DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Taborda da Gama e
Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede no ..., ..., ..., freguesia ..., ... e ..., ...-... ... (adiante designada simplesmente como “Requerente” ou “A...”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, apresentar pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente formula dos seguintes pedidos:
(i) Ser declarada ilegal e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2013..., tendo por objeto o ato tributário de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010;
(ii) Ser declarado ilegal e anulado o ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010 na parte que o imposto incidiu sobre os lucros distribuídos à Requerente pela B... e pela. C..., subsidiárias domiciliadas para efeitos fiscais na Tunísia e no Líbano, respetivamente, por violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado pelo artigo 63.º , n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56.º , n.º 1, do Tratado CE) e também do disposto no artigo 34.º , n.º 1, do Acordo CE-Tunísia e no artigo 31.º do Acordo CE-Líbano;
(iii) Subsidiariamente a (ii), e apenas no caso de se entender que não estão reunidos os pressupostos para a dedução integral dos lucros distribuídos à Requerente – o que seria materialmente inconcebível no que aos dividendos distribuídos pela B... diz respeito e processualmente inadmissível no caso dos dividendos distribuídos pela C...– ser o ato de autoliquidação de IRC respeitante a 2009 anulado na parte em que o imposto incidiu sobre metade (50%) desses lucros;
(iv) Em qualquer caso, ser determinada a restituição à Requerente do montante de IRC correspondente à diferença entre o montante pago e aquele que deveria ter sido pago em relação aos lucros distribuídos pela B... e pela C... caso tais sociedades tivessem residência fiscal em Portugal; e
(v) Ser determinado o pagamento pela Fazenda Pública à Requerente de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, sobre a prestação tributária indevidamente paga por violação das normas de direito da União Europeia e de direito internacional público, nos termos previstos nos artigos 43.º , n.º 1, e 100.º da LGT e no artigo 61.º , n.º 5, do CPPT, ex vi artigo 24.º , n.º 5, do RJAT.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-12-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-03-2020.
A AT apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 03-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, que tem como objeto social o fabrico e venda de cimento e seus derivados;
B) A Requerente era em 2010 a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto e regulado no artigo 69.º e ss. do CIRC;
C) Durante o exercício de 2010, a ora Requerente detinha uma participação de 98,72% no capital social da B... S.A., sociedade com sede na Tunísia (adiante designada como seguir “C...” ou “subsidiária tunisina”)(Relatório do Conselho de Administração de 2010, para que a Requerente remete no artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral, disponível em http://www... e Demonstrações Financeiras Consolidadas que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) No ano de 2010, a referida participação gerou rendimentos para a Requerente, sob a forma de dividendos, no valor de € 3.765.650,90 (artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral, ponto 5.1.3. da decisão da reclamação graciosa e documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) A B... estava sujeita a tributação sobre o rendimento, a uma taxa de 30%, na Tunísia (resposta das autoridades fiscais da Tunísia a um pedido de informações formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que consta do documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) Os dividendos distribuídos em 2010 não estavam sujeitos a imposto na Tunísia (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Os dividendos recebidos pela Requerente da B... concorreram para a formação da matéria colectável de IRC do exercício de 2010 (cópias das declarações Modelo 22 de IRC individuais e de grupo que constam dos documentos n.º s 4 e 5, respectivamente, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
H) Durante o exercício de 2010, a Requerente detinha uma participação de 51,05% no capital social da C... S.A.L., sociedade com sede no Líbano (adiante designada como seguir “C...” ou “subsidiária libanesa”), sendo 28,64% detidos directamente pela Requerente e 22,41% indirectamente (Relatório do Conselho de Administração de 2010, para que a Requerente remete no artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral, disponível em http://www... e Demonstrações Financeiras Consolidadas do Grupo D..., em que a Requerente se integra, que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)(página 189 do documento n.º 2);
I) A participação da Requerente na C..., no exercício de 2010, representava 51,05% do capital desta, sendo 28,64% detidos diretamente pela Requerente e 22,41% indiretamente (Relatório do Conselho de Administração de 2010 e página 52 das Demonstrações Financeiras do exercício de 2010 do Grupo D...)(página 189 do documento n.º 2);
J) No ano de 2010, a referida participação na C... gerou rendimentos para a Requerente, sob a forma de dividendos, no valor de € 4.492.626,23 (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral, ponto 5.1.3. da decisão da reclamação graciosa e documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
K) A C... estava sujeita a tributação sobre o rendimento, a uma taxa de 15%, no Líbano (página 30 do Report and financial statements for the year ended 31 December 2010 – Current income tax liabilities que consta do documento n.º 6 e comprovativo do pagamento de imposto sobre as sociedades no Líbano relativamente a 2010 que consta do Documento n.º 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, cuja correspondência à realidade não é questionada);
L) Os dividendos recebidos pela Requerente da C... concorreram para a formação da matéria coletável de IRC do exercício de 2010 (cópias das declarações Modelo 22 de IRC individuais e de grupo que constam dos documentos n.º s 4 e 5, respectivamente, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
M) A Requerente não fez aplicação das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas na legislação portuguesa;
N) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC de 2010, que foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 05-08-2013, com os fundamentos invocados na informação que constado documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
4.2. Alegação sucinta do contribuinte ora reclamante
4.2.1. Alega a reclamante nos pontos 3.º e 4 º do respetivo requerimento que os dividendos recebidos no exercício de 2010 das participações detidas na "B..., S.A. " - sociedade com residência fiscal na Tunísia - e na "C..., S.A.L." - sociedade com residência fiscal no Líbano - foram tributados, não podendo beneficiar das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas na lei doméstica, dado que de acordo com o alegado pela "A..." no ponto 5.º do citado requerimento, "Tunísia e Líbano estariam, neste caso, fora do universo de jurisdições relativamente às quais Portugal reconhece, na lei nacional, o direito à eliminação da dupla tributação económica de lucros".
4.2.2. Daí a presente reclamação graciosa do ato de autoliquidação, por considerar que há uma ilegalidade nas normas nacionais quanto à matéria de dupla tributação económica em relação à tributação dos lucros auferidos pela sociedade reclamante, com sede em Portugal, percebidos das sociedades suas participadas com sede no estrangeiro.
4.2.3. Por conseguinte, é a alegada ilegalidade da tributação em sede de IRC do exercício de 2010 que incidiu sobre os dividendos recebidos pela "A..." das participações detidas nas identificadas sociedades com residência fiscal na Tunísia e no Líbano por força da não aplicação àqueles dividendos das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas no ordenamento jurídico-tributário português que constitui o objeto da reclamação graciosa em análise, como claramente se conclui dos seus pontos 1.º a 14.º .
4.2.4. O sujeito passivo ora reclamante alega ainda que a exclusão dos dividendos de origem tunisina e libanesa não tem qualquer habilitação jurídica, violando compromissos internacionais do Estado português, maxime o "Acordo Euro-Mediterrânico" que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia e a Republica do Líbano, por outro (vide pontos 8.º e 9.º do requerimento de reclamação graciosa).
4.2.5. A "A..." confirma nos pontos 53.º e 55.º da citado requerimento ter recebido durante o exercício de 2010 das suas subsidiárias na Tunísia - a "B..., S.A. " - e no Líbano - a "C..., S.A.L. " - a título de dividendos os valores respetivamente de € 3.765.650,90 e de €4.492.626,23.
4.2.6. Tais dividendos, como a própria reclamante afirma nos pontos 57.º a 58.º do requerimento de reclamação "encontram-se sujeitos, de acordo, com a letra da lei doméstica, a tributação ordinária em Portugal à taxa normal de IRC, o que significa que os mesmos estão impedidos de beneficiar, tout court, quer das regras de eliminação da dupla tributação económica previstas no Código do IRC, quer das regras sobre essa matéria previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais".
4.2.7. Com efeito, a reclamante nos pontos 68.º a 128.º do requerimento de reclamação graciosa procede a uma enumeração descritiva dos vários métodos 1 de atenuação ou eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos em vigor no ordenamento jurídico-tributário português.
4.2.8. No entanto assume claramente na sua petição o não enquadramento, por inexistência de suporte legal, num daqueles métodos da situação originada num primeiro momento pela tributação na esfera das sociedades tunisina e libanesa dos rendimentos gerados por estas e numa segunda fase na tributação da esfera da "A..." desses lucros distribuídos sob a forma de dividendos auferidos em função das participações que esta detém naquelas sociedades.
4.2.9. De facto, tal como a "A..." alega no ponto 133.º da reclamação, “exceção feita ao regime contratual de dedução, lucros distribuídos por sociedades residentes na Tunísia e no Líbano são alegadamente insuscetíveis de beneficiar das regras domésticas de eliminação parcial ou total da dupla tributação económica".
4.2.10. Não obstante o quadro legal vigente em Portugal entende a reclamante que o mesmo suscita questões relacionadas com a violação da liberdade de estabelecimento e da liberdade de circulação de capitais consagradas no direito internacional público e no direito da união europeia que a legislação portuguesa está obrigada a respeitar, nomeadamente com a violação dessas liberdades consagradas quer nos Acordos Euro-Mediterrânicos de Associação celebrados entre a União Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Tunísia 3 e a República do Líbano4, por outro, quer no artigo 56.º n.º 1 do Tratado da Comunidade Europeia 5 (atual artigo 63.º n.º 1 do TFUE).
4.2.11. Pelo que, vem a" A..." requerer através dos presentes autos de reclamação: " Nestes termos, deve a presente reclamação ser deferida, devendo em consequência:
(i) serem integralmente deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B... e pela C..., S.A.L à Reclamante, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal, com fundamento nos dois Acordos Euro-Mediterrânicos que estabelecem, cada um deles, uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-membros, por um lado, e a República da Tunísia e o Líbano, por outro;
(ii) subsidiariamente ao pedido em (i), serem integralmente deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B... e pela C..., S.A.L. à Reclamante, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal, com fundamento no artigo 56º n.º 1 do Tratado da Comunidade Europeia, atual artigo 63º, n.º 1 do TFUE;
(iii) subsidiariamente ao pedido em (i) e (ii), serem integralmente deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B... e pela C..., S.A.L. à Reclamante, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes nos PALOP e em Timor-Leste, com fundamento no artigo 56.º n,º 1 do Tratado da Comunidade Europeia, atual artigo 63.º n.º 1 do TFUE;
(iv) Subsidiariamente a (i), (ii) e (iii) deduzir parcialmente - em 50% - os rendimentos incluídos na base tributária, correspondentes aos lucros distribuídos pela B... e pela C..., S.A.L. à Reclamante, nas mesmas condições em que tal está previsto para lucros distribuídos por sociedades residentes em Portugal independentemente da percentagem da participação detida pelo sócio na afiliada, com fundamento no artigo 56.º n.º 1 do Tratado da Comunidade Europeia, atual artigo 63º, n.º 1 do TFUR; e
(v) o pagamento, uma vez que estão verificadas todas as condições para tal, nomeadamente as premissas do enriquecimento sem causa, de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43º e 100º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT. "
5. APRECIAÇÃO
5.1.1. Da análise da presente reclamação constata-se que a matéria em crise é de natureza exclusivamente jurídica e prende-se com o enquadramento jurídico-tributário a aplicar aos dividendos recebidos pela " A..." no exercício de 2010, relativos às suas subsidiárias com residência fiscal na Tunísia e no Líbano.
5.1.2. A "A..." alega, in casu, ter recebido no exercício de 2010, a título de dividendos, das suas subsidiárias na Tunísia - a "B..., S.A.º - e no Líbano - a "C..., SAL", os valores respetivamente de € 3.765.650,90 e de € 4.492.626,23.
5.1.3. Os referidos dividendos foram declarados na Declaração Mod. 22 de IRC da ora reclamante, no exercício de 2010 e sujeitos a tributação à taxa normal.
5.1.4. Importa ainda referir que a empresa A..., S.A. foi objeto de uma inspeção externa, no exercício de 2010 (em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2012... de 2012/02/07, desta Unidade dos Grandes Contribuintes), não tendo a matéria aqui em apreço sido objeto de análise ou tratamento fiscal no âmbito deste mesmo procedimento inspetivo.
5.1.5. No que concerne aos fundamentos alegados e à pretensão formulada pela reclamante há que referir o seguinte:
5.1.6. A lei Fiscal em vigor no ordenamento jurídico-tributário português fixou "em tipo fechado" quais as formas de eliminar ou atenuar a dupla tributação económica, fixando os métodos através dos quais se pretende evitar as tributações sucessivas dos mesmos rendimentos ainda que na esfera de sujeitos passivos diferentes, como é o caso do mecanismo da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos previsto no artigo 51.º do CIRC.
5. 1.7. Os dividendos foram recebidos pela ora reclamante em virtude da distribuição de lucros das sociedades participadas com sede na República da Tunísia e na República do Líbano;
5.1.8. Estes dividendos encontram-se sujeitos, de acordo com a lei nacional portuguesa, a tributação em Portugal à taxa normal de IRC;
5.1.9. No Código do IRC, o mecanismo previsto para eliminação da dupla tributação económica encontrava-se regulado pelo art. 51.º do CIRC de onde ressaltam os seguintes pressupostos a verificar pelo beneficiário dos rendimentos:
5.1.10. A eliminação da dupla tributação económica processa-se na "determinação do lucro tributável das sociedades comerciais (...)" através da dedução dos rendimentos "incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:"
5.1.11. "A sociedade que distribui os lucros tenha sede ou direção efetiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no art. 7.º [imposto especial sobre o jogo]" (cfr. al. a) do n.º 1 do art. 51.º CIRC);
5.1.12. "A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime de transparência fiscal" (cfr. al. b) do n.º 1 do art. 51.º CIRC);
5.1.13. "A entidade beneficiária detenha diretamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com valor de aquisição não inferior a €20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros (...)" (cfr. al. c) do n.º 1 do art. 51.º do CIRC);
5.1.14. O n.º 5 do art. 51.º estende o disposto no seu n.º 1 "quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado Membro da União Europeia, desde que ambas as entidades preencham os requisitos estabelecidos no art. 2.º da Diretiva n.º 90/435/CEE, de 23 de julho".
5.1.15. Daqui resulta que não estão preenchidos os requisitos para a Impugnante beneficiar da aplicação do art. 51º do CIRC.
5.1.16. Tão pouco se verificam os pressupostos para a aplicação ao caso em apreço do artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), uma vez que nem a Tunísia nem o Líbano se incluem na estatuição da referida norma, que prevê a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos por sociedades residentes nos países africanos de língua oficial portuguesa e na República Democrática de Timor-Leste.
5.1.17. Acresce ainda que nesta matéria a AT não goza de qualquer margem de liberdade ou oportunidade no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei (artigo 133.º do CIRC) sendo que à data dos factos tributários os artigos 51º do CIRC e 42.º do EBF regula em todos os aspetos aquilo que a AT deve fazer vinculando-a à luz de critérios exclusivamente de natureza fiscal em respeito pelos princípios fundamentais previstos no artigo 266.º n.º 2 da CRP e por força do princípio da legalidade consignado no artigo 55.º da LGT, cujos preceitos legais impõem aos órgãos e agentes administrativos uma atuação subordinada à Constituição e à lei.
5.1.18. Por conseguinte, ainda que por mera hipótese de raciocínio se pudesse admitir que na situação tributária em apreço estariam reunidas as circunstâncias típicas de uma "omissão legislativa" em matéria de eliminação da dupla tributação económica de lucros recebidos por uma sociedade portuguesa de sociedades por aquela participadas com residência fiscal na Tunísia e no Líbano, traduzida numa violação por parte do Estado de um dever geral, e como tal inespecífico, de legislar sobre essa matéria, o reconhecimento de um direito subjetivo à "A..." consubstanciado na dedução ao resultado líquido de IRC do valor dos dividendos em causa que o ordenamento jurídico-tributário português não contempla, não é sindicável quer nos procedimentos tributários inspetivos quer nos procedimentos tributários de impugnação administrativa, não cumprindo a esta UGC enquanto intérprete-aplicador da lei dirimir tal questão.
5.1.19. Acresce ainda que, a AT através do Centro de Estudos Fiscais emitiu o Parecer n.º 79/09 de 14.10.2009 - Junto como anexo n.º 1 fls. 1 a 18 - sobre situação tributária em tudo similar à ora em análise6, tendo fixado nas suas conclusões a seguinte doutrina administrativa:
" I. Sobre a pretensão da reclamante quanto à aplicação do regime que resulta do art.º 46.º do Código do IRC aos lucros distribuídos pela "B...", com fundamento na liberdade de circulação de capitais, nos termos do art.º 56ºdo TCE e do art.º 34.º do Acordo Euro-Mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, é nosso entendimento que a situação apreço não poderia ser subsumida ao normativo em questão, aplicável a dividendos de fonte doméstica e comunitária, porquanto:
i. O caso concreto encontra-se, exclusivamente, abrangido pela liberdade de estabelecimento, a qual não se estendendo a Estados Terceiros, não pode ser invocada para justificar qualquer eventual violação das disposições do TCE relativas às liberdades de circulação resultante da não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do art.º 46º do Código do IRC aos lucros distribuídos pela "B..." à requerente;
ii. Mesmo concedendo que o âmbito do art.º 46.º do Código do IRC comporta situações protegidas pela liberdade de circulação de capitais, prevista no art.º 56ºdo TCE, seria de aplicar, neste caso, a cláusula de salvaguarda constante do n.º 1 do art.º 57º do TCE. Do nosso ponto de vista, a aplicação da cláusula de salvaguarda não fica prejudicada pelo estatuído no art.º 42º do EBF (eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos por sociedades residentes nos países africanos de língua oficial portuguesa e na República Democrática de Timor-Leste), sendo que este normativo não pode ter como consequência a extensão do regime aí consagrado a todos os Estados Terceiros;
iii. O art.º 34º do Acordo Euro-Mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, deve ser lido em conjugação com o seu art.º 89º que afasta quaisquer consequências daquele artigo que se traduzam em aumento das vantagens concedidas nos termos da Convenção de Dupla Tributação celebrada com a Tunísia, pelo que dele não resulta qualquer obrigação de aplicação do art.º 46º n.º 1 do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades residentes na Tunísia.
II. Finalmente, importa referir que mesmo que se considerasse que existia uma restrição à livre circulação de capitais, sempre se encontraria justificada por uma razão imperiosa de interesse geral relativo à luta contra a fraude fiscal, tal como resulta do Acórdão do TJCE de 19 de novembro de 2009 (Processo C-540/07).
III. Do exposto, deve, pois, concluir-se que a livre circulação de capitais e o Acordo de Associação com a Tunísia não se opõem à não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do art.º 46º do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal, pelo que se propõe o indeferimento dos pedidos da reclamação graciosa em apreço".
5.1.20. Em suma, à luz do quadro factual e legal à data vigente em sede de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos decorrente dos artigos 51.º do CIRC e 42.º do EBF bem corno da doutrina administrativa fixada no citado Parecer n.º 79/09, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, afigura-se que deve ser indeferida a reclamação graciosa por erro na autoliquidação apresentada pelo sujeito passivo "A..." com referência ao IRC do exercício de 2010.
6. CONCLUSÃO
6.1.1. Nestes termos e face aos fundamentos invocados na presente informação de decisão final propõe-se o indeferimento do presente pedido.
7. Exercício do direito de audição
7.1.1 Em sede do presente procedimento tributário de reclamação graciosa anteriormente identificado, foi elaborado por esta UGC um projeto de decisão que propôs o indeferimento do pedido, junto aos autos a fls. 715 a 725.
7.1.2 Para exercício do respetivo direito de audição prévia - art.º 60.º n.º 1 alínea b) da LGT- aquele projeto foi notificado ao sujeito passivo e o. seu mandatário, através de carta registada - cujas cópias do ofícios e dos registos se encontram no processo de reclamação graciosa a fls. 726 a 728.
7.1.3 Em 11 de julho de 2013, dentro do prazo fixado, o sujeito passivo exerceu o referido direito, limitando-se todavia a questionar se não "seria seguramente mais avisado aguardar pala decisão do Recurso Hierárquico que se encontra pendente relativamente ao exercício fiscal de 2008" dado tratar-se de um caso análogo.
Não existindo no procedimento de reclamação graciosa qualquer norma que permita o adiamento da decisão, pelo contrário, estando inerente ao procedimento o principio da celeridade e não tendo o sujeito passivo carreado para o processo quaisquer elementos factuais ou jurídico-tributários novos que possam condicionar a Administração Tributária a uma nova abordagem da questão em apreço, confirma-se assim o indeferimento ínsito no ponto 6.1.1. da presente informação.
O) A Requerente apresentou, em 06-09-2013, recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que não foi objecto de decisão expressa pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
P) A Requerente apresentou, então, impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, processo ao qual foi atribuído o n.º .../14...BEALM;
Q) Em 31-10-2019, a Requerente apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada o requerimento de extinção da instância no processo n.º .../14...BEALM, nos termos e para os efeitos do artigo 11.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
R) Não existe entre Portugal e o Líbano Acordo para Troca de Informações em Matéria Fiscal ( );
S) Não existe entre Portugal e o Líbano Protocolo com Portugal em matéria de Assistência Mútua Administrativa ( );
T) Em 31-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações que faz que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
2.2.2. Não se provou que não se devesse considerar provado «em sede graciosa que os lucros distribuídos à Requerente pelas sociedades tunisina e libanesa tenham efetivamente sido sujeitos a imposto nos respetivos países de residência», como alega a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 31.º da sua Resposta.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo, tendo apresentado apenas cópias de articulados apresentados no Tribunal Tributário de Lisboa.
A falta de processo administrativo, que deve ser junto pela Administração Tributária (artigo 17.º, n.º 2, do RJAT), que até foi expressamente notificada para o apresentar (despacho de 18-03-2020), impede que se apure o que deveria ou não considerar provado na decisão da reclamação graciosa.
De qualquer modo, pela decisão da reclamação graciosa cuja cópia foi junta aos autos, constata-se que não foi motivo do indeferimento a falta de prova de que os lucros tivessem sido sujeitos a imposto na Tunísia e no Líbano.
2.2.3. Não se provou a Administração Tributária tenha feito qualquer diligência para apurar se a Requerente foi tributada no Líbano.
2.2.4. No que concerne à prova da tributação na Tunísia e Líbano, não é legalmente restrita a informações oficiais das autoridades tributárias (como parece ser entendimento da Administração Tributária, à face do que refere nos artigos 33.º a 36.º da cuja reposta).
Na verdade, nos processos impugnatórios tributários são admitidos os meios gerais de prova [artigo 115.º, n.º 1, do CPPT], inclusivamente documentos particulares, como os relatórios de contas e traduções de documentos. Este regime é aplicável subsidiariamente aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, já que nestes valem em matéria probatória as regras da «livre apreciação dos factos» e «livre convicção dos árbitros» [artigo 16.º, alínea e), do RJAT].
Não sendo questionada a idoneidade das traduções apresentadas, nem se vendo razões para duvidar do que consta dos documentos n.ºs 2, 3, 6 e 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, os Árbitros formaram a convicção de a subsidiária a tunisina da Requerente f0i tributada em imposto sobre o rendimento à taxa de 30% e a subsidiária libanesa à taxa de 15%.
2.2.5. Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias que, nos termos das declarações de autoliquidação que constam dos documentos n.ºs 4 e 5, deveriam ser entregues ao Estado, nem as datas em que os eventuais pagamentos tenham ocorrido. Na verdade, não consta do processo qualquer comprovativo de pagamentos e eles, a terem ocorrido, não tinham de ser efectuados nas datas da apresentação das declarações.
3. Matéria de direito
3.1. Questão que é objecto do processo
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.
Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.
Mas, quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. ( )
Os actos que indeferem impugnações administrativas podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).
Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal) ( ), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.
Nos casos em que a decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a autoliquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária, pelo que se está perante uma situação de revogação por substituição, em que a fundamentação do acto que subsiste na ordem jurídica após a decisão de indeferimento é a que consta desta, como está ínsito no artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( )
Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.
Por isso, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa (já que não houve decisão do recurso hierárquico) que há que apreciar a legalidade da auto-liquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.
Neste caso, o motivo do indeferimento da reclamação graciosa foi, em suma, o não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 51.º n.ºs 1 e 5, do CIRC, nem ser aplicável o artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
A Requerente defende, em suma, que estão reunidos os requisitos para aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica quanto aos dividendos que recebeu das suas subsidiárias na Tunísia e Líbano, à face da jurisprudência do TJUE, designadamente o acórdão de 24-11-2016, proferido no processo n.º C-464/14.
3.2. Apreciação da questão
O artigo 51.º do CIRC, na redacção vigente em 2010, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 51.º
Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos
1 – Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:
a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.º;
b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;
c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10 % ou com um custo de aquisição não inferior a € 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.
(...)
5 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é também aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro da União Europeia, desde que ambas as entidades preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho. (Redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) ( )
(...)
11 - O disposto nos n.ºs 1, 2 e 8 é igualmente aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro do espaço económico europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, desde que ambas essas entidades preencham condições equiparáveis, com as necessárias adaptações, às estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho. (Redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril)
A decisão da reclamação graciosa, transcrevendo as conclusões do Parecer n.º 79/09, do Centro de Estudos Fiscais, revela que o obstáculo à aplicação à Requerente do regime consagrado no n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC se consubstancia no facto de esse regime não estar previsto para os «lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal». No referido Parecer conclui-se ainda que «a livre circulação de capitais e o Acordo de Associação com a Tunísia não se opõem à não aplicação do regime consagrado no n.º 1 do art.º 46º do Código do IRC aos lucros distribuídos por sociedades fiscalmente residentes em Estados Terceiros a sociedades residentes em Portugal». ( )
O acórdão do TJUE de 24-11-2016, proferido no processo n.º C-464/14, proferido em relação a específica situação da Requerente, decidiu, em suma, o seguinte:
1) Os artigos 63.o e 65.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que:
– uma sociedade estabelecida em Portugal que recebe dividendos de sociedades estabelecidas, respetivamente, na Tunísia e no Líbano pode invocar o artigo 63.o TFUE para impugnar o tratamento fiscal reservado a esses dividendos no referido Estado-Membro com base numa legislação que não tem por objeto aplicar-se exclusivamente às situações em que a sociedade beneficiária exerce uma influência decisiva sobre a sociedade distribuidora;
– uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado-Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente num país terceiro, constitui uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e os países terceiros, que, em princípio, é proibida pelo artigo 63.o TFUE;
– a recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da base tributável, em aplicação do artigo 46.o, n.ºs 1 e 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto do país terceiro em que é residente a sociedade que distribui esses dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição desta última sociedade a imposto;
– a recusa em conceder uma dedução parcial em aplicação do artigo 46.o, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando a mesma disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição da sociedade distribuidora a imposto, no Estado em que é residente, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.
2) O artigo 64.o, n.º 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que:
– na medida em que a adoção do regime de benefícios fiscais para o investimento de natureza contratual, previsto no artigo 41.o, n.º 5, alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na sua versão em vigor em 2009, e do regime relativo aos dividendos provenientes dos países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor-Leste, previsto no artigo 42.o do mesmo Estatuto, não alterou o quadro jurídico relativo ao tratamento dos dividendos provenientes da Tunísia e do Líbano, a adoção dos referidos regimes não afetou a qualificação, como restrição em vigor, da exclusão dos dividendos pagos pelas sociedades estabelecidas nesses países terceiros da possibilidade de beneficiarem de uma dedução integral ou parcial;
– um Estado-Membro renuncia à faculdade prevista no artigo 64.o, n.º 1, TFUE, quando, sem revogar ou alterar formalmente a legislação existente, celebra um acordo internacional, como um acordo de associação, que prevê, numa disposição com efeito direto, a liberalização de uma categoria de capitais referida nesse artigo 64.o, n.º 1; por conseguinte, esta alteração do quadro jurídico deve ser equiparada, quanto aos seus efeitos na possibilidade de invocar o artigo 64.o, n.º 1, TFUE, à introdução de uma legislação nova, que assenta numa lógica diferente da legislação existente.
3) O artigo 34.o, n.º 1, do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998, deve ser interpretado no sentido de que:
– tem efeito direto e pode ser invocado numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma sociedade residente em Portugal recebe dividendos de uma sociedade residente na Tunísia, em razão do investimento direto que realizou na sociedade distribuidora, para efeitos de oposição ao tratamento fiscal reservado a esses dividendos em Portugal;
– uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado-Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente na Tunísia, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, no que diz respeito aos investimentos diretos e, em especial, ao repatriamento do produto de tais investimentos, pelo artigo 34.o, n.º 1, do referido acordo;
– numa situação como a que está em causa no processo principal, o efeito desta disposição não está limitado pelo artigo 89.o do referido acordo;
– a recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.o, n.ºs 1 e 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto da República da Tunísia, Estado em que é residente a sociedade que distribui esses dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui os referidos dividendos a imposto;
– a recusa em conceder esta dedução parcial, em aplicação do artigo 46.o, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando a referida disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição da sociedade distribuidora a imposto na Tunísia, Estado em que esta sociedade é residente, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.
4) O artigo 31.o do Acordo euro-mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que:
– tem efeito direto;
– uma situação como a que está em causa no processo principal, que diz respeito ao tratamento fiscal dos dividendos decorrentes dos investimentos diretos feitos no Líbano por um residente em Portugal, está abrangida pela hipótese referida no artigo 33.o, n.º 2, deste acordo; por conseguinte, o artigo 33.o, n.º 1, do mesmo acordo não se opõe a que o seu artigo 31.o seja invocado no presente caso;
– uma legislação como a que está em causa no processo principal, segundo a qual uma sociedade residente num Estado-Membro pode efetuar uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da sua base tributável, quando estes são distribuídos por uma sociedade residente no mesmo Estado-Membro, mas não pode proceder a esta dedução quando a sociedade distribuidora é residente no Líbano, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 31.o do Acordo euro-mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro;
– numa situação como a que está em causa no processo principal, o efeito desta disposição não está limitado pelo artigo 85.o deste acordo;
– a recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos recebidos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.o, n.ºs 1 e 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto da República do Líbano, Estado em que é residente a sociedade que distribui esses dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui os referidos dividendos a imposto;
– a recusa em conceder esta dedução parcial, em aplicação do artigo 46.o, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, não pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral relativas à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, quando a referida disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição da sociedade distribuidora a imposto no Líbano, Estado em que esta sociedade é residente, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.
5) No que se refere às consequências, para o processo principal, da interpretação dos artigos 63.o a 65.o TFUE assim como do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, e do Acordo euro-mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro:
– quando as autoridades do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária puderem obter informações junto da República da Tunísia, Estado em que é residente a sociedade que distribui os dividendos, que permitam verificar se está preenchido o requisito relativo à sujeição da sociedade que distribui esses dividendos a imposto, os artigos 63.o e 65.o TFUE assim como o artigo 34.o, n.º 1, do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, opõem-se à recusa em conceder uma dedução integral ou parcial dos dividendos distribuídos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.o, n.º 1, ou do artigo 46.o, n.º 8, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão em vigor em 2009, sem que a República Portuguesa possa invocar, a este respeito, o artigo 64.o, n.º 1, TFUE;
– os artigos 63.o e 65.o TFUE assim como o artigo 34.o, n.º 1, do Acordo euro-mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, e o artigo 31.o do Acordo euro-mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, opõem-se à recusa em conceder uma dedução parcial dos dividendos distribuídos da base tributável da sociedade beneficiária, em aplicação do artigo 46.o, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na referida versão, quando esta disposição puder ser aplicada a situações em que a sujeição das sociedades distribuidoras a imposto na Tunísia e no Líbano, Estados em que estas sociedades são residentes, não pode ser verificada, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, sem que a República Portuguesa possa invocar, a este respeito, o artigo 64.o, n.º 1, TFUE;
– os montantes cobrados em violação do direito da União devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte.
No essencial, o TJUE decidiu que os Acordos Euro-Mediterrâneos têm efeito directo, que a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) se aplica aos Estados terceiros por eles abrangidos e que as cláusulas limitativas previstas naqueles Acordos não limitam a liberdade de circulação.
É também claro o entendimento do TJUE no sentido de constituir uma restrição do princípio da liberdade de circulação proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, dar um tratamento fiscalmente desfavorável a dividendos recebidos desses Estados terceiros comparativamente aos dividendos recebidos de uma subsidiária nacional.
As possibilidades de ser permitida a restrição ao princípio da liberdade de circulação, com fundamento nos artigos 64.º e 65.º do TJUE, restringem-se, neste caso, à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, designadamente nos casos de impossibilidade de troca de informações com as autoridades dos Estados terceiros, como decorre dos seguintes parágrafos do acórdão do TJUE:
55 Resulta de jurisprudência constante que, relativamente a uma norma fiscal destinada a evitar ou a atenuar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, como a que está em causa no processo principal, a situação de uma sociedade acionista que receba dividendos com origem num país terceiro é comparável à de uma sociedade acionista que receba dividendos de origem nacional, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de uma tributação em cadeia (v., neste sentido, acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C 436/08 e C 437/08, EU:C:2011:61, n.º 84 e jurisprudência referida).
56 A justificação da restrição apenas pode, por conseguinte, prender se com razões imperiosas de interesse geral. Nesta hipótese, é ainda necessário que a restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e que não vá além do necessário para o alcançar (acórdão de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C 388/14, EU:C:2015:829, n.º 29 e jurisprudência referida).
(...)
58 Resulta da jurisprudência que constituem razões imperiosas de interesse geral que podem justificar uma restrição às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado tanto a luta contra a fraude fiscal (v., designadamente, acórdão de 11 de outubro de 2007, ELISA, C 451/05, EU:C:2007:594, n.º 81) como a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais (v., designadamente, acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C 101/05, EU:C:2007:804, n.º 55, e de 5 de julho de 2012, SIAT, C 318/10, EU:C:2012:415, n.º 36 e jurisprudência referida).
(...)
60 Neste contexto, a simples circunstância de a sociedade que distribui os dividendos estar situada num país terceiro não pode gerar uma presunção geral de fraude fiscal e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2012, A, C 48/11, EU:C:2012:485, n.º 32 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, a legislação fiscal em causa no processo principal exclui, de uma maneira geral, a possibilidade de evitar ou de atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando os referidos dividendos são distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros, sem procurar especificamente prevenir comportamentos que consistem em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objetivo de eludir o imposto normalmente devido ou obter um benefício fiscal.
62 Nestas condições, a restrição à livre circulação de capitais não pode ser justificada por motivos relativos à necessidade de prevenir a fraude e a evasão fiscal.
(...)
64 Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, por conseguinte, quando a legislação de um Estado Membro faz depender o benefício de um regime fiscal mais vantajoso da satisfação de requisitos cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um país terceiro, esse Estado Membro pode, em princípio, recusar se a conceder esse benefício se for impossível obter essas informações junto desse país terceiro, designadamente por este último não estar vinculado a uma obrigação convencional de fornecer informações (acórdão de 17 de outubro de 2013, Welte, C 181/12, EU:C:2013:662, n.º 63 e jurisprudência referida).
Relativamente à República da Tunísia, decorre do acórdão do TJUE que, prevendo a Convenção Portugal-Tunísia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000, um mecanismo de troca de informações, a restrição que resulta da recusa da eliminação ou redução da dupla tributação económica, previstas no artigo 51.º do CIRC, não pode ser justificada pela necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais, , pois está-se perante situação em que foi possível obter as informações oficiais que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, de valor idêntico às informações oficiais da Administração Tributária Portuguesa (n.ºs 1 e 4 do art. 76.º da LGT.).
Aplicando esta jurisprudência do TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu em 06-05-2020, acórdão no processo n.º 0830/11.8BEALM 0588/16, em que entendeu o seguinte:
II - Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdão C-464/14 de 24.11.2016) o artº 46º do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de conceder eliminação da dupla tributação de dividendos com origem na Tunísia, quando essa eliminação é permitida a favor de dividendos de origem doméstica constituiu uma discriminação e uma restrição aos movimentos de capitais entre os estados membros e países terceiros que, em princípio, é proibida pelo artº 63º do TFUE.
III - Decorre igualmente da citada jurisprudência do Tribunal de Justiça que os artigos 61º e 65.º do TFUE se opõem à legislação – no caso concreto o artigo 46.º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos – de um estado membro (Portugal) que não conceda isenção de imposto sobre o rendimento aos dividendos distribuídos por uma filial residente num estado terceiro (Tunísia) com o qual tenha sido celebrada uma convenção que preveja a troca de informações.
IV - Prevendo a Convenção Portugal-Tunísia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2000, de 31 de Março de 2000, um mecanismo de troca de informações, a restrição que resulta da recusa da eliminação ou da mitigação da dupla tributação económica, previstas no artigo 46º do CIRC, não pode ser justificada pela alegada necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais.
Por isso, relativamente aos dividendos recebidos pela Requerente da sua subsidiária na Tunísia, é de aplicar esta jurisprudência e, uma vez que foi feita prova através de informações oficiais no sentido de aquela ter sido tributada, justifica-se a procedência do pedido de pronúncia arbitral.
No que concerne à República do Líbano, o TJUE entendeu que só é admissível justificar a restrição pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais, «quando for impossível as autoridades fiscais do Estado-Membro em que é residente a sociedade beneficiária obterem informações junto da República do Líbano».
Relativamente ao Líbano, poderá não ser possível obter essa informação directamente junto das suas autoridades fiscais, dada a inexistência de um mecanismo que previsse a assistência mútua em matéria de informações fiscais.
Mas, por um lado não pode considerar-se demonstrada a impossibilidade, pois não se provou sequer que a administração tributária tivesse realizado qualquer diligência no sentido de poder obter essas informações.
Por outro lado, como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-05-2017, processo n.º 0738/16, «para que a AT pudesse lançar mão de um regime diferenciado relativamente aos rendimentos provenientes de países terceiros era essencial que tivesse invocado razões atinentes à fraude e controlos fiscais, o que não fez».
Na verdade, como se vê pela decisão da reclamação graciosa e transcrição que nela se faz do Parecer n.º 79/09 do Centro de Estudos Fiscais, emitido relativamente a subsidiária tunisina (que, como se disse, deve ser considerada a fundamentação da manutenção da autoliquidação na ordem jurídica), não foi fundamento de indeferimento a hipotética impossibilidade de comprovação da sujeição da subsidiária libanesa a tributação no Líbano, mas apenas, em suma, com actualização das normas invocadas:
– o não preenchimento dos requisitos previstos nos n.ºs 1 e 5 do artigo 51.º do CIRC;
– mesmo que se entendesse que o artigo 51.º (antigo artigo 46.º) comporta situações protegidas pela liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE (antigo artigo 56.º do TCE), seria de aplicar, neste caso, a cláusula de salvaguarda constante do n.º 1 do artigo 64.º do TFUE (antigo artigo 57.º do TCE) , «por uma razão imperiosa de interesse geral relativo à luta contra a fraude fiscal».
Ora, o não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 51.º do CIRC não é obstáculo à aplicação do regime de eliminação da dupla tributação, em face do decidido, pelo TJUE no acórdão do processo C-464/14 (§ 137), sobre o efeito directo;
«o artigo 31.º do Acordo CE Líbano deve ser interpretado no sentido de que:
– tem efeito direto;
– uma situação como a que está em causa no processo principal, que diz respeito ao tratamento fiscal dos dividendos decorrentes dos investimentos diretos feitos no Líbano por um residente em Portugal, está abrangida pela hipótese referida no artigo 33.º, n.º 2, deste acordo; por conseguinte, o artigo 33.º, n.º 1, do mesmo acordo não se opõe a que o seu artigo 31.º seja invocado no presente caso.
Por outro lado, quanto à cláusula de salvaguarda constante do n.º 1 do artigo 64.º do TFUE (antigo artigo 57.º do TCE), «por uma razão imperiosa de interesse geral relativo à luta contra a fraude fiscal», o TJUE entendeu que não tem aplicação nesta situação, pelo seguinte:
59 Em primeiro lugar, quanto aos argumentos relativos à necessidade de prevenir a fraude fiscal, decorre da jurisprudência que uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada por esta razão imperiosa de interesse geral quando vise especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido ou obter um benefício fiscal sobre os lucros gerados por atividades realizadas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C 182/08, EU:C:2009:559, n.º 89, e de 3 de outubro de 2013, C 282/12, Itelcar, EU:C:2013:629, n.º 34 e jurisprudência referida).
60 Neste contexto, a simples circunstância de a sociedade que distribui os dividendos estar situada num país terceiro não pode gerar uma presunção geral de fraude fiscal e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2012, A,C 48/11, EU:C:2012:485, n.º 32 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, a legislação fiscal em causa no processo principal exclui, de uma maneira geral, a possibilidade de evitar ou de atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando os referidos dividendos são distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros, sem procurar especificamente prevenir comportamentos que consistem em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objetivo de eludir o imposto normalmente devido ou obter um benefício fiscal.
62 Nestas condições, a restrição à livre circulação de capitais não pode ser justificada por motivos relativos à necessidade de prevenir a fraude e a evasão fiscal. (negrito nosso).
Pelo exposto, sendo obrigatória a jurisprudência do TJUE sobre a interpretação do Direito da União, tem de se concluir que a auto-liquidação relativa ao exercício de 2010, com a fundamentação que lhe foi dada na decisão da reclamação graciosa, enferma de vícios de violação de lei que justificam a sua anulação de harmonia com o disposto no artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.4. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo obrigatória a jurisprudência do TJUE e tendo perfeita aplicação à situação em apreço, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões que são colocadas no processo.
4. Restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
A Requerente invoca o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-464/16, para pedir o reembolso de um montante correspondente «à diferença entre o montante pago pela A... e aquele que esta deveria ter pago (…) se, em condições como as que estão em causa no processo principal, os dividendos distribuídos pela B... e pela C... tivessem sido considerados pagos por uma sociedade estabelecida em Portugal» (§ 168).
No acórdão referido, refere-se ainda que «os montantes cobrados em violação do direito da União devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte» (§ 169, parte final).
Assim, por força do próprio Direito da União, há que reconhecer o direito da Requerente a ser reembolsada da «diferença entre o montante pago pela A... e aquele que esta deveria ter pago (…) se, em condições como as que estão em causa no processo principal, os dividendos distribuídos pela B... e pela C... tivessem sido considerados pagos por uma sociedade estabelecida em Portugal» e a juros, que serão os juros indemnizatórios previstos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Estando definido no acórdão do TJUE o direito do contribuinte a juros em situações deste tipo e sendo a jurisprudência obrigatória para os Tribunais Nacionais, não é aplicável neste processo o requisito de o erro ser imputável à Administração Tributária de o artigo 43.º, n.º 1, da LGT faz depender o direito a juros indemnizatórios, sendo este direito reconhecido pelo mero facto do pagamento indevido.
No entanto, o reembolso e os juros indemnizatórios dependem do pagamento indevido e não foi apresentada prova do pagamento da quantia autoliquidada nem a data em que terá ocorrido.
Por isso, não há fundamento factual para se decidir neste processo se há ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios, pelo que têm de ser julgados improcedentes os pedidos respectivos, sem prejuízo dos eventuais direitos poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC).
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2013..., tendo por objeto o acto tributário de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010;
C) Declarar ilegal e anular a autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010 na parte que o imposto incidiu sobre os lucros distribuídos à Requerente pela B... e pela C...;
D) Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios, sem prejuízo de poderem vir a ser reconhecidos em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 2.188.443,44.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º , n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 28.458,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 10-09-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(João Taborda da Gama)
(Nina Aguiar)