DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.ºs 2018..., 2018... e 2018..., por referência ao exercício de 2014, pelos quais se apurou um montante total a pagar no valor de € 194.093,65, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária pelo pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é um sujeito passivo de IVA e no âmbito da sua atividade realiza diversas transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da União Europeia, nomeadamente para a Suíça.
No seguimento de uma reestruturação do Grupo B..., no decurso do ano de 2012, foi concretizada uma fusão, entre a Requerente (então denominada de “C..., S.A.”) e a D..., S.A., no âmbito da qual a Requerente passou a deter uma unidade de negócio (denominada de “D...”) dedicada à investigação e ao desenvolvimento de produtos provenientes da transformação de matérias plásticas, nomeadamente em projetos referentes a “válvulas de irrigação”.
Em 23 de abril de 2014, foi celebrado um contrato, nos termos do qual a Requerente transmitiu à E..., S.A. (E...) a referida unidade de negócio pelo montante de € 700.000,00, tendo assumido as partes intervenientes que o projeto “D...” correspondia a uma unidade de negócio independente que poderia, sem qualquer limitação concorrencial, ser desenvolvido e comercializado pela E... .
Posteriormente, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, incidente sobre o exercício de 2014, em que se propuseram as seguintes correções: a) em relação à prestação de serviços à F..., S.A., com sede na Suíça, a Requerente não exibiu os documentos comprovativos da expedição ou transporte dos bens para fora da Comunidade, de que depende a isenção nas exportações a que se refere o artigo 14.º do CIVA, havendo lugar à liquidação de imposto, com referência aos períodos de 2014 09 e 2014 11, nos montantes de € 1.495,00 e € 2.451,80; b) o contrato celebrado entre a Requerente e a E... não implicou a transferência de um conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica independente, mas tão-somente a alienação de um conjunto de ativos inoperantes, não se encontrando demonstrada a aplicação do regime de exceção para a transmissão de bens previsto no artigo 3.º, n.º 4, do CIVA, pelo que se apurou, com referência ao período de tributação 2014 04, IVA em falta no montante de 161.000,00.
Relativamente ao primeiro aspecto mencionado, a Requerente tomou a iniciativa, ainda no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, de proceder à emissão de documentos rectificativos das facturas inicialmente emitidas e à emissão de novas facturas, com liquidação de IVA, o que não obstou a que a Autoridade Tributária tivesse mantido a correcção, por considerar que não foi efectuada nenhuma declaração de substituição e havia ainda imposto em falta relativamente aos períodos de tributação considerados.
Neste contexto, considera a Requerente que ocorre uma situação de duplicação de colecta, em violação do disposto no artigo 205.º do CPPT, uma vez que, independentemente de serem devidos juros compensatórios, o imposto foi efectivamente entregue ao Estado.
Quanto à segunda correcção, a Autoridade Tributária entende que a transferência da globalidade dos ativos respeitantes à "D..." não constitui uma transmissão de unidade de negócio passível de beneficiar do regime de exclusão de tributação em IVA estabelecido no n.º 4 do artigo 3.º do Código deste imposto, porquanto a "D..." não era suscetível de prosseguir uma atividade económica independente e a E..., enquanto entidade adquirente, não teve intenção de prosseguir uma atividade económica com esse conjunto de ativos.
No entanto, a unidade de negócio transmitida, embora constituísse um projecto em desenvolvimento, era viável, havendo a possibilidade real de comercialização das “válvulas de irrigação”, pelo que, à data da transmissão, possuía os elementos necessários à prossecução de uma atividade económica autónoma.
E, por outro lado, no momento da transmissão – que é o relevante para aferir da verificação dos requisitos a que se refere o artigo 3.º, n.º 4, do CIVA - era intenção da E... utilizar a unidade de negócio adquirida para prosseguimento de uma atividade económica, sendo irrelevante que a adquirente, em 1 de Fevereiro de 2015 – e, portanto, já posteriormente à transmissão – tivesse alugado uma parte dos ativos da unidade de negócio a terceiros.
Sendo que é à Autoridade Tributária que cabe o ónus da prova de que a referida unidade de negócio não era – à data da transmissão - suscetível de desenvolver uma atividade económica.
Acresce que a Autoridade Tributária, na Informação Vinculativa n.º P14188, de 23 de janeiro de 2019, afirma que "para haver uma transferência do estabelecimento (...) é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma", criando no espírito da Requerente a confiança legítima de que a excepção à tributação em IVA, na situação do caso, correspondia ao entendimento jurídico da Autoridade Tributária.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, relativamente ao imposto devido pela prestação de serviços à F..., S.A., sustenta que a rectificação feita por iniciativa da Requerente respeita ao período 2018.10 e não corresponde ao período em que foi detectado o imposto em falta, pelo que a regularização apenas poderia ser efectuada nos termos do n.º 3 do artigo 78° do CIVA, ou seja, até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, não ocorrendo, por isso, uma duplicação de colecta, visto que continua por cumprir a obrigação tributária dos períodos 2014/09 e 2014/11, verificando-se, quando muito, um erro na declaração periódica de 2018.10, que não deveria reflectir o imposto a pagar em 2014.
Quanto à exclusão de tributação em IVA para a transmissão de unidade de negócio, a Autoridade Tributária considera que a D..., na data da transmissão, não era um projecto viável, e não tinha produção, nem clientela ou trabalhadores, e o que foi transmitido foi um conjunto de bens que não constituíam uma unidade funcional e que não foi adquirido com o objectivo de constituir um ramo de actividade ou retomar uma actividade anteriormente existente, tratando-se de um projecto abandonado que a adquirente não pretendia nem tinha condições em retomar.
Sendo que para que a transmissão onerosa se encontre excluída de tributação não basta que se transmita o "aviamento" ou a diferença entre o "custo de aquisição e o justo valor dos activos e passivos identificáveis", sendo necessário que "aquilo que se transmite" seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente.
Conclui pela improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção da prova testemunhal arrolada pela Requerente, e fixado prazo para as partes apresentarem alegações escritas facultativas.
Em alegações, as partes procuraram fixar a matéria de facto em face da prova documental e testemunhal produzida e, quanto à matéria de direito, reiteraram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 2 de Janeiro de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Por virtude da suspensão dos prazos processuais e do agendamento de diligências presenciais, no âmbito das medidas excepcionais de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus, foi necessário prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) Requerente é um sujeito passivo de IVA que se encontra enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, encontrando-se registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas para o exercício da atividade de fabricação de outros artigos de plástico (CAE 22292-R3) (Documento n.º 1 junto ao pedido);
B) Em 2012, no âmbito de uma reestruturação do Grupo B..., ocorreu uma fusão, entre a Requerente (anteriormente denominada “C..., S.A.”) e a D..., S.A., pela qual a Requerente passou a deter uma unidade de negócio (denominada de “D...”) dedicada à investigação e ao desenvolvimento de produtos provenientes da transformação de matérias plásticas, nomeadamente em projetos referentes a “válvulas de irrigação” (Documento n.º 2);
C) As “válvulas de irrigação” foram desenvolvidas pela D..., com o apoio de fundos de investigação (QREN), que originou o registo da patente europeia n.º ... e da patente brasileira n.º PI ...(Documento n.º 3);
D) Por contrato celebrado em 23 de abril de 2014, a C... transmitiu à E..., S.A. ("E..."), a unidade de negócio “D...”, incluindo os activos e direitos que no património da C...formam a unidade de investigação e de desenvolvimento de novos produtos para a indústria de plásticos denominada «D...» (Documento n.º 4);
E) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributário externo, incidente sobre o exercício de 2014, e que teve início em 12 de Junho de 2018;
F) Pelo ofício n.º..., de 25 de setembro de 2018, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, nos termos do qual se propunham, na parte que interessa considerar, as seguintes correções:
a) Relativamente a prestação de serviços à F..., S.A., com sede na Suíça, titulada pelas facturas n.º 11/0673, de 29-09-2014, no valor de € 6500,00, n.º 11/0791, de 10-11-2014, no valor de € 2.660,00, e n.º 11/0792, de 10-11-2014, no valor de € 8.000,00, a Autoridade Tributária considerou que não era aplicável a isenção nas exportações prevista no artigo 14.º do Código do IVA por não terem sido exibido os documentos alfandegários apropriados, comprovativos da expedição ou transporte dos bens para fora da Comunidade, apurando imposto em falta nos montantes de € 1.495,00, € 611,80 e € 2.451,800 assim com referência aos períodos de 2014 09 e 2014 11;
b) Relativamente à transmissão a título oneroso da D..., a Autoridade Tributária considerou que o contrato celebrado entre a Requerente e a E... "não consiste na transferência de um conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica independente, mas tão-somente a alienação de um conjunto de ativos inoperantes", termos em que concluiu que se encontrava "demonstrada a não aplicabilidade do regime de exceção previsto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, havendo lugar ao pagamento do IVA em falta, com referência ao período de tributação 2014/04, no montante de 161.000,00" (documento n.º 6);
G) No dia 10 de Outubro de 2018, ainda no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, a Requerente procedeu à emissão de facturas rectificativas relativas à prestação de serviços à F..., S. A. Suíça), nos seguintes termos (documento n.º 7):
Prestação de serviços –F..., S.A. (Suíça)
Documento contabilístico Montante IVA (23%)
Fatura original n.º 11/0679 € 6.500,00 € 0,00
Nota de Crédito n.º NC 2018A12/44 - € 6.500,00 € 0,00
Fatura retificativa n.º FT 2018A11/1100 € 6.500,00 € 1.495,00
Fatura original n.º 11/0791 € 2.660,00 € 0,00
Nota de Crédito n.º NC 2018A12/45 - € 2.660,00 € 0,00
Fatura retificada n.º FT 2018A11/1101 € 2.660,00 € 611,80
Fatura original n.º 11/0792 € 8.000,00 € 0,00
Nota de Crédito n.º NC 2018A12/46 - € 8.000,00 € 0,00
Fatura retificada n.º FT 2018A11/1102 € 8.000,00 € 1.840, 00
H) Em 6 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período de tributação 2018/10 (documento n.º 8);
I) Pelo ofício n.º..., de 16 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção, que manteve as correções aritméticas, em sede de IVA, com referência aos períodos de 2014/09 e 2014/11, apurando imposto em falta nos montantes de € 1.495,00, € 611,80 e € 2.451,80, decorrente da prestação de serviços à F..., S.A., com sede na Suíça, por não terem sido apresentados os documentos alfandegárioos apropriado para a expedição de bens para for a da União Europeia, e, com referência ao período de 2014 04, IVA, no montante de 161.000,00", por não ter sido liquidado o imposto devido pela transmissão a título oneroso da “D ...” (Documento n.º 9);
J) O Relatório de Inspecção Tributária fundamenta-se nas seguintes considerações:
III.2.2. Isenções nas exportações e operações assimiladas - Falta de prova de expedição ou transporte dos bens para fora da Comunidade.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, “Estão isentas de imposto: (...) c) As prestações de serviços que consistam em trabalhos realizados sobre bens móveis, adquiridos ou importados para serem objeto de tais trabalhos em território nacional e em seguida expedidos ou transportados para fora da Comunidade por quem os prestou, pelo seu destinatário não estabelecidos em território nacional ou por um terceiro por conta destes;” (negrito nosso).
Nos termos do n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA, “As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n. º1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.” - (negrito nosso).
Referindo o n.º 9 desse mesmo artigo que, “A falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.” (negrito nosso).
Importa transcrevermos estas normas porquanto, conforme verificamos, embora tenha invocado o artigo 14.º do CIVA para justificar a não liquidação do imposto devido com referência a serviços de modificação / retificação de moldes executados em território nacional, faturados ao cliente suíço, F... SA, conforme faturas abaixo discriminadas, o sujeito passivo inspecionado não nos exibiu os respetivos documentos de prova – documentos alfandegários apropriados – indispensáveis à aferição da isenção.
Estando a isenção condicionada à existência da prova, nomeadamente, dos documentos alfandegários apropriados, comprovativos da expedição ou transporte dos bens para fora da Comunidade, perante a falta da prova, por força do disposto nos n.º 8 e 9 do artigo 29.º do CIVA, conforme quadros resumo abaixo apresentados, apura-se com referência aos períodos de 2014 09 e 2014 11 imposto em falta (não liquidado e consequentemente não entregue) nos montantes de € 1.495,00 e € 2.451,80, respetivamente.
TRABALHOS REALIZADOS SOBRE BENS MÓVEIS CORPÓREOS – ISENÇÕES NÃO COMPROVADAS
CLIENTE: F... SA - SUIÇA
DOCUMENTO DATA BASE INCIDÊNCIA IMPOSTO LIQUIDADO VALOR TOTAL
29.09.2014 ????? 900070 FATURA C.N. 11/0673 29.09.2014 6.500,00 0,00 6.500,00
10.11.2014 ???? 11000027 FATURA C.N. 11/0791 10.11.2014 2.660,00 0,00 2.660,00
10.11.2014 ????’ 11000023 FATURA C.N. 11/0792 10.11.2014 8.000,00 0,00 8.000,00
17.160,00
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS – INSENÇÕES NÃO COMPROVADAS – AL C) N.º 1 ART. 14.º CIVA; N.º B e ART. 29º CIVA
APURAMENTO DO IMPOSTO EM FALTA
DOCUMENTO DATA BASE DE INCIDÊNCIA TAXA DE IMPOSTO IMPOSTO EM FALTA DATA LIMIE DE ENTREGA
FATURA C.N. 11/0673 29.09.2014 6.500,00 23% 1.495,00 10.11.2014
TOTAL 2014 09 6.500,00 1.495,00
FATURA C.N. 11/0791 10.11.2014 2.660,00 23% 611,80 10.01.2015
FATURA C.N. 11/0792 10.11.2014 8.000,00 23% 1.840,00
TOTAL 2014 11 10.660,00 2.451,80
III.2.3. Cessões a título oneroso ou gratuito de estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele - Falta de liquidação de imposto
III.2.3.1. Considerações gerais
Para facilitar a perceção dos factos em apreço impõe-se tecermos algumas considerações sobre o normativo legal aplicável.
Tendo o regime aplicável sido objeto de análises anteriores e constar de fichas doutrinárias e informações vinculativas publicadas, para este efeito, opta-se por transcrevermos o entendimento vertido em informação vinculativa - Processo n.º 6691, sancionado por despacho de 2014-05-16, do SDG do IVA, por delegação do Diretor Geral da Autoridade Tributaria e Aduaneira - AT, (disponível em http://www.portaldasfinancas.gov.pt) que sobre a matéria, nos seus pontos 15. a 30. refere:
“15. O artigo 19.º primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, usualmente designada por Diretiva IVA, concede a possibilidade aos Estados membros de estabelecerem que a transmissão de uma universalidade de bens ou parte dela não é considerada uma transmissão de bens.
16. Daqui resulta que, quando um Estado membro tenha feito uso desta faculdade, aquela transmissão não é considerada uma transmissão para efeitos da Diretiva e, consequentemente, não é sujeita a imposto.
17. Ao abrigo do segundo parágrafo da mesma disposição, e a fim de evitar distorções de concorrência, os Estados membros podem excluir da aplicação desta regra de não sujeição as transmissões de uma universalidade de bens a um adquirente que não seja considerado sujeito passivo nos termos da Diretiva ou que apenas atua como tal em relação a uma parte das suas atividades.
18. Por sua vez, o artigo 29.º da Diretiva IVA manda aplicar o disposto no seu artigo 19.º nas mesmas condições, às prestações de serviços.
19. O concerto de “transferência de uma universalidade de bens ou porte dela” já foi interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão proferido, em 27 de novembro de 2003, no Processo C-497/01 (caso Zita Modes Sarl contra Administration de L'enregistrement et des domaines) no sentido de que abrange “a transmissão do estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma empresa que inclui elementos corpóreos e, se for o caso, incorpóreos que, em conjunto, constituem uma empresa ou parte de uma empresa que pode prosseguir uma atividade económica autónoma, mas que não abrange a simples cessão de bens como a venda de stock de produtos.”
20. Como resulta das conclusões do Advogado-Geral do citado acórdão, o conceito da “«parte de umo universalidade de bens»” não se refere a um ou mais elementos singulares que compõem o estabelecimento como um todo, mas sim a uma combinação deles que seja suficiente para permitir o exercício de uma atividade económica, mesmo que esto atividade seja apenas um ramo de atividade dade mais ampla de que esta tenha sido destacada.”
21. Este dispositivo de simplificação visa permitir aos Estados membros facilitar as transmissões de empresas ou de partes de empresas, evitando sobrecarregar a tesouraria do adquirente através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, ele viria a recuperar através da dedução do IVA pago a montante.
22. Conforme referiu, ainda, o Advogado-geral nas suas conclusões, este tratamento especial justifica-se especialmente “porque o montante do IVA a ser adiantado por efeito da transmissão pode ser particularmente importante relativamente aos recurses do estabelecimento em questão.”
23. O Código do IVA acolheu a faculdade conferida, à data, pelo artigo 8.º n.º 5 da Sexta Diretiva, prevendo no artigo 3.º n.º 4 do Código do IVA (doravante também designado CIVA) que “(n)ão são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) ao n.º 1 do artigo 2.º”.77
24. O artigo 3.º n.º 5 do mesmo Código esclarece que “(p}ara efeitos do numero anterior (n.º 4 do artigo 3,º), a administração fiscal adota as medidos regulamentares adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução, quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas.”
25. E o artigo 4.º n.º 5 do Código do IVA prevê, também, que o “disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 3.º é aplicável, em idênticas condições, às prestações de serviços”.
26. O artigo 3.º n.º 4 do CIVA, traduz-se, portanto, numa delimitação negativa da incidência do imposto, que abrange as cessões a título definitivo da totalidade de um património, que poderão englobar quer a cedência de elementos corpóreos quer de incorpóreos, recorrendo, para estes, à aplicação, em simultâneo, do disposto no n.º 5 do artigo 4.º, o qual manda aplicar, “em idênticas condições”, às prestações de serviços o disposto naquele artigo, na medida em que a cedência de direitos consubstancia uma prestação de serviços, nos termos do Código do IVA, por força do conceito de “transmissão de bens” prevista no artigo 3.º n.º 1 do CIVA e do caráter residual do conceito de prestação de serviços previsto no artigo 4.º
27. As disposições do n.º 4 do artigo 3.º e n.º 5 do artigo 4.º supra identificadas consagram, deste modo, um regime excecional dentro da mecânica do imposto sobre o valor acrescentado, consubstanciando medidas de simplificação, cujo objetivo é não criar obstáculos a transmissão de realidades empresariais no seu todo ou, pelo menos, dos seus elementos destacáveis como unidades independentes (p. ex.: trespasse de estabelecimento comercial, transformação de uma exploração individual em sociedade ou a operação inversa, fusão, cisão ou transformação de sociedades).
28. A existência desta norma tem como fundamento, quer a continuidade do exercício da atividade transferida, quer a irrelevância que a tributação dessa transmissão teria ao nível da economia do imposto, isto é, sendo o adquirente um "sucessor" do transmitente o imposto que viesse a ser liquidado conferiria ao primeiro, nos termos do artigo 19.º e seguintes do CIVA, direito à dedução, sendo o resultado equivalente ao que se consegue com esta norma de exclusão de tributação.
29. No entanto, apenas esta em condições de beneficiar da não sujeição a imposto a transmissão de um todo, ou parte de um todo, que constitua de per si uma atividade de negócio autónoma e independente, que reúna os elementos indispensáveis ao desenvolvimento dessa atividade por parte do adquirente, sendo assim possível, numa ótica de continuidade, manter e desenvolver a atividade subjacente a unidade alienada.
30. Neste contexto e tendo presente a letra da lei, considera-se que uma operação e enquadrável no âmbito da citada norma de delimitação negativa da incidência do imposto, se se verificarem, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
(i) Existência de uma cessão a título definitivo;
(ii) O objeto da transmissão consistir num conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica independente;
(iii) O adquirente ser ou vir a ser sujeito passivo de imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que tenha a intenção de explorar o estabelecimento ou parte de património e não simplesmente liquidar a atividade ou vender os stocks, conforme resulta da parte final do ponto 1) da Parte Decisória do citado acórdão Zita Modes.”
De realçar que o regime em apreço foi também objeto de analise num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de maio de 2010, proferido no Processo n.º 036/10, relatado pela Juíza Conselheira Isabel Marques da Silva (disponível http://www.dqsi.pt), tendo sido objeto das seguintes considerações:
“1 - A exclusão do conceito de “transmissão de bens” para efeitos de IVA das “cessões a titulo oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente”, constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, corresponde a utilização por parte do legislador nacional da faculdade que lhe foi conferida pelo n.º 8 do artigo 5.º da Sexta Diretiva do Conselho de 17 de Maio de 1977 (Diretiva 77/388/CEE), nos termos da qual “Os Estados-membros podem considerar que a transferência a titulo oneroso ou a titulo gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. (…)”.
2 - A norma comunitária pretendeu conferir aos Estados-Membros a possibilidade de estabelecerem “uma simplificação de procedimentos” e bem assim a de lhes permitir “evitar sobrecarregar as tesourarias das empresas”, estando este segundo objetivo relacionado “com a intenção de não agravar o esforço financeiro das empresas que pretendem iniciar uma atividade comercial ou industrial, ou expandir ou renovar a que vêm já exercendo, obrigando-as nesses momento ao dispêndio de um montante avultado de IVA, o qual, em principio, iria posteriormente ser objeto de dedução a seu favor”.
3 – Daí que a norma comunitária refira expressamente que, nesses casos, o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente, alocução que, não implicando necessariamente a identidade de ramos de atividade exercidas por este e por aquele (como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de esclarecer no seu Acórdão de 27 de Novembro de 2003, processo n.º C- 497/01), parece ter implícito o entendimento, sob pena de frustração da ratio da norma em causa (e a daquelas que nos ordenamentos dos Estados-Membros concretizaram aquela faculdade), de que a exclusão só se verifica se o adquirente ou vier o ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto, sendo necessário que o adquirente continue o exercer mesma atividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, numa relação de sequência continua e sem interrupções.”
III.2.3.2. Caso concreto
Importa fazermos o enquadramento da matéria, porquanto, conforme verificámos e demonstraremos, infringindo o disposto nos n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, o sujeito passivo inspecionado não liquidou o imposto que se mostra devido com referência transmissão onerosa de bens realizada em 2014, titulada pela fatura C n.º 11/0315, datada de 23104/2014, no valor total de € 700.000,00, que, conforme demonstraremos, contrariamente ao indicado na fatura - IVA: ISENTO - do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA - ver documento em anexo 3, não beneficia do regime excecional (regra de não sujeição) previsto naquele normativo legal.
Conforme consta do correspondente Contrato, datado de 24/04/2014, celebrado entre as sociedades C..., SA (adiante designada por C...), que outorga na qualidade de transmitente, e E..., SA, NIPC..., (adiante designada por E...), que outorga na qualidade de adquirente, cuja cópia juntamos ao presente relatório de inspeção tributária, em anexo 4, dele ficando a fazer parte integrante,
“(...) 1. Pelo presente contrato, a C... transmite à E..., e esta adquire aquela:
a) Os ativos e direitos que no património da E... formam a unidade de investigação e de desenvolvimento de novos produtos para a indústria de plásticos denominada “D ...” os quais se encontram listados no Anexo I ao presente Contrato;
b) A posição contratual da C... no contrato de prestação de serviços relacionados com a unidade D... celebrado com a G..., de que se junta cópia como anexo II ao presente Contrato;
c) A posição contratual da C... no contrato de seguro celebrado com a H..., SA, a que corresponde a apólice n.º ...
d) A posição da C... como requerente no processo de licenciamento industrial DRE-C ... de 30.03.2007 referente à Unidade D..., adiante conjuntamente designados por “Unidade D...”. (…)”
Conforme explicámos no ponto anterior, em sede de considerações gerais, “(....) apenas está em condições de beneficiar da não sujeição a imposto a transmissão de um todo, ou parte de um todo, que constitua de por si uma atividade de negócio autónoma e independente, que reúna os elementos indispensáveis ao desenvolvimento dessa atividade por parte do adquirente, sendo assim possível, numa ótica de continuidade, manter e desenvolver a atividade subjacente à unidade alienada.”
30. Neste contexto e tendo presente a tetra da lei, considera-se que uma operação enquadrável no âmbito da citada norma de delimitação negativa da incidência do imposto, se se verificarem, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
(i) Existência de uma cessão a título definitivo;
(ii) O objeto da transmissão consistir num conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica independente;” e
(iii) O adquirente ser ou vir a ser sujeito passivo de imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que tenha a intenção de explorar o estabelecimento ou parle de património e não simplesmente liquidar a atividade ou vender os stocks, conforme resulta da parte final do ponto 1) da Parte Decisória do citado acórdão Zita Modes.”
Foquemo-nos na aferição do segundo pressuposto - o objeto da transmissão consistir num conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica independente, que, conforme demonstraremos e desde já afirmamos, não esta verificado.
Vejamos, conforme consta da carta da sociedade D..., SA, NIPC..., datada de 24/06/2010, remetida ao IAPMEI/QREN, no âmbito do Projeto n.º ... – D..., SA - AAC n.º 02/2008 - SI Qualificação e Internacionalização de PME (Portaria n.º 1463/2007 de 15 de novembro) - ver anexo 5, documento disponibilizado à Autoridade Tributaria e Aduaneira - AT, no âmbito do procedimento de inspeção externa realizado àquela sociedade, em janeiro de 2013, ao abrigo das Ordens de serviço n.º Ol2012... e O12012..., ambas de 14/11/2012, que consta do respetivo Processo de Evidência de Trabalho:
“D..., SA é uma star-up, fundada em Maio de 2006 e atualmente incubada na incubadora G... . No decurso destes quatro anos de atividade a empresa tem vindo a investigar e desenvolver o seu produto, bem como o processo de fabrico, com o objetivo de se posicionar no mercado com uma oferta diferenciada e inovadora, quer em termos de processo, quer em termos de produto.
Neste contexto, em 2008, a D..., SA procedeu ao pedido de patente do produto, ou seja, uma válvula monobloco de esfera em plástico termoplástico direcionada sobretudo para os sectores da construção e da agricultura. A integração nesta válvula de um conjunto de características inovadoras, como o design, a dimensão, o peso, a resistência e a facilidade de utilização, tornam-na (mica e bastante competitiva no mercado desta tipologia de produto.
A complexidade associada ao desenvolvimento deste produto, bem coma o processo de produção que é igualmente inovador e bastante exigente, condicionou a capacidade de colocar o produto no mercado no período inicialmente previsto. Ao nível do processo verificaram-se dificuldades na sua automatização, resultado do considerável número de moldes e equipamentos de injeção que tem que ser sincronizados em uníssono. Consequentemente, houve a necessidade de realizar sistematicamente ajustamentos e alterações aos moldes e por sua vez afinações no sistema robotizado.
A definição dos matérias mais adequados ao produto veto a revelar-se, um dos aspetos mais cruciais no desenvolvimento do mesmo e com maiores implicações a todos os níveis. De referir, que a válvula e constituída por vários componentes sobre-moldados, pelo que o material de cada um tem que ser devidamente avaliado tendo em conta inúmeras variáveis, com sejam, a temperatura, a pressão, a resistência e a inocuidade, uma vez que a válvula será utilizada na condução de águas. A definição dos materiais tem sido um processo extremamente complexo e difícil, o que implicou o atraso em todo o desenvolvimento do produto. Revelou-se necessário recorrer a diversas entidades, não só do Sistema Científico e Tecnológico, mas também aos próprios fabricantes de materiais plásticos. Ainda assim, as opiniões sobre os materiais a utilizar não têm sido unânimes, o que tem dificultado a conclusão de toda a investigação e desenvolvimento e a consequente colocação no mercado do produto final.
A fase de testes é fundamental para a validação do produto e consiste em inúmeros testes: de resistência, de vida útil, de funcionamento, muito importante para a credibilidade do produto em si e da imagem da empresa no futuro. Nesta etapa de testes para a caracterização do comportamento do produto houve algumas dificuldades em atingir as características que à partida teriam sido definidas para o produto. Assim, a resistência à pressão interna que na fase de projeto de peça plástica foi fixada em 20 bar, não foi possível ser atingida com os materiais selecionados, o que levou ao estudo e seleção de novos materiais plásticos mais exigentes e que de alguma forma poderiam vir a suportar tais exigências. Este constrangimento foi de certa forma o principal motivo para um atraso significativo que foi determinante para a inviabilidade da comercialização do produto no período previamente anunciado para lançamento no mercado.
A realização do projeto SI Qualificação Internacionalização PME, pelo facto de visar a internacionalização e a presença da empresa no mercado global foi condicionada pela inexistência de um produto final. Toda o projeto tinha como objetivo proporcionar à D..., SA as condições necessárias para implementar uma estratégia de internacionalização suportada num produto inovador, patenteado e certificado, o que não foi possível até ao momento, tendo em conta todos os atrasos verificados.
Neste contexto será inviável a concretização do projeto nos termos previstos, nomeadamente o cumprimento das condições específicas, uma vez que o atraso no lançamento do produto condiciona irreversivelmente a plena conclusão dos objetivos do mesmo. Das previsões feitas aos trabalhos que restam para a viabilização comercial do produto há que atender que mesmo a prorrogação do projeto por mais um ano não seria garantia para a materialização do mesmo e levaria por sua vez a uma dispersão de meios e recursos, que por si só já são escassos (...)”.
Do que nos foi dado a perceber, pelos motivos atrás descritos, e a morte de I..., NIF ..., falecido em 01/01/2012, o “pai” do projeto, a sua concretização foi protelada, foi secundarizada, e a produção e comercialização do produto nunca foram concretizadas; não o foram na sociedade D..., SA, enquanto entidade autónoma; não o foram na sociedade C..., SA (atual A..., SA) que incorporou a primeira - processo de fusão por incorporação findo a 17/10/2012, mediante transferência global do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante; e desde já adiantamos, nem pela E..., SA que em abril de 2014 adquiriu o conjunto de ativos acima indicados.
Por essa razão, somos a afirmar que a operação realizada, que o contrato e a fatura acima indicados titulam, não consiste na transferência de um conjunto de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica independente, mas tão-somente a alienação de um conjunto de ativos inoperantes.
Foquemo-nos agora na aferição do terceiro pressuposto - o adquirente ser ou vir a ser sujeito passivo de imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que tenha a intenção de explorar o estabelecimento ou parte de património e não simplesmente liquidar a atividade ou vender os stocks, que desde já afirmamos não estar verificado, na meda em que, conforme demonstraremos, a intenção da E..., SA não é o prosseguimento da atividade.
Senão vejamos, conforme nos foi dado a perceber, esta operação acontece no âmbito de outra mais abrangente que foi a aquisição do Grupo B... pela J..., e no que a C..., , SA diz respeito, a aquisição pela K..., SA, NIPC ..., no mesmo dia 24/04/2014, das respetivas participações sociais que os acionistas L...- SGPS, SA. NIPC ..., M..., NIF ..., N..., NIF ... e O..., NIF ..., detinham naquela sociedade.
Com este processo de reorganização empresarial, conforme nos foi dado a perceber, nomeadamente, através da análise das respetivas declarações mensais de remunerações - DMR, os trabalhadores da E..., SA foram integrados noutras empresas do grupo, ficando esta sem qualquer trabalhador ao seu serviço facto que denota a falta de intensão de prosseguimento da atividade. P..., NIF ... passou a desenvolver funções na Q..., SA, NIPC...; quanto aos restantes trabalhadores, R..., NIF ... e S..., NIF ..., na sequência deste processo, foram integrados e passaram a exercer funções na empresa T..., LDA, NIPC ... .
Quando aos equipamentos propriamente ditos, os diversos moldes, as máquinas de injeção de plástico e equipamentos acessórios periféricos, que constam da listagem anexa a fatura C n.º 11/0315, datada de 23/04/2014, conforme nos foi possível verificar, na sequência do procedimento de inspeção externa ao sujeito passive E..., LDA, levado a efeito em 24/07/2018, no cumprimento do Despacho n.º D12018..., de 09/0712018, uma parte, as máquinas de injeção de plástico e equipamentos acessórios periféricos, foram alugados a sociedade U..., LDA, NIPC ..., no dia 01/02/2015 (data da assinatura do respetivo contrato), pelo prazo de dez anos; quanto aos diversos moldes adquiridos, que constam dessa listagem, conforme nos foi transmitido, não foram utilizados até à data, factos que nos levam a afirmar que o objetivo da compra terá sido outro que não o de prosseguimento da atividade.
Aliás, a ver pelo teor do contrato de aluguer acima indicado, cuja cópia se junta ao presente relatório, em anexo 6, dele ficando a fazer parte integrante, nomeadamente, as suas decima quinta e décima sexta cláusulas, abaixo transcritas, o que se pretende efetivamente e a venda dos equipamentos adquiridos:
“Décima quinta
Sem excluir o estatuído na clausula seguinte, a Segunda (U..., LDA) poderá, em qualquer altura de vigência contratual, adquirir os bens constantes do documento 1 pelo preço de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), considerando-se neste todos os valores pagos a título de rendas.
Decima sexta
No caso da Primeira (E..., SA) pretender, durante a vigência do presente contrato, vender o equipamento a terceiro, o presente contrato cessa passados seis meses a contar de notificação para a cessação do presente contrato, obrigando-se a Segunda a entregar todo o equipamento à Primeira, obviamente em bom estado de conservação e funcionamento, no termo dos seis meses concedidos."
Face ao exposto, demonstrada a não aplicabilidade do regime de exceção previsto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, e não tendo o sujeito passivo inspecionado liquidado o imposto devido pela transmissão de bens realizada, apura-se, com referência ao período de tributação 2014 04, IVA em falta (não liquidado e consequentemente não entregue) no montante de € 161.000,00:
CONCEITO DE TRANSMISSÃO DE BENS
APURAMENTO DO IMPOSTO EM FALTA
DOCUMENTO DATA BASE DE INCIDÊNCIA TOTAL DE IMPOSTO IMPOSTO EM FALTA DATA LIMITE DA ENTREGA
FATURA C N.º 11/0715 23.04.2014 700.00,00 23% 161.000,00 10.06.2014
TOTAL 2014.04 700.000,00 161.000,00
K) Na sequência, foram emitidas as liquidações de IVA n.º 2018..., 2018... e 2018..., bem como das demonstrações de liquidação de juros n.ºs 2018..., 2018... e 2018..., e demonstrações de acerto de contas n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., apurando-se imposto a pagar no valor global de € 194.093,65 (Documento n.º 10);
L) Em 16 de janeiro de 2019, a Requerente foi notificada dos seguintes processos de execução fiscal (documento n.º 11):
PEF Quantia exequenda
...2019...
......´
€ 161.612,42
...2019...
€ 28.706,91
...2019... €1.528,84
...2019... € 260,92
...2019... € 2.451,80
...2019... € 397,61
Total € 194.958,50
L) Em fevereiro de 2019, tendo em vista a suspensão dos processos de execução fiscal, a Requerente apresentou uma garantia bancária junto do Serviço de Finanças ...-..., que foi considerada idónea pela Autoridade Tributária (Documentos n.º 12 e 13);
M) Em 7 de maio de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa junto da Direção de Finanças de ..., que veio a ser indeferida por despacho de 2 de Julho de 2019, do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças, praticado com subdelegação de competências (Documentos n.º 14 e 15);
N) A D... constituía um projecto de desenvolvimento de válvulas de irrigação, que teve início em 2006/2007, tinha registo de patente, e à data da transmissão para a E..., era uma unidade de negócio autónoma com viabilidade.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, que aqui se dão como reproduzidos, e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, em factos não questionados pelas partes, e na prova testemunhal produzida em audiência. O constante da alínea … da matéria de facto, foi considerado provado com base na prova testemunhal e nos documentos apresentados em audiência pelas testemunhas V... e W..., que foram juntos pela Requerente com o requerimento de 29 de Junho de 2020.
As testemunhas inquiridas, com consistência e credibilidade, declararam que a D... explorava “negócios novos” e tinha registo de patente para a criação de válvulas de irrigação. O projecto começou em 2006/2007 e tinham sido adquiridos os meios necessários para o seu desenvolvimento, designadamente os moldes e as máquinas de ligação, havendo intenção de prosseguir o projecto e direccioná-lo para uma área específica de negócio. Após
o falecimento do seu principal promotor, I..., em 2012, trabalhavam na D... a testemunha O..., filha de I..., a sua mãe, M..., e dois outros colaboradores, W... e X..., que também prestaram depoimento, embora a colaboração fosse prestada na base de uma relação familiar e informal. Na data da sua transmissão para a E..., que era uma empresa familiar, em 24 de Abril de 2014, a D... constituía uma unidade de negócio autónoma e tinha viabilidade. O aluguer das máquinas, por parte da E..., apenas ocorreu após o contrato de transmissão, e tornou-se justificável para evitar a degradação dos equipamentos enquanto estavam paralisados. O projecto só foi abandonado definitivamente em 2017/2018.
Matéria de direito
Duplicação da colecta
5. A Requerente alega a existência de duplicação de colecta relativamente ao IVA liquidado na sequência do procedimento inspectivo tributário, no que se refere à prestação de serviços à F..., S. A., invocando que tinha entretanto rectificado as facturas em causa e procedido ao pagamento de imposto na declaração periódica de 2018/10.
Importa ter presente, como melhor se desenvolverá adiante, que a Autoridade Tributária, no procedimento inspectivo, que incidiu sobre o período de tributação de 2014, considerou inaplicável a isenção de imposto a que se refere o artigo 14.º do Código do IVA, por não terem sido apresentados os documentos alfandegários comprovativos da expedição de bens para fora União Europeia, apurando o imposto em falta com referência aos períodos de 2014/09 e 2014/11, a que respeitavam as facturas. Entretanto, a Requerente, em Outubro de 2018, ainda na pendência do procedimento inspectivo, procedeu à emissão de facturas rectificativas, com menção da incidência do IVA, e apresentou, em no mês de dezembro seguinte, a declaração periódica de IVA referente ao período de tributação 2018/10, em que se incluíam as facturas rectificadas.
Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, “haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”.
A norma apenas explicita o que se entende por duplicação da colecta para efeito de ser invocada como fundamento da oposição à execução fiscal, a que se refere a alínea g) do artigo 204.º. Entende-se, no entanto, que este fundamento pode também ser invocado em sede de impugnação judicial, em aplicação do disposto no artigo 99.º do CPPT, quando seja susceptível de afectar a legalidade do acto de liquidação.
Numa situação de reverse charge, no âmbito de prestação de serviços de construção civil, em que o imposto foi pago pelo prestador dos serviços, e mais tarde exigido ao adquirente, o acórdão do STA de 27 de Fevereiro de 2013 (Processo n.º 11079/12), veio a considerar que exigência de um segundo pagamento para efeito de assegurar a regularização da situação fiscal apenas se pode justificar quando o primeiro pagamento efectuado, sendo indevido, possa ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário.
Na lógica do acórdão, quando o imposto se torna exigível ao destinatário da prestação de serviços por ter sido anteriormente liquidado e pago em preterição da regra da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, isso não significa que se esteja a exigir a uma outra pessoa um imposto de idêntica natureza referente ao mesmo facto tributário. Todavia, para assim concluir, o aresto parte do pressuposto que é ainda viável, quando a liquidação e o pagamento do imposto se torna exigível ao adquirente dos serviços, que o prestador possa obter perante a Autoridade Tributária a devolução do imposto indevidamente liquidado e reembolsar o adquirente que incorreu nesse custo.
O mesmo entendimento foi seguido, em situação similar, na decisão arbitral proferida no Processo n.º 599/2019.
Não é essa, no entanto, a situação no presente caso.
A Requerente não procedeu à liquidação de IVA em facturas emitidas em 29 de Setembro de 2014 e 10 de Novembro de 2014 relativas à transmissão de bens para fora da União Europeia, e no âmbito de um procedimento inspectivo desencadeado em 12 de junho de 2018, a Autoridade Tributária elaborou Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, que foi notificado à Requerente, para efeito do exercício do direito de audição, por ofício datado de 25 de setembro seguinte, e no qual se propunha a liquidação do imposto em falta com referência aos períodos de 2014/09 e 2014/11.
No dia 10 de Outubro de 2018, ainda no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, a Requerente anulou as facturas em causa, emitiu notas de crédito e procedeu à emissão de novas facturas com a menção do IVA a liquidar. E, em 6 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período de tributação 2018/10, aí incluindo as facturas rectificativas.
Por ofício datado de 16 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, que manteve a correcção em sede de IVA, com referência aos períodos de 2014/09 e 2014/11, desconsiderando a regularização do imposto que entretanto ocorrera por efeito da emissão de facturas rectificativas. Na sequência, foram emitidos os actos tributários de liquidação de IVA.
Em todo este contexto, o que é possível concluir é que a Requerente, na pendência do procedimento inspectivo, já não poderia apresentar uma declaração substitutiva relativamente aos períodos de tributação de 2014, atento o disposto quanto a prazos no artigo 59.º do CPPT, nem estava a tempo de proceder à regularização a que se refere o artigo 78.º, n.º 3, do Código do IVA, que apenas pode ter lugar até ao período de imposto seguinte àquele a que respeita a factura.
Certo é que, em abstracto, a Requerente poderia obter o reembolso do imposto liquidado na declaração periódica de 2018/10 através do mecanismo previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, que admite o reembolso do imposto entregue em excesso, por iniciativa do contribuinte, no prazo de quatro anos após a data do pagamento.
Mas tendo sido produzidos os actos tributários de liquidação, a Requerente não pode já reagir, em vista a obter o reembolso do imposto, por via de impugnação ou revisão administrativa, mas apenas através da impugnação judicial.
Por outro lado, tendo sido deduzida impugnação judicial com fundamento em duplicação da colecta e constatando-se que houve já lugar ao pagamento de imposto, não faz sentido que o tribunal prescinda de anular o acto com esse fundamento – o que corresponderia a uma verdadeira denegação de justiça – e remeta o contribuinte para os mecanismos procedimentais.
É de notar que a situação do caso é diversa, e até oposta, à analisada no citado acórdão do STA de 27 de Fevereiro de 2013. Aí o pagamento do imposto foi realizado indevidamente pelo prestador de serviços e foi o adquirente que foi confrontado com a liquidação correctiva, no âmbito da acção inspectiva, pelo que o contribuinte que efectuou o primeiro pagamento poderia obter ainda o reembolso por via administrativa. No presente caso, foi o mesmo sujeito passivo que efectuou o primeiro pagamento e a quem se tornou exigível um segundo pagamento, através do acto de liquidação emitido na sequência da inspecção tributária, quando este não tinha já possibilidade de reverter administrativamente o imposto anteriormente liquidado, restando-lhe, para o efeito, a impugnação judicial.
Atento todo o exposto, tendo a Requerente procedido à liquidação do imposto em falta, e não ocorrendo prejuízo para o erário público, não se vê motivo para desconsiderar o pagamento de imposto já efectuado e exigir à Requerente um segundo pagamento, através da correcção imposta no âmbito do procedimento inspectivo, o que corresponde, na prática, à duplicação de colecta.
Nestes termos, o pedido, nesta parte, mostra-se ser procedente.
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Operações excluídas do conceito de transmissão de bens para efeitos do artigo 3.º, n.º4, do CIVA
6. Aquando da aprovação do Código do IVA pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, o legislador português optou por transpor para o ordenamento interno a possibilidade conferida pelo n.º 8 do artigo 5.º da então Sexta Directiva. Assim, do conceito de transmissão de bens encontram-se excluídas as cessões a título oneroso ou gratuito de estabelecimento comercial.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 4, do CIVA, excluem-se do conceito de transmissão de bens e, consequentemente, do âmbito de incidência do imposto, “as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º.”
Como nota Rui Laires, “…a norma menciona as cessões da totalidade de um património ou de uma parte dele, abrangendo assim universalidades de facto insusceptíveis de serem consideradas um estabelecimento comercial, ou inclusivamente desagregações destas, na condição de os elementos transmitidos, em definitivo e de forma unitária, serem objectivamente susceptíveis de constituir um ramo de actividade independente” .
Além disso, a norma pode cobrir também as situações em que ocorra uma transmissão mortis causa de um estabelecimento, as quais não são, em princípio, susceptíveis de se integrar no conceito de trespasse.
Do cotejo da regra nacional com a regras constantes da Directiva IVA, constata-se que o legislador nacional, ao ter optado por fazer uso da faculdade que lhe é concedida, preferiu falar no conceito de “totalidade de um património ou parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente” em vez de “universalidade de bens ou de parte dela”.
Como nota a doutrina, trata-se de uma medida de simplificação administrativa que visa evitar sobrecarregar a tesouraria das empresas, aplicável, designadamente, nos casos de trespasse de estabelecimento, fusão, incorporação ou cisão de sociedades, e justificável, uma vez que há uma continuidade da actividade económica.
No mesmo sentido, na Nota Explicativa do Anteprojecto do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se elucida que “…a disposição contida no n.º4 deste artigo traduz-se numa medida de economia administrativa e evita um pré financiamento ao sucessor ou cessionário que vai continuar a actividade do sujeito passivo (…)
Note-se que se fala da transmissão da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente (indício desse facto será, porventura, a existência de uma contabilidade separada). A caracterização tem interesse porque, se assim não for, estar-se-á em face de simples transmissões do activo da empresa, como tal tributáveis. É necessário que se transmita um conjunto que forme uma “universalidade de facto”, ainda que tal não seja a qualificação do ponto de vista jurídico” .
Assim, no contexto da lei nacional, e em obediência ao Direito da União Europeia, para que uma operação se insira no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige a lei a observância cumulativa dos seguintes quatro requisitos:
- Cessão a título oneroso ou gratuito;
- do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele;
- que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente;
- desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição”
O que está aqui em causa é um conjunto patrimonial objectivamente apto ao exercício de uma actividade económica e independente, composto por um conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos, nomeadamente, direitos de propriedade intelectual e industrial, contratos de trabalho e outros, utensílios, máquinas, mercadorias, e passivo, susceptíveis de constituírem uma universalidade de bens ou unidade funcional. Podemos estar perante a cedência de uma marca ou de uma patente, sendo o tratamento equivalente (artigo 4.º, n.º5, do CIVA). Isto é, o conceito de estabelecimento comercial a ter aqui em consideração é o conceito jurídico.
Importa aferir casuisticamente se estamos ou não perante um conjunto patrimonial no sentido da norma.
No contexto da delimitação negativa de incidência constante entre nós do n.º4 do artigo 3.º do CIVA, e no que respeita aos bens transmitidos e à utilização desses bens feita pelo beneficiário depois da transmissão, observe-se, desde logo, que a Directiva IVA não contém nenhuma definição do conceito de “transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela”. Tão pouco o legislador nacional concebeu qualquer definição especificamente a este respeito nas regras do IVA.
Com efeito, o legislador comunitário e o legislador nacional não forneceram qualquer esclarecimento ou concretização quanto à qualidade ou quantidade dos elementos que devem estar presentes de forma a que possa beneficiar da aplicação da delimitação negativa de incidência e facilmente se compreende porquê. De facto, como veremos que acertadamente o TJUE salienta, interessa apurar casuisticamente se na situação em causa há ou não uma transmissão de um conjunto patrimonial susceptível de constituir “um ramo de actividade independente”, isto é, de funcionar de per si como objecto de um negócio.
A situação mais simples de examinar no contexto desta norma é, naturalmente, a da transferência de todos os activos de uma empresa que realiza exclusivamente operações tributadas.
Mas a apreciação da respectiva aplicação depende sempre, necessariamente, como o TJUE reconhece e iremos verificar, de um juízo casuístico, que tenha em conta as características próprias, distintivas, de cada situação particular.
Com efeito, importa em especial salientar que, para o Tribunal de Justiça da UE, aferir se estamos perante um ramo de actividade no sentido mencionado implica uma análise casuística das características estruturais e objectivas da operação, independentemente das finalidades por ela prosseguidas.
Sublinhe-se ainda que, para o efeito, o TJUE conclui que, naturalmente, a apreciação do carácter autónomo de uma exploração deve, no entanto, ser deixada ao órgão jurisdicional nacional, tendo em conta as circunstâncias particulares de cada caso concreto.
Assim, não se poderá afirmar em abstracto que uma transmissão de um ramo de actividade só tem uma justificação racional se incluir a transmissão de trabalhadores, de contratos de prestação de serviços, de máquinas, de contratos de financiamento, de programas informáticos ou de quaisquer outros elementos (tal como não faz qualquer sentido fazer o mesmo raciocínio presuntivo quanto à quantidade dos elementos): existem casos que requerem a transferência de uns elementos, casos que exigem a de outros, situações em que é necessária a passagem de vários ou todos os elementos e outras em que basta um tipo específico de elementos; da mesma forma, existem situações em que relevam mais elementos materiais (como trabalhadores) e outras em que são mais relevantes elementos incorpóreos (como participações sociais, posições devedoras ou credoras, contratos de prestação de serviço).
A função do conceito de “ramo de actividade independente” é, pois, a de servir de base para a construção de uma disciplina jurídica que assegure a neutralidade fiscal, pilar essencial do regime jurídico-fiscal de reestruturações empresariais também em sede de IVA. Este princípio de neutralidade está naturalmente subjacente à noção de “ramo de actividade” e, portanto, à sua interpretação, justificando a não tributação nos casos de reestruturações em que se verifique continuidade no investimento anterior. Não representando a transacção qualquer mudança substancial que tenha existido, não deve gerar tributação. O conceito de “ramo de actividade ” é simplesmente instrumental deste fim.
Perante isto, reemerge a pergunta central determinante da aplicação do regime de neutralidade: a transacção representa uma continuação do investimento anterior de tal modo que não se justifica reconhecer qualquer valor acrescentado? Existiu qualquer mudança substancial que deve gerar tributação em sede de IVA?
Em conformidade com a exposição de motivos que acompanhou a proposta de adopção da Sexta Directiva apresentada pela Comissão Europeia, as normas em causa visam conferir aos Estados membros a possibilidade de estabelecerem uma simplifição de procedimentos e, ao mesmo tempo, de evitarem sobrecarregar a tesouraria das empresas.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE
O TJUE pronunciou-se algumas vezes sobre a delimitação negativa de incidência prevista no artigo 19.º, primeiro parágrafo, da Directiva IVA.
Nas suas conclusões apresentadas em 13 de Abril de 2000 no Caso Abbey National, o Advogado Geral F. G. Jacobs, veio salientar que, “O conceito de «parte de uma universalidade de bens», contudo, não é claro. Em particular suscita-se a questão de saber como estabelecer uma distinção entre a transferência dessa parte de uma universalidade de bens e a transferência normal de um ou mais dos activos de uma empresa, que é normalmente uma operação tributada. O direito comunitário nada diz sobre esta questão. Não se encontra qualquer esclarecimento em nenhuma das directivas IVA, nem a questão foi até aqui considerada pelo Tribunal de Justiça.”
Nestes termos, conclui que a solução adoptada no Reino Unido parece ser razoável ao prever que quando os activos representando uma parte de uma empresa susceptível de funcionar separadamente são transferidos de forma que exista continuidade de exploração, a faculdade concedida nos termos do artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Directiva, é aplicável e não se considera que exista qualquer entrega de bens. Como nota, não parece que estes critérios entrem em contradição com a formulação ampla da disposição comunitária e a questão de saber se os mesmos estão preenchidos num caso concreto permanece, por conseguinte, na competência do órgão jurisdicional nacional.
Por sua vez, no seu Acórdão de 27 de Novembro de 2003, Caso Zita Modes , o TJUE veio concluir que o conceito de transmissão de uma universalidade de bens constitui um conceito de Direito Comunitário cuja interpretação compete ao Tribunal de Justiça, incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os bens transmitidos constituem uma “universalidade de bens ou parte dela” na acepção da Sexta Directiva, ou seja, activos susceptíveis de serem explorados no âmbito de uma actividade económica. Nos arrestos que se sucederam o TJUE veio a reiterar esta orientação.
Neste contexto, a Comissão veio notar que a simples venda, com carácter isolado, de acessórios de moda não constituía uma transmissão de uma universalidade de bens na acepção da Sexta Directiva, mas uma entrega ordinária de elementos do stock de uma empresa. Pelo contrário, a cessão de um conjunto coerente de activos susceptíveis de permitir o prosseguimento de uma actividade económica na acepção da Directiva pode estar abrangida pelo seu artigo 5.º, n.º 8.
O TJUE nota que, à luz do contexto do artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Directiva e do objectivo desta última, verifica-se que esta disposição visa permitir aos Estados membros facilitar as transmissões de empresas ou de partes de empresas, simplificando-as e evitando sobrecarregar a tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, ele teria recuperado posteriormente através da dedução do IVA pago a montante.
Como salientou o Advogado Geral Jacobs neste Caso, decorre já da jurisprudência do Tribunal nos processos Spijkers e Redmond Stichting, proferida noutros contextos, que o critério decisivo para afirmar a existência de uma transferência é saber se a entidade em questão mantém a sua identidade, como indicado em particular pelo facto de que a sua exploração é realmente prosseguida ou retomada, e que é necessário, para isso, olhar a todas as características da operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos, o emprego do essencial dos efectivos por parte do novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e da duração, caso exista, de uma eventual suspensão destas actividades –, embora todos estes elementos sejam simplesmente aspectos parciais da avaliação de conjunto. .
Assim, conclui que, para que exista uma transferência deste tipo, os activos transmitidos devem formar um conjunto autónomo que permita o exercício de uma actividade económica e essa actividade deve ser exercida pelo cessionário. A transacção e as circunstâncias que a rodearem deverão ser globalmente apreciadas para determinar se esse é o caso, atendendo, em particular, à natureza dos bens transmitidos e ao grau de continuidade ou semelhança entre as actividades desenvolvidas antes e depois dessa transferência. Num contexto como este, não é necessário que a actividade do cessionário seja a mesma que a do cedente.
Como notou ainda o TJUE, para se aplicar esta regra, o beneficiário da transferência deve, no entanto, ter intenção de explorar o estabelecimento comercial ou a parte da empresa desta forma transmitida e não simplesmente liquidar imediatamente a actividade em causa bem como, eventualmente, vender o stock .
No Acórdão de 10 de Novembro de 2011proferido no Caso Schriever, o TJUE concluiu que, no que respeita ao conceito de «transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela», referido no artigo 5.°, n.º 8, primeira frase, da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça já salientou que se trata de um conceito autónomo do Direito da União que deve ter uma interpretação uniforme em toda a União. Na falta de uma definição deste conceito na Sexta Directiva ou de reenvio expresso para o Direito dos Estados membros, o seu sentido e âmbito devem ser procurados levando em conta o contexto da disposição e o objectivo da regulamentação em causa.
Como notou, para haver uma transferência do estabelecimento ou de uma parte autónoma de uma empresa, na acepção do artigo 5.°, n.º 8, da Sexta Directiva, é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma.
Ora, como salientou, a questão de saber se esse conjunto de elementos deve incluir bens móveis e imóveis deve ser apreciada no contexto da natureza da actividade em causa. Assim, se a prossecução de uma actividade económica não carecer de instalações especiais ou fixas, pode existir transferência de uma universalidade de bens, na acepção do artigo 5.°, n.º 8, da Sexta Directiva, mesmo sem a transmissão do direito de propriedade de um imóvel .
Neste contexto, como o TJUE conclui uma vez mais, “Resulta das considerações precedentes que se deve fazer uma apreciação global das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa para determinar se esta está compreendida no conceito de transferência de uma universalidade de bens, na acepção da Sexta Directiva. Neste quadro, deve ser dada uma importância especial à natureza da actividade económica que se pretende continuar a exercer” .
A doutrina da Administração Fiscal
Tal como se nota no Processo L201 2006039, com despacho do Subdirector Geral dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, de 23 de Abril de 2008, a delimitação negativa de incidência constante do n.º4 do artigo 3.º do CIVA é aplicável, quando ocorra uma transmissão definitiva, a título oneroso ou gratuito, de uma unidade económica complexa – universalidade de facto ou de direito — englobando a cedência dos elementos corpóreos e dos elementos incorpóreos que a constituem (estes últimos, por força do disposto no n.º 5 do artigo 4.º do CIVA, considerando que a cedência de direitos é qualificada como prestação de serviços para efeitos de IVA), ou parte de um património que, pelas características que reúne, tenha aptidão para o exercício de um ramo de actividade autónomo e independente.
No Processo A100 2005026, com despacho concordante do Subdirector Geral, em substituição do Director Geral dos Impostos, de 12 de Setembro de 2005, vem denotar-se que na disposição legal em questão, “verifica-se a existência de um conceito negativo de transmissão atendendo-se à transferência da propriedade de certas universalidades de facto, ainda que não o sejam de um ponto de vista jurídico quando se refere “... da totalidade de um património ou de uma parte dele..." e de uma universalidade de facto que o é em termos jurídicos, atento o disposto no artº 206.º do Código Civil - o estabelecimento - pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário, sendo cada uma das coisas, de per si, susceptível de constituir objecto de relações jurídicas próprias.
10. Note-se que a presente interpretação, se apoia no facto do legislador na redacção do preceito utilizar a expressão "… do estabelecimento...” e não a “ de um estabelecimento", o que, desde logo pressupõe tratar-se do conceito técnico-jurídico no seu significado objectivo - organização do empresário mercantil, o conjunto de elementos (corpóreos, incorpóreos, a clientela, o aviamento) e não já do sentido comum do termo, ou seja, a unidade técnica correspondente a cada um dos locais onde o comerciante exerce a actividade mercantil (a loja, o armazém, a fábrica, o equipamento, o escritório).
Tratando-se da transferência de uma qualquer realidade que não seja o estabelecimento no sentido preciso do termo antes referido, será a mesma, para efeitos do nº 4 do artº 3º do CIVA, considerada como tratando-se de um património ou de uma parte dele – universalidade de facto ainda que não o seja de um ponto de vista jurídico – susceptível então de estar abrangida pela referida norma, desde que, obviamente, possa vir a constituir um ramo de actividade independente e o adquirente seja um sujeito passivo de imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição.
Como se nota no Despacho de 30 de Janeiro de 1989 aposto no Proc. C-503/88011, o motivo subjacente ao preceituado no n.º4 do artigo 3.º do CIVA consiste em evitar um “maior esforço económico para o cessionário continuador da actividade (não necessariamente a mesma) do cedente, que de outro modo exigiria um auto-financiamento muitas vezes difícil ou impeditivo do comércio jurídico”.”
Por sua vez, no Processo n.º 324, por despacho de 18 de Fevereiro de 2010 do Subdirector Geral do IVA, por delegação do Director Geral dos Impostos, veio salientar-se que as disposições do n.º 4 do artigo 3.º e n.º 5 do artigo 4.º do CIVA consagram “… um regime excepcional dentro da mecânica do imposto, justificando-se como medidas de simplificação, cujo objectivo é não criar obstáculos (mediante pré-financiamentos avultados) à transmissão de empresas no seu todo ou pelo menos dos seus elementos destacáveis como unidades independentes.”
Como se nota, “A existência desta norma é legitimada quer pela continuidade do exercício da actividade transferida quer pela total irrelevância ao nível da economia do imposto, isto é, sendo o adquirente um "sucessor" do transmitente o imposto que viesse a ser liquidado seria de imediato deduzido pelo adquirente.”
Enquadramento da situação controvertida
7. No Relatório de Inspecção Tributária concluiu-se que, após o falecimento de I..., em 1 de Janeiro de 2012, a concretização do projecto foi secundarizada, quer no âmbito da sociedade D..., SA, como entidade autónoma, quer após a incorporação na sociedade C... (actual A..., SA), quer ainda depois da transferência dos activos da D..., SA para E... . Além de que, após o processo de reorganização empresarial, os trabalhadores da E... foram integrados noutras empresas do grupo, ficando esta sem qualquer trabalhador ao seu serviço. E, por outro lado, na sequência da transmissão para a E..., uma parte das máquinas de injecção de plástico e equipamentos acessórios periféricos, foram alugados a sociedade U... Lda. Havendo de concluir-se que, com a operação de transmissão, a E... não tinha intenção de prosseguir uma atividade económica independente, e limitou-se a adquirir um conjunto de ativos inoperantes, que não releva para efeito da exclusão da tributação.
Não é, no entanto, essa a análise que é possível retirar da matéria de facto dada como assente.
No projecto de fusão por incorporação da D..., S.A. na C..., S.A. ( a que sucedeu a ora Requerente), que veio a ser concretizado em 2012, refere-se que a “D...” se dedicava à investigação e ao desenvolvimento de produtos provenientes da transformação de matérias plásticas, nomeadamente em projetos referentes a “válvulas de irrigação”. As “válvulas de irrigação” foram desenvolvidas com incentivos de fundos de investigação (QREN) e foram objecto de registo da patente.
Pelo contrato celebrado em 23 de abril de 2014, a C... transmitiu à E... os activos e direitos que no património da C... formam a unidade de investigação e de desenvolvimento de novos produtos para a indústria de plásticos denominada «D... », bem como a posição contratual da C... no contrato de prestação de serviços relacionados com a D..., celebrado com a G..., e a posição contratual da C... como requerente no processo de licenciamento industrial referente à D... . Tendo-se reconhecido, num dos seus considerandos, que a C... adquiriu por fusão e tem vindo a desenvolver uma unidade de negócio dedicada à investigação e de desenvolvimento de novos produtos para a indústria de plásticos denominada «D... ».
Segundo a prova testemunhal produzida, o projecto terá tido início em 2006/2007 e era um projecto viável e autónomo, havendo a intenção de assegurar a sua internacionalização. O desenvolvimento do projecto decaiu em 2012, quando faleceu I..., que era o seu principal promotor, mas apenas foi definitivamente abandonado em 2017/2018. O aluguer das máquinas de injecção de plástico e equipamentos acessórios à sociedade U..., Lda. só ocorreu 1 de Fevereiro de 2015, já depois da transmissão dos activos e direitos que integravam a D... .
Nada permite concluir, à luz destes elementos factuais, que em 24 de Abril de 2014 – que é a data relevante para aferir da exigibilidade do imposto – que o contrato celebrado entre a ….. não correspondesse à transmissão da totalidade de um património ou parte dele, na acepção do no artigo 3.º, n.º 4, do Código do IVA, para efeito da exclusão da tributação.
Como se deixou exposto e resulta da jurisprudência do TJUE, a cessão de um conjunto coerente de activos susceptíveis de permitir o prosseguimento de uma actividade económica é suficiente para se enquadrar no âmbito da delimitação negativa do artigo 19.º, 1.º parágrafo, da Directiva do IVA. Não há, por outro lado, nenhuma indicação de que o cessionário não tivesse intenção, à data da celebração do contrato, de explorar a unidade de negócio e pretendesse apenas liquidar imediatamente a actividade em causa ou vender os activos.
E não há motivo para desaplicar o regime excepcional do artigo 3.º, n.º 4, do Código do IVA quando ele surge como uma medida de simplificação com o objectivo de não criar obstáculos à transmissão de empresas, no seu todo, ou dos seus elementos destacáveis como unidades independentes.
Nesta parte, o pedido arbitral é procedente.
8. A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto nos artigos 191.º do CPPT e 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à constituição de garantia bancária até ao limite de € 255.00,00 para obter a suspensão dos processos de execução fiscal relativos ao imposto em dívida e juros compensatórios.
Sem dúvida que o artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
Como se decidiu no acórdão do STA de 24 de outubro de 2012 (Processo n.º 0528/12), só pode entender-se como garantia para os pretendidos efeitos indemnizatórios a garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de justificar a existência de despesas que possam ocorrer por efeito do decurso do tempo, a que se refere o artigo 199.º, n.º 1, do CPPT, e que têm como limite máximo o valor garantido da taxa dos juros indemnizatórios (artigo 53.º, n.º 3, da LGT).
Por outro lado, entende-se haver lugar a erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, quando o acto tributário se encontra inquinado de ilegalidade declarada em impugnação judicial (cfr. Decisão Arbitral n.º 239/2016-T).
Procede, nestes termos, o pedido de condenação da Autoridade Tributária a pagar à Requerente a indemnização pelas despesas que tenha suportado com a prestação da garantia bancária no montante que se vier a apurar em execução de julgado.
III – Decisão
Termos em que se decide.
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os acto tributários de liquidação impugnados, bem como o despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida;
b) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária no montante que se vier a liquidar em execução de julgado
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 194.093,65, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 18 de Setembro de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Clotilde Celorico Palma
O Árbitro vogal
Sérgio Vasques