Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 742/2019-T
Data da decisão: 2020-09-28  IRC  
Valor do pedido: € 33.229,09
Tema: IRC - Derrama estadual; derrama regional; RETGS
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SUMÁRIO:

 

I. A derrama é calculada e apurada em termos individuais, sendo indiferente para esse cálculo e apuramento a circunstância de uma sociedade pertencer ou não a um grupo de sociedades.

 

II. O cálculo e o apuramento da derrama, não dispensam, antes implicam, a aplicação de uma taxa a uma matéria tributável.  Ora, sendo uma sociedade sujeito passivo residente na Região Autónoma dos Açores que exerce, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, aplica-se-lhe a derrama regional, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A e as taxas constantes da tabela do n.º 1 do artigo 2.º desse diploma (e não as taxas referidas no artigo 87.º-A do Código do IRC), independentemente de essa sociedade integrar, ou não, um grupo de sociedades para efeitos do RETGS cuja sociedade dominante não tenha sede nem direcção efectiva na Região Autónoma dos Açores.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.            Relatório

 

A - Geral

 

1.1.        A..., S.A., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal ... (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou no dia 05.11.2019 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, e em termos mediatos, a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (de ora em diante “IRC”) n.º 2019..., na parte relativa ao valor devido a título de derrama estadual, no montante de € 33.229,09 (trinta e três mil duzentos e vinte e nove euros e nove cêntimos), como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.

 

1.2.        Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.        Por despacho de 18.11.2019, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. … e Dra. … para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.        Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 27.01.2020.

 

1.5.        No mesmo dia 27.01.2020 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.        No dia 01.03.2020 a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

B – Posição da Requerente

 

1.7.        Para efeitos fiscais, a B..., S.A., sociedade anónima com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., com o número de identificação fiscal ... (de ora em diante designada “...”) e a Requerente, esta na qualidade de sociedade dominante, são tributadas através do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).

 

1.8.        Por referência ao período de tributação de 2017, em cumprimento das obrigações declarativas previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 120.º do Código do IRC, a B... procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC individual em 25 de Junho de 2018, com o código de identificação ... . 

 

1.9.        Na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC individual mencionado no número anterior, a B... declarou no campo 373 do Quadro 10, relativo à derrama estadual, o valor de € 176.947,86 (cento e setenta e seis mil, novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos).

 

1.10.      Na qualidade de sociedade designada, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 69.º-A do Código do IRC, em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do Código do IRC, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo em 29 de Junho de 2018, a qual foi identificada com o código ... .

 

1.11.      Na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo mencionada no número anterior, foi apurado um valor de derrama estadual a pagar no montante de € 217.061,15 (duzentos e dezassete mil, sessenta e um euros e quinze cêntimos).

 

1.12.      Em resultado da entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao período de tributação de 2017, foi emitida a nota de liquidação n.º 2018..., de 10 de Agosto de 2018.

 

1.13.      O valor declarado pela B... no campo 373 do Quadro 10, relativo à derrama estadual, na Declaração de Rendimentos individual mencionada em 1.9., resultou da necessidade de corrigir um erro central gerado aquando da entrega e submissão da dita Declaração de Rendimentos individual desta sociedade, ao nível do cálculo da dita derrama estadual.

 

1.14.      Entende a Requerente que, para efeitos de apuramento da Derrama Regional referente à B..., devem ser seguidas as regras previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, o que fez a B..., apurando uma Derrama Regional a pagar no montante de €141.558,29 (cento e quarenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), tendo sido esse o valor inicialmente inscrito no Campo 373, do Quadro 10, da mencionada Declaração de Rendimentos.

 

1.15.      Sucede que após a submissão daquela Declaração no Portal das Finanças e depois da respectiva validação central, foi a B... notificada da existência do seguinte erro: “D8L DECL. DE SOCIEDADE DOMINADA COM ERRO NO CÁLCULO DA DERRAMA ESTADUAL”, oferecendo-se o prazo de 30 dias para se proceder à correcção da declaração entregue e submetida, findo o qual se consideraria a declaração como não entregue, com todas as consequências legais.

 

1.16.      Por não ter compreendido a razão pela qual se verificou o referido erro D8L, a B... pediu esclarecimentos, no dia 18 de Julho de 2018, através do serviço e-balcão disponível no Portal das Finanças, concluindo os serviços da Requerida que “para os sujeitos passivos com sede ou direção efetiva nas Regiões Autónomas que estão enquadrados no RETGS é-lhes aplicável a regra geral, sendo devida derrama estadual nos termos do artigo 87.ºA do CIRC, aplicando as taxas aí previstas”.

 

1.17.      Ainda que não conformada, a B... viu-se na necessidade de declarar no campo 373 do Quadro 10 da sua declaração de rendimentos, relativo à derrama estadual, o valor de € 176.947,86 (cento e setenta e seis mil, novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos) e não o pretendido montante de €141.558,29 (cento e quarenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), uma vez que o sistema electrónico de preenchimento desta Declaração não permite a submissão e validação de declarações com erros por regularizar.

 

1.18.      Consequentemente, também a Requerente acabou por considerar no apuramento do valor da derrama estadual devida ao nível do Grupo o montante de € 176.947,86 (cento e setenta e seis mil, novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos) apurado pela sociedade dominada B..., declarando assim o valor final de € 217.061,15 (duzentos e dezassete mil, sessenta e um euros e quinze cêntimos) a título de derrama estadual, no Campo 373, do Quadro 10, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 entregue ao nível do Grupo.

 

1.19.      Em momento posterior, na sequência da identificação de um acréscimo indevidamente efectuado na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC entregue pela B..., referente ao período de tributação de 2017, esta sociedade procedeu à entrega de uma Declaração de Rendimentos de substituição, em 19 de Dezembro de 2018, passando assim a apurar derrama estadual no valor de € 166.145,44 (cento e sessenta e seis mil cento e quarenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos). 

 

1.20.      Consequentemente, também a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo, procedeu à entrega de uma Declaração de Rendimentos Modelo 22 de substituição, em 28 de Dezembro de 208, passando a declarar como valor final de derrama estadual o montante de € 206.258,73 (duzentos e seis mil, duzentos e cinquenta e oito euros e setenta e três cêntimos).

 

1.21.      Após a entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, referente ao Grupo, foi então emitida a Liquidação de IRC n.º 2019..., de 16 de Janeiro de 2019, ora mediatamente posta em crise.

 

1.22.      Por entender que a dita liquidação enferma de manifesto erro de direito, na parte correspondente à liquidação de derrama estadual em excesso, a Requerente apresentou no dia 20.03.2019 uma reclamação graciosa, pela qual pedia a anulação parcial da dita liquidação, pretensão que veio a ser expressamente indeferida por despacho de 26.08.2019.

 

1.23.      Por via do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, ao abrigo do seu poder tributário próprio e de adaptação do sistema fiscal nacional, atribuído pelo Estatuto Político – Administrativo da Região Autónoma dos Açores, veio dar resposta à necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC à Região Autónoma dos Açores, sob a forma de derrama regional.

 

1.24.      Diferentemente do que sucede no artigo 87.º-A do Código do IRC, o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A estabelece a aplicação de outras taxas aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, como é o caso da B..., contemplando uma redução de 20% nas taxas de derrama regional face às aplicadas para a derrama estadual.

 

1.25.      Contudo, entendem os serviços da Requerida que, atendendo à circunstância de a Requerente e a B... serem tributadas nos termos do RETGS, as taxas de derrama a aplicar não são as do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A mas as do artigo 87.º-A do Código do IRC.

 

1.26.      Entende a Requerente que não pode, por via da equiparação da derrama regional à derrama estadual, em primeiro plano, e desta última ao IRC, em segundo plano, inviabilizar-se a aplicação do regime previsto no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A à B... .

 

1.27.      A Requerente cumpre o requisito da alínea a) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC, que impõe que as sociedades pertencentes ao grupo têm de ter sede e direcção efectiva em território português, tendo ainda de ver a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada.

 

1.28.      Ao referir-se a taxa de IRC, o legislador remeteu implícita, única e exclusivamente para as taxas de IRC e não para as taxas da derrama regional ou estadual.

 

1.29.      Para a correcta interpretação e compreensão da exigência prevista na referida alínea a) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC, que estabelece a necessidade de aplicação do regime geral de IRC à taxa normal mais elevada, deverá ser tida em conta a ratio legis do preceito em causa, que autoriza a comunicação imediata, entre as entidades integrantes do Grupo, dos prejuízos fiscais e dos lucros tributáveis, o que recomenda que a todas elas seja aplicada a mesma taxa de IRC, sob pena do regime se tornar um pântano.

 

1.30.      Ora, o mesmo não pode sustentar-se para a derrama, estadual ou regional, uma vez que a derrama apurada no grupo resulta apenas do somatório das derramas individuais, o que em nada prejudica o funcionamento e a coerência do RETGS.

 

1.31.      Acresce que não pode atribuir-se natureza de IRC à derrama regional, que é um imposto autónomo, relacionado com o IRC unicamente para efeitos do seu cálculo, por razões de simplicidade e operacionalidade.

 

1.32.      Para além do mais, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores não se esqueceu das sociedades com sede na Região Autónoma que integram um RETGS, já que dispôs no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 [taxas da derrama regional] incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante”, o que se traduz na automática admissibilidade da liquidação de derrama regional sobre uma sociedade que se encontra abrangida pelo regime previsto no artigo 69.º do Código do IRC, não se significando que uma sociedade com residência na Região Autónoma dos Açores, por integrar um grupo fiscal, se veja obrigada a renunciar à aplicação das taxas reduzidas previstas para a derrama regional, por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC.

 

1.33.      E ainda que se admitisse estarmos perante um conflito de normas, sempre se concluiria que o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional, constitui lex speciallis face à regra geral estabelecida na alínea a) do n.º 3 do artigo 69.º do Código de IRC, prevalecendo aquela sobre esta.

 

1.34.      O Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, emanado da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, no âmbito dos “poderes tributários próprios” concedidos pelo Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma dos Açores e exercidos nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, decorre de uma lei-quadro, criada pela Assembleia da República com valor reforçado, sendo um diploma de desenvolvimento do “poder tributário próprio” aí atribuído, devendo revestir a mesma força de um Decreto-Lei emitido ao abrigo de uma Lei de Autorização Legislativa.

 

1.35.      Pretender que o cálculo da derrama atinente à B... se faça ao arrepio do que estabelece o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A equivale a desrespeitar o principio da solidariedade nacional, previsto no artigo 8.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, nos termos do qual se garante “(…) a eliminação das desigualdades resultantes da situação de insularidade e de ultraperifericidade e a realização da convergência económica das regiões autónomas com o restante território nacional e com a União Europeia”.

 

1.36.      Assim, para efeitos de cálculo da derrama devida pelo RETGS do Grupo, deve o valor apurado pela B... no campo 373 do Quadro 10 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC individual ser corrigido para € 132.916,35 (cento e trinta e dois mil, novecentos e dezasseis euros e trinta e cinco cêntimos), devendo consequentemente o valor a ser reportado pela Requerente no dito campo 373 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo ser de € 173.029,64 (cento e setenta e três mil, vinte e nove euros e sessenta e quatro cêntimos).

 

1.37.      Sendo a liquidação ora posta em crise ilegal, e tendo sido paga pela Requerente prestação tributária indevidamente exigida, são-lhe devidos juros indemnizatórios nos termos legais.   

 

C – Posição da Requerida

 

1.38.      Um grupo de sociedades é uma forma organizativa que se caracteriza pela autonomia jurídica das sociedades comerciais que a compõem e na subordinação de todas a uma direcção económica unitária.

 

1.39.      O RETGS foi criado para o cálculo e aplicação do IRC, enquanto regime especial de determinação da matéria colectável de todas as sociedades de um determinado grupo, desconsiderando as pretéritas regras de consolidação de contas, procurando uma maior simplicidade na sua aplicação.

 

1.40.      O RETGS é um regime especial e facultativo de tributação de grupos de sociedades, dominado por uma lógica de tributação conjunta, pelo resultado agregado das sociedades que compõem o grupo, calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma dessas sociedades.

 

1.41.      Para que um grupo de sociedades possa ser tributado de harmonia com as regras estabelecidas no RETGS devem ser cumpridos os requisitos de que depende a sua aplicação, desde logo: i) as sociedades pertencentes ao grupo têm de ter sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos deve estar sujeita ao regime geral de tributação em IRC à taxa normal mais elevada e ii) não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação.

 

1.42.      Por forma a garantir o princípio da neutralidade, o legislador expressamente afastou do regime a possibilidade de integrarem o perímetro do grupo sociedades sujeitas a taxas de tributação mais baixas e que, por essa razão, desvirtuariam toda a lógica de neutralidade que subjaz ao RETGS.

 

1.43.      Não obstante as normas legais aplicáveis não referirem explicitamente a derrama, atendendo à sua natureza jurídico-fiscal, deve entender-se que a mesma está incluída na colecta de IRC, isto é, a derrama constitui um adicional ao imposto, tendo natureza de IRC.

 

1.44.      No entender da Requerida, a derrama é um imposto acessório do IRC, segue o mesmo regime do imposto principal ou imposto base em tudo o que não se encontre expressamente excluído, tornando-se forçoso concluir que a colecta de IRC, em sentido amplo, integra a colecta de derrama.

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

1.45.      Por despacho de 03.07.2020, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, tendo sido as partes convidadas a apresentar, querendo, as suas alegações, direito que a Requerente exerceu em sentido próprio, corroborando, em termos materiais, a posição que havia já sido veiculada no pedido de pronúncia arbitral, o que de resto também fez a Requerida.

 

1.46.      O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.47.      As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

1.48.      A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade da liquidação ora posta em crise.

 

2.            Matéria de facto

 

2.1.        Factos provados

 

2.1.1.     A B... é uma sociedade anónima que tem por objecto o exercício de actividade pública concessionada de concepção, projecto, construção, alteração de vias, reabilitação ou reformulação, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores de vários lanços de auto-estrada (art.º 22.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2.     Para efeitos fiscais, relativamente ao exercício de 2017, a B... e a Requerente, esta na qualidade de sociedade dominante, foram tributadas através do RETGS (art.º 24.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.3.     No referido período de tributação e em cumprimento das obrigações declarativas previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e no n.º 1 do artigo 120.º do CIRC, a B... procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC individual, em 25 de Junho de 2018, com o código de identificação ... (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.4.     A B... declarou no campo 373 do Quadro 10, relativo à derrama estadual, o valor de €176.947,86 (cento e setenta e seis mil, novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos) (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.5.     A B... pretendia ter declarado no campo 373 do Quadro 10, relativo à derrama estadual, o valor de €141.558,29 (cento e quarenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e vinte e nove cêntimos) (art.º 34.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.6.     A B... após a submissão daquela Declaração no Portal das Finanças e depois da respectiva validação central, foi notificada da existência do seguinte erro: “D8L DECL. DE SOCIEDADE DOMINADA COM ERRO NO CÁLCULO DA DERRAMA ESTADUAL, tendo-lhe sido oferecido o prazo de 30 (trinta) dias para proceder à correcção da declaração entregue e submetida, findo o qual se consideraria a declaração como não entregue, com todas as consequências legais (cfr. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.7.     No dia 18 de Julho de 2018, a B... pediu esclarecimentos quanto à razão de ser do apontado erro, através do serviço e-balcão disponível no Portal das Finanças, concluindo os serviços da Requerida que “para os sujeitos passivos com sede ou direção efetiva nas Regiões Autónomas que estão enquadrados no RETGS é-lhes aplicável a regra geral, sendo devida derrama estadual nos termos do artigo 87.ºA do CIRC, aplicando as taxas aí previstas” (cfr. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.8.     Na qualidade de sociedade dominante, em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do Código do IRC, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo, em 29 de Junho de 2018, a qual foi identificada com o código ... (cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.9.     Em resultado da Declaração de Rendimentos entregue ao nível do Grupo, foi apurado um valor de derrama estadual a pagar no montante de €217.061,15 (duzentos e dezassete mil, sessenta e um euros e quinze cêntimos) (cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.10.  Em resultado da entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao período de tributação de 2017, foi emitida a nota de liquidação n.º 2018..., de 10 de Agosto de 2018 ((cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.11.  Em momento posterior, na sequência da identificação de um acréscimo indevidamente efectuado na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC entregue pela B..., referente ao período de tributação de 2017, esta sociedade procedeu à entrega de uma Declaração de Rendimentos de substituição, em 19 de Dezembro de 2018, identificada com o código ..., passando assim a apurar derrama estadual no valor de € 166.145,44 (cento e sessenta e seis mil cento e quarenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos) (cfr. Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.12.  Consequentemente, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo, procedeu à entrega de uma Declaração de Rendimentos Modelo 22 de substituição, em 28 de Dezembro de 2018, identificada com o código ..., passando a declarar como valor final de derrama estadual o montante de € 206.258,73 (duzentos e seis mil, duzentos e cinquenta e oito euros e setenta e três cêntimos) (cfr. Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.13.  Após a entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, referente ao Grupo, foi então emitida a Liquidação de IRC n.º 2019..., de 18 de Janeiro de 2019, ora mediatamente posta em crise (cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).;

 

2.1.14.  No dia 20.03.2019, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa, pela qual pedia a anulação parcial da dita liquidação, pretensão que veio a ser expressamente indeferida por despacho de 26.08.2019 (cfr. Documento a fls 1 e segs. do processo administrativo, junto com a resposta e Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2.        Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3.        Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

3.            Matéria de direito

 

3.1.        Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes: 

a)            A de saber se as taxas aplicáveis à derrama referente a uma sociedade que tem sede social na Região Autónoma dos Açores e que integra um grupo de sociedades que optou pelo RETGS são as fixadas no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro ou as que estão estabelecidas no artigo 87.º-A do Código do IRC; e 

b)           A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação ora posto em crise, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral, poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação de prestação tributária não devida.

 

3.2.        A Derrama Estadual, Regional e o Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades

 

A Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho aprovou um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental, visando reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento. Foi o artigo 2.º desse diploma legal que aditou ao CIRC o art.º 87.º-A, que consagrou a chamada derrama estadual, com um âmbito geográfico nacional .

 

A alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa confere às Regiões Autónomas poderes, a definir nos respectivos estatutos, para exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como para adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República.

 

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei nº 39/80, de 5 de Agosto, com a redacção que lhe foi dado pelas Leis nº 9/87, de 26 de Março, nº 61/98, de 27 de Agosto e nº 2/2009, de 12 de Janeiro, enuncia, na alínea g) do artigo 3.º, como um dos objectivos fundamentais da autonomia, a adaptação do sistema fiscal nacional à Região, segundo os princípios da solidariedade, equidade e flexibilidade e da concretização de uma circunscrição fiscal própria. O mesmo diploma, no seu artigo 20.º sob a epígrafe “poder tributário da Região”, permite à Região o exercício de poder tributário próprio, nos termos da lei, reconhecendo-lhe o direito de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República.

 

Lê-se no preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, que cria a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e aprova o respectivo regime jurídico:

 

“O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores dota a Assembleia Legislativa Regional da faculdade de legislar em matérias do seu poder tributário próprio e da adaptação do sistema fiscal nacional, designadamente o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Estes princípios materializam -se, nomeadamente, na necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º -A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 442 -B/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, à Região Autónoma dos Açores sob a forma de derrama regional, o que é efetuado nos termos do presente decreto legislativo regional.”

 

O mencionado Decreto Legislativo Regional, por via da referida adaptação, estabeleceu uma redução de 20% nas taxas da derrama regional face às que então eram aplicadas em sede de derrama estadual, assumindo essa redução como um instrumento de política fiscal para promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores.

 

Não resulta dos autos que se mostre em disputa a aplicabilidade, aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, das taxas (reduzidas) de derrama regional, previstas no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, em detrimento das taxas (normais) fixadas no artigo 87.º-A do CIRC.

 

Como bem refere a Requerida nos art.ºs 33.º e seguintes da sua resposta, a derrama, com as especificidades constantes do referido Decreto Legislativo Regional tem um âmbito de aplicação territorialmente circunscrito à Região Autónomas dos Açores e assim será também nos termos do n.º 3 do artigo 2.º, ou seja, nas situações em que seja aplicável o RETGS, obviamente circunscrito aos sujeitos passivos a quem o diploma é aplicável, concretizando, aos sujeitos passivos com sede na Região Autónoma dos Açores. O n.º 4 do mesmo artigo 2.º deixa patente que as regras do RETGS, são, como não podiam deixar de ser, aplicáveis aos sujeitos passivos com sede na Região Autónoma dos Açores. Não reside tão-pouco aqui o cerne do litígio. 

 

Na verdade, o dissídio parece radicar na conclusão que deve ser retirada do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional que vimos citando, segundo o qual os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC, sobretudo quando confrontado com o que se lê no n.º 3 do mesmo preceito: “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante”.

 

Diga-se desde já que o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A não difere substancialmente do disposto no n.º 3 do artigo 87.º-A do CIRC, que dispõe, como se viu, no sentido de que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 desse artigo incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

 

Ora, entende a Requerida que a taxa aplicável a essa derrama é a que consta do artigo 87.º-A do CIRC, porquanto o n.º 4 do artigo 69.º do mesmo diploma impõe peremptoriamente que não podem, para estes efeitos, fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação. Reconhecendo embora que a norma citada não refere explicitamente a derrama, entende a Requerida que atendendo à sua natureza jurídico-fiscal, deve entender-se que a mesma está incluída na colecta de IRC, tendo, consequentemente, natureza de IRC.

 

Por via da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, consagrou-se um novo regime de tributação dos grupos de sociedades, alterando-se significativamente o regime anterior, já que para efeitos de apuramento do IRC, veio desconsiderar as regras de consolidação das contas, passando de um modelo assente no lucro consolidado para um outro que agrega as contas das sociedades para o apuramento do lucro tributável do grupo. Sociedades juridicamente independentes optam por ser tributadas como se de uma única entidade se tratasse, podendo fazer diluir os lucros tributáveis de umas nos prejuízos fiscais apurados na esfera de outras, todas integrantes do mesmo grupo de sociedades .

 

Para que esta opção possa ser feita, o legislador impôs determinados requisitos, de observância cumulativa, entre os quais avulta o de que a totalidade dos rendimentos das sociedades integrantes do grupo esteja sujeita ao regime geral de tributação em IRC à taxa geral mais elevada .

 

Portanto, o que interessa para o RETGS, é o resultado fiscal do grupo. Lê-se no n.º 1 do artigo 70.º do CIRC que o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Cada uma destas sociedades deixa de ser tratada como distinta e diversa de cada uma das outras integrantes do mesmo grupo, permitindo-se uma compensação de resultados positivos com resultados negativos. O que releva é a realidade económica, global unitária, do grupo, tributado como uma entidade com capacidade contributiva única, prevalecendo sobre a capacidade contributiva individual, podendo os lucros tributáveis apurados na esfera de umas sociedades ser diluídos nos prejuízos fiscais apurados por outras do mesmo grupo.

 

A pergunta que se impõe é a de saber se, no que à derrama respeita, esta unidade subsiste e nos mesmos termos. Recorde-se o que dispõe o n.º 3 do artigo 87.º-A do Código do IRC. Este preceito impõe que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas da derrama estadual incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante. Parece claro que, aqui, não releva o lucro tributável do grupo, apurado nos termos supra referidos. Isto significa que não se somam os lucros tributáveis de umas sociedades ao das outras  nem se admite a possibilidade de serem diluídos os lucros de umas aos prejuízos de outras sociedades do mesmo grupo. O que importa para a derrama é o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, incluindo a dominante, devendo esta inscrever na declaração do grupo (no campo 373, do quadro 10 da declaração modelo 22) o somatório das derramas estaduais individualmente calculadas, incumbindo-lhe o respectivo pagamento .

 

Sublinhe-se este aspecto. Ainda que o pagamento incumba à sociedade dominante, ela deve inscrever na declaração do grupo, no campo 373, do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22, o somatório das derramas estaduais individualmente calculadas. O cálculo da derrama parece desinteressar-se do grupo. É feito individualmente para cada uma das sociedades . O cálculo do imposto, no caso que nos ocupa, da derrama, consiste numa operação aritmética, de liquidação, tendente a apurar o quantum que é devido ao credor tributário . Se todo o processo é, como vimos de constatar, realizado na esfera individual de cada uma das sociedades do grupo, não se vê por que razão a taxa da derrama se há-de desinteressar da sociedade a que ela diz respeito. Esta conclusão, na leitura que o tribunal faz das disposições aplicáveis, não desvirtua o RETGS nem muito menos o requisito de que todas as sociedades que integram o grupo fiquem sujeitas ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada, pela simples razão de que IRC e derrama não são um e o mesmo imposto.

 

Vale a pena atentar nas doutas alegações apresentadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito do recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo contribuinte no âmbito do processo n.º 142/2012 que correu termos no CAAD  e que permitem reforçar o entendimento que ora se sufraga. A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu nessa ocasião que o RETGS não viola o princípio da igualdade dos sujeitos passivos que optem pelo regime de tributação de grupos relativamente à tributação em separado das sociedades. Ao invés, considerou que ao tratar de forma igual (no que respeita à base de incidência) todas as sociedades – as que integram os grupos que são tributados pelo RETGS e as que actuam de forma individualizada, a opção legislativa estendeu a igualdade de tratamento a todos os sujeitos passivos. Conclui depois, de forma lapidar, que a “opção legislativa consagrou um tratamento igualitário de todos os sujeitos passivos de imposto, estejam ou não integrados em grupos societários, procurando colocar as sociedades que os integram, no mesmo plano ou patamar das demais empresas” .

 

Reconhece, pois, a Requerida, no quadro do mencionado recurso, que a solução legislativa pretendeu colocar todas as sociedades, independentemente de integrarem um grupo de sociedades e de lhes ser aplicável o RETGS, no mesmo patamar no que à derrama estadual diz respeito. Significa isto, naturalmente, que a derrama será calculada e apurada em termos individuais, sendo indiferente para esse cálculo e apuramento a circunstância de uma sociedade pertencer ou não a um grupo de sociedades.

 

Como é bom de ver, o cálculo e o apuramento do imposto, no caso da derrama, não dispensam, antes implicam, a aplicação de uma taxa a uma matéria tributável.  Ora, sendo uma sociedade sujeito passivo residente na Região Autónoma dos Açores que exerce, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, aplica-se-lhe a derrama regional, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A e as taxas constantes da tabela do n.º 1 do artigo 2.º desse diploma, independentemente de essa sociedade integrar ou não um grupo de sociedades para efeitos do RETGS.

 

Apesar de integrar um grupo de sociedade ao qual se aplica o RETGS, no campo 373 do quadro 10 da declaração de rendimentos mod. 22 individual da B... deveria ser inscrita a derrama regional a ela referente, calculada nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A. Por seu turno, no mesmo campo, mas da declaração modelo 22 do grupo, deveria a Requerente inscrever o somatório das derramas estaduais individualmente calculadas, incumbindo-lhe a si o respectivo pagamento.

 

Assim, é entendimento deste tribunal arbitral que a liquidação de IRC objecto mediato dos presentes autos enferma de vício de violação de lei nos termos e com os fundamentos supra expostos.

 

3.3.                        Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT), o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, aquando da prática do acto de liquidação controvertido, a administração tributária e aduaneira conhecia ou não podia ignorar que a prática desse acto violaria as regras legais aplicáveis. Portanto, não há dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços. 

 

Estando provado que a Requerente pagou prestação tributária que pela liquidação reclamada e ora parcialmente anulada lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem ela direito não apenas ao reembolso do que pagou indevidamente, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao seu integral reembolso.   

 

4.            Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)            Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto de liquidação de IRC n.º 2019..., na parte relativa ao valor devido a título de derrama estadual em excesso, no montante de € 33.229,09 (trinta e três mil duzentos e vinte e nove euros e nove cêntimos);

 

b)           Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do que pagou indevidamente e, bem assim, a pagar-lhe juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data do pagamento da quantia indevidamente exigida, até à data de integral reembolso; e

 

c)            Condenar a Requerida nas custas.

 

5.            Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 33.229,09 (trinta e três mil duzentos e vinte e nove euros e nove cêntimos).

 

6.            Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

Lisboa, 28 de Setembro de 2020

 

O Árbitro

(Nuno Pombo)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.