DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
I. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições ali previstas.
II. Por seu turno, a alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 10.º estatui que não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.
III. As referidas normas não remetem para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, sendo possível demonstrar a sua localização em morada distinta (cf. artigo 13.º, n.º 10, do Código do IRS).
IV. Não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária.
V. No caso concreto, não se provou que o imóvel adquirido foi afetado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses após o reinvestimento, como determina a citada alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 25 de outubro de 2019, A..., NIF..., casado, residente na Rua ..., n.º..., ..., ..., Vila Nova de Gaia (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
- declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2016, da qual resultou o montante a pagar de € 878,74;
- declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... que teve por objeto a aludida liquidação adicional de IRS.
O Requerente juntou 6 (seis) documentos e arrolou 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA) , o Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:
Adquiriu um imóvel, em 13 de maio de 2014, pelo montante de € 86.952,88, tendo-o mantido como sua residência própria e permanente até 8 de abril de 2016, data em que o vendeu pelo montante de € 105.000,00. Posteriormente, em 28 de junho de 2016, adquiriu um novo imóvel, pelo montante de € 86.500,00, que passou a ser a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar.
Alega que reinvestiu dentro dos prazos legais o produto da alienação do primeiro imóvel na aquisição do segundo imóvel, que destinou a sua habitação própria e permanente desde agosto de 2016, não havendo por isso lugar à tributação de quaisquer mais-valias, pois estão reunidos os requisitos exigidos pelo artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do primeiro imóvel.
Mais afirma que requereu e foi-lhe concedida a isenção de pagamento de IMI, relativamente ao segundo imóvel.
Acrescenta, ainda, que desconhece por que motivo é que apesar de ter solicitado a alteração de morada em julho de 2016, a mesma não foi concretizada, sendo que apenas mais tarde é que se apercebeu de tal facto, pelo que imediatamente procedeu a novo pedido de alteração de morada e este sim, ficou devidamente validado, por ter sido realizado junto da Conservatória do Registo Civil.
Propugna que o artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS não remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que não se pode entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal e, além disso, entende que sempre poderia fazer prova, como alega que fez através de faturas que juntou, da sua residência habitual em certo lugar.
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 5 de novembro de 2019.
4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18 de dezembro de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 17 de janeiro de 2020.
5. No dia 23 de junho de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
6. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:
Em momento algum fica provado que o Requerente e a sua mulher tenham afetado o imóvel adquirido em 28 de junho de 2016 a sua habitação própria e permanente, nos termos e para os efeitos da isenção prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS; porquanto: o pedido de alteração de morada no sistema do cartão de cidadão só foi requerido em 11.12.2017, ou seja, mais de 12 meses depois; quanto às faturas que anexou, tais consumos não fazem prova bastante para se concluir que o imóvel tenha sido utilizado como habitação própria e permanente ou mesmo que os consumos tenham sido feitos pelo Requerente e seu agregado familiar; à data da alienação, o Requerente tinha o seu domicílio fiscal na freguesia e concelho de ..., tendo-o alterado em 13.04.2018 para o endereço do imóvel que adquiriu em junho de 2016; à data da alienação, a mulher do Requerente tinha o seu domicílio fiscal no endereço do imóvel alienado, tendo-o alterado em 02.10.2017 para a freguesia e concelho de ... e, posteriormente, em 02.02.2018, para o endereço do imóvel adquirido em junho de 2016.
Constitui entendimento da Requerida que para que o reinvestimento da mais-valia obtida com a alienação de um imóvel possa ser excluída de tributação, terá cumulativamente de se verificar o duplo requisito de a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos ter estado fixada nesse mesmo imóvel e de a mesma ser instalada no imóvel adquirido com o produto obtido com a alienação anterior. Por isso, a Requerida sustenta que a noção de domicílio fiscal é relevante para efeitos da exclusão tributária prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, sendo que se afigura obrigatória, por força do estatuído no artigo 19.º, n.º 3, da LGT, a comunicação do domicílio fiscal; e esta noção de domicílio fiscal torna-se indissociável da de habitação própria e permanente, atendendo aos termos constantes do n.º 9 do artigo 46.º do EBF.
Mais alega que a isenção de IMI que o Requerente refere que lhe foi concedida, por ter sido apresentada fora de prazo, apenas operou por dois anos e não por três, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 46.º do EBF; deste modo, a tardia afetação a habitação própria e permanente ditou a redução da operabilidade da isenção de IMI a que o Requerente se reporta.
7. Por despacho, datado de 14 de julho de 2020 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, foi determinada a prorrogação, pelo período de 2 (dois) meses, do prazo estatuído no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.
8. Em 8 de setembro de 2020, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida e foi fixado o dia 17 de setembro de 2020, como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente.
9. Ambas as partes apresentaram alegações escritas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, nas quais essencialmente reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
§1. DA COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
11. O âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cf. artigo 13.º do CPTA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), sendo que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (cf. artigo 16.º do CPPT e artigos 96.º, alínea a) e 97.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
12. Dito isto. O Requerente peticiona o reembolso do montante global de € 1.382,41, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento, sendo que parte daquele valor, concretamente a quantia de € 450,00, é atinente à coima que lhe foi alegadamente aplicada «pela não apresentação da Declaração modelo 3 de IRS do ano de 2016».
O artigo 2.º do RJAT delimita o âmbito material da arbitragem tributária fixando, nas duas alíneas do n.º 1, o conjunto de questões que podem ser submetidas a apreciação nos tribunais arbitrais: a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (alínea a)) e a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (alínea b)).
No caso concreto, importa centrarmos a nossa atenção na citada alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, da qual resulta que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; temos assim que o objeto do processo arbitral é o ato de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Acontece que, como é sabido, os contribuintes podem impugnar administrativamente, por meio de reclamação graciosa os atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos do disposto nos artigos 68.º e seguintes e 131.º a 133.º do CPPT; em caso de indeferimento ou da formação de indeferimento tácito, pode ser ainda apresentado recurso hierárquico, nos termos dos artigos 66.º, 67.º e 76.º do CPPT. A par desses meios graciosos ao dispor dos contribuintes encontra-se ainda o pedido de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT.
Como também é consabido, as liquidações, autoliquidações, retenções na fonte e pagamentos por conta são denominados atos de primeiro grau, sendo que os atos que decidem reclamações graciosas, recursos hierárquicos e pedidos de revisão de ato tributário são denominados atos de segundo e terceiro graus na medida em que comportam, ou poderão comportar, a apreciação da legalidade dos atos de primeiro grau.
Para além dos atos de primeiro grau, também os atos de segundo e terceiro graus poderão ser arbitráveis, na medida em que comportem – e apenas nessa medida – eles próprios a (i)legalidade dos atos de primeiro grau em causa. Como refere Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, Revisto e Atualizado, Coord. Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 109 e 110), estão incluídos na competência dos tribunais arbitrais os “atos de segundo ou de terceiro grau [que] conhecerem efetivamente da legalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento e não também quando aqueles atos se abstiverem desse conhecimento, por se ter entendido haver algum obstáculo a isso (…). Com efeito, nos casos em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação”.
Voltando ao caso concreto, deparamo-nos com uma situação em que o Requerente pretende, além do mais, a restituição do montante de uma coima alegadamente aplicada pela prática de uma contraordenação fiscal, acrescido de juros até integral pagamento, o que tem subjacente a pretensão de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de aplicação dessa mesma coima. Ora, tal pretensão não é arbitrável, ou seja, o Requerente não pode recorrer, como fez, à via arbitral para ver apreciada a (i)legalidade da decisão de aplicação da dita coima, sendo que, para tal, deveria ter seguido a via recursiva prevista nos artigos 80.º e seguintes do RGIT.
13. Nesta conformidade, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de aplicação da dita coima e do correspondente pedido de restituição do respetivo montante (€ 450,00), acrescido de juros, o que importa a absolvição da instância, nessa parte, da Requerida (cf. artigo 99.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT); não fica, obviamente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Requerente.
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14. Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
15. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 13 de maio de 2014, a mulher do Requerente, B..., NIF..., adquiriu, por doação da filha do casal, C..., a fração autónoma “E”, destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão e primeiro andar duplex norte/sul do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.º ..., Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...-E, com o valor patrimonial tributário de € 86.952,88. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]
b) Em 8 de abril de 2016, a mulher do Requerente, com o consentimento deste, alienou, por contrato de compra e venda, o imóvel referido no facto provado anterior, pelo preço de € 105.000,00. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
c) Em 29 de junho de 2016, o Requerente e a mulher adquiriram, por contrato de compra e venda, pelo preço de € 86.500,00, a fração autónoma “C”, destinada a habitação, correspondente à Habitação 103 do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...-C. [cf. PA]
d) O Requerente teve domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., Mirandela, no período compreendido entre 26 de agosto de 2014 e 13 de abril de 2018, data em que o alterou para a Rua ..., n.º..., ..., ..., Vila Nova de Gaia. [cf. PA]
e) A mulher do Requerente teve domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ..., Oliveira de Azeméis, no período compreendido entre 28 de janeiro de 2015 e 02 de outubro de 2017, data em que alterou esses mesmo domicílio para a Rua ..., n.º..., Mirandela, onde se manteve até 02 de fevereiro de 2018, data em que o alterou para a Rua ..., n.º..., ..., ..., Vila Nova de Gaia. [cf. PA]
f) Em 11 de dezembro de 2017, o Requerente requereu a alteração de morada no sistema do Cartão de Cidadão (Pedido n.º 2017... – Processo IRN n.º...), para a Rua ..., n.º..., Habitação ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia. [cf. PA]
g) Em 11 de dezembro de 2017, o Requerente entregou, via internet, o pedido de isenção de IMI relativamente à fração autónoma referida no facto provado c), o qual foi deferido, tendo aquela isenção sido concedida pelo período de dois anos, com início em 2017 e termo em 2018. [cf. PA]
h) Em 27.09.2016 e em 20.02.2018, a mulher do Requerente era titular de um contrato de abastecimento de água para o imóvel referido no facto provado c), celebrado com a empresa “D..., SA” [cf. documentos n.ºs 3 e 4 anexos ao PPA]:
i) Em 14.10.2016 e em 05.01.2018, a empresa “E..., Lda.”, na qualidade de administradora do condomínio do “Edifício ...”, onde se integra a fração autónoma referida no facto provado c), remeteu cartas à mulher do Requerente interpelando-a para proceder ao pagamento de valores em dívida àquele condomínio respeitantes, respetivamente, aos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2016 e aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2017 e janeiro de 2018. [cf. documentos n.ºs 5 e 6 anexos ao PPA]
j) O Requerente e a sua mulher apresentaram a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, atinente ao ano de 2016, acompanhada com os Anexos G e H, tendo sido mencionado o seguinte naquele Anexo G [cf. PA]:
(i) no campo 4001 do quadro 4 foi mencionada a alienação da fração autónoma referida no facto provado a), tendo sido declarados os seguintes valores: valor de alienação - € 105.000,00; valor de aquisição (ocorrida em maio de 2014) - € 86.952,88; despesas e encargos - € 868,15;
(ii) nos campos 5001 e 5002 foi declarada a pretensão de reinvestir parte do valor de realização decorrente daquela alienação na aquisição da fração autónoma mencionada no facto provado c).
k) Aquela declaração Modelo 3 de IRS viria a dar origem à liquidação n.º 2017..., que apurou o valor de € 0,00. [cf. PA]
l) Em 30 de maio de 2017, foi instaurado no Serviço de Finanças de ... um procedimento de divergências de IRS do ano de 2016, com base no motivo subordinado ao código de análise D25, correspondente a “reinvestimento em imóveis”, tendo por fundamento “Residência do titular diferente do imóvel objeto do reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados”, no âmbito do qual foi elaborado o projeto de decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual importa respigar o seguinte [cf. PA]:
«(…)
Da análise aos elementos existentes neste Serviço de Finanças, nomeadamente do sistema de gestão do registo de contribuintes, verifica-se que o SP Sr. A..., desde 2014-08-26 e até à presente data, tem o seu domicílio fiscal na Rua ..., nº ... - ...-... Mirandela, pelo que diferente do imóvel objecto de realização.
Igualmente não corresponde à do imóvel objecto de aquisição.
Também a sua esposa B..., apesar de à data da alienação ter o seu domicílio fiscal no imóvel objecto de alienação, não afetou o adquirido à sua habitação própria e permanente, sendo que à presente data e desde 2017-1 0-02, tem o seu domicílio fiscal na Rua ..., nº ... - ...-... Mirandela.
Assim, também neste caso não estão reunidos os condicionalismos previstos nas disposições legais supra referidas pelo que igualmente não pode ser considerado o reinvestimento declarado.
Os SP foram notificados em 2017-06-01 para corrigir a respectiva declaração, o que até à presente data não foi efectuado.
Face ao exposto, é intenção deste Serviço de Finanças proceder à elaboração do documento de correcção no sentido de ser retirado do anexo G o respectivo reinvestimento.
(…)»
m) Notificados desse projeto decisório e para, querendo, exercerem o respetivo direito de audição, os Requerentes pronunciaram-se nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo sido, a final, proferida a decisão que também aqui se dá por inteiramente reproduzida, da qual importa salientar o seguinte [cf. PA]:
«(…)
Consta do sistema informático deste Serviço de Finanças que a aquisição foi efetuada em 2016-06-29.
Do documento 1 junto à reclamação, verifica-se que solicitou a alteração à sua morada em 2017-12-11, ou seja 1 ano 5 meses e 15 dias após a aquisição.
Dispõem os nºs 5 e 6 do art. 10° do Código do IRS, que são excluídas de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de prédios destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo, desde que o imóvel objecto de reinvestimento seja afetado à sua habitação ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses decorridos após esse reinvestimento.
Como se verifica, o prazo foi ultrapassado em 5 meses e 15 dias, pelo que face às disposições legais enunciadas, o reinvestimento não pode ser considerado para efeitos tributários.
Assim, como nada de novo foi trazido aos autos no sentido de ser alterado o projecto de decisão, determino que se elabore documento de correcção à declaração de IRS do ano 2016 do reclamante, retirando-se do quadro 5 do anexo G o reinvestimento declarado.
(…)»
n) Nessa sequência, foi elaborada uma declaração oficiosa de IRS, atinente ao ano de 2016, acompanhada dos Anexos G e H, sendo que do campo 4001 do quadro 4 do Anexo G foi removido o valor de despesas e encargos com a aquisição/alienação (ou a estas operações inerentes) do imóvel alienado, tendo ainda sido removido do quadro 5 do mesmo Anexo G todo e qualquer valor (ou outro tipo de indicação) relativo a um eventual reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado. [cf. PA]
o) Com base nessa declaração oficiosa foi emitida, em 22.12.2018, a liquidação adicional de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2016, da qual resultou o montante a pagar de € 878,74, com data limite de pagamento em 11.02.2019. [cf. PA]
p) Não tendo o Requerente e a sua mulher efetuado o pagamento voluntário daquele montante, foi emitida a certidão de dívida n.º 2019... e instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2019..., entretanto extinto por pagamento. [cf. PA]
q) Em 31 de janeiro de 2019, o Requerente e a sua mulher deduziram reclamação graciosa contra o ato tributário mencionado no facto provado o), nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, a qual foi autuada sob o n.º ...2019... e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto. [cf. PA]
r) No âmbito daquele procedimento de reclamação graciosa, foi elaborado o projeto de decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no sentido do respetivo indeferimento, tendo o Requerente e a sua mulher sido notificados do mesmo e para, querendo, exercerem o respetivo direito de audição, o que estes fizeram, por escrito, nos termos que aqui também se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]
s) Posteriormente, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto (por subdelegação de competências), datado de 24 de setembro de 2019, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com a fundamentação constante da informação, da mesma data, que aqui se dá por inteiramente reproduzida e da qual importa respigar o seguinte [cf. PA]:
«(…)
14. A legislação que se aplica ao IRS não é a mesma que se aplica ao IMI.
Em termos de IRS e no que se refere à consideração do reinvestimento, como já referido em sede de projeto de despacho, temos:
15. De acordo com nº 5 e 6 do art. 10º do CIRS, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de prédios destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e desde que o imóvel objeto de reinvestimento seja afetado à sua habitação no prazo de 12 meses decorridos após esse reinvestimento.
16. Nos termos do art. 19º, nº 3 e 4 da LGT, é obrigatória a comunicação do domicílio fiscal do s.p. à AT, sendo que é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT.
17. O imóvel objeto de reinvestimento, artigo ... "C" da freguesia de ...– Vila Nova de Gaia, foi adquirido pelo s.p. com o NIF ... (A...) em 2016-06-29.
18. 0 s.p. tinha 12 meses para afetar o imóvel à sua habitação, ou seja até 2017-06-29.
19. Verifica-se. da consulta ao cadastro da AT, que em 2017-06-29 o domicílio fiscal:
• do NIF ... (A...) era na Rua ..., nº ... em Mirandela
• do NIF ... (B...) era na Rua ..., nº ... –...– Oliveira de Azeméis.
Assim,
20. Relativamente ao s.p. A..., afere-se que o seu domicílio fiscal à data da alienação (2016-04-08) era em Mirandela, sendo que o imóvel objeto de alienação se situava em Oliveira de Azeméis e, decorridos 12 meses após a data da aquisição (2016-06-29) ou seja em 2017-06-29 continuou o ter o seu domicílio fiscal em Mirandela, sendo que o imóvel objeto de reinvestimento se situava em ...– VNG.
21. Relativamente ao s.p. B..., afere-se que o seu domicílio fiscal à data da alienação (2016-04-08) era em Oliveira de Azeméis e, decorridos 12 meses após a data da aquisição (2016-06-29) ou seja em 2017-06-29 continuou o ter o seu domicílio fiscal em Oliveira de Azeméis.
Acresce referir,
22. O documento junto pelo s.p. A... referente ao pedido de alteração de morada no sistema do cartão do cidadão, Pedido nº 2017..., IRN Proc. nº ..., verifica-se que a alteração de morada foi requerida em 2017-12-11, tendo sido ultrapassado o referido prazo 12 meses.
23. Quanto às faturas de água e luz que anexaram, tais consumos não fazem prova bastante para se concluir que o imóvel tenha sido utilizado como habitação própria e permanente (o imóvel não correspondia ao domicilio fiscal dos reclamantes),ou mesmo que os consumos tenham sido efetuados pelos reclamantes, pelo que não são probatório suficiente que permita sustentar as alegações dos s.p.'s, contrariando a posição da AT.
Em termos de IMI e no que se refere a isenção, temos:
24. De acordo com o nº 1 do art. 46º do EBF, ficam isentos de IMI, nos termos do nº 5 os prédios, ... destinados à habitação própria e permanente do s.p. ou do seu agregado familiar, cujo rendimento coletável, para efeitos de IRS, no ano anterior, não seja superior a €153.000,00, e que sejam efetivamente afetos a tal fim, no prazo de seis meses após a aquisição, … devendo o pedido ser apresentado pelos s.p. até ao termo dos 60 dias subsequentes aquele prazo.
25. Referindo o nº 5 que para efeitos do nº 1 e 3, o período de isenção a conceder é de três anos, aplicável a prédios urbanos cujo VPT não exceda €125.000.00.
26. Sendo que, de acordo com o nº 7, se a afetação da Habitação Própria e Permanente do s.p. ou do seu agregado familiar ocorrer após o decurso do prazo previsto no nº 1 (seis meses) e, nas situações dependentes de reconhecimento, se o pedido for apresentado fora do prazo, a isenção inicia-se no ano do pedido, cessando todavia no ano em que findaria se os prazos tivessem sido cumpridos.
Ora,
27. O imóvel objeto de reinvestimento, artigo ... "C" da freguesia de ...– Vila Nova de Gaia, foi adquirido pelo s.p. com o NIF ...(A...) em 2016-06-29.
28. O s.p. dispunha de 6 meses para afetar o imóvel à sua habitação, devendo o pedido de isenção ser apresentado pelo s.p. até ao termo dos 60 dias subsequentes aquele prazo, ou seja até março de 2017.
29. Verifica-se, da consulta ao sistema informático da AT que o s.p. entregou o pedido de isenção, via internet, em 2017-12-11, tendo sido detetadas situações anómalas (pedido de isenção fora do prazo e domicílio fiscal do contribuinte diferente da situação do prédio) pelo que foi projetado o indeferimento do pedido, o qual veio a dar origem a despacho de deferimento em virtude do s.p. ter apresentado print da alteração da morada no Cartão do Cidadão (11-12-2017).
30. Pelo que a isenção foi concedida por 2 anos, com início em 2017 e fim em 2018.
Assim,
31. Do exposto se conclui que, pelo facto de ter sido deferido o pedido de isenção de IMI, tal não implica seja considerado o reinvestimento, não podendo este ser considerado por não cumprir com os condicionalismos legais, de acordo com o exposto.
(…)
33. Quanto aos conceitos de “domicílio fiscal” / “habitação permanente”, cumpre referir qual o entendimento da AT:
• de acordo com o nº 5 do art. 10º do CIRS, são excluídos de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados a Habitação Própria e Permanente do s.p. ou do seu agregado familiar
• como tal, o significado dado ao nº do art. 10º do CIRS, quando se refere a habitação própria e permanente tem de ser aquele que é fiscalmente relevante, ou seja, o domicilio fiscal (conforme previsto no art. 19º da LGT) pois de outro modo não faria sentido este conceito estar expresso na lei
• o fator relevante para domicílio fiscal nas pessoas singulares é a residência habitual comunicada pelo contribuinte, entendido não como uma escolha arbitrária mas como o efetivo domicilio fiscal, sendo que é através deste mecanismo que a AT tem a possibilidade do controlo das obrigações tributárias, e por contrapartida aos cidadãos, possibilitar o acesso a vantagens de natureza fiscal
• não existe, pois, para este efeito, qualquer diferença entre os conceitos de habitação própria e permanente e domicílio fiscal
•assim, não tendo cumprido o determinado na lei não podem obter essa vantagem de natureza fiscal (exclusão de tributação)
(…)»
t) O Requerente e a sua mulher foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por ofícios, datados de 24.09.2019, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto. [cf. PA]
u) Em 25.10.2019, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
16. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que o Requerente, a sua mulher e/ou o respetivo agregado familiar tenham afetado o imóvel descrito no facto provado c) à sua habitação própria e permanente – ou seja, que tenham fixado ali o centro da sua vida pessoal e familiar e, portanto, que habitavam permanentemente (no sentido de habitualidade e normalidade) naquele imóvel –, designadamente no período compreendido entre a data da respetiva aquisição (29.06.2016) e a data em que foi requerida a isenção de IMI a que se alude no facto provado g) (11.12.2017).
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
17. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) e testemunhal carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
No tocante ao facto não provado, cumpre ainda dizer que o mesmo foi assim considerado em virtude da inexistência de quaisquer meios probatórios que o confirmassem. Porquanto, por um lado, os documentos n.ºs 3, 4, 5 e 6 anexos ao PPA não têm aptidão probatória que permita comprovar qualquer outra factualidade para além da vertida nos factos provados h) e i), pois os consumos de água podem ter sido realizados por outras pessoas que não o Requerente, a sua mulher e/ou o respetivo agregado familiar e o pagamento dos encargos do condomínio é da responsabilidade dos respetivos condóminos, ou seja, dos proprietários das frações autónomas que integram o edifício, independentemente de as usarem, ou não, para os fins a que se destinam; por outro lado, os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas foram vagos, imprecisos e inconsistentes quanto à factualidade em apreço e, nessa medida, deles não resultou qualquer substrato probatório que permita afirmar, enquanto facto provado, que o Requerente, a sua mulher e/ou o respetivo agregado familiar afetaram o imóvel descrito no facto provado c) à sua habitação própria e permanente, designadamente no período compreendido entre a data da respetiva aquisição (29.06.2016) e a data em que foi requerida a isenção de IMI a que se alude no facto provado g) (11.12.2017).
Com efeito, a testemunha C..., filha do casal constituído pelo Requerente e mulher, afirmou que os pais residiram no imóvel de Arcozelo, pelo menos, a partir de agosto de 2016, pois nessa altura celebrou ali, conjuntamente com eles, o aniversário da sua filha; contudo, não acrescentou quaisquer outros factos concretos justificativos/demonstrativos de que os seus pais organizaram naquele imóvel as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, ou seja, que ali fixaram o centro da sua vida pessoal e, portanto, que habitavam permanentemente (no sentido de habitualidade e normalidade) naquele imóvel. Inquirida quanto aos diversos domicílios fiscais dos seus pais, mencionados nos factos provados d) e e), não soube esclarecer os motivos das respetivas alterações, nomeadamente tendo em consideração as datas de alienação do imóvel referido no facto provado a) e de aquisição do imóvel referido no facto provado c). Esta testemunha afirmou ainda que, em inícios do ano de 2019, adquiriu o imóvel referido no facto provado c) aos seus pais que, desde então, vivem em Mirandela.
A testemunha F..., amigo do Requerente e de sua mulher, afirmou igualmente que estes passaram a residir no imóvel de Arcozelo a partir de agosto de 2016, tendo dito que ali foi várias vezes almoçar e jantar sem, contudo, especificar datas e/ou eventos e sem também acrescentar quaisquer outros factos concretos justificativos/demonstrativos de que o Requerente e a sua mulher organizaram naquele imóvel as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, ou seja, que ali fixaram o centro da sua vida pessoal e, portanto, que habitavam permanentemente (no sentido de habitualidade e normalidade) naquele imóvel. Inquirido quanto aos diversos domicílios fiscais do Requerente e da sua mulher, descritos nos factos provados d) e e), limitou-se a responder que estava convencido que, pelo menos, uma das alterações estaria relacionada com a renovação do Cartão de Cidadão, sem contudo complementar essa sua afirmação com quaisquer dados adicionais.
III.2. DE DIREITO
§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO
18. A questão jurídico-tributária que consubstancia o epicentro do dissidio entre as partes consiste em determinar se o ganho proveniente da venda do imóvel referido no facto provado a), obtido pelo Requerente e sua mulher (cf. facto provado b)) e por eles reinvestido na aquisição do imóvel referido no facto provado c), beneficia ou não da exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, alínea a), do Código do IRS .
§2. DO MÉRITO
§2.1. ENQUADRAMENTO NORMATIVO
19. Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 1.º do Código do IRS, este imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias ali elencadas – sendo uma delas a categoria G – Incrementos patrimoniais –, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos.
O artigo 9.º do Código do IRS estabelece no seu n.º 1 que “constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte” (alínea a)).
O subsequente artigo 10.º estatui, além do mais, o seguinte que aqui importa ter em consideração:
“1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);
(…)
3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, (…):
(…)
4. O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
(…)
5. São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
(…)
6. Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;
(…)
7. No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.
(…)”
Como decorre do estatuído no n.º 1 do artigo 43.º do mesmo compêndio legal, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes, sendo que o saldo respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor (n.º 2).
Por seu turno, o subsequente artigo 44.º prevê, no seu n.º 1, que, no caso de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, considera-se valor de realização, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, o valor da respetiva contraprestação (alínea f)), sendo que o n.º 2 do mesmo artigo determina que tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida; no entanto, o regime deste n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao valor ali previsto, prova essa que deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações (n.ºs 5 e 6).
Relativamente ao valor de aquisição, atento o caso concreto, importa convocar o artigo 45.º do Código do IRS, cujo n.º 3 estipula que no caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.
A finalizar este périplo normativo, há ainda que atender ao artigo 51.º do Código do IRS, do qual decorre que para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º (alínea a)).
20. A propósito das mais-valias imobiliárias, Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 114 e 115), afirma que «[o] artigo 10.º, n.º 5 exclui da tributação as mais-valias obtidas aquando da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento (…) de outro imóvel afecto à mesma finalidade.
(…)
A não tributação é proporcional ao reinvestimento, ou seja, na medida em que o montante obtido na venda da primitiva habitação (deduzido – sendo o caso – do valor utilizado para o reembolso de empréstimos contraídos para a sua aquisição) tiver sido utilizado na aquisição da nova habitação. Significa isto que se o preço pago pelo novo imóvel for financiado por outras vias (…), o valor de reinvestimento a considerar será apenas a diferença entre o preço pago e o do empréstimo bancário; se o novo imóvel for de preço inferior ao alienado, haverá apenas um reinvestimento parcial.»
Também neste âmbito, Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 202 a 206 e 208) afirma o seguinte:
«O regime de reinvestimento prevê a possibilidade de excluir de tributação as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de um bem imóvel afeto a habitação própria e permanente, mediante o reinvestimento do valor de realização do imóvel transmitido, efetuado dentro dos prazos e condições previstos no artigo 10.º, n.ºs 5, 6 e 7 do CIRS.
(…)
O propósito do regime de reinvestimento consiste em eliminar os obstáculos, relacionados com a tributação do rendimento, à mudança de habitação por parte dos indivíduos e famílias que disponham de casa própria.
(…)
Relativamente à natureza da norma do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS – que constitui a base do regime de reinvestimento –, esta é a de uma norma de delimitação negativa de incidência (apesar de o artigo 10.º do CIRS, no qual se insere, ser uma norma de incidência).
O n.º 5 do artigo 10.º do CIRS é, normalmente, referido como sendo uma norma de exclusão de incidência tributária. Sem nos afastarmos dessa designação geral, (…), não podemos deixar de precisar que, em rigor, nos casos de reinvestimento posterior, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante a simples manifestação, da declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (artigo 57.º, n.º 4, alínea a) do CIRS).
(…)
A efetiva exclusão tributária apenas se verifica se e quando ocorrer o reinvestimento, efetuado nos termos e dentro dos prazos estabelecidos legalmente.
(…)
(…) a limitação do âmbito de aplicação do regime de reinvestimento aos imóveis para habitação permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar (excluindo a sua aplicação a habitação esporádica, por exemplo, a habitações de férias) foi expressamente prevista na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro. A exclusão de tributação da mais-valia passou, portanto, a ser aplicável apenas nos casos em que tanto o imóvel transmitido como o adquirido são imóveis para habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar. Caso algum dos imóveis em causa tenha outro destino, não se verificam todas as condições necessárias à aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, a mais-valia obtida na venda do imóvel antigo é tributável.
(…)
Reinvestimento mediante aquisição de outro imóvel para habitação
A exclusão de tributação da mais-valia depende do preenchimento das seguintes condições:
. O reinvestimento deve ser efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores à data da realização;
. O imóvel adquirido deve ser afetado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses após o reinvestimento.»
Ainda neste conspecto, José Guilherme Xavier de Basto (IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 413 e 414) afirma que «[o] objectivo geral do regime de exclusão da incidência [estatuída no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS] é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação (…). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência – e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável.»
§2.2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA
21. Feito o necessário enquadramento normativo e regressando ao caso concreto, temos que o aludido reinvestimento declarado pelo Requerente e sua mulher foi desconsiderado pela AT, para efeitos de aplicação da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, por ter sido entendido que não se verifica a condição estatuída na alínea a) do n.º 6 do mesmo artigo 10.º, ou seja, por eles não terem afetado o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, até decorridos 12 meses após o reinvestimento.
Porquanto, a AT entende que «a noção legal de afetação de um imóvel a “habitação própria e permanente” do sujeito passivo surge recortada no n.º 9 do art. 46.º do EBF, que considera “ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal”», o que, no caso concreto, apenas se verificou em 13.04.2018 e em 02.02.2018, respetivamente, quanto ao Requerente e à mulher (cf. factos provados d) e e)), pois só a partir daquelas datas os respetivos domicílios fiscais passaram a ser coincidentes com o imóvel adquirido em 29.06.2016, sito na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia (cf. facto provado c)), sendo ainda que, apenas em 11.12.2017, é que o Requerente requereu a alteração de morada no sistema do Cartão de Cidadão (cf. facto provado f)).
O Requerente, por seu lado, sustenta que o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que nunca se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal; além disso, o Requerente advoga que sempre poderia fazer prova de que destinou o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente.
22. A regra geral quanto ao domicílio fiscal do sujeito passivo encontra-se no n.º 1 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária, sendo que, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares é o local da residência habitual (alínea a)); importa salientar que a Lei Geral Tributária não densifica o conceito de residência habitual. Como é sublinhado por Rui Duarte Morais (ob. cit., pp. 17 e 18), «são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (…). Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.» O n.º 4 do mesmo artigo 19.º, por seu turno, determina a ineficácia da mudança de domicílio fiscal enquanto não for comunicada à administração tributária.
Por sua vez, o artigo 13.º do Código do IRS dispõe, no seu n.º 10, que “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”, decorrendo do subsequente n.º 11 que “para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo: a) faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou b) faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente”; a prova de tais factos “compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei”, competindo à AT demonstrar a falta de veracidade dos mencionados meios de prova ou das informações neles constantes (n.ºs 12 e 13).
Nesta conformidade, como afirma Ana Pinto Moraes (Reinvestimento nas Mais-valias Imobiliárias: regime e especialidade em sede de IRS, Coimbra, Almedina, 2019, pp. 61 a 65):
«Para efeitos de verificação dos conceitos em causa [habitação própria e habitação permanente], o n.º 11 do artigo 13.º do Código do IRS determina que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. Para o efeito, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo (a) faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou (b) faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente [A prova compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei, ao abrigo do disposto no n.º 13 do artigo 13.º do Código do IRS, devendo a Autoridade Tributária demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.]. Note-se que em qualquer caso, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não remete para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, mantendo-se a premissa da sua demonstração em morada distinta através de prova [Veja-se que, para efeitos da concessão da isenção de IMI (imóveis destinados à habitação própria permanente prevista), considera-se ter havido afetação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal, conforme artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. A este propósito, entendem os tribunais superiores que se no caso da isenção de IMI se admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos» – quando não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal – não se vê como no regime do reinvestimento que nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal – Cfr. Acórdão do STA de 23/11/2011, Processo n.º 0590/11, Rel. Lino Ribeiro e Acórdão do TCA Sul de 08/10/2015, Processo n.º 06685/13/13, Rel. Cristina Flora.]. Para este efeito, importa realçar que o artigo 19.º da LGT determina, como regra geral, que o domicílio fiscal do sujeito passivo para as pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à Autoridade Tributária, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Autoridade Tributária. Assim, não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal incumbe ao sujeito passivo vir demonstrar [Neste sentido o Acórdão do TCA Sul de 18/02/2016, Processo n.º 08826/15, Rel. Catarina Almeida e Sousa, bem como a Decisão Arbitral de 25/11/2013, Processo n.º 103/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Fernando Borges Araújo e José Rodrigues de Castro (que apresentou Declaração de voto em sentido contrário); Decisão de 29/11/2013, Processo n.º 37/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Ana Teixeira de Sousa e Olívio Mota Amador; e Decisão Arbitral de 12/02/2015, Processo n.º 343/2014-T, Arbs. Manuel Malheiros, Jorge Carita e Vera Figueiredo.] que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, não impedindo ao preenchimento da condição de aplicação do regime do reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal. A este respeito invoque-se o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual não é admissível qualquer presunção em sede de IRS que não admita prova em contrário.
(…) Entende, assim, o Tribunal [Acórdão do TCA Sul de 25/01/2005, Processo n.º 00297/03, Rel. Casimiro Gonçalves] que o sujeito passivo pode ter o domicílio fiscal numa morada e habitação própria e permanente noutra, contudo, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, tem de alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente no imóvel, sendo o ónus da prova do próprio sujeito passivo, dado que é constitutivo do direito que pretende beneficiar [Ver o Acórdão do TCA Norte de 25/02/2016, Processo n.º 00415/10.6BEPNF, Rel. Paula Moura Teixeira.].»
23. Volvendo ao caso sub judice, nada impedia, pois, o Requerente de alegar (como alegou) e provar que ele e a sua mulher tinham a sua habitação própria e permanente no imóvel referido no facto provado c), desde a data da respetiva aquisição ou desde qualquer outra data dentro dos 12 meses subsequentes àquela, apesar de os seus domicílios fiscais apenas terem sido ali fixados a partir de abril e de fevereiro de 2018, respetivamente (cf. factos provados d) e e)).
Acontece que o Requerente não cumpriu com o ónus probatório que sobre si recaía pois, como vimos, não resultou provado que o Requerente, a sua mulher e/ou o respetivo agregado familiar tenham afetado o imóvel descrito no facto provado c) à sua habitação própria e permanente – ou seja, que tenham fixado ali o centro da sua vida pessoal e familiar e, portanto, que habitavam permanentemente (no sentido de habitualidade e normalidade) naquele imóvel –, designadamente no período compreendido entre a data da respetiva aquisição (29.06.2016) e a data em que foi requerida a isenção de IMI a que se alude no facto provado g) (11.12.2017).
Nesta conformidade, in casu, não resultou comprovada a verificação de uma das condições legalmente previstas para que opere a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, ou seja, não se provou que o imóvel adquirido foi afetado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses após o reinvestimento, como determina a alínea a) do n.º 6 do citado artigo 10.º.
24. Nestes termos, a liquidação adicional de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2016, da qual resultou o montante a pagar de € 878,74, não enferma do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que o Requerente lhe imputa, pelo que deve manter-se.
O mesmo sucede com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019...que teve por objeto a aludida liquidação adicional de IRS, a qual não merece, pois, qualquer censura.
§2.3. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
25. Uma vez que é de manter a liquidação de IRS controvertida, pelos motivos acima expendidos, os pedidos de reembolso do montante de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios, sobre esse mesmo valor, têm necessariamente de improceder, por carecerem de qualquer fundamento quer de facto, quer de direito.
*
26 A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de aplicação da sobredita coima e do correspondente pedido de restituição do respetivo montante (€ 450,00), acrescido de juros e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a este pedido;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente:
(i) à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2016, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;
(ii) à declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;
c) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
*
VALOR DO PROCESSO
Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.382,41 (mil trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e um cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 306,00 (trezentos e seis euros), cujo pagamento fica a cargo do Requerente.
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Notifique.
Lisboa, 17 de setembro de 2020.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)