Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 856/2019-T
Data da decisão: 2020-09-22  Selo  
Valor do pedido: € 164.936,75
Tema: Imposto do Selo – Verba 17 da TGIS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Arlindo José Francisco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

1 - A...,S.A. (anteriormente denominada B..., SGPS, S.A., C..., SGPS, S.A. e D..., SGPS, S.A., cfr. Doc. n.° 1), pessoa coletiva n.°..., com sede na Rua ..., n.°..., ...-... Lisboa, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n°1 do artigo 2º da alínea a) do n° 2 do artigo 5º e n°1 do artigo 6º todos do RJAT, apresentar um pedido de pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa – Pº ...2018... e, consequentemente, a ilegalidade de Imposto do Selo que lhe foi liquidado, nos termos da verba 17 da TGIS, na qualidade de terceiro repercutido.

2 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16/12/2019.

3 - Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º e da alínea a) do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, designou, em 05/02/2020, os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, Presidente do coletivo e árbitros auxiliares, o Professor Doutor Nuno Cunha Rodrigues e o Dr. Arlindo José Francisco que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legalmente aplicável.

4 - As partes foram notificadas dessas designações não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas, vindo o Tribunal a ser constituído em 06/03/2020, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11° do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5 - Com o pedido visa a Requerente a declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, a ilegalidade de Imposto do Selo que lhe foi liquidado, nos termos da verba 17 da TGIS, na qualidade de terceiro repercutido, por entender que o regime de isenção previsto no artigo 7.º n.º 1, alínea e) do CIS, para a entidades consideradas instituições financeiras, relativamente às operações de financiamento, juros e comissões, lhe deverá ser também aplicado.

6 - A Requerente suporta o ponto de vista, em síntese, no facto de ser uma sociedade gestora de participações sociais, sedeada em Portugal, prevista e regulada pelo DL 495/88 de 30 de Dezembro, sendo a sua atividade económica exercida de forma indireta.

7 - Na verdade, a Requerente não exerce atividade económica direta que é feita pelas suas participadas, a sua ação é feita de forma indireta e é de intermediação no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento das suas participadas.

8 - Na atividade a Requerente tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e obrigações) de acordo com os seguintes contratos:

a) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o E..., S.A. atualmente, F..., S.A. (cujos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão foram posteriormente transferidos para o G...);

b) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o E... e  H...de 9 de Outubro de 2008

c) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com a I... de 20

de Setembro de 2013 e respetivo aditamento

d) Contrato de crédito celebrado com o J... de 16 de Julho de 2015;

e) Contrato de crédito celebrado com o K... de 28 de Novembro de 2007;    

f) Contrato de crédito celebrado com o L... de 1 de Maio de 2010;

g) Contrato de crédito celebrado com o H..., S.A. (cujos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão foram posteriormente transferidos para o G... de 24 de Outubro de 2007;

h) Contrato de crédito celebrado com a M... de 10 de Abril de 2008;

i) Contrato de empréstimo obrigacionista celebrado com o N... de 23 de Março de 2010 e respetivo aditamento;

j) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o N... e M... de 4 de Fevereiro de 2015 e respetivo aditamento;

k) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o N... e M... de 7 de Setembro de 2015;

l) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o N... e M... de 6 de Fevereiro de 2012 sujeito a um acordo de subscrição e respetivo aditamento;

m) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o N... e M... de 25 de Maio de 2012 e respetivo aditamento;

n) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o N... e M... de 2 de Agosto de 2013, e respetivo aditamento;

o) Contrato de crédito celebrado com o O... de 30 de Junho de 2015;

p) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o O... de 5 de Junho de 2015;

q) Contrato de crédito celebrado com o P... de 21 de Agosto de 2015;

r) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o L... de 2 de Junho de 2008 e respetivos aditamentos;

s) Contrato de crédito celebrado com Q... de 22 de Outubro de 2015;

t) Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com o Q... de 14 de Maio de 2015 e respetivo aditamento.

9 - Todos estes contratos e respetivos aditamentos encontram-se documentados nos autos através de declarações das respetivas entidades bancárias.

10 - Na perspetiva da Requerente, dada a qualidade dos intervenientes nos financiamentos (utilização de crédito) a que respeita o Imposto do Selo em questão, a liquidação é indevida, e, por conseguinte, apesar de não haver discordância sobre os factos, considera ser ilegal quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, também ilegal a respetiva liquidação de Imposto do selo feita ao abrigo da verba 17 da TGIS.

11 - Por sua vez, a Requerida AT, entende, também em síntese, que não se observam quaisquer vícios na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, louvando-se, na resposta, no teor da aludida decisão que considerou reproduzida e integrada na resposta.

12- Sem deixar no entanto de realçar que as sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não se verificando, assim, nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras, como pretende a Requerente.

13 - Considera por isso não assistir razão à Requerente, na medida em que não é uma instituição

financeira, mas sim uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) regulada pelo Decreto-Lei 495/88 de 30 de Dezembro.

14 - Salienta ainda que a atividade económica principal desenvolvida pela Requerente, tem o CAE 70100 "ACTIVIDADES DAS SEDES SOCIAIS", atividade esta equivalente a sociedades gestoras de participações sociais não financeiras, não praticando a Requerente qualquer atividade referente ao mercado bancário ou de serviços financeiros.

15 - Também refere que a criação de SGPS não obedece ás mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos, concluindo que o ato impugnado não padece de qualquer ilegalidade pelo que se deverá manter válido.

16 - Por despacho de 5 de julho de 2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT). Mais foi fixado o dia 6 de setembro de 2020 como data limite para prolação da decisão arbitral, prazo entretanto suspenso em consequência da situação pandémica vivida.

17 - Em 22 de Julho de 2020 a Requerente apresentou alegações escritas nas quais mantém, no essencial, o ponto de vista sobre a questão controvertida, rebatendo a interpretação e aplicação da Lei que é feita pela Requerida AT e mantida na resposta, dado que, quanto aos factos, não há controvérsia.

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é abstratamente competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112- A/2011, de 22 de Março.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT

O processo não enferma de nulidades, não há questões que obstem à apreciação do mérito da causa e consideram-se reunidas as condições, para ser proferida decisão final.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

Matéria de facto

 

I - Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma SGPS, sedeada em Portugal, isto é, uma sociedade gestora de participações sociais prevista e regulada no Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de Dezembro, com as alterações subsequentes que exerce uma atividade económica de forma apenas indireta.

b)           A atividade económica é exercida de forma indireta, através da gestão de participações sociais, nas sociedades suas participadas. O papel da Requerente é de intermediação no circuito financeiro, competindo ao conselho de administração a celebração de contratos de financiamento e de empréstimo incluindo os de médio e longo prazo, internos e externos.

c)            Encontra-se registada no serviço de finanças de Lisboa -..., pelo exercício da atividade económica com o CAE 70100 - atividades das sedes sociais.

d)           No âmbito da atividade que desenvolve, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial e obrigações), conforme contratos já elencados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

e)           Nos respetivos contratos de financiamento junto das referidas instituições de crédito as mesmas liquidaram e entregaram ao Estado Imposto do Selo, na qualidade de sujeitos passivos, nos termos da Verba 17 da TGIS, que fizeram repercutir o respetivo encargo (comissões pelos serviços prestados) na esfera da Requerente.

     As aludidas instituições bancárias em causa estão sedeadas em Portugal.

g)            O Imposto do Selo repercutido na esfera da Requerente, pelas referidas entidades bancárias, nestas circunstâncias, referente aos períodos aqui em causa (Outubro de 2014 a Dezembro de 2015) totaliza o montante de € 164.936,75.

h)           A Requerente usou do recurso prévio à via administrativa (pedido de revisão oficiosa Pº ...2018...) que viu indeferido e que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

II - Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em

consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º l do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.° do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.° 2 do artigo 123.° Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação ãs provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. DO DIREITO:

 

A) Questões decidendas:

Nos presentes autos colocam-se duas questões decidendas.

A primeira relaciona-se o entendimento da Requerente, de harmonia com o qual não estariam sujeitos a Imposto do Selo os encargos suportados pela Requerente, directamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial.

A segunda questão diz respeito à circunstância de a Requerente entender ser-lhe aplicável o regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.° 1, alínea e) do CIS, relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.

Nestes termos, pretende a Requerente que lhe seja restituído, na qualidade de terceiro repercutido, o valor do imposto do selo liquidado pelos sujeitos passivos mutuantes, alegando que se encontra ‘abrangida pelo regime de isenção previsto para as operações financeiras, aplicável a entidades consideradas instituições financeiras.

Cumpre decidir.

 

B) Da sujeição a Imposto do Selo dos encargos suportados, directamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial:

Entende a Requerente que não existe, no direito interno, norma de incidência em sede de Imposto do Selo sobre os encargos decorrentes de contratos de emissão de papel comercial e, bem assim, de empréstimos obrigacionistas, porquanto o legislador nacional estaria ciente de que uma eventual norma dessa natureza e com esse conteúdo traduziria uma violação do Direito da União Europeia em vigor, mais concretamente da Directiva 2008/7/CE.

Mais entende a Requerente que, estando assente a não sujeição a Imposto do Selo das operações de emissão de obrigações e de papel comercial, o texto do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Directiva 2008/7/CE incorpora a proibição de sujeição a Imposto do Selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos (instituições que detêm o exclusivo legal da tomada firme e colocação das emissões) na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.

A Requerente entende que estes encargos devem ser equiparados à noção de formalidades conexas, prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE.

Invoca, a este propósito, um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) que, no acórdão de 19.10.2017, processo C-573/16 (“Air Berlin”), parágrafo 31, concluiu da seguinte forma:

“Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelas referidas diretivas, os artigos 10.° e 11.° da Diretiva 69/335 e o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 devem ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efefto útil (v., neste sentido, acórdãos de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C415/02, EU.C:2004.‘450, n.° 33, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C-466/03, EU:C:2007:385 , n.° 39; e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Yidacos Nominees, C-569/07, EU.C.2009. 594, u ° 34”)”.

Vejamos.

 

É unanimemente aceite, pela doutrina e jurisprudência, que a emissão de obrigações e, bem assim, de papel comercial, não está sujeita a Imposto do Selo, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa estas operações.

Esta realidade constitui uma decorrência da Directiva 2008/7/CE. Através desta, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que decorram a mercados primários para a obtenção de financiamento.

Tal resulta, entre outros, do segundo e terceiro considerandos da Directiva, que explicam aquele objectivo da seguinte forma:

“(2) Os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.

(3) Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”

 

Partindo da função auxiliar interpretativa desempenhada pelos considerandos enunciados, compreende-se o dispositivo no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE, quando determina o seguinte:

“2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto.

(...)

 

 

b. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”

Dito de outra forma, a Directiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indirectos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia, operações de emissão de obrigações ou outos títulos negociáveis.

A Directiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não- incidência de tributação indirecta. Nem podia ser dessa forma.

Na verdade a Directiva 2008/7/CE determina que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto, entre outras, a emissão de papel comercial, independentemente de quem os emitiu.

Com efeito, é sabido que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades.

Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra-se prevista no quadro do artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais, sendo a emissão de papel comercial disciplinada pelo Decreto-Lei n.° 69/2004, de 25 de março - que regula a disciplina aplicável aos valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial - na versão resultante do Decreto-Lei n.° 29/2014, de 25 de fevereiro.

O enquadramento fiscal do papel comercial, em sede de IRS e IRC, encontra-se previsto Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários, publicado pelo Decreto-Lei n.° 193/2005, de 7 de novembro e alterado pela Lei n.° 83/2013, de 9 de dezembro. Tudo isto permite concluir ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta - de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer da Tabela Geral de Imposto de selo (atendendo à não incidência).

Face ao exposto, a Requerente não se encontrava - nem se encontra - impedida de proceder diretamente à emissão de papel comercial beneficiando, nesse caso, da não-tributação em sede de imposto de selo.

Reitere-se que tal resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis “(...) independentemente de quem os emitiu (...)” (sublinhado nosso).

 

Caso a Requerente optasse por proceder directamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo; o registo dos titulares das obrigações; eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

A parte final do artigo 5.°, n.° 2 da Diretiva 2008/7/CE corrobora, aliás, este entendimento quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público (que pode ser mais ou menos restrita).

Em sentido idêntico, o TJUE pronunciou-se, no supra-citado acórdão “Air Berlin” (processo C- 573/16). Atente-se, a este propósito, na seguinte conclusão então proferida: “o artigo 5.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.” 

Aqui chegados, verifica-se que, nos presentes autos, que a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”.

No caso em análise, a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito – Bancos - para procederem à emissão de papel comercial.

Neste contexto, a Requerente alega não estarem sujeitos a Imposto do Selo os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos.

Aqui, deve começar por se reiterar que a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial - apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir - tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.

Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras.

Este princípio, previsto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea f) e 8.º, n.º 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) refere-se ao exercício, a título profissional, entre outras atividades, das instituições de crédito e sociedades financeiras nas “participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”.

No entanto não exige que uma sociedade comercial contrate os serviços de uma instituição de crédito ou sociedade financeira para a emissão de obrigações por parte dessa mesma sociedade. Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.

Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE.

Estão em causa realidades distintas.

No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo.

Por outro lado os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).

 

Consequentemente, não procede o pedido da Requerente relativo à não-tributação, em sede de imposto de selo, dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidas.

Ficou ainda por analisar a segunda causa de pedir da Requerente.

 

C) Da aplicação, à Requerente, do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1. alínea e) do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice:

A Requerente fundamenta esta pretensão na circunstância de entender que lhe deve ser atribuída a qualificação de “instituição financeira”, designadamente à luz da Diretiva (EU) 2013/361/UE, de 26 de junho de 2013; do Regulamento (EU) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, datado de 26 de junho de 2013 bem como da proposta de Diretiva "COM (2013) 71 final, de 14 de fevereiro de 2013.

Em sentido diverso, a Requerida AT considera que a Requerente não se enquadra no conceito de entidades financeiras ou instituições financeiras pelo que não pode beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.

Cumpre decidir.

A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS determina que beneficiam de isenção de imposto de selo: “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

Esta norma visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a Sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

 

Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1.º  do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir- se que a alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

a) uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido”;

b) a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:

a. “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”;

b. “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”;

O n.º 7 do artigo 7.º do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 “apenas

se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas  naquela alínea. ” Assim, nos termos da alínea e) do n.º1 e n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas “diretamente destinadas” à concessão do crédito.

Ora, em face do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, conforme resulta da alínea w), do artigo 2.º A, artigo 3.º e artigo 4.º, são definidas como instituições financeiras de crédito os bancos, as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.

Assim, os sujeitos passivos mutuantes supracitados, preenchem o conceito de instituição de crédito sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos.

Aqui chegados importa qualificar a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Participações Sociais, entidade sobre a qual recai o encargo do imposto liquidado pelas operações de financiamento em causa, conforme alíneas e), f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, a fim de determinar se estes podem beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Trata-se, por outras palavras, de perceber se o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS se aplica à Requerente.

Vejamos.

As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro. Este DL define o regime jurídico das SGPS's, que devem conter a menção «sociedade gestora de participações sociais› ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objeto social.

As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

Não se identifica no regime jurídico das SGPS’s, que as mesmas tenham uma atividade económica direta.

Assim, e como decorre do artigo 1.º, as SGPS’s “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades

Económicas”, não se verificando nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.

Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção- geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.º e 10.º do Regime Jurídico das SGPS.

Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal.

Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal.

No âmbito deste processo, o Banco de Portugal verifica a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.

Nos termos do n.° 1 do artigo 117.º do RGICSF, só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras, o que não é o caso.

Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.

Ora, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.

Observe-se ainda que a atividade económica principal desenvolvida pela Requerente tem o CAE 70100 “Actividades das Sedes Sociais”, atividade esta equivalente a sociedades gestoras de participações sociais não financeiras, não praticando, consequentemente, qualquer atividade referente ao mercado bancário ou de serviços financeiros.

Em síntese, pode concluir-se que não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.º 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de “instituição financeira”.

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.º do CIS.

Não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente.

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

 

a. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo:

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 164.936,75 (cento e sessenta e quatro mil novecentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos).

 

VII. Custas:

 

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 22 de setembro de 2020

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

(Fernanda Maças)

 

O Árbitro vogal

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(Arlindo José Francisco)