DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 28 de dezembro de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na Av. ..., n.º...- ..., ..., em Carnaxide, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista, por um lado, à declaração da ilegalidade do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2019..., de 30.06.2019, com referência ao ano de 2019, no montante de € 18.608,60 (dezoito mil, seiscentos e oito euros e sessenta cêntimos), emitido pelo Serviço de Finanças de Oeiras-..., por outro lado à respetiva anulação, e por último, à restituição integral do imposto liquidado acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária Dr.ª B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª C... e Dr.ª D... .
3. Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro, o signatário.
4. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 17 de março de 2020, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
5. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 30 de abril de 2020, a sua Resposta, solicitando a final a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, da produção de prova testemunhal e da apresentação de alegações.
6. O Tribunal, por despacho de 6 de maio de 2020, constatando não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
7. No despacho referido em 6. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.
8. No dia 12 de maio de 2020, a Requerente informou os autos nada ter a opor quanto à dispensa, quer da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, quer da produção de alegações.
II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
A Requerente sustenta o pedido de pronúncia arbitral no sentido da declaração da ilegalidade do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2019..., de 30.06.2019, com referência ao ano de 2019, no montante de € 18.608,60 (dezoito mil, seiscentos e oito euros e sessenta cêntimos), emitido pelo Serviço de Finanças de Oeiras-2, no vício de ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, por entender que:
a) o AIMI não tem aplicação sobre a detenção de imóveis no quadro da sua atividade económica, e;
b) subsidiariamente, que os “terrenos para construção” destinados à edificação de prédio afeto a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros” não se encontram abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva do imposto sindicado.
Peticionando, a final, a restituição do imposto pago e o correspondente pagamento de juros indemnizatórios.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
A Requerida apresenta a sua defesa por Impugnação, rebatendo os argumentos da Requerente, nomeadamente quanto ao vício invocado, pugnando pela improcedência do mesmo, concluindo no sentido de que «(…) das normas que delimitam a incidência objetiva do AIMI, não resulta a consagração de qualquer condição de exclusão de tributação, designadamente, a afetação de um terreno para construção.», pelo que, «(…) ao contrário do alegado pela requerente não se verifica qualquer ilegalidade no ato de liquidação impugnado o qual foi praticado de acordo com os elementos matriciais declarados pelo sujeito passivo.»
No tocante ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, refere a Requerida, por um lado, que «[a] Requerente não junta o comprovativo do pagamento do imposto, pelo que deve ser negado provimento ao pedido de restituição do imposto devidamente pago, por não provado», e por outro, que «não se verifica qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.»
IV. SANEAMENTO
O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
V. MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a. FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objeto social a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários – cfr. acordo das partes - ;
B. A Requerente encontra-se registada no cadastro das pessoas coletivas junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com o CAE 68100 - compra e venda de bens imobiliários -; - cfr. acordo das partes - ;
C. A Requerente é proprietária de um acervo de imóveis, nos quais se incluem os prédios urbanos inscritos sob o artigo..., ..., ...sitos da União de Freguesias de..., ..., ... e ..., concelho e distrito de Leiria. – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral - ;
D. A detenção dos imóveis identificados em C. supra configura o substrato das atividades desenvolvidas pela Requerente, sendo os mesmos elementos do processo produtivo desta – cfr. acordo das partes -;
E. Os imóveis identificados em C. supra constituem, todos eles, terrenos para construção cuja potencial afetação é destinada a serviços. – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral - ;
F. A Requerente foi notificada do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) referente ao ano de 2019, incidente sobre os prédios identificados em C. supra, no montante de € 18.608,60 (dezoito mil, seiscentos e oito euros e sessenta cêntimos) – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral -;
G. No dia 28 de dezembro de 2019, a Requerente apresentou, junto do CAAD, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
b. FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS.
1. Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
2. Seleção factual que, no caso em apreço, foi feita a partir das posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, e da prova documental junta aos autos.
3. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.
VI- DO DIREITO
1. Em face das posições assumidas e dos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão a decidir prende-se em saber se o ato de liquidação de AIMI sindicado nos presentes autos padece de vício de ilegalidade, por ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO:
a) em virtude de não ter aplicação sobre a detenção de imóveis no quadro da atividade económica da Requerente, e;
b) subsidiariamente, em virtude de os “terrenos para construção” destinados à edificação de prédios afetos a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros” não se encontrarem abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva do imposto sindicado.
2. Na verdade, e tal como é referido pela Requerente e pela Requerida, as questões a decidir nos presentes autos foram já objeto de análise de diversas decisões arbitrais, de que faremos alusão infra.
3. No entanto, cumpre, desde já, aludir que o presente Tribunal adotará e transportará para o processo em apreciação nestes autos, os fundamentos de direito apresentados na decisão do Tribunal Arbitral Coletivo, proferido no âmbito do processo n.º 685/2017-T, de que o subscritor fez parte, os quais se mostram totalmente adequados e apropriados, face à sua semelhança quanto à matéria em discussão e aos argumentos aduzidos pela Requerente, neste e naquele processo.
4. Entretanto, primeiramente, faremos um breve enquadramento jurídico do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), e depois abordaremos e apreciaremos a posição da Requerente e Requerida no tocante à invocada ilegalidade do ato de liquidação colocado em crise nos presentes autos.
Vejamos,
O ADICIONAL AO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS (AIMI)
1. O Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) foi introduzido no ordenamento jurídico português através da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei de Orçamento do Estado para 2017), a qual entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2017.
2. Na verdade, o AIMI surgiu em substituição da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo na tributação de património imobiliário de valor considerado elevado, e «corresponde, fundamentalmente, a uma necessidade de corrigir deficiências de que sofria o Imposto do Selo Sobre os Prédios Urbanos de Elevado Valor Patrimonial.(…) Trata-se de um tributo que aparentemente pretende ir mais longe, dado que o AIMI contém, na sua estrutura, as bases para a criação de um imposto geral sobre a riqueza imobiliária .»
3. O AIMI surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social, constituindo «receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social»-vide n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI - .
4. O AIMI é, na verdade, «um tributo pessoal sobre a riqueza, mas de âmbito parcelar, porque incide apenas sobre o valor patrimonial tributário de prédios urbanos e, de entre estes, apenas sobre alguns.(…) Em termos jurídicos, a riqueza inclui todos os bens, direito e expetativas jurídicas de que uma determinada pessoa é titular, independentemente dos fins a que estejam afetos e da sua natureza. Para efeitos fiscais os bens que integram a riqueza são aqueles que possuem valor de mercado. »
5. Com efeito, a sua regulamentação foi introduzida no Capítulo XV do Código do IMI, compreendendo os artigos 135.º A a 135.º K do referido diploma. Deste modo,
6. … a incidência subjetiva do AIMI encontra a sua previsão no artigo 135.º A do CIMI, dispondo que:
«1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos.» (negrito nosso)
7. A incidência objetiva do AIMI encontra a sua previsão no artigo 135.º-B, dispondo que:
«1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
3 - Os sujeitos passivos legalmente autorizados ao exercício da atividade de locação financeira não podem repercutir sobre os locatários financeiros, total ou parcialmente, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis quando o valor patrimonial tributário dos imóveis objeto de contrato de locação financeira não exceda a dedução prevista no n.º 2 do artigo 135.º-C.» (negrito nosso)
8. De referir que, em conformidade com o disposto no artigo 135.º-C do CIMI, «[o] valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo», (n.º 1) ao qual será deduzido o montante de € 600.000,00 (seiscentos mil euros) quando o sujeito passivo seja pessoa singular ou uma herança indivisa (n.º 2).
9. Resulta, ainda, com interesse, dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 135.º-F do CIMI, sob a epígrafe “Taxas” que:
«1 - Ao valor tributável determinado nos termos do artigo 135.º-C e após aplicação das deduções aí previstas, quando existam, é aplicada a taxa de 0,4 /prct. às pessoas coletivas e de 0,7 /prct. às pessoas singulares e heranças indivisas.
2 - Ao valor tributável, determinado nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-C, superior a 1 000 000 (euro) e igual ou inferior a 2 000 000 (euro), ou o dobro destes valores quando seja exercida a opção prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D, é aplicada a taxa marginal de 1 /prct., quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
3 - Ao valor tributável, determinado nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-C, superior a 2 000 000 (euro), ou o dobro deste valor quando seja exercida a opção prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D, é aplicada a taxa marginal de 1,5 /prct., quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.»
10. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 135.º-G e do artigo 135.º-H, ambos do CIMI, «[o] adicional ao imposto municipal sobre imóveis é liquidado anualmente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita.» e, o pagamento «é efetuado no mês de setembro do ano a que o mesmo respeita».
11. Depois de determinada a incidência (objetiva e subjetiva), a taxa e demais condições de aplicação do AIMI, vejamos, agora da legalidade ou não do imposto sindicado, no caso em apreço, face aos argumentos tecidos pelas partes e com a respetiva aplicação do Direito.
Ora,
12. Inicia a Requerente a sua tese no sentido da ilegalidade do AIMI colocado em crise, referindo que «o legislador, ao instituir o AIMI, pretendeu criar um efectivo imposto sobre a fortuna imobiliária» (…) «visou assegurar que os prédios afectos a actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”.
13. Com efeito, segundo entende, a Requerente, «resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social».
14. Afere, ainda, a Requerente que, «no seguimento das actividades que desenvolve, é necessariamente proprietária de múltiplos imóveis. Com efeito, (…) tem como objeto social a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários. (…) Assim, a detenção de tais imóveis, (…) configura na sua totalidade o substrato das actividades desenvolvidas pela Requerente. Com efeito, estes imóveis consubstanciam verdadeiros elementos do processo produtivo da actividade da Requerente, destinando-se à prossecução da respectiva actividade e nunca podendo ser comparados com elementos demonstradores da sua riqueza.»
15. Defende a Requerente que a «a detenção de imóveis por uma sociedade destinada à compra e venda de bens imobiliários como no caso em apreço – ainda que em elevado número -não representa uma (acrescida) capacidade contributiva que possa legitimar a aplicação do AIMI; tal como pretende a AT. Pelo contrário, a detenção daqueles imóveis representa, na verdade, o substrato das actividades da Requerente – é inerente, necessária, indispensável à prossecução das mesmas.»
16. Refere, ainda, a Requerente que «[d]o mesmo modo, o artigo 41.º do Código do IMI refere que o coeficiente de afectação “depende do tipo de utilização dos prédios edificados”, contudo, este coeficiente é igualmente utilizado para a determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” – i.e., o tipo de utilização a que é atribuído ao terreno através do licenciamento é relevante para efeitos de IMI, (…). »
17. «Ora, assim sendo, resulta evidente que o AIMI – conforme previsto nos artigos 135.º-A e seguintes do Código do IMI – não poderá jamais incidir sobre os imóveis detidos pela Requerente no âmbito da sua actividade, conquanto que não se encontram verificados os princípios subjacentes à tributação aqui em análise. De facto, tributar estes imóveis significaria tributar directamente uma “actividade económica” – algo que o legislador expressamente pretendeu evitar ao criar o AIMI».
18. Concluindo, no sentido de que «resulta demonstrado que a liquidação de AIMI sub judice, emitida face aos imóveis detidos pela Requerente, afigura-se manifestamente ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo a mesma ser prontamente anulada, com todos os efeitos legais.»
19. Contra-argumenta a Requerida os fundamentos tecidos pela Requerente, mencionando que «a lei clara e inequivocamente estabelece que a incidência do imposto sobre prédios classificados como “habitação”, e isto independentemente da afetação a que este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.»
20. Refere, a Requerida que, «atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência, conclui-se inequivocamente que a sujeição dos prédios classificados como habitacionais na matriz predial à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação, bem como da natureza e especificidades do seu titular.
21. Remata concluindo que « [é] este, pois, o enquadramento em que se moveu o legislador ao traçar a configuração do âmbito de incidência subjstivo e objetivo do AIMI»
22. Ademais, defende, ainda, a Requerida que «(…) apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador optou, expressamente, por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, [a]ssim os prédios que integram o ativo das empresas classificadas na matriz predial como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação.»
23. Ora, está aqui em causa, nos presentes autos, a existência – conforme defende a Requerente – ou não - posição da Requerida - de uma exclusão da incidência subjetiva do AIMI, na qual sejam incluídos os sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social.
Pois, vejamos,
24. Na verdade, e tal como supramencionado, esta matéria já foi ponderada e apreciada pela jurisprudência arbitral, no âmbito, entre outros, dos diversos processos indicados no artigo 33.º da Resposta apresentada pela Requerida, sendo, no entanto, de trazer à colação o exposto no processo n.º 685/2017-T, de cujo Tribunal Arbitral Coletivo aí constituído o subscritor fez parte, nele tendo a respetiva Requerente aduzido precisamente os mesmos argumentos aqui reproduzidos.
25. Assim, acompanhando e, para aqui, transportando os fundamentos de direito apresentados naquele processo arbitral, por integralmente aplicáveis à matéria da exclusão da incidência subjetiva do AIMI, dos sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social, sempre se dirá que:
«(…) a orientação da jurisprudência do CAAD tem sido a de que a tributação opera independentemente da natureza da actividade desenvolvida, podendo, a título de exemplo, consultar-se as seguintes decisões (independentemente da decisão final quanto à procedência ou não do pedido arbitral):
a) relativamente aos Fundos de Investimento Imobiliário – Proc. n.º 664/2017-T e Proc. n.º 686/2017-T;
b) instituições financeiras – Proc. n.º 676/2017-T;
c) instituições de locação financeira – Proc. n.º 696/2017 -T;
d) empresas de construção e urbanização – Proc. n.º 6/2018-T.
A este respeito, escreveu-se no referido processo n.º 664/2017-T que:
“Em todo este contexto, o entendimento segundo o qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpretação.”, concluindo-se que “a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz critérios gerais da hermenêutica jurídica.”.
Também aqui se segue o referido entendimento, notando-se adicionalmente, que a argumentação apresentada pela Requerente claudica em vários dos seus pressupostos.
Assim, não se subscreve o entendimento de que o legislador “ao instituir o AIMI, pretendeu criar um efectivo imposto sobre a fortuna imobiliária” considerando-se antes que o AIMI corresponde na substância à forma, tratando-se de um adicional ao IMI, concretizando o que havia sido o entendimento de alguns, incluindo o Tribunal Constitucional [Acórdão de 24.05.2017, proferido no âmbito do processo n.º 250/2017] , que consideraram que “a verba 28.1 da TGIS se assumiu como uma “taxa complementar de IMI””.
Não se subscrevem igualmente as conclusões da Requerente, segundo as quais o legislador “visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis” bem como que “resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social”.
Com efeito, a este propósito, julga-se que a não afectação das actividades económicas pelo AIMI não foi um propósito último do legislador na criação do AIMI, mas antes um factor considerado pelo mesmo a vários níveis, no desenho do regime legal daquele.
Assim, e em primeira linha, como aponta a Requerente, o legislador excluiu da incidência do AIMI os “prédios urbanos” classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”.
Para além disso, todavia, o legislador criou taxas distintas para pessoas colectivas e para pessoas singulares, incluindo um agravamento nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1.000.000,00, restrito àquelas últimas, o que não poderá deixar de se fundar, senão totalmente, pelo menos em grande parte, na consideração de que os imóveis detidos por pessoas colectivas, por regra, estarão afectos a actividades económicas.
Não se julga de acolher, do mesmo modo, o entendimento de que o legislador reconheceu “que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrativo de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”. Com efeito, e isto será uma realidade notória e, como tal inultrapassável, será inegável que uma pessoa colectiva que detenha imóveis no valor de €100.000.000,00 revela uma capacidade contributiva (na óptica do tributo que nos ocupa), manifestamente superior, a uma outra pessoa colectiva que, com a mesma finalidade, detenha imóveis no valor de €100.000,00.
Por outro lado, e como se referiu já, o AIMI deve ser compreendido e tratado como tal, ou seja, como um adicional ao IMI. Ora, assim sendo, como será, a capacidade contributiva evidenciada pelas pessoas colectivas por intermédio da detenção de imóveis, ainda que afectos à sua actividade produtiva, é precisamente a mesma, quer no que diz respeito à sujeição a AIMI, quer no que diz respeito à sujeição a IMI.»
26. Deste modo, e em conformidade com o acima referido, improcede, nesta parte, o pedido arbitral, no tocante à ilegalidade do ato de liquidação do AIMI atendendo a que não há qualquer exclusão da incidência subjetiva do referido imposto, dos sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social.
27. Defende, ainda, SUBSIDIARIAMENTE, a Requerente que o imposto colocado em crise deverá ser anulado, por ilegal, porquanto «a liquidação sub judice incide sobre imóveis que, pela sua natureza, não se podem encontrar abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva das normas em análise».
28. Entende a Requerente que o AIMI não incide sobre «“terrenos para construção” destinados à edificação de prédios destinados àqueles fins», como é o caso dos autos, face à previsão do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI que dispõe no sentido de que «são excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como ´comerciais, industriais ou para serviços´e ´outros´».
29. Menciona a Requerente que « [e]ntender que os terrenos para construção” destinados, nos termos das respectivas cadernetas prediais, a fins de “comércio, indústria, serviços” ou “outros”, se encontram sujeitos a AIMI -como tem vindo a ser entendido pela At – é manifestamente contrário ao espírito da lei e, de resto, ilegal.»
30. Esclarece a Requerente, quanto a este aspeto que «os terrenos para construção afetos àqueles fitos, não deixam, pelo simples facto de serem “terrenos para construção” de estar destinados ao (futuro) exercício de atividades económicas».
31. Continua a Requerente dizendo que foi «clara a intenção do legislador em excluir do âmbito de aplicação do AIMI os prédios afectos a actividades económicas, o entendimento de que os “terrenos para construção” afectos àqueles mesmos fins não estão incluídos nessa regra de exclusão (…) é contraditório da lei e, de resto, ilegal.»
32. «Com efeito, a sujeição destes “terrenos de construção” ao AIMI provoca uma maior carga fiscal sobre este tipo de prédios urbanos e, consequentemente, não deixará de ter impacto nas actividades económicas que potencialmente serão desenvolvidas nestes imóveis. Aliás, será sempre de dizer que, apenas por mero absurdo, se consideraria compreensível e adequado aos fins visados pelo AIMI a hipótese de, a título de exemplo, a AT tributa um “terreno para construção” com uma utilização potencial de “indústria” e não tributar um prédio (edificado) com a mesma utilização – mesmo que esse imóvel edificado não esteja efetivamente a ser explorado no âmbito de uma actividade económica.»
33. Com efeito, aduz, ainda, a Requerente que «(…) a ratio legis da exclusão inerente e indissociável à incidência objectiva do AIMI (cf. n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI) assenta, afinal, na afectação económica atribuída aos prédios urbanos não habitacionais – i.e., num critério objectivo da afectação do imóvel. Ora, a afectação a “comércio, indústria ou serviços” não é exclusiva dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI – de facto, o legislador prevê que, no âmbito do coeficiente de afetação (Ca) previsto no artigo 41.º deste mesmo compêndio tributário, exista vários tipos de utilização de prédios, incluindo “comércio”, “serviços” e “armazéns e actividade industrial”.»
34. Prossegue referindo que «pretendendo demonstrar como esta metodologia de tributação pode conduzir a situações inaceitáveis – violadores de todos os princípios subjacentes à tributação – vejamos o seguinte exemplo: deverá incidir AIMI sobre um “terreno para construção” que se destina à construção de um hotel, mas não deverá incidir AIMI sobre o hotel já edificado. Porquê? Não se entende qual pode ser o propósito subjacente a esta tributação. A mesma não resulta das normas constantes do Código do IMI, é manifestamente contrária aos princípios que estiveram na génese deste regime e, de resto, atenta contra o princípio da igualdade.»
35. Concluindo, no sentido de que «o acto tributário de AIMI sub judice, ao incidir sobre “terrenos para construção” destinados ao fim de “serviços” está inquinado de manifesta ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo o mesmo ser anulado.»
36. Por seu turno, refuta, a Requerida, os argumentos tecidos pela Requerente, referindo que «a supressão dessa alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação.»
37. Prosseguindo, no sentido de mencionar que «[u]ma vez que na versão final aprovada e que se encontra em vigor foi expressamente estabelecido a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador!»
38. Termina aferindo que «[d]as normas que delimitam a incidência objetiva do AIMI, não resulta a consagração de qualquer condição de exclusão de tributação, designadamente, a afetação de um terreno para construção. Não figurando o critério de afetação de terreno para construção como condição estrutural da divisão dos prédios urbanos pelas várias tipologias, não pode esta espécie de prédio limitar-se por esse potencial, já que se destinam à implantação de estruturas alvo de licenciamento/autorização prévia. Assim ao contrário do alegado pela Requerente não se verifica qualquer ilegalidade no ato de liquidação impugnado o qual foi praticado de acordo com os elementos matriciais declarados pelo sujeito passivo.»
39. Ora, também esta questão foi apreciada no já citado processo n.º 685/2017-T, pelo que, também para aqui se trará à colação os respetivos fundamentos de direito, que terão aproveitamento, pela sua adequação, nos presentes autos.
40. Assim, no que toca a esta matéria, sufragou o processo arbitral acima identificado, que aqui reproduzimos com as devidas adaptações:
«No que concerne a este pedido subsidiário, pretende a Requerente, em suma, o alargamento das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção nestes prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.
No que diz respeito a esta questão, ora apresentada a decisão pela Requerente, a jurisprudência arbitral tem-se dividido.
Assim, por exemplo, a decisão proferida no processo 686/2017-T, concluiu ser de excluir da tributação em sede de AIMI os “terrenos para construção” sem afectação habitacional, ou seja, com fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.
Esta decisão, tendo por base a unidade do sistema jurídico, defende a possibilidade de interpretação extensiva da exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135-B do CIMI, no caso desses autos, relativamente aos prédios urbanos classificados como “para serviços”, “como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios”.
Para o referido Tribunal Arbitral, “Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado….”, seria uma falta de coerência, não aplicar o AIMI a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, tanto mais que o valor dos terrenos é incorporado no valor dos edifícios.
Referiu ainda o mesmo Tribunal que, se assim não decidisse, concluiria pela inconstitucionalidade material da norma que prevê tal tributação.
Já nas decisões proferidas nos processos n.º 676/2017-T e n.º 664/2017-T (o primeiro diz respeito a Fundos de Investimento Imobiliário e o segundo a uma instituição de crédito), decidiram-se desfavoravelmente as pretensões dos aí requerentes, no sentido de afastar a tributação dos “terrenos para construção”, mesmo que a construção prevista seja para fins “comerciais, industriais ou serviços”.
Relativamente à tributação dos terrenos para construção com fins não habitacionais, ambas as referidas decisões convergem, podendo ler-se, na primeira, o seguinte:
“Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica”.
Não se contestando que sob o ponto de vista de política fiscal a solução pudesse ter sido diferente, e ressalvado o muito respeito por outras opiniões, julga-se que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do nº. 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos classificados como “habitacionais” (al. a)) ou como “terrenos para construção” (al. c)).
Abrangidos pela tributação em causa, nos termos da letra da lei, estão todos os prédios urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles, sendo que caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação, pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos nas alíneas a) e c), do nº. 1 do artº. 6º. do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer.
Do mesmo modo, poderia o legislador ter alterado as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do CIMI, por exemplo, sub-dividindo os terrenos para construção consoante os fins a que os mesmos se destinassem, o que não aconteceu.
Relativamente à possibilidade de interpretação extensiva da exclusão consagrada no referido n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, em ordem a abranger os terrenos para construção não destinados a habitação – solução adoptada nas decisões que acolheram pretensões semelhantes à da Requerente, ora em apreço – julga-se, sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, que não será de acolher.
Assim, e desde logo, crê-se que não se verifica a identidade de situações à luz dos critérios juridicamente relevantes, necessária a operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objectiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos, do ponto de vista da teleologia daquela cláusula de exclusão.
De um ponto de vista teleológico, tal cláusula terá subjacente, em primeira linha, o propósito de não onerar com o AIMI os prédios afectos, ou susceptíveis de afectação imediata, a processos produtivos, não se revestindo os terrenos para construção, de tais características, dado que enquanto um prédio construído estará, ou será susceptível de ser imediatamente, afectado a processos produtivos, os terrenos de construção não se encontram em tal situação.
Conforme, de resto, o próprio Tribunal Constitucional já reconheceu, existem diferenças fundamentais e relevantes entre um prédio construído e um terreno para construção.
Nas palavras daquele alto Tribunal [Acórdão de 24.05.2017, proferido no âmbito do processo n.º 250/2017] :
“Para efeitos fiscais, os prédios (...) distinguem-se claramente dos terrenos para construção, nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo a primeira daquelas categorias constituída por edifícios ou construções já existentes (...), enquanto a segunda compõe-se exclusivamente de terrenos para os quais se encontra consolidado por um ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística o direito de construir edifícios destinados àquele ou a outros fins.
Assim, enquanto que os edifícios (...) correspondem a uma edificabilidade real, definitivamente incorporada na esfera jurídica do seu titular, os terrenos para construção correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.
Ou seja, a tributação de prédios (...) incide sobre a realidade existente, sobre coisas corpóreas, ao contrário da tributação de terrenos para construção, que incide sobre direitos de construção, sobre coisas futuras, como aliás evidencia o artigo 45º do CIMI, ao estabelecer que o valor patrimonial destes últimos é determinado exclusivamente pelo volume e a qualidade da edificação a construir no terreno, e não pelas suas características atuais.
Dir-se-á, com acerto, que tanto uns como outros correspondem a património imobiliário (...). E que, pelo seu valor imobiliário, ambos são aptos a traduzir uma certa forma de riqueza. Mas as comparações terminam aí, porque, precisamente, a diferente natureza destes bens não permite fazer equivaler a capacidade contributiva dos respetivos proprietários, atuais ou futuros, apenas com base na sua afetação e no seu valor patrimonial tributário (VPT).”
Efectivamente, os prédios já construídos possuem uma realidade material correspondente à tipologia que lhes cabe. Ou seja, a um prédio construído e licenciado para, ou que tenha como destino normal, o comércio, a indústria ou serviços, corresponderá a uma realidade material adequada a tais finalidades e, para o que interessa, objectivamente distinta de um prédio construído e licenciado, ou com destino normal, para habitação.
Os terrenos para construção, por seu lado, distinguem-se dos restantes terrenos num plano meramente jurídico, ou seja, em função de uma actuação de um ente público (concessão de licença ou autorização, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção - cfr. art.º 6.º/3 e 37.º/3 do CIMI) ou dos proprietários (declaração de finalidade no título aquisitivo; cfr. art.º 6.º/3 do CIMI), às quais a Lei atribui determinados efeitos jurídicos.
Deste modo, em função da apontada diferenciação material, a alteração da afectação de um terreno para construção, do ponto de vista das notas relevantes para a problemática em causa, poderá ser simples, bastando, por exemplo, uma mera declaração no título aquisitivo, a apresentação e admissão de uma comunicação prévia, ou a apresentação e aprovação de um pedido de informação prévia.
Já a alteração da finalidade de um edifício construído, de habitação para comércio/indústria/serviços, ou vice-versa, implicará, sob um ponto de vista da normalidade, a realização de obras mais ou menos profundas (e necessários licenciamentos).
Acresce ainda que um prédio construído tem incorporado um valor significativo correspondente à construção, que, mesmo nos casos em que não esteja concretamente afectado à utilização intendida, constituirá um incentivo natural à sua exploração económica uma vez que, sempre de um ponto de vista da normalidade, um imóvel construído não só não gerará rendimentos, como se desvalorizará (em função da sua degradação) pela sua não utilização.
Já um terreno para construção, não só não incorpora, de per si, qualquer incentivo natural para a sua edificação e subsequente afectação a uma actividade produtiva, como, também de um ponto de vista de normalidade, poderá ocorrer precisamente o contrário, ou seja, em função de determinadas condições de mercado que criem expectativas de ganhos meramente especulativos, poderão existir incentivos para os respectivos proprietários manterem a sua condição de terrenos não edificados.
A este propósito, a Requerente afirma a sujeição dos terrenos para construção em causa ao AIMI “provoca uma maior carga fiscal sobre este tipo de prédios urbanos e, consequentemente, não deixará de ter impacto nas actividades económicas que potencialmente serão desenvolvidas nestes imóveis”.
Ora, à luz da teleologia surpreendida à norma interpretada, atrás exposta, o certo é que tal impacto até poderá ser positivo, na medida em que a tributação dos terrenos para construção poderá constituir um incentivo à sua edificação, acelerando-se, assim, a efectiva utilização dos imóveis em actividades produtivas.
Tudo o que se expôs, julga-se, justificará uma distinção de tratamento, em linha com o regime legalmente consagrado, e em contralinha com a extensão da cláusula de não sujeição objectiva por via da extensão interpretativa.
*
Não obstante, sempre se acrescerá que uma compreensão abrangente do AIMI no quadro do regime do IMI, apontará, justamente, no sentido do real propósito do legislador sujeitar ao primeiro todos os terrenos para construção, e não meramente os destinados a habitação.
Senão vejamos.
No desenho do AIMI, e na sequência do que foi a evolução da tributação em sede da verba 28.1 do CIS, o legislador deixou bem claro (por força, desde logo da nomenclatura e sistemática da tributação criada, bem como da remissão expressa para a normação do IMI relevante) a sua intenção de que as categorias relevantes para a tributação em questão se delineassem de acordo com os critérios próprios do CIMI.
E, nos termos deste Código, os terrenos - que é a categoria que agora nos ocupa - podem integrar as categorias de:
a) rústicos; ou
b) urbanos;
i) "para construção" de edifícios destinados a habitação, comércio, serviços ou indústria;
ii) destinados a "outros" fins.
O legislador, no regime do AIMI criado, excluiu da sujeição àquele os terrenos qualificados como "rústicos", por via da sujeição exclusiva dos prédios urbanos no n.º 1 do artigo 135.º-A, e os terrenos qualificados como "urbanos" destinados a "outros" fins, por via da cláusula de exclusão do n.º 2 daquele referido artigo, sendo que a não exclusão dos terrenos "para construção" de edifícios com determinados destinos (designadamente comércio, serviços ou indústria), não se pode deixar de considerar suficientemente fundada em considerações de ordem material, como se viu já.
*
Por fim, não poderá deixar de se considerar relevante nesta matéria, que o STA tem entendido que para a determinação do VPT dos terrenos para construção é irrelevante a afectação da construção projectada.
Assim, no Ac. do STA de 20-04-2016, proferido no processo 0824/15 , considerou-se que:
"Decorre desta norma que a fórmula acima transcrita apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados, ou seja, àqueles que já edificados são para habitação, comércio, indústria e serviços.
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.".
E, mais adiante, no mesmo aresto:
"Mas tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios uma regra específica – a constante do artigo 45 onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42. Tendo em conta o projecto de construção aprovado e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I.
O que significa que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38 do CIMI.
E sendo assim os coeficientes de afectação e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir também não podem nem devem ser tidos em conta nessa avaliação.
Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados."
O referido entendimento foi sancionado por acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA de 21-09-2016, proferido no processo 01083/13 , em cujo sumário se sintetiza que:
"III - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
IV - O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
V - O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto."
Deste modo, conclui-se que em sede de aferição do VPT no quadro do CIMI não releva o destino da construção projectada nos "terrenos para construção", não se distinguindo, do ponto de vista da tributação patrimonial e, consequentemente, da evidenciação da capacidade contributiva, os terrenos para construção de edifícios de habitação, dos terrenos para construção de edifícios de comércio, indústria ou serviços.
Pelo contrário, e em função da aplicação do coeficiente de afectação consagrado no artigo 41.º do CIMI, nos edifícios construídos, a destinação dos edifícios repercute-se no valor patrimonial, e consequentemente na capacidade contributiva, considerada para efeitos de tributação.
Em sede de AIMI, face ao quanto já se expôs quanto à natureza desta tributação (enquanto adicional ao IMI), não existirão justificações para divergir de tal critério, ou seja, para considerar que a detenção de "terrenos para construção" com edifícios projectados de finalidades distintas, sinalize diferentes capacidades contributivas.
Tendo em conta o quanto se expôs, considerando-se não ser de proceder ao alargamento, por via da interpretação extensiva, das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção aí prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”, deverá improceder, também este pedido arbitral.»
41. Embora não arguindo diretamente a inconstitucionalidade do regime legal do AIMI, a verdade é que, a Requerente assaca o vício de ilegalidade à tributação de AIMI sindicada nos presentes autos por ser «manifestamente contrária aos princípios que estiveram na génese deste regime e, de resto, atenta contra o princípio da igualdade»,
42. Com efeito, e na sequência deste mero afloramento à violação dos princípios constitucionais, e porque o processo arbitral n.º 685/2017-T expõe de forma clara e lúcida a razão pela qual a tributação do AIMI sobre terrenos para construção destinado ao fim de serviços não afronta qualquer princípio constitucional,
43. …uma vez mais, traremos à colação, o ali dito, explicado e clarificado quanto a esta matéria, o que se faz do seguinte modo:
«Também a título subsidiário, entende a Requerente que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, (…), porquanto, no seu entender, o regime legal do AIMI, em concreto os respectivos artigos 135.º-A e 135.º-B, ambos do Código do IMI, e a tributação resultante do mesmo, promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes (…)”.
(…)
Nesta matéria, a Requerente repete em grande parte argumentos anteriormente apresentados.
Assim, volta a Requerente a considerar “evidente que, ao instituir o AIMI, o legislador pretendeu tributar os prédios com fins habitacionais, enquanto efectivas manifestações de riqueza” e que “foi clara a intenção do legislador de excluir do âmbito de aplicação do AIMI todos os prédios afectos a actividades económicas”, o que, como se viu já, não se subscreve.
Interroga, também, a Requerente sobre “se os “prédios comerciais, industriais ou para serviços” e os “prédios outros” estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação do AIMI – porque afectos a actividades económicas, as quais o legislador não quis onerar, – como podem incluir-se naquele âmbito os “terrenos para construção” afectos àqueles mesmos fins?”.
A resposta a tal questão, como também se viu já, vai no sentido de existir uma diferença substancial entre os terrenos para construção e os edifícios já construídos, sendo que estes são susceptíveis de estar, ou de serem imediatamente afectados, às actividades a que se destinam, ao contrário daqueles.
Deste modo, ao contrário da Requerente, não se crê que “Ao fazer aquela distinção – além de atentar contra o espírito da lei, acima já demonstrado – estaríamos a distinguir realidades que não podem ser distinguidas para este efeito: por um lado, i) prédios comerciais, industriais, para serviços ou outros já edificados e por outro, ii) terrenos para construção com destino a comércio, indústria, serviços ou outros.”, não se verificando a arguida violação do princípio da igualdade.»
44. Face a tudo o acima exposto, improcede, também, nesta parte o pedido de pronúncia arbitral relativo à ilegalidade do ato tributário sindicado, por falta de incidência objetiva do AIMI, no que respeita a “terrenos para construção” destinos à construção de edifícios a afetar a fins “comerciais, industriais ou serviços”.
45. Nestes termos, fica prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso e de pagamento dos juros indemnizatórios.
VII. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2019..., de 30.06.2019, com referência ao ano de 2019, no montante de € 18.608,60 (dezoito mil, seiscentos e oito euros e sessenta cêntimos), e a sua consequente manutenção na ordem jurídica.
VIII. VALOR DO PROCESSO:
Fixa-se o valor do processo em € 18.608,60 (dezoito mil, seiscentos e oito euros e sessenta cêntimos)), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IX. CUSTAS:
Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros).
Notifique-se.
Lisboa, 19 de agosto de 2020.
O Árbitro
(Jorge Carita)