Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 816/2019-T
Data da decisão: 2020-09-21  IMI  
Valor do pedido: € 6.043,53
Tema: IMI – Revisão oficiosa; Anulação
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

I - O adquirente beneficiou da isenção automática estabelecida pelo artigo 13.º, n.º 2, do CIMSSD para “As autarquias locais e suas associações de direito público e federações”. Não estando provado que o Chefe do Serviço de Finanças tivesse tido conhecimento da mudança da titularidade dos prédios, não lhe pode ser imputada a desatualização das matrizes.

II - Determina o artigo 8.º, do Código do IMI, que o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar (n.º 1), estabelecendo a presunção de que é proprietário quem como tal figure na matriz àquela data (n.º 4). Tratando-se de presunção contida numa norma de incidência, sempre é admissível prova em contrário (artigo 73.º, da LGT), prova que a Requerente, inequivocamente, produziu.

III - O artigo 115.º, do Código do IMI, aponta no sentido de ser possível a anulação de uma liquidação daquele imposto, ainda que não estejam reunidos os pressupostos da revisão oficiosa, designadamente nos casos em que, não sendo imputável a erro dos serviços, o atraso na atualização das matrizes leve a que o imposto tenha sido liquidado em nome de outrem que não o sujeito passivo, com a ressalva de que o imposto “não tenha ainda sido pago”.

IV – Apesar de o imposto ter sido pago, a AT tinha o dever de, oficiosamente, convolar o procedimento de revisão oficiosa no procedimento de anulação previsto no artigo 115.º, do Código do IMI, conforme determinado pelo artigo 52.º, do CPPT, procedendo à anulação das liquidações, sem incorrer em violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, porquanto o verdadeiro sujeito passivo do imposto está dele isento, nos termos do artigo 11.º, do Código do IMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 2 de dezembro de 2019, A..., S.A., com o NIPC ... e sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

O pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos tem por objeto imediato a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa das liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, referentes aos prédios urbanos atualmente inscritos sob os artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ... e ... do concelho de Loures, provenientes dos artigos ... e ... da extinta freguesia da ... do mesmo concelho e, por objeto mediato, essas mesmas liquidações, por a Requerente não ser sujeito passivo do imposto, uma vez que os mesmos prédios lhe não pertencem desde 2003, quando passaram a integrar a área de domínio público municipal.

 

Pede a Requerente que seja declarada a ilegalidade dos atos antes identificados, com a consequente declaração de nulidade ou, caso assim se não entenda, com a anulação das liquidações de IMI em causa, bem como a condenação da Requerida na restituição do tributo indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária.

 

B.            Síntese da posição das Partes

a.            Da Requerente:

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese:

1.            A Requerente dispõe de um significativo património imobiliário que serve de base ao exercício da sua atividade e é normal que, no seu giro comercial, proceda à compra e venda de imóveis, alterando o seu parque imobiliário;

2.            Foi o que sucedeu com os imóveis identificados no pedido de pronúncia arbitral que, não sendo da propriedade da Requerente há mais de uma década, continuaram a ser tributados como se ainda lhe pertencessem;

3.            Mal tomou conhecimento desse erro da AT, a Requerente pediu a eliminação desses prédios do seu cadastro e apresentou o pedido de revisão oficiosa das correspondentes liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015;

4.            A AT deferiu a eliminação dos imóveis do cadastro da Requerente, mas indeferiu o pedido de anulação parcial das liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013 e 2014, e deferiu-o parcialmente quanto à liquidação de IMI do ano de 2015, com os fundamentos de que (i) as matrizes prediais se encontravam vigentes à data dos factos tributários; (ii) a desatualização não foi tempestivamente suprida pelo sujeito passivo; (iii) o erro não é imputável à AT e, (iv) a AT estava vinculada ao teor da decisão que tomou;

5.            Inconformada, vem a Requerente reagir contra as liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, bem como contra o ato de indeferimento da Revisão Oficiosa, com fundamento em violação de lei, inclusive a Constitucional, violação das garantias institucionais e procedimentais, violação dos imperativos do princípio da substância sobre a forma, violação da proibição da duplicação da coleta, por erro da AT;

6.            Os prédios identificados foram integrados, em julho de 2003, no domínio público municipal da Câmara Municipal de ..., tendo sido exigido à Requerente o respetivo IMI, correspondente aos anos de 2012 a 2015, da quantia global de € 6 043,53, umas vezes integrado apenas na terceira prestação e outras, por valores diferentes, sem que a AT tenha alguma vez demonstrado o percurso cognitivo utilizado para chegar a essa conclusão;

7.            Nos termos do artigo 13.º, do Código do IMI, a inscrição de prédios na matriz e a atualização desta são efetuadas com base em declaração do sujeito passivo, considerando-se como tal aquele que, em 31 de dezembro do ano a que respeita o tributo, tenha o uso e fruição do prédio, competindo ao Chefe do Serviço de Finanças proceder oficiosamente às necessárias atualizações, quando o sujeito passivo o não faça, pois, nos termos do artigo 78.º, do Código do IMI, a organização e conservação das matrizes incumbe aos serviços de finanças onde os prédios se encontram situados;

8.            O regime temporal do artigo 130.º, do Código do IMI, não é aplicável ao caso concreto, nomeadamente o seu n.º 8 em que se afirma que “os efeitos das reclamações, bem como o das correções promovidas pelo chefe de finanças competente, efetuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo, só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a retificação”;

9.            A revisão oficiosa das liquidações de IMI encontra-se prevista e regulada no artigo 115.º do Código do IMI, que dispõe: “sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas: c) quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”;

10.          No caso concreto, encontram-se preenchidos os pressupostos de revisão oficiosa do ato tributário: (i) as liquidações ocorreram com base no erro dos serviços; (ii) de forma ilegal, em preterição de garantias institucionais procedimentais; (iii) gerou uma injustiça grave na esfera da Requerente, que viu os seus custos aumentarem sem qualquer tipo de justificação, em violação direta dos artigos 13.º, n.º 2, 18.º e 268.º da CRP;

11.          As liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2015 enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e erro de direito, dada a divergência entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu e a sua real ocorrência e a inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa à base factual convocada;

12.          Para além de que tais atos tributários não se encontraram fundamentados, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 268.º, da Constituição, e no artigo 77.º, da LGT;

13.          O artigo 55.º, da LGT, vincula a AT ao Princípio da Justiça e ao Princípio da Proporcionalidade, devendo a administração tributária “abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua atuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se na restrição dos direitos individuais ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa” (Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa;

14.          Decorre ainda da jurisprudência que “(…) o princípio da justiça obriga a que a AT se norteie por critérios de isenção e imparcialidade no apuramento das situações, ainda que tais diligências sejam contrárias ao interesse financeiro do Estado” (Ac. Do TCA Sul, de 25.06.2008, Processo n.º 0291/08);

15.          A falta de fundamentação material das liquidações em crise afeta o núcleo essencial do direito fundamental (nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º, do CPA) da Requerente e deve, por isso, ser culminada com o desvalor de nulidade, face à ilegalidade decorrente da violação dos imperativos legais dos artigos 153.º do CPA e 77.º da LGT;

16.          Caso assim não se entenda, deverão ser aqueles vícios sancionados com o desvalor da anulabilidade, nos termos do artigo 163.º, do CPA, ex vi alínea d) do artigo 2.º do CPPT;

17.          Afigurando-se manifestamente ilegal o indeferimento da revisão oficiosa, bem como das liquidações de IMI em causa, deve a Requerente ser integralmente ressarcida do valor do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT.

                b. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            Os artigos ... e ... da matriz urbana da União das Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Loures, correspondem aos artigos ... e ... da extinta freguesia da ... e, de acordo com a Certidão n.º .../2015, de 02.11.2015, da Câmara Municipal de ..., integram o domínio público municipal, conforme o Alvará de Loteamento nº .../99, de 08.10 e Aditamentos de 25.06.2003;

2.            Em 12.11.2015, a Requerente apresentou reclamação nos termos do artigo 130.º, do Código do IMI, pedindo a alteração da titularidade dos artigos ...  e ...  para o Município de ..., juntando, entre outros documentos, a Certidão n.º .../2015, do Município de ...;

3.            O pedido foi deferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., de 16.03.2019, devidamente notificado à Requerente, tendo sido parcialmente anulada a liquidação de IMI do ano de 2015;

4.            Posteriormente, a Requerente formulou pedido de revisão das liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2015, indeferido por despacho da Senhora Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis (DSIMI); porém, no que se refere ao ano de 2015, conforme é determinado nos pontos 5 e 6 da decisão da RO, os efeitos da alteração da titularidade produziu efeitos ao ano de 2015, tendo a liquidação de 2015 sido anulada parcialmente quanto aos artigos ... e ..., “entrando o valor a restituir em acerto de contas com as prestações de IMI seguintes”;

5.            Face ao teor do n.º 8 do artigo 130.º, do Código do IMI, e do artigo 78.º, da LGT, foram mantidas as liquidações de IMI referentes àqueles imóveis e aos anos de 2012 a 2014, emitidas e notificadas corretamente à Requerente que, de acordo com os dados constantes na matriz, era a sua proprietária e, como tal, sujeito passivo do imposto;

6.            Não se poderá imputar qualquer erro à AT na emissão das liquidações de IMI em causa, porquanto esta desconhecia que os referidos prédios tinham passado para o domínio público municipal em 2003;

7.            O pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI apresentado em 02.05.2016 foi indeferido, quanto aos anos de 2012 a 2014, por se entender que as mesmas foram emitidas com base nos dados inscritos nas matrizes prediais à data dos factos tributários, ou seja, a 31 de dezembro do ano a que se reportam;

8.            Atendendo aos factos trazidos aos autos e, designadamente, à comprovada inexistência de erro imputável aos serviços na atualização das matrizes, por só em 2015 a Requerente ter promovido a alteração da titularidade dos prédios, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa deduzido em 02.05.2016 não teria a virtualidade de reapreciar as liquidações de IMI controvertidas, tendo em consideração os pressupostos a que se referem os n.ºs 1 e 4 do art. 78º da LGT;

9.            Assim como é de concluir que o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas não padece de qualquer ilegalidade, devendo ser mantido;

10.          Relativamente à alegada falta de fundamentação das liquidações de IMI impugnadas, a Requerente não tem razão nos argumentos invocados, desde logo, porque dos documentos juntos aos autos, se verifica que a liquidação em causa cumpre todos os requisitos, nomeadamente contém as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, conforme estabelece o artigo 77.º, da LGT;

11.          Para além disso, o teor da petição inicial comprova que a Requerente compreendeu todas as razões que fundamentaram o ato visado, não tendo demonstrado qualquer incompreensão quanto aos fundamentos das liquidações impugnadas;

12.          De tudo o exposto resulta que o ato impugnado não padece de qualquer vício, tendo procedido a uma correta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão da Requerente;

13.          A administração fiscal, à data da emissão das liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2014, apenas dispunha dos dados inscritos nas matrizes prediais, por não saber, nem ter modo de saber, a alteração da titularidade dos imóveis para o domínio público, sendo que, até 2015, o imposto foi pago pontualmente pela Requerente;

14.          Assim, por não se verificar qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, devendo a entidade Requerida ser absolvida de todos os pedidos;

15.          Resulta do articulado na Petição Inicial e de todos os documentos carreados aos autos pela Requerente e constantes no Processo Administrativo, que não há necessidade de produção de prova de quaisquer factos, além dos que estão documentalmente provados no processo, não se vislumbrando necessidade de audição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

Pelo Despacho Arbitral de 07.07.2020, foi decidido dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, designando-se o dia 21 de setembro de 2020 como data previsível para prolação da decisão arbitral e advertindo-se a Requerente para oportuno pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

A Requerente apresentou alegações escritas no prazo designando, sustentando a posição defendida na petição inicial. A Requerida não contra-alegou.

 

II. SANEAMENTO

1.            O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 21 de fevereiro de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir;

5.            O prazo a que se refere o artigo 21.º, do RJAT, ficou suspenso, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, até à sua revogação pelo artigo 8.º, da Lei n.º 16/2020, de 29.05.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue:

 

A.           Factos Provados:

a.            Por requerimento com entrada no Serviço de Finanças de Loures ... em 12.11.2015, a Requerente pediu a eliminação matricial, ou o averbamento em nome do Município de ..., dos prédios urbanos designados pelos artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ...  e ..., daquele concelho (cfr. Doc. 14 junto ao PPA e PA, que se dá como reproduzido);

b.            Os referidos prédios, anteriormente inscritos sob os artigos ... e ..., respetivamente, da extinta freguesia de ..., passaram a integrar o domínio público municipal, pelo alvará de loteamento nº .../99, de 08.10 e Aditamentos de 25.06.2003, conforme a certidão .../2015, de 02.11.2015, da Câmara Municipal de ... e certidão da ... Conservatória do Registo Predial de Loures, de 03.08.2015 (cfr. Doc. 14 junto ao PPA e PA);

c.            O pedido foi deferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., de 16.03.2016, notificado à Requerente pelo ofício n.º ..., daquele Serviço de Finanças, de 28.03.2016, tendo sido alterada para o Município de ... a titularidade dos artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ...  e ... (cfr. Docs. 15 e 16 juntos ao PPA e PA, que se dão como reproduzidos);

d.            Em 28.04.2016, invocando a alteração da titularidade dos prédios identificados, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º, da Lei Geral Tributária (LGT), pedido de revisão oficiosa das respetivas liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2015 (cfr. Doc. 15 juntos ao PPA e PA);

e.            A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMI emitidas em seu nome para os anos de 2012 a 2015 (cfr. Docs. 1 a 12 juntos ao PPA, que reproduzem o rosto das notas de cobrança relativas a cada uma das prestações daqueles anos, averbadas do respetivo pagamento e PA e que se dão como reproduzidos);

f.               O pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI identificadas, deu origem ao procedimento n.º ...2016..., do Serviço de Finanças de Loures ..., no âmbito do qual foi prestada a informação que se dá por integralmente reproduzida e que parcialmente se transcreve (cfr. PA): “(…) O processo foi instaurado com base em requerimento apresentado em 02/05/2016 pela procuradora da firma peticionante.

Através da petição vem o sujeito passivo requerer a devolução do IMI pago relativamente aos anos de 2012 a 2015 referente aos artigos matriciais indicados em epígrafe (…).

As respetivas notas de cobrança encontram-se pagas. (…)

No que ao ano de 2015 respeita a liquidação do imposto já foi oficiosamente revista nos termos do artº 115 do CIMI, pelo que os efeitos pretendidos pelo sujeito passivo já foram concretizados à margem deste processo.”;

g.            O procedimento de revisão oficiosa n.º ...2016... foi indeferido, quanto às liquidações dos anos de 2012 a 2014, por despacho da Senhora Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, notificado à Requerente por ofício daquele serviço central da AT, datado de 28.08.2019 (cfr. Doc. 13 junto ao PPA e PA, que se dá como reproduzido);

h.            A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI referentes aos prédios identificados no PPA está suportada em informação que se dá por integralmente reproduzida e da qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. PA):

“(…) B. Com relevância para a decisão, apurou-se a seguinte factualidade: (…)

2.Na sequência do despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., de 16.03.2016, relativo a pedido de eliminação de prédio urbano ou averbamento em nome do Município de ... apresentado em 12.11.2015, procedeu-se à alteração da titularidade dos Arts. U... e U-... por se verificar e comprovar que, em face dos elementos apresentados, os mesmos passaram a integrar a área do domínio público desse município, com efeitos a 31.12.2015.

3.A promoção dessa alteração, deu origem à anulação parcial da liquidação de IMI de 2015 e, consequentemente, ao reembolso do valor indevidamente pago, cujo acerto se concretizou na liquidação de 02.04.2016. (…) 

C. Apreciação do pedido de revisão oficiosa

O pedido de revisão oficiosa apresentado em 29.04.2016 tem por objeto a reapreciação das liquidações de IMI de 2012 a 2015 relativamente aos Arts. U-... e U-... localizados na União das freguesias de ..., ... e ..., do concelho de Loures. (…)

Parecer

1.No conspecto dos atos tributários serem revistos pelo órgão que os praticou, podem os sujeitos passivos, de acordo com o disposto no n.º 1 do Art. 78º da LGT, por sua iniciativa, dentro do prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, solicitar a sua revisão, podendo também a AT revê-los por sua iniciativa, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, nada obstando a que este dever de revisão – oficiosa – ocorra também a pedido do contribuinte dentro dos limites temporais em que a AT o pode fazer (Art. 78º n.º 7 da LGT).

2.Configurando este último, o caso dos autos e daí a admissibilidade do pedido, a matéria a apreciar reconduz-se a saber se, nos anos de 2012 a 2015, o IMI liquidado e exigido à requerente é (i)legal e se o mesmo, em face do enquadramento legal a que se subordina, deve ser reembolsado.

3.A sustentar a revisão dos atos tributários desses anos, está a alteração da titularidade de 2 prédios determinada por despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Loures ..., de 16.03.2016, com o qual, a aqui requerente, obteve procedência na reclamação das matrizes apresentada em 12.11.2015.

4.Nesse sentido, seja neste ou em qualquer caso em que haja uma correção dessa natureza, o procedimento de liquidação é oficiosa e automaticamente revisto e substituído por (outro ato) que traduza a nova situação tributária, originando não só a correção da coleta exigida por ato anterior, como também, se for caso disso, a restituição do montante indevidamente liquidado e cobrado.

5.Com efeito, no caso a que os autos se reportam, e tendo em conta que a alteração da titularidade dos prédios da matriz postula, nos termos do Art. 130º n.º3 alínea c) do CIMI, a produção de efeitos à data do pedido (12.11.2015) ou no limite, à data do encerramento da matriz (31 de dezembro do respetivo ano), qualquer ato – de revisão – praticado sobre o  ano de 2015 deve considerar-se inútil, desde logo porque os efeitos do averbamento requerido produziram-se no próprio ano de 2015, agora em revisão, levando a que sobre essas realidades físicas deixasse de ser liquidado imposto.

6.É justamente isso que resulta da aplicação informática, pois que em 02.04.2016 a liquidação inicial foi parcialmente anulada, entrando o valor a restituir em acerto de contas com as prestações do IMI seguintes.

7.No que se refere aos anos de 2012 a 2014, prevendo-se a possibilidade dos sujeitos passivos reclamarem administrativamente da incorreção das descrições matriciais sob qualquer um dos fundamentos previstos no Art. 130º n.º 3 do CIMI, ou qualquer outro fundamento atípico, o n.º 8 da mesma norma determina que os efeitos desse pedido só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido (de correção matricial).

8.Sendo, portanto, esta uma questão prejudicial aos atos em revisão, em bom rigor esses efeitos só têm aplicação ao ano de 2015 e seguintes ficando os anos de 2012 a 2014 de que pede revisão prejudicados, dado que não é conhecido qualquer meio de reação contra aquelas incorreções, tornando-se inimpugnáveis ao ano de 2015, nem a retroatividade daqueles efeitos tem acolhimento legal.

9.Além do mais, a questão suscitada com o pedido de correção das duas inscrições matriciais era de longa data conhecida pela requerente, já que a alteração de titularidade ocorreu em 1999 com a emissão pelo município do alvará de loteamento n.º .../99, de 8 de outubro e demais aditamentos que determinaram a passagem daqueles prédios para o domínio público.

10. O lapso de tempo entretanto decorrido sem que, por qualquer modo, peticionasse a atualização da matriz, consolida a sujeição dos prédios a tributação na sua esfera, eximindo-se o órgão requerido de qualquer impulso nas atualizações requeridas por falta de conhecimento prévio.

11.Incidindo, assim, o pedido de revisão de atos tributários sobre realidades físicas que estavam validamente inscritas na matriz, não se vislumbram vícios que afetem a validade e os efeitos produzidos nos atos em revisão, considerando-se legais.”. (…).

i.             O pedido de pronúncia arbitral deu entrada em 02.12.2019 (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, bem como da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

1.            Ordem de apreciação dos vícios.

Determina o n.º 1 do artigo 124.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que “Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação”, segundo a ordem estabelecida pelo seu n.º 2, alíneas a) e b).

 

Ora, vem a Requerida invocar a falta de fundamentação material das liquidações de IMI que impugna, considerando que tal vício afeta o núcleo essencial do direito fundamental consagrado no n.º 3 do artigo 268.º, da CRP, devendo, por isso, serem aqueles atos cominados com o desvalor de nulidade, nos termos do (alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º, do CPA).

 

O n.º 1 do artigo 161.º, do CPA prevê expressamente que “São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, contendo o seu n.º 2 uma enumeração exemplificativa das situações em que a desconformidade jurídica dos atos acarreta a sua nulidade, entre as quais a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, vício que, já anteriormente à reforma de 2015, determinava a nulidade do ato administrativo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º, do CPA de 1991.

 

No âmbito do anterior CPA e sobre o vício do ato tributário não fundamentado, escreveu Jorge Lopes de Sousa que “A falta de fundamentação constitui, em regra, vício do ato gerador de mera anulabilidade, uma vez que é essa a sanção prevista para violações da lei para as quais não se prevê outra sanção (art. 135.º do CPA).

Nomeadamente, em matéria tributária, a falta de fundamentação não se enquadra em qualquer das situações de nulidade, previstas no art. 133.º, n.ºs 1 e 2 d CPA, não estando em causa o conteúdo essencial do direito fundamental de acesso aos tribunais ou um elemento essencial do ato administrativo.” .

 

Sufragando o entendimento transcrito e, levando em conta que o invocado vício não é suscetível de produzir a nulidade das liquidações de IMI objeto dos autos, passaremos à análise das restantes questões decidendas, a fim de aferir se aquelas liquidações padecem de vícios determinantes da sua anulação.

 

2.            Questões a decidir.

a.            Do objeto do pedido

Para além da questão prévia já analisada, a primeira das questões a decidir prende-se, desde logo, com o objeto do pedido.

 

A Requerente formula as pretensões de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI relativas aos anos de 2012 a 2015 e aos prédios urbanos que identifica; porém, como a própria reconhece no artigo 13 do pedido de pronúncia arbitral e reitera no artigo 28 das suas Alegações escritas, a Requerida “viria a indeferir o pedido para anular parcialmente as Liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013 e 2014, e deferir parcialmente o pedido de revisão referente à Liquidação de IMI do anos de 2015”.

 

No procedimento de revisão oficiosa n.º ...2016..., os serviços da AT prestaram informações no mesmo sentido, de que “No que ao ano de 2015 respeita a liquidação do imposto já foi oficiosamente revista nos termos do artº 115 do CIMI, pelo que os efeitos pretendidos pelo sujeito passivo já foram concretizados à margem deste processo” e “em 02.04.2016 a liquidação inicial foi parcialmente anulada, entrando o valor a restituir em acerto de contas com as prestações do IMI seguintes” (alíneas f) e g) do probatório).

 

As informações oficiais, quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objetivos (cfr. os artigos 76.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 2, do CPPT), como se afigura ser o caso das que se transcrevem e são aceites pela Requerente, constituem prova bastante, a menos que o interessado produza contra prova, de modo a gerar, no espírito do julgador, dúvidas sobre a sua veracidade .

 

Tendo a Requerente pedido, em sede de revisão oficiosa, a anulação parcial das liquidações de IMI do ano de 2015 referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ... e ..., do concelho de Loures e obtido a satisfação da sua pretensão pela via administrativa, em data anterior à da propositura da presente ação arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido, nessa parte, por manifesta impossibilidade, dada a ausência de objeto.

 

b.            Da (i)legalidade das liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013 e 2014.

Fundamenta a Requerente o seu pedido anulatório na ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI dos anos indicados e referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ... e..., do concelho de Loures, assim como na ilegalidade das mesmas liquidações, por padecerem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciados, por um lado, na divergência entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu e a sua real ocorrência e, por outro, na inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa à base factual convocada.

 

Quanto ao erro sobre os pressupostos de facto, alega a Requerente não ser sujeito passivo do imposto, por os prédios a que as liquidações respeitam não lhe pertencerem há mais de uma década à data em que foram emitidas, do que a AT deveria ter conhecimento, por não ser possível um ato translativo da sua propriedade, sem que ao comprador fosse liquidado o correspondente imposto sobre as transmissões (à data, o Imposto Municipal de Sisa).

 

E que, competindo ao Chefe do Serviço de Finanças promover, por iniciativa do sujeito passivo ou, na sua falta, oficiosamente, a inscrição dos prédios na matriz e a atualização desta, a emissão, em seu nome, das liquidações de IMI que ora impugna, se deve exclusivamente a erro dos serviços.

 

Crê-se, no entanto, que carece de razão, no que ao erro dos serviços respeita.

 

O Chefe do Serviço de Finanças da área da localização dos prédios tem, efetivamente, o dever de promover a atualização das matrizes, ainda que falte a iniciativa dos interessados; contudo, só poderá atualizar a identidade dos proprietários, se tiver conhecimento de que houve mudança do respetivo titular (artigo 13.º, n.º 3, alínea c), do Código do IMI).

 

No caso concreto, contrariamente ao aventado pela Requerente, não houve lugar a liquidação do imposto da sisa, dado que o adquirente, o Município de ..., beneficiou da isenção automática estabelecida pelo artigo 13.º, n.º 2, do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações para “As autarquias locais e suas associações de direito público e federações”.

Não estando provado que o Chefe do Serviço de Finanças tivesse tido conhecimento da mudança da titularidade dos prédios, não lhe poderá ser imputada a desatualização das matrizes, na origem da emissão dos atos tributários impugnados.

 

 No que respeita à incidência subjetiva do imposto, determina o artigo 8.º, do Código do IMI, que este é devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar (n.º 1), estabelecendo a presunção de que é proprietário quem como tal figure na matriz àquela data (n.º 4).

 

Tratando-se de presunção contida numa norma de incidência, sempre é admissível prova em contrário (cfr. o artigo 73.º, da LGT), prova que a Requerente, inequivocamente, produziu e lhe permitiu obter a correção matricial quanto à titularidade dos prédios urbanos inscritos sob os artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ... e ..., ao abrigo do disposto no artigo 130.º, do Código do IMI, conforme o despacho que lhe foi notificado pelo ofício n.º..., do Serviço de Finanças de Loures ..., de 28.03.2016, bem como a anulação parcial das liquidações de IMI do ano de 2015, referentes aos mesmos prédios, conforme se alcança das informações prestadas no procedimento de revisão oficiosa n.º ...2016... .

 

Porém, não se conforma a Requerente com o alcance temporal atribuído à correção matricial daqueles prédios urbanos, nos termos do n.º 8 do artigo 130.º, do Código do IMI, segundo o qual “Os efeitos das reclamações, bem como o das correções promovidas pelo chefe do serviço de finanças competente, efetuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo, só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a retificação.”.

 

Por esse motivo, e tendo feito prova de não ser o proprietário inscrito na matriz predial, apresentou pedido de revisão das liquidações de IMI, nos termos do artigo 78.º, da LGT, o qual viria a merecer decisão de indeferimento, por considerar a AT que não se encontravam reunidos os pressupostos de que depende a revisão oficiosa dos atos tributários, maxime, por já ter decorrido o prazo da reclamação administrativa e a emissão das liquidações dos anos de 2012 a 2014, como já ficou dito, não ser devida a erro dos serviços.

 

Quanto ao ano de 2015, a AT apenas se pronunciou pela inutilidade de apreciação do pedido, por já ter sido satisfeita a pretensão da Requerente, com a anulação parcial da liquidação daquele ano, por referência aos prédios identificados, o que a Requerente não contesta.

 

Considerou ainda a AT, no ponto 8 do Parecer sobre que incidiu o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que “não é conhecido qualquer meio de reação contra aquelas incorreções” (cfr. alínea h) do probatório).

 

No entanto, não é a incorreção da inscrição matricial, já suprida na sequência do anterior despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças, que constitui objeto do pedido de revisão oficiosa, mas sim as liquidações de IMI, ilidida que foi a presunção de propriedade dos prédios sobre que as mesmas recaíram, nos anos indicados.

 

Como decorre do pedido, o que a Requerente pretende, afinal, é a anulação das liquidações já identificadas, importando saber se, para obter aquele efeito jurídico, lançou mão do meio procedimental próprio.

 

Ora, em caso de erro sobre o procedimento adequado à obtenção daquele resultado, estava a Requerida obrigada a, oficiosamente, proceder à convolação na forma adequada, como lhe impõe o artigo 52.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), convolação que, além do mais, “encontra, ainda, justificação atenta a necessidade de sobreposição do imperativo de obtenção da justiça material aos entraves de índole formalista.” .

 

O artigo 115.º, do Código do IMI, tendo por epígrafe “Revisão oficiosa da liquidação e anulação”, aponta no sentido de ser possível a anulação de uma liquidação daquele imposto, ainda que não estejam reunidos os pressupostos para a revisão oficiosa, designadamente nos casos em que, não sendo imputável a erro dos serviços, o atraso na atualização das matrizes leve a que o imposto tenha sido liquidado em nome de outrem que não o sujeito passivo, apenas com a ressalva de que o imposto “não tenha ainda sido pago”.

 

Crê-se, contudo, que a intenção do legislador ao determinar que as liquidações de IMI só possam ser anuladas se o imposto não tiver sido pago, se prenderá com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários a que se refere o n.º 2 do artigo 30.º, da LGT, enquanto corolário do princípio da legalidade, e com a eventual impossibilidade de o mesmo vir a ser exigido ao devedor, dentro do prazo de caducidade.

 

Então, quid juris, se o imposto tiver sido pago, como acontece na situação em apreço?

 

Apela a Requerente aos princípios da justiça e da proporcionalidade, consagrados no artigo 55.º, da LGT, e que devem nortear a atuação administrativa, citando Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, no dizer que “a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua atuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se na restrição dos direitos individuais ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa” .

 

Questiona Rui Duarte Morais  se a administração fiscal poderá, “em nome dos princípios que regem a sua atuação, como sejam os da justiça material e da proporcionalidade, desrespeitar a previsão legal, o tipo legal de imposto”. Citando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o Autor mostra-se favorável a tal solução, sugerindo, embora, a criação de uma cláusula geral que expressamente a tal autorizasse a administração, “até para se evitar situações em que a tributação, feita por aplicação mecanicista da lei, resulte manifestamente injusta”.

 

Já Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade  manifestam a opinião de que “A Administração Tributária está obrigada ao cumprimento das disposições legais (…). Não sendo assim violar-se-ia frontalmente o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ao qual a Administração Tributária está adstrita através do artigo 30.º da LGT. (…) não pode desrespeitar a lei (…) em nome da justiça material e da proporcionalidade, não devendo porém descurar na interpretação das normas estes (e os demais) princípios que norteiam o sistema fiscal.”.

 

Ora, na situação a que se reportam os autos, apesar de o imposto ter sido pago, estava a AT obrigada a, oficiosamente, convolar o procedimento de revisão oficiosa no procedimento de anulação previsto no artigo 115.º, do Código do IMI, conforme determinado pelo artigo 52.º, do CPPT, procedendo à anulação das liquidações de IMI em causa, sem incorrer na violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, porquanto o verdadeiro sujeito passivo do imposto está dele isento, nos termos do artigo 11.º, do Código do IMI, não se verificando, consequentemente, qualquer prejuízo para o interesse público.

 

Termos em que deve ser considerada procedente a pretensão da Requerente quanto à declaração de ilegalidade e à anulação das liquidações de IMI dos anos indicados, referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ... e ..., do concelho de Loures.

 

c.            Da restituição do tributo indevidamente pago e dos juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

Por outro lado, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, fica a AT vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

 

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

Na situação dos autos, a reposição da situação que existiria se as liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2014, referentes aos prédios identificados no pedido de pronúncia arbitral, não tivessem sido efetuadas em nome da Requerente, passará, necessariamente, pela restituição dos valores por esta indevidamente pagos.

 

Contudo, não é possível, com os elementos que constam do processo, decidir em que medida há direito ao reembolso da peticionada quantia de € 6 043,53, tanto mais que, previamente à apresentação do pedido, já a AT tinha procedido à anulação parcial das liquidações do ano de 2015, para compensação com as prestações subsequentes.

 

Assim, a quantia a reembolsar à Requerente deverá ser determinada pela Requerida, em execução da presente decisão arbitral.

Quanto aos juros indemnizatórios, tendo-se concluído, pelos motivos acima expostos, não ter havido erro imputável aos serviços na emissão das liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2014 e, sendo o erro dos serviços pressuposto essencial do dever de indemnizar, não se reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

 

d.            Questões de conhecimento prejudicado

Face ao disposto no n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, e às soluções acima delineadas, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente, irrelevantes para a decisão da causa.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados supra, decide-se:

 

a.            Declarar a ilegalidade da decisão proferida no procedimento de revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014 e aos prédios urbanos identificados, bem como das mesmas liquidações, determinando a sua anulação;

b.            Julgar o pedido improcedente, no que respeita à anulação das liquidações de IMI do ano de 2015, referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos ... e ... da União das Freguesias de ..., ... e ..., do concelho de Loures, por inexistência do respetivo objeto;

c.            Condenar a Requerida na restituição do valor do imposto pago em excesso pela Requerente, por referência às liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013 e 2014 e aos sobreditos prédios urbanos, a determinar em execução da presente decisão arbitral;

d.            Não reconhecer à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6 043,53 (sei mil, quarenta e três euros e cinquenta e três cêntimos), indicado pela Requerente.

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a repartir pela Requerente e pela Requerida, na proporção de 25% e de 75%, respetivamente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de setembro de 2020.

 

O Árbitro,

Mariana Vargas

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.