguesa o princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional Infraconstitucional, com expressa consagração no artigo 8.º, n.º 2, da CRP e não se encontrando previstas naquelas Convenções ou das mesmas sequer possa resultar, ainda que sub-repticiamente, tais exigências, não poderá o Estado Português, na veste da administração tributária, atentar contra aquele princípio, consagrando regras que impossibilitam o cumprimento das normas em que se consubstanciam tais acordos internacionais;
– o sujeito passivo confirmou, materialmente e em momento prévio ao pagamento das prestações de serviço, à semelhança do que faz relativamente a todos os outros beneficiários de rendimento, a residência fiscal dos mesmos e demais pressupostos de aplicação dos ADT;
– ao estipular o cumprimento de uma exigência formal do tipo da que se encontra consagrada no artigo 90.º-A do Código do IRC (atual artigo 98.º), quando esta não encontra qualquer suporte legal nas Convenções que estão na origem das regras de eliminação da dupla tributação internacional, incorre o Estado Português em violação das normas internacionais e das próprias normas consagradas na CRP;
– requisitos de ordem material são somente dois: a residência do beneficiário do rendimento em país que haja celebrado ADT com Portugal e a natureza desse mesmo rendimento;
– os requisitos de aplicação de uma Convenção, designadamente, de ordem material, não podem ser unilateralmente impostos por via legal interna, sob pena de um qualquer Estado Contratante alterar, com essa facilidade, um acordo internacional;
– a imposição de apresentação de certificado obtido até à data limite em que deve ser efetuada a retenção na fonte não possui qualquer fundamento ao nível do direito internacional, encontra-se no texto do próprio despacho ministerial;
– o Despacho Ministerial não faz qualquer referência a convenções internacionais;
– a aplicação retroactiva do n.º 4 do artigo 90.º-A do CIRC, na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, constitui um reconhecimento explícito de que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando comprovasse a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção;
– por força desta aplicação retroactiva o afastamento da responsabilidade pelo pagamento do imposto apenas não se verificará, com referência a factos tributários ocorridos até 31-12-2007 quando cumulativamente:
i) tenha havido lugar ao pagamento do imposto e;
ii) não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação contra a liquidação que apurou o montante de retenções na fonte em falta.
A Administração Tributária mantém a posição assumida no procedimento administrativo, dizendo, em suma:
– face ao disposto no art.º 90.º, n.º 3 do CIRC (na redacção da Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro), era obrigatória a comprovação pelo meio nela previsto da verificação dos requisitos substantivos para aplicação das CDT`s, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, sob pena de a retenção ser feita à taxa normal, ficando o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido;
– no que respeita à J..., LLP, o que resulta dos autos para prova da residência fiscal da entidade beneficiária é a apresentação do documento n.º 11 junto ao pedido arbitral, não é o modelo obrigatório para a certificação da residência fiscal, pelo que não poderá ser considerado para os efeitos previstos no n.º 6 do art.º 90.º-A do CIRC que expressamente remete para o formulário a que alude o n.º 2 do mesmo artigo e não para qualquer outro documento comprovativo da residência fiscal;
– nem comprova o exercício que está em causa – 2004 – pois a lista que consta do documento n.º 11 reporta-se a 2006;
– o Requerente não invoca razão plausível que fundamente a dificuldade da sua obtenção e preenchimento ou impossibilidade de, ao longo de todo o extenso período temporal em que decorreu o procedimento administrativo tributário, de o ter feito;
– do n.º 6 do art. 88.º, conjugado com o n.º 5 do art.º 90.º-A, ambos do CIRC e disposições legais respeitantes ao momento em que ocorre a obrigação de efectuar Retenção na Fonte, os Formulários de Modelo oficial deverão ser apresentados à entidade pagadora, o mais tardar até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que ocorreu o pagamento dos rendimentos decorrentes dos serviços prestados.
– a sua não apresentação impossibilita que a Requerente possa gozar da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e outros países em que são residentes as Entidades com que celebrou contratos de prestação de serviços;
– é a eles, Estados, a quem incumbe verificar se o contribuinte está ou não em
condições de poder aproveitar o preceituado na dita Convenção, definindo os adequados instrumentos de verificação ou meios de prova sem nunca violar o espírito aplicável;
– a Administração Tributária não pode deixar de ter em conta as exigências legais de natureza formal que estas têm subjacentes objetivos como o controlo da atividade do contribuinte, a promoção da realidade e a proteção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal;
– em nome dos princípios da igualdade, da certeza e segurança das situações jurídicas, não permitem que a AT possa colmatar ou corrigir actos ou omissões dos contribuintes, salvo se tal ocorrer de forma involuntária ou não intencional;
– a Administração Tributária está adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade enunciado no artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República e concretizado no artigos 55.º da LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
3.2. Apreciação da questão
Em 2004, o artigo 90.º do CIRC estabelecia o seguinte, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro:
Artigo 90.º
Dispensa de retenção na fonte
2 – Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial ou, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
3 – Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
4 – Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
Em síntese, no que aqui interessa, para afastar a obrigação de efectuar a retenção na fonte, nos casos em que estivesse em causa o accionamento de uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”), era necessário que fosse feita a prova perante a entidade que deveria efectuar a retenção da qualidade de não residente através a apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado da residência.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro, aditou ao CIRC o artigo 90.º-A especificamente sobre a «Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes» e a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no n.º 4 do artigo 48.º, veio determinar a aplicação retroactiva do regime por ela introduzido nos artigos 90.º, n.º 4, e 90.º-A n.º 6, do CIRC, admitindo o afastamento da responsabilidade do substituto tributário sempre que este comprove a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção, mesmo a posteriori, mas, nos casos de accionamento de CDT, através do formulário aprovado pelo Ministro das Finanças.
Os formulários referidos foram inicialmente provados pelo Despacho Ministerial n.º11701/2003, de 28 de Maio, publicado no Diário da República, II Série, de n.º138, de 17-06-2003 e são os modelos 7 a 12-RFI.
Posteriormente, a Administração Tributária emitiu a Circular n.º 12/2003, de 19 de Julho, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, em que determinou que «os formulários aprovados pelo referido despacho, serão obrigatoriamente utilizados a partir de 01/08/2003, deixando de ser aceites como documentos de prova para efeitos do disposto nos artigos 90º do CIRC e 18º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, qualquer outro documento que seja objecto de certificação pelas autoridades fiscais do Estado de residência do beneficiário dos rendimentos em data posterior aquela». ( )
A Requerente questiona a legalidade desta exigência de que a prova seja feita exclusivamente através dos referidos formulários.
E, na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu no acórdão de 22-06-2011, proferido no processo n.º 0283/11, entendeu que «estes formulários não constituem requisitos "ad substantiam", sendo a prova de residência um mero requisito "ad probationem", já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência».
Na mesma linha decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 14-12-2016, processo 0141/14, que tem o seguinte sumário:
I – Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.
II – As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.
III – Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no nº 1 do artigo 1º da LGT.
IV – Resulta da interpretação dos artigos 103 da CRP e 90 do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados – a posteriori" dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364 nº 2 do Código Civil.
No texto deste acórdão refere-se o seguinte:
Entende-se que um documento é um documento ad substantiam quando o mesmo integra a própria formação do acto ou negócio jurídico que certifica de modo que esses negócio não se considera legalmente constituído sem que essa formalidade não se efective ou seja substituído por outro documento que não seja de força superior cfr artigo 364 do Código Civil.
Como ensina Mota Pinto in Teoria Geral 3ª edição pp 436 um documento é “ad probationem”, quando resultar da lei que a sua finalidade é apenas a de obter prova segura e não outras finalidades possíveis atinente ao acto ou negócio a que se refere “ do acto ou negócio.
Nesta concepção o documento ad substantiam é elemento constitutivo do acto que documenta.
No caso dos autos os formulários impostos por lei como meio de prova não podem considerar-se como constitutivos da obrigação tributária a que se referem ou seja da criação do imposto e dos benefícios fiscais “in casu” a dispensa da retenção na fonte.
Os requisitos constitutivos da criação dos impostos bem como dos benefícios fiscais depende exclusivamente da lei nos termos do disposto no artigo 103 da CRP que assim estatui:
2 “Os impostos são criados por lei que determina a incidência a taxa e os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.
(...)
No caso dos autos os pressupostos de dispensa total ou parcial da retenção na fonte de IRC dos rendimentos em causa são os previstos na convenção sobre a dupla tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América que como bem refere a recorrente são apenas a residência dos beneficiários do pagamento e a natureza do rendimento.
As Convenções sobre a dupla tributação são instrumentos legais que permitem perante à falta de harmonização legislativa fiscal internacional que os rendimentos obtidos num dos países convencionastes por cidadãos estrangeiros oriundos do país convencionado beneficiem de taxa de redução ou de outros benefícios fiscais relativamente aos impostos que discriminam.
E delas constam os pressupostos da sua aplicação.
E embora seja certo que as convenções sobre a dupla tributação deixam à disposição dos estados contratantes a possibilidade de regularem as questões procedimentais como é o caso dos autos, há contudo que ter em consideração que a exigência da prova não pode de forma alguma contender com os elementos materiais que determinam a aplicação da convenção.
O que tornando lícito ao legislador nacional proceder a tal regulamentação para comprovação dos pressupostos dessa aplicação o inibe contudo de criar através do meio de prova utilizado mais um pressuposto dessa aplicação.
Como decorre do preceituado no artigo 1º nº 1 da LGT toda a regulação das normas tributárias tem de ter em consideração o disposto nas normas de direito internacional que vigoram na ordem interna.
Nos termos do artigo 8º nº 2 da CRP as normas constantes das convenções internacionais regularmente ratificadas vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português não podendo por tal razão uma norma interna alterar uma norma constante da convenção.
Nesse sentido veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 107/84 in BMJ nº 365-107.
A isto acresce que, como refere a Requerente, na esteira de RUI DUARTE MORAIS ( ), a exigência generalizada de formulário afigura-se desproporcionada, por ser desnecessária em grande parte dos casos, designadamente quando se trata de situações em que a residência já seja do conhecimento da Administração Tributária ou em que a comprovação da residência pode ser feita com facilidade (como sucede com os sujeitos passivos de IVA residentes ou estabelecidos em países da União Europeia através do VIES) ou através de meios especialmente vocacionados para a troca das informações necessárias para aplicar as CDT, previstos em todos elas.
Para além disso, tratando-se de situações em que «o substituto tributário fica na dependência da vontade de uma autoridade pública estrangeira, que pode recusar-se a praticar tal acto, alegando incompetência ou falta de previsão na lei interna do país a que pertence, para não falar dos atrasos na expedição provocados por sobrecarga de tarefas, etc.» ( ), a indicação do formulário de modelo oficial, prevista no artigo 90.º, n.º 4, e 90.º-A, n.º 6, do CIRC nas redacções da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e no artigo 90.º-A, n.º 6, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, se for interpretada, como interpretou a Administração Tributária, como afastando a possibilidade de produção de qualquer outro meio de prova da residência do titular dos rendimentos, será materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com a tutela dos direitos daqueles substitutos, constitucionalmente assegurada no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, pois são configuráveis situações em que a obtenção do formulário não está ao alcance do substituto (o que, aliás o presente processo mostra, com a apresentação tardia de alguns dos certificados).
A desproporcionalidade da exigência de formulário invocada pela Requerente é especialmente clara quando se constata que todas as CDT prevêem meios de troca entre as administrações tributárias das informações necessárias para as aplicar, que se destinam, precisamente, a permitir confirmar a verificação dos pressupostos da tributação ao abrigo das CDT, e que manifestamente permitem à Administração Tributária nacional apurar com facilidade e eficácia quais as residências dos titulares de rendimentos.
Aliás, a fórmula usualmente utilizada nas CDT relativamente à «troca de informações», aponta no sentido da imperatividade da obtenção das informações necessárias ou previsivelmente relevantes para as aplicar. ( )
De qualquer modo, não impondo as CDT a utilização dos formulários como único meio de prova admissível para comprovação da residência dos titulares de rendimentos, a actuação da Administração Tributária está subordinada ao princípio do inquisitório, enunciado no artigo 58.º da LGT), que impõe à Administração Tributária o dever de «no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».
À face deste princípio, a Administração Tributária não tem só a possibilidade, mas sim o dever de efectuar as diligências tendentes a obter as informações permitidas pelas CDT, o que se justifica acentuadamente por se tratar de um meio de prova especialmente qualificado, equiparado às próprias informações da Administração Tributária portuguesa (artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 , da LGT).
Assim, numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico, que pressupõe a sua coerência, a observância dos deveres decorrentes do princípio do inquisitório não é dispensada quando está em causa o accionamento das CDT, antes é por estas pressuposta, sendo essa a finalidade primacial da previsão da possibilidade de troca de informações entre as administrações tributárias.
Por outro lado, a necessidade de realizar as diligências indispensáveis para apuramento dos pressupostos da tributação também não é afastada pelo entendimento da Administração Tributária sobre o alcance da regra do ónus da prova que está subjacente ao Relatório da Inspecção Tributária e à decisão do recurso hierárquico, em que se refere a que «de acordo com o n.º 1 do art.º 4º da Lei Geral Tributária (LGT), compete ao sujeito passivo o ónus de provar que reúne as condições para aplicar a Convenção, através da existência de formulários apropriados devidamente certificados pelas Entidades Competentes do país da sede do não residente» e «torna-se necessário que o mesmo faça prova da sua qualidade de residente naquele Estado». Com efeito, como se referiu, mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT). As regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Administração Tributária do cumprimento deste dever, mas apenas de estabelecer contra quem deve ser proferida a decisão no caso de, no final do procedimento, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto. O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade necessária para a adequada fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida. Nestes casos, por força das regras do ónus da prova, devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. ( ). Assim, no procedimento tributário ( ), o princípio do inquisitório, enunciado neste artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
De resto, o dever de utilização de todos os meios de prova necessários resulta claramente de do artigo 50.º do CPPT que estabelece que «no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos ...», independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte, noma esta que está em sintonia com o artigo 72.º da LGT que estabelece que o «órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito».
As expressões todas as diligências necessárias», «todos os meios de prova admitidos em direito» e o «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários», utilizadas nos artigos 26.º e 72.º da LGT e 50.º do CPPT, não dão margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe à Administração Tributária e à não restrição dos meios de prova que deve utilizar.
Não há qualquer norma das CDT que afaste este dever que é imposto generalizadamente à Administração Tributária em todos os procedimentos tributários e é exigido para assegurar a concretização dos princípios constitucionais da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da justiça e da igualdade (artigo 266.º da CRP) que não se compatibilizam com a imposição de tributação em situações em que não se verificam os pressupostos substantivos da sua aplicação. Aliás, precisamente em situações deste tipo o Supremo Tribunal Administrativo, independentemente da apresentação ou não de formulário, várias vezes afirmou a preponderância da situação substantiva ( ).
Na linha desta jurisprudência, entende-se que não tem fundamento legal o entendimento subjacente à liquidação impugnada de que o formulário era o único meio de prova admissível.
Consequentemente, a liquidação impugnada que tem como pressuposto essa interpretação enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
3.3. Liquidações de juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento, pelo que enfermam do mesmo vício que afecta esta, justificando-se também a sua anulação.
4. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular a liquidação de Imposto de Rendimento/Retenções na Fonte nº 2007..., e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2007..., 2007..., 2007..., 2007..., 2007..., 2007..., 2007... e 2007..., nas partes que não foram anuladas na decisão da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 103.863,69.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20-07-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Raquel Franco)
(Amândio Silva)