DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Augusto Vieira e Dra. Carla Castelo Trindade, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-02-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., UNIPESSOAL LDA., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., ..., Loures, adiante designada por “Requerente" ou “A...",, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista anulação parcial da Demonstração de Liquidação de IRC com o n.º 2016... emitida na sequência da submissão da declaração relativa ao período de 2015, bem como o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada com vista à anulação parcial das Demonstrações de Liquidação de IRC com os n.ºs 2017... e 2018..., emitidas na sequência da submissão das declarações periódicas de rendimentos do IRC relativas aos períodos de tributação de 2016 e 2017.
A Requerente pede ainda a condenação da Administração Tributária na restituição da prestação tributária indevidamente paga, ao nível da tributação autónoma de 2015, 2016 e 2017, no montante total de EUR 177.523,77, acrescida de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 02-12-2019.
Em 29-01-2020, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 28-02-2020.
A AT apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral e suscitou excepções dilatórias por falta de objecto do processo e incompetência material para apreciação da decisão da revisão oficiosa do ano/exercício de 2015, bem como, do pedido de condenação da AT à restituição da quantia de € 177.523,77, paga a título de tributações autónomas.
Por despacho de 30-06-2020, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
Por despacho de 03-07-2020 foi notificada a Requerente para exercício do contraditório sobre as questões suscitadas pela AT.
A Requerente nada veio dizer no prazo de 10 dias.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar prioritariamente as excepções de incompetência [artigo 13.º do CPTA aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT] e da falta de objecto do processo.
2. Questão da incompetência material para apreciação da decisão da revisão oficiosa do ano/exercício de 2015
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.
De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( )
Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( ) ( )
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca a questão da incompetência apenas relativamente ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, formado por não ter sido apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5.
Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais. ( )( )
De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo acto de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de acto de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e para) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o por arbitral.
Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»;
– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».
Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.
Quanto à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se estão reunidos os pressupostos de aplicação do mecanismo de revisão oficiosa», não explica a que «mecanismo» se refere, para mais num caso em que está em causa um indeferimento tácito, em que o objecto real do processo é a inércia da Administração e não a aplicação de qualquer mecanismo.
De qualquer modo, assente que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a legalidade do acto de autoliquidação, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, «é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa» [artigo 91.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], inclusivamente hipotéticos «mecanismos».
Aliás, é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa, o que naturalmente tem implícita a possibilidade de apreciação de qualquer «mecanismo» previsto no artigo 78.º da LGT que possa ter sido aplicado ( ).
Nestes termos, improcede a excepção invocada.
3. Questão da competência para apreciação do pedido de condenação da AT à restituição da quantia de € 177.523,77, paga a título de tributações autónomas
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que não existe norma no RJAT que permita aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD proferir condenações no pagamento de quantias, sendo a decisão sobre a restituição de quantias uma competência própria da Administração.
O artigo 24.º, n.º 1, do RJAT estabelece o seguinte:
1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:
a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;
b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;
c) Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;
d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.
Como resulta da conjugação do corpo no n.º 1 com a sua daquele alínea b) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".
Entre essas competências incluem-se a de, na sequência de anulação do acto de que é objecto de impugnação judicial, proferir condenação da «Administração Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios», como é entendimento jurisprudencial pacífico do Supremo Tribunal Administrativo ( ).
Também o Tribunal Central Administrativo Sul tem apreciado especificamente esta questão de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo decidido uniformemente no sentido afirmativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 25-06-2019, processo n.º 044/18.6BCLSB, e de 22-05-2019, processo 7/18.1BCLSB.
O regime legal do reconhecimento de juros indemnizatórios confirma este entendimento.
Na verdade, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, o que tem ínsita a possibilidade de reconhecimento do direito a reembolso da quantia paga indevidamente paga, que é pressuposto da existência daqueles juros.
Improcede, assim, também esta excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Questão da falta de objecto do processo
4.1 Matéria de facto relevante para apreciar a questão da falta de objecto do processo
Consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Requerente nas declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2015, 2016 e 2107, incluiu de tributações autónomas relativas a utilização de motociclos (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
B. Na sequência da apresentação das declarações referidas, a Administração Tributária emitiu as respectivas demonstrações de liquidações (documentos n.ºs 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
C. No dia 02-05-2019, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da declaração periódica de rendimentos ("Modelo 22”) do IRC, relativa ao período de tributação de 2015 (Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D. No dia 02-05-2019, a Requerente deduziu reclamação graciosa das declarações periódicas de rendimentos (“Modelo 22") do IRC relativas aos períodos de tributação de 2016 e 2017 (Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E. Através de carta registada expedida em 30-10-2019, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição no procedimento de revisão oficiosa referido (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F. Através de carta registada expedida em 29-10-2019, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição no procedimento de reclamação graciosa referido (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G. Em 28-11-2019, foi proferido despacho de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa, que foi notificado à Requerente através de carta registada expedida em 02-12-2019 (documento n.º 1 junto com a resposta cujo teor se dá como reproduzido);
H. Em 28-11-2019, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida, que foi notificado à Requerente através de carta registada expedida em 02-12-2019 (documento n.º 2 junto com a resposta cujo teor se dá como reproduzido);
I. Em 29-11-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre os factos dados como provados.
4.3. Factos não provados
Não há factos relevantes para decisão da questão da falta de objecto do processo que não se tenham provado.
5. Matéria de direito
O prazo para decisão dos processos de reclamação graciosa e revisão oficiosa pedida pelo contribuinte é o de quatro meses, previsto no artigo 57.º, n.º 1, da LGT, que terminou em 02-09-2019.
Assim, a partir desta data, a Requerente podia presumir o indeferimento tácito da reclamação e pedido de revisão oficiosa referidos, para efeitos de impugnação contenciosamente, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT, faculdade que utilizou apresentando o pedido de pronúncia arbitral dentro do prazo de 90 dias a contar daquela data, que se prevê na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, com remissão para a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
Porém, como resulta da matéria de facto fixada, depois da formação de indeferimento tácito mas antes de ter sido apresentado o pedido de pronúncia arbitral foram proferidas decisões expressas de indeferimento nos referidos processos de reclamação graciosa e revisão oficiosa.
Nesta situação, como reiteradamente tem afirmado o Supremo Tribunal Administrativo a partir do momento em que o acto expresso de indeferimento é notificado ao destinatário, é este que passa a manter-se na ordem jurídica como definidor da situação concreta do interessado, não se podendo justificar o prosseguimento do processo tendo por objecto o indeferimento tácito, pois mesmo que este fosse anulado, sempre se manteria o indeferimento expresso não impugnado. ( )
Assim, em situações deste tipo, a possibilidade de continuação do processo instaurado contra o indeferimento tácito, por não ter sido notificado o indeferimento expresso até ao momento da instauração, depende da utilização da possibilidade de modificação do objecto do processo prevista no artigo 64.º, n.º 3, do CPTA, aplicável «a todos os casos em que o acto impugnado seja, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos».
Assim, não sendo requerida tempestivamente a ampliação ou substituição do objecto da impugnação contenciosa, a instância deve ser declarada extinta, com fundamento em impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, por o processo passar a carecer de objecto (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-05-2005, processo n.º 048056).
Na verdade, não tendo o indeferimento tácito fundamentação (por ser ficção de acto), a decisão expressa fundamentada implica sempre revogação por substituição do anterior indeferimento tácito, pois só podem considerar-se como confirmativos «os actos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores». (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).
Por isso, a prolação de acto expresso de indeferimento implica a revogação do ficcionado indeferimento tácito, sendo a posição assumida naquele acto que fica a prevalecer na ordem jurídica.
No caso em apreço, a Requerente foi notificada das decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa por cartas registadas expedidas em 02-12-2019 e não requereu o prosseguimento do processo contra estes actos expressos, no prazo de impugnação de 90 dias a contar das notificações, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, com remissão para a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, como exigem os nos n.º 1, 2 e 3 do artigo 64.º do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT .
Assim, tendo transcorrido aquele prazo sem que a Requerente tivesse vindo requerer o prosseguimento do processo contra aqueles actos expressos, caducou o direito de requerer tal prosseguimento, pelo que está afastada a possibilidade de o processo prosseguir para sua apreciação.
Por outro lado, não subsistindo já na ordem jurídica os indeferimentos tácitos impugnados que são o objecto do processo, há que concluir pela impossibilidade da lide, o que justifica a extinção da instância, de harmonia com o preceituado na alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC].
6. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de declarar extinta a instância, fica prejudicado (artigo 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo.
7. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar improcedentes as excepções de incompetência suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
– julgar procedente a excepção de impossibilidade da lide;
– declarar extinta a instância;
– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 177.523,77.
Lisboa, 04-09-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Augusto Vieira)
(Carla Castelo Trindade)