DECISÃO ARBITRAL
A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, o qual foi constituído em 17 de fevereiro de 2020.
I. RELATÓRIO
1. A..., cidadão sul-africano, portador do passaporte número M..., emitido pelas entidades competentes da África do Sul em 24.02.2016, válido até 23.02.2026, e do número de contribuinte ..., e B..., cidadã sul-africana, portadora do passaporte número M..., emitido pelas entidades competentes da África do Sul em 24.02.2016, válido até 23.02.2026, e do número de contribuinte ..., casados entre si sob o regime sul-africano denominado community of property with accrual (traduzido para português como comunhão parcial de bens), ambos residentes em ..., ..., África do Sul (doravante conjuntamente designados por, Requerentes), cujo serviço periférico local atual é o Serviço de Finanças de Lisboa ..., apresentaram no dia 25 de novembro de 2019 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, Requerida).
No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes pedem (i) a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2019 ... respeitante ao ano de 2018, compreendendo um montante de imposto a pagar pelos Requerentes de EUR 34948,07 (tinta e quatro mil, novecentos e quarenta e oito euros, sete cêntimos) (doravante, ato impugnado), (ii) a restituição das quantias indevidamente suportadas pelos Requerentes e (iii) o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.
2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 26 de novembro de 2019, e foi notificado aos Requerentes em 2 de dezembro de 2019.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, em 16 de janeiro de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 16 de janeiro de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 17 de fevereiro de 2020.
6. Em 17 de fevereiro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.
7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta em 15 de junho de 2020 (dentro do prazo legal, tendo em consideração a suspensão geral dos prazos judiciais que esteve em vigor entre os dias 9 de março e 3 de junho de 2020, nos termos do disposto no artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de março, republicada pela Lei 16/2020 de 29 de maio).
8. Em 1 de julho de 2020 foi proferido despacho arbitral que:
(i) dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e (em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade do mesmo) nos termos do artigo 19.º e do artigo 29.º n.º 2 do RJAT; e
(ii) Indicou o dia 1 de setembro de 2020 (termo do prazo de seis meses, previsto no disposto no artigo 21.º do RJAT, sem considerar a suspensão prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, republicada pela Lei 16/2020 de 29 de maio) para prolação da decisão arbitral.
9. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes pugnam pela ilegalidade e consequente anulação do ato impugnado, com os seguintes argumentos:
a) Em 7 de Janeiro 2015, os Requerentes adquiriram a fração autónoma, individualizada pela letra “C”, que constitui o primeiro andar esquerdo para habitação, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.ºs..., ..., ... e..., e Travessa ... n.ºs..., ... e ..., freguesia de ..., conselho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da Freguesia de ... (doravante, fração);
b) A fração foi adquirida pelo valor de EUR 120.000,00 (cento e vinte mil euros) e, dada a residência dos Requerentes na África do Sul, destinava-se à sua habitação secundária;
c) Em 25 de Setembro de 2018, os Requerentes alienaram a fração pelo valor de EUR 255 000,00 (duzentos e cinquenta e cinco mil euros);
d) Em 19 de Junho de 2019, dentro dos prazos legalmente previstos, os Requerentes entregaram a Declaração de IRS do ano 2018, onde foi, entre outros rendimentos, declarada a mais-valia e as despesas relacionadas com alienação e aquisição, bem como os encargos relacionados com a sua valorização, cada um na proporção de 50%;
e) Alegam os Requerentes que quanto às opções de tributação da mais-valia obtida, o Anexo G do Modelo 3 aprovado pela Portaria n.º 404/2015 de 16 de Novembro de 2015 permitia a escolha entre três opções:
1) Opção pela tributação de acordo com o regime geral, ou seja, aplicação de taxa liberatória de 28% à totalidade de mais-valia obtida;
2) Opção pelas taxas gerais progressivas do artigo 68.º do Código de IRS, sendo as taxas aplicadas à metade da mais-valia declarada;
3) Opção pelo regime de residentes de acordo com Artigo 17.º-A do Código do IRS, aplicável quando os rendimentos obtidos em Portugal representem, pelo menos, 90% da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa.
f) Por conseguinte, entendem os Requerentes que os campos do Anexo G do Modelo 3 limitavam-se exclusivamente às opções acima elencadas, sendo os Requerentes obrigados assinalar apenas os campos disponibilizados. Assim, optaram os Requerentes pela opção citada no ponto 1) – tributação de acordo com o regime geral, segundo a qual a taxa de 28% incidiria sobre a totalidade de mais-valia obtida;
g) Em 6 de Agosto de 2019, os Requerentes foram notificados do ato impugnado, que fez incidir IRS (à taxa de 28%) sobre a totalidade da mais-valia obtida pelos Requerentes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 43.º nº 1 e 72.º nº 1 al. (a) do Código do IRS;
h) Os Requerentes pugnam pela ilegalidade do ato impugnado, por entenderem que a redação do artigo 43.º, número 2 do Código do IRS — que, para os residentes fiscais em Portugal, exclui de tributação, em sede de IRS, 50% da mais-valia (imobiliária) realizada — viola o Direito da União Europeia (“UE”), em particular, a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e seguintes do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)), constituindo este regime uma discriminação injustificada que PREJUDICA injustificadamente os cidadãos não residentes. A posição dos Requerentes é sustentada com base no Acórdão Hollman (do Tribunal de Justiça da União Europeia), proferido no processo C-443/06, que reitera que esta norma é violadora das normas de Direito Comunitário expostas. Os Requerentes defendem a aplicação deste entendimento, mesmo que este regime possa ser afastado pelos não residentes, mediante o exercício de uma opção (em consequência da alteração legislativa operada pela Lei 67-A/2007 de 31 de dezembro ao artigo 72.º do Código do IRS, publicada já depois da publicação do Acórdão Hollman, do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo C-443/06);
i) Os Requerentes consideram que têm direito à eliminação da discriminação prevista no número 2 do artigo 43.º do CIRS (apesar de serem residentes na África de Sul — um país que não faz parte dos estados-membros da EU ou dos Estados que integram o Espaço Económico Europeu). Referem os Requerentes que o próprio TJUE já veio pronunciar-se sobre esta questão, numa situação em que estavam em causa mais-valias realizadas por um residente em Angola;
j) Na fundamentação do seu pedido, os Requerentes citam extensamente jurisprudência Nacional, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD, bem como jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE);
k) Mais defendem os Requerentes que o valor total do imposto a restituir é de EUR 16.385,45 e pedem ainda a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.
10. Na sua Resposta, a Requerida pede:
a) que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, porque a Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 aditou o n.º 7 (n.º 9 à data dos factos) ao artigo 72º do Código do IRS — no sentido de adaptar a legislação Nacional ao teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11.10.2007 — passando as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, a ter um campo para ser exercida a opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS. Assim, conclui a Requerida que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 [atuais 13 e 14] ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Pede ainda a improcedência do pedido de condenação em juros indemnizatórios, por entender que não se mostra verificado o preenchimento do requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou ter sido cometida, por [esta], qualquer ilegalidade;
b) que, alternativamente, seja determinada a suspensão da instância até decisão do reenvio prejudicial ao TJUE realizado no processo arbitral n.º 598/2018-T, por entender a Requerida que a redação do artigo 72º do Código do IRS introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resulta um novo quadro normativo — que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis — que ainda não foi alvo de análise para efeitos de verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário. Entende a Requerida que no caso concreto, levantam-se dúvidas suficientes, em face da decisão arbitral proferida no processo n.º 598/2018-T, que obstam à aceitação do entendimento dos aqui Requerentes sem prévia consulta/decisão do TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados. Em face de do reenvio prejudicial já suscitado no processo n.º 598/2018-T, pede a Requerida que a presente instância arbitral ser suspensa (cf. artigo 29º do RJAT; artigos 269º nº 1 alínea c) e nº 1 do artigo 272º do CPC) até notificação da decisão do TJUE no referido processo n.º 598/2018-T, a qual irá estabelecer interpretação vinculativa sobre a matéria, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou.
II. SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III. FACTOS PROVADOS
1. Os Requerentes são residentes fiscais na ..., África do Sul;
2. Por escritura pública outorgada em 7 de Janeiro 2015 no Cartório de C..., os Requerentes adquiriram, pelo preço de EUR 120.000,00 (cento e vinte mil euros), a fração já melhor identificada supra para constituir a sua habitação secundária;
3. Por documento particular autenticado outorgado em 25 de Setembro de 2018, os Requerentes alienaram a fração pelo valor de EUR 255.000,00 (duzentos e cinquenta e cinco mil euros);
4. Em 19 de Junho de 2019, os Requerentes entregaram a declaração de IRS do ano 2018, como não residentes com representante fiscal em Portugal (opção 04 e 05 da secção B do campo 8 da declaração de IRS), onde, entre outros rendimentos, os Requerentes declararam a mais-valia e as despesas relacionadas com alienação e aquisição da fração, bem como os encargos relacionados com a sua valorização, cada um na proporção de 50%;
5. Na sua declaração de IRS de 2018 (campo 8-B do Modelo 3), os Requerentes assinalaram o campo 04 (não residente), preencheram o campo 05 (Representante-NIF) e não assinalaram os campos 06, 07, 08, 09, 10 e 11;
6. Na mesma declaração de IRS de 2018, os Requerentes preencheram o Anexo G com os dados dos valores de realização, aquisição e despesas;
7. Em 6 de Agosto de 2019, os Requerentes foram notificados do ato impugnado, que fez incidir IRS (à taxa de 28%) sobre a totalidade da mais-valia obtida pelos Requerentes com a alienação da fração;
8. Os Requerentes pagaram o imposto liquidado no ato impugnado, no valor de EUR 34.948,07 (tinta e quatro mil, novecentos e quarenta e oito euros, sete cêntimos), dentro do prazo de pagamento voluntário.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Da análise da declaração de IRS (Modelo 3) apresentada pelos Requerentes no que respeita ao ano fiscal de 2018, junta aos autos como documento nº 2, resulta como não provado que “no quadro 8 B (da declaração modelo 3 de IRS apresentada[)] foi assinalado (...) o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes), motivo pelo qual foi aplicada uma taxa autónoma de 28%”. Este documento não foi impugnado pela Requerida.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base na apreciação da prova documental junta aos autos pelas partes. Não se registaram quaisquer factos não provados com interesse para a resolução da causa.
V. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA
A primeira questão que importa analisar é a relevância do aditamento do n.º 7 (n.º 9 à data dos factos) ao artigo 72º do Código do IRS, realizado pela Lei n.º 67-A/2007 de 31/12, no sentido de adaptar a legislação nacional ao Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11.10.2007 (doravante, Acórdão Hollmann).
A Lei n.º 67-A/2007 de 31/12 previa que o artigo 72.º passaria a ter o nº 7 e o nº 8 com a seguinte redação:
“7 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.os 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
8 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Defende a Requerida na sua Resposta que:
“E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS. (...) Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome dos Requerentes, verifica-se que no quadro 8 B foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes). (...) Tendo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada aos Requerentes relativamente àquele ano, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação do imóvel mencionado no quadro 4 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS que entregou relativamente ao ano de 2018”.
A Requerida, claramente, não tem razão. Para além de ter resultado não provado que “verifica-se que no quadro 8 B foi assinalado [...] o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes)”, resulta também claramente da letra do disposto no artigo 72.º nº 7 e 8 (atuais números 13 e 14) na redação da Lei n.º 67-A/2007 de 31/12, que o direito de opção — pela tributação dos rendimentos à taxa que (de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68.º) seria aplicável no caso de os rendimentos serem obtidos por residentes em território português — é aplicável exclusivamente a residentes de um Estado (i) membro da União Europeia, ou (ii) do Espaço Económico Europeu desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal. No caso concreto, os Requerentes são residentes num Estado terceiro (África do Sul), pelo que, ainda que os Requerentes pretendessem exercer o direito de opção previsto no artigo 72.º nº 7 e 8 da Lei n.º 67-A/2007 de 31/12, não o poderiam fazer.
No caso concreto, o que resulta expressamente da declaração de IRS de 2018 junta pelos Requerentes como documento 2 (e que não foi impugnada pela Requerida), é que no campo 8-B da folha de rosto da declaração de IRS os Requerentes assinalaram a opção “Não residente” (campo 04), mas não assinalaram (nem poderiam assinalar, ao contrário do que parece defender a Requerida) qualquer uma das opções relativas aos regimes de tributação alternativos, como o regime geral aplicável aos residentes (campos 07 a 011), precisamente porque estas opções só estão disponíveis “Se reside na União Europeia ou no Espaço Económico Europeu indique”, o que não é o caso dos Requerentes.
No caso concreto, a questão que os Requerentes colocam é, precisamente, a da conformidade do regime geral (que sujeita a tributação em sede de IRS 100% da mais-valia obtida por um residente num País terceiro) com o Direito Comunitário, particularmente, com o disposto no artigo 63.º do TFUE, uma vez que este é o regime geral que foi efetivamente aplicado no caso concreto. O regime geral é aplicável não só (i) aos residentes nos Estados membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (que não optem por ser tributados por aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS, ou por aplicação do artigo 17.º-A do CIRS), mas também (ii) aos residentes em Estados terceiros (que não sejam Estados membro da União Europeia, ou no Espaço Económico Europeu), situação em que se enquadram os Requerentes.
Tendo em consideração o exposto, seguiremos respondendo a quatro questões essenciais:
1) O regime geral aplicável aos não residentes (artigo 10.º nº 1 al. a; artigo 43.º nº 2 e artigo 72.º nº 1 al. a, todos do CIRS) é conforme com o artigo 63.º do TFUE?
2) A resposta à questão 1 mantém-se, tendo em consideração que os Requerentes são residentes, para efeitos fiscais, em África do Sul?
3) É adequado o pedido suspensão da instância até decisão do reenvio prejudicial ao TJUE no processo arbitral nº 598/2018-T?
4) Os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios?
Questão 1
1) O regime geral aplicável aos não residentes (artigo 10.º nº 1 al. a; artigo 43.º nº 2 e artigo 72.º nº 1 al. a, todos do CIRS) é conforme com o artigo 63.º do TFUE?
No que respeita à conformidade do regime legal de tributação das mais-valias obtidas por não residentes existe uma extensa jurisprudência do CAAD (sustentada por jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo), que decidiu no sentido da desconformidade do regime de tributação das mais-valias realizadas por não residentes com o Direito da União Europeia (“UE”), particularmente com a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e seguintes do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia TFUE), dado que cria para os não residentes uma carga fiscal mais elevada do que para os residentes, criando assim um tratamento discriminatório.
Nos termos e para os efeitos do artigo 8.º nº 3 do Código Civil, vamos acompanhar a Decisão Arbitral de 8 de abril de 2019 (processo nº 600/2018-T), Tribunal presidido pelo Conselheiro Lopes de Sousa, na qual estava em causa uma liquidação de IRS de que incidiu sobre uma mais-valia obtida no ano de 2017. Esta jurisprudência já se pronuncia relativamente ao regime fiscal de tributação de mais-valias realizadas por não residentes de acordo com o regime legal em vigor após as alterações Lei n.º 67-A/2007 de 31/12. Vamos acompanhar esta jurisprudência por ser a mais recente, e mais relevante, embora reiterando que não está em causa nos presentes autos, a conformidade das alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 de 31/12 com o Direito Comunitário.
Decisão Arbitral de 8 de abril de 2019 (processo nº 600/2018-T):
“O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:
Artigo 63.º
(ex-artigo 56.º TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
O TJUE considerou incompatível o com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.
Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».
Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia». No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redacção do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109‑B/2001, de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007. Assim, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há jurisprudência específica do TJUE sobre a compatibilidade do regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, nos n.ºs 7 e 8 do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
No entanto, o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais‑valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável» (§ 54).
Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua».
Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado.
O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.
Na verdade, à matéria tributável de cada Sujeito Passivo no valor de € 108.085,28 correspondeu IRS no valor de € 30.263,88 à taxa de 28%, aplicável aos não residentes enquanto mesmo aplicando a taxa máxima de 48% (e a taxa média é necessariamente menor pois a cada escalão corresponde a respectiva taxa) a metade daquela matéria tributável o IR a pagar por cada um dos Sujeito Passivo seria de € 25.940,47 (108.082,28 / 2 x 48%).
Mesmo considerando a taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A, n.º 1, do CIRS de 2,5% aplicável à parte que excede 80.000 [(108.085,28 - 80.000) x 2,5% = 702,13] e a já extinta sobretaxa extraordinária de 3,21%, prevista no artigo 194.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, aplicável à parte que excede o valor anual da retribuição mínima mensal garantida de 7.798,00 ( 2 ) [(108.085,28 – 7.798) x 3,21% = 3.219,22), conclui-se que aplicando o regime dos residentes cada um dos Requerentes pagaria € 29.861,82 (25.940,47 + 702,13 + 3.219,22), menos do que o valor de € 30.263,88 que foi liquidado a cada um dos Requerentes.
Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.
Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado nas liquidações impugnadas”.
Mais recentemente, na Decisão Arbitral proferida em 3 de abril de 2020 no processo nº 438/2019-T (Tribunal presidido pela Conselheira Fernanda Maçãs), o Tribunal pronunciou-se exatamente no mesmo sentido, à semelhança do que aconteceu em diversas outras situações, inclusive de Decisões Arbitrais de Tribunais Singulares (como a Decisão Arbitral de 22 de maio de 2019, proferida no processo nº 74/2019-T, entre outras).
Conclui-se assim do exposto, que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2019 — regime geral concretamente aplicado na situação em causa nos presentes autos — é INCOMPATÍVEL com o artigo 63.º do TFUE, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.
Questão 2
2) A resposta à questão 1 mantém-se, tendo em consideração que os Requerentes são residentes, para efeitos fiscais, em África do Sul?
A resposta a esta questão é sim, o entendimento exposto supra aplica-se aos Requerentes enquanto residentes, para efeitos fiscais, em África do Sul (Estado Terceiro). Sobre esta questão, concordamos com o entendimento exposto pelos Requerentes e, remetemos para a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, proferida em 19 de setembro de 2017, no processo nº C‑184/18, que teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (nos termos do artigo 267.° TFUE) — na qual estava em causa as mais-valias obtidas por cidadãos residentes em Angola — que se aplica também, integralmente, à situação em causa nos autos.
Entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia na decisão proferida em 19 de setembro de 2017 (para a qual remetemos integralmente):
“Contudo, importa constatar que, como resulta da sua letra, o artigo 63.° TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados‑Membros mas igualmente entre Estados‑Membros e Estados terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Jahin, C‑45/17, EU:C:2018:18, n.° 19).
Para este efeito, o artigo 63.° TFUE proíbe de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e entre os Estados‑Membros e países terceiros.
Nestas condições, há que declarar que uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente no referido Estado‑Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.
Por conseguinte, importa verificar, por um lado, se essa restrição se inclui no âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e, por outro, se pode ser considerada objetivamente justificada, no sentido do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE.
Quanto à aplicação da exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE
Nos termos do artigo 64.°, n.° 1, TFUE, a proibição das restrições à livre circulação de capitais, no sentido do artigo 63.° TFUE, não prejudica a aplicação, aos países terceiros, das restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo da legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo, entre outros, o investimento imobiliário (Acórdão de 11 de fevereiro de 2010, Fokus Invest, C‑541/08, EU:C:2010:74, n.° 40 e jurisprudência aí referida).
No entanto, para poder beneficiar desse regime derrogatório, a legislação fiscal nacional deve satisfazer o requisito temporal e o requisito material previstos nessa disposição.
Quanto ao requisito temporal definido pelo artigo 64.°, n.° 1, TFUE, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, embora, em princípio, incumba ao órgão jurisdicional nacional determinar o conteúdo de uma legislação em vigor na data fixada por um ato da União, compete ao Tribunal de Justiça fornecer os elementos de interpretação do conceito do direito da União que serve de referência para a aplicação de um regime derrogatório previsto por esse direito a uma legislação nacional em vigor à data fixada (Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 47 e jurisprudência aí referida).
Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que uma medida nacional adotada posteriormente a 31 de dezembro de 1993 não fica, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório instituído pelo ato da União em causa. Com efeito, uma disposição essencialmente idêntica à legislação anterior ou que se limite a reduzir ou suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades consagradas pelo direito da União que constam da legislação anterior beneficiará da derrogação. Pelo contrário, uma legislação que assente numa lógica diferente da do direito anterior e institua novos procedimentos não pode ser equiparada à legislação em vigor na data tomada em consideração pelo ato da União em causa (Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 48 e jurisprudência aí referida).
No caso em apreço, segundo o tribunal de reenvio, a disposição aplicável ao litígio no processo principal, a saber, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109‑B/2001, já estava em vigor, em substância, na redação originária daquele código, em vigor desde 1 de janeiro de 1989.
Todavia, há que salientar que, na versão originária do CIRS, citada pelo órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 41.°, n.° 2, deste código, a que corresponde atualmente o artigo 43.°, n.° 2, do mesmo, não estabelecia uma distinção entre residentes e não residentes no que respeita à limitação das mais‑valias a 50% do seu valor para efeitos de determinação do imposto. Em contrapartida, na versão do CIRS em vigor à data dos factos do processo principal, na redação resultante da Lei n.° 109‑B/2001, os não residentes estão excluídos desta limitação.
Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se assim que, na sequência desta modificação legislativa, a disposição do CIRS aplicável ao litígio no processo principal assenta numa lógica diferente da subjacente à disposição correspondente que estava em vigor em 31 de dezembro de 1993. Por conseguinte, aquela primeira disposição do direito nacional não pode ser considerada como estando «em vigor» naquela data, para efeitos de aplicação do artigo 64.°, n.° 1, TFUE.
Uma vez que o requisito temporal não se encontra preenchido e que os dois requisitos, temporal e material, previstos no artigo 64.°, n.° 1, TFUE devem ser preenchidos cumulativamente, este artigo não é aplicável ao processo principal, não sendo necessário examinar se o requisito material está preenchido (Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 53).
Quanto à existência de uma justificação para a restrição à livre circulação de capitais nos termos do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE
Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados‑Membros podem estabelecer, na sua legislação nacional, uma distinção entre os contribuintes residentes e os não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
Deve, por conseguinte, ser estabelecida uma distinção entre os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE e as discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 desse mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou seja justificada por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.os 44, 45 e jurisprudência aí referida).
No que respeita, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça já precisou no n.° 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), em primeiro lugar, a tributação das mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109‑B/2001, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, o Estado‑Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa. Por outro lado, não resulta do teor desta disposição que a mesma estabeleça uma distinção entre os contribuintes não residentes em função do seu local de residência.
Resulta do exposto que não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes em causa no processo principal que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais‑valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, como os recorridos no processo principal, é comparável à dos contribuintes residentes.
Em segundo lugar, no que respeita à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, resulta do n.° 57 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), que, para justificar a conformidade do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109‑B/2001, com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, o Governo português alegou que esse regime fiscal tinha o objetivo de evitar penalizar os contribuintes residentes, no quadro da tributação das mais‑valias, por lhes ser aplicada uma taxa progressiva, e que, no caso desses contribuintes, existe uma relação direta entre o benefício fiscal resultante da tributação das mais‑valias imobiliárias com base numa matéria coletável reduzida a metade e as taxas de tributação progressiva aplicáveis ao conjunto dos seus rendimentos. O Tribunal de Justiça considerou, no entanto, nos n.os 58 a 60 desse acórdão, em substância, que esse nexo direto não estava provado e que, por conseguinte, a restrição resultante dessa disposição do direito nacional não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.
Ora, como foi recordado no n.° 38 do presente despacho, há que constatar que não resulta da letra do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109‑B/2001, que este estabeleça uma distinção entre contribuintes não residentes em função do seu local de residência. Além disso, na decisão de reenvio, não são mencionados outros objetivos que pressuponham que essa distinção seja associada, nomeadamente, ao facto de os recorridos no processo principal residirem num Estado terceiro. Por conseguinte, a conclusão a que chegou o Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), é plenamente transponível para o presente processo.
Por conseguinte, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE”.
A resposta à questão 1 mantém-se (o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2019 — regime geral concretamente aplicado na situação em causa nos presentes autos — é INCOMPATÍVEL com o artigo 63.º do TFUE, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado), tendo em consideração que os Requerentes são residentes, para efeitos fiscais, em África do Sul.
Questão 3
3) É adequado o pedido suspensão da instância até decisão do reenvio prejudicial ao TJUE no processo arbitral nº 598/2018-T?
A Requerida defende a suspensão da instância até decisão do reenvio prejudicial ao TJUE no processo arbitral nº 598/2018-T, afirmando que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já́ não é aquele que existia à data do Acórdão Hollman, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos nº 7 e 8 (nºs 9 e 10 à data dos factos) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei nº 67-A/2007 de 31/12.
Entende a Requerida que este regime legal não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.°, 63.°, 64.° e 65.° TFUE, impondo-se assim uma decisão de suspensão da instância até decisão do reenvio prejudicial ao TJUE no processo arbitral nº 598/2018-T. Tendo em consideração o exposto supra, a resposta à questão colocada pela Requerida não pode deixar de ser negativa.
No Processo nº 598/2018-T, foi submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo da alínea a) do artigo 267.º do TFUE, a seguinte questão:
“As disposições conjugadas dos artigos 12.º, 56.º, 57.º e 58.º do Tratado da Comunidade Europeia [atuais 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no presente processo (n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442.º-A/88, de 30 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67.º-A/2007, de 31/12, com aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS, por forma a permitir que as mais-valias resultantes da alienação de imóveis situados num Estado-Membro (Portugal), por um residente de um outro Estado-Membro da União Europeia (França) não fiquem sujeitos, por opção, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde estão situados os imóveis?”
Conforme exposto supra, no caso concreto, as alterações introduzidas no artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007 de 31/12, não foram aplicadas — nem poderiam ser, tendo em conta que no quadro legal vigente, o regime e o facto de os Requerentes serem residentes fiscais num Estado terceiro (África do Sul). Por conseguinte, não se justifica a suspensão da instância até à decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça Europeu, uma vez que com a resposta à questão colocada no Processo nº 598/2018-T não ficam resolvidas as questões em causa nos presentes autos.
Ainda que no caso concreto, tivessem sido aplicadas as alterações introduzidas no artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007 de 31/12, a decisão Arbitral proferida no processo nº 600/2018-T já referida supra, e para a qual novamente remetemos, já se pronunciou sobre esta questão no mesmo sentido (à semelhança da Decisão Arbitral proferida no processo nº 438/2019-T):
“O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.
Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».
No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:
62 Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.
Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:
42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).
É à luz desta jurisprudência que há que apreciar a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de reenvio prejudicial.
Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.
“No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14). “No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial. “Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da recurso da Lei n.º 67-A/2007.”
Termos em que, é de concluir pela ilegalidade da tributação nos termos em que foi efectuada na liquidação impugnada, o que justifica sua anulação parcial, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT”.
É assim indeferido o pedido suspensão da instância até decisão do reenvio prejudicial ao TJUE no processo arbitral nº 598/2018-T.
Questão 4
4) Os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios?
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios — (à taxa de 4%, nos termos do artigo 43.º n.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril) em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pelos Requerentes até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado.
No caso concreto, os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º nº 1 da LGT estão verificados, uma vez que: (a) a Requerida incorreu num erro de direito ao emitir o ato impugnado; (b) o erro foi imputável exclusivamente aos serviços da Requerida; (c) a existência desse erro foi determinada em decisão arbitral; e (d) desse erro resultou o pagamento de uma dívida tributária que não era devida (vide neste sentido, o Acórdão do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de maio de 2019, proferido no processo nº 1770/12.9BELRS, disponível in http://www.dgsi.pt).
Termos em que, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, à taxa legal (4%), que são devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pelos Requerentes até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado.
VI. DECISÃO
Termos em que se decide julgar TOTALMENTE PROCEDENTE o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:
a) Anular o ato impugnado, por ser manifestamente ilegal;
b) Condenar a Requerida a reembolsar os Requerentes dos montantes indevidamente pagos (designadamente, IRS e juros compensatórios);
c) Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios aos Requerentes, à taxa legal (4%), devidos desde a data dos pagamentos indevidos efetuados pelos Requerentes até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado; e
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VII. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 34948,07.
VIII. CUSTAS
Nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, no artigo 4.º n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em EUR 1836,00, nos termos da Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de agosto de 2020.
Elisabete Flora Louro Martins
(Árbitro Singular)