Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 637/2019-T
Data da decisão: 2020-07-31  IVA  
Valor do pedido: € 4.309.278,13
Tema: IVA – regularizações – resolução bancária.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Carlos Cadilha (árbitro-presidente), Jónatas Machado e Sérgio Vasques (árbitros vogais), designa¬dos pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. O A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., em Lisboa, (doravante designado Requerente), notificado do despacho de 21.06.2019 proferido pelo Senhor Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, em suplência da Senhora Diretora Adjunta da mesma Unidade, que indeferiu a revisão oficiosa em 08.03.2019 por si requerida, ao abrigo dos artigos 98.º do Código do IVA e 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), contra o ato de autoliquidação de IVA referente ao período de janeiro de 2015, no valor contestado de € 4.309.278,13 vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no artigo 10.º e nos artigos 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de tribunal arbitral e deduzir pedido de impugnação.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD na data de 29.09.2019 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida).

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17.12.2019.

 

6. O contexto da presente lide é conformado pelos seguintes factos:

a)            Em 03.08.2014 o Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) deliberou aplicar ao B... (B...) uma medida de resolução ao abrigo do disposto no Título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC), na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 01 de agosto, que transpôs parcialmente a Diretiva n.º 2014/59/EU, visando as seguintes finalidades: a) proteção dos depositantes, b) prevenção do risco sistémico, c) continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; d) salvaguarda dos interesses dos contribuintes e do erário público, tendo sido a deliberação considerada como de “manifesto e urgente interesse público”, não tendo havido por isso lugar a audiência prévia dos interessados, sendo dispensado qualquer consentimento e não dependendo a produção dos seus efeitos de qualquer disposição legal ou contratual;

b)           A medida de resolução constituiu um banco de transição – o A... (A...) – e  aprovou os respetivos estatutos, tendo implicado a transferência imediata para a esfera jurídica do A... da totalidade dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B..., incluindo os trabalhadores e prestadores de serviços do B..., apenas com a exceção dos elementos enunciados no Anexo 2 à deliberação, com elevado risco de exposição ao C..., tendo cabido exclusivamente ao BdP a definição e a determinação do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B..., que transitaram compulsória e imediatamente para o A..., que ficou, para todos os efeitos, na posição de sucessor dos direitos e obrigações do B..., de modo a garantir a continuidade de todas as suas operações;

c)            Concomitantemente à medida de resolução, os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do B... ficaram suspensos, tendo o BdP designado novos membros sem dependência de qualquer restrição legal ou estatutária e nomeado os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do A..., que investiu no dever funcional de obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, por determinação potestativa do qual, o conjunto global do património do B... em que convergia toda a sua atividade bancária ingressou no A..., totalmente detido pelo Fundo de Resolução (FR) – pessoa coletiva de direito público, que tem por objeto prestar o apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução determinadas pelo Banco de Portugal – sendo que o FR, no dia 03.08.2014, passou a ser o único titular, ainda que indiretamente, do património do B...;

d)           A medida de resolução não foi acompanhada de qualquer regulamentação específica de natureza tributária que permitisse enquadrar as suas várias operações do ponto de vista fiscal, desde logo a transferência imediata e compulsória para a esfera jurídica do A... do universo patrimonial do B... em que radicava toda a sua atividade bancária;

e)           Sob o controlo e a gestão pública do BdP, o A..., em setembro de 2014, apresentou um pedido de informação vinculativa nos termos e para os efeitos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, visando nomeadamente confirmar que seria sua obrigação tributária proceder à regularização de IVA a favor do Estado a que alude o ponto 6.2 do Ofício n.º..., de 21.11.1989, vindo essa informação vinculativa, notificada em dezembro de 2014, sustentar que a medida de resolução em causa produziu uma operação gratuita assimilada a onerosa, à qual mandou aplicar o regime fiscal preconizado no ponto 6.2 do referido Ofício n.º...;

f)            Apesar de a mencionada informação vinculativa reconhecer que o regime de não sujeição (cf. CIVA 3.4 e 4.5)  pressupõe a realização de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, na aceção do regime do IVA – qualificando, assim, como uma operação tributável em IVA – o caráter oneroso da operação e a atuação da entidade transmitente ou prestadora do serviço na qualidade de sujeito passivo de IVA, e não obstante ela reconhecer também que a operação de transferência de património operada entre o B... e o A... não reveste um caráter contratual e oneroso no âmbito da atividade comercial que ambos realizam, a mesma informação vinculativa aplicou o entendimento do Parecer n.º 57/2014 do Centro de Estudos Fiscais, que aparentemente conclui pela irrelevância da natureza do ato do BdP que produziu a transferência compulsória para a esfera do A... do universo patrimonial do B..., tratando-a, simplesmente, como uma operação assimilada para efeitos de IVA;

g)            Em face da informação obtida, o A... autoliquidou logo na declaração periódica de IVA de janeiro de 2015, sobre o valor contabilístico do património recebido do B..., conforme ditou a deliberação do BdP, IVA apurado nos termos do ponto 6.2 do Ofício n.º..., que se quedou em 4.309.278,13 Euros, embora o valor contabilístico do património global do B...  não tenha deixado de incorporar o IVA indedutível suportado pelo B... enquanto sujeito passivo misto.

h)           As restrições no direito à dedução do IVA incorrido pelo B... que o determinaram correspondem rigorosamente às mesmas restrições no direito à dedução do A... – cujo pro rata de dedução no ano da transição igualmente se cifrou em cerca de 8% – Já que, por imposição legal, a medida de resolução garantiu a estrita “continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos” (cf. o n.º 9 do artigo 145.º-H do RGIC).

i)             Ao cumprir as instruções administrativas, o A... entendeu dar azo a um erro no ato de autoliquidação de IVA, pelo que, já sob o controlo e a gestão do seu atual acionista maioritário, promoveu o A..., em março de 2019, um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos artigos 98.º do CIVA e 78.º da LGT, tendente à anulação da autoliquidação de IVA em apreço.

j)             Por ofício de 24 de junho de 2019 da UGC, foi o A... notificado do despacho de indeferimento do pedido de revisão, e para que deste, querendo, interpusesse recurso hierárquico, deduzisse impugnação ou fizesse uso da faculdade prevista no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

k)            A decisão de indeferimento – que assim constitui, portanto, objeto imediato da presente impugnação arbitral – conclui, relativamente à forma, que o pedido de revisão suscitado pelo A... “não só se mostra meio adequado à salvaguarda das pretensões da Requerente, como o pedido formulado deve considerar-se tempestivo dado ainda não terem decorrido 4 anos desde a entrega da declaração periódica em causa, impendendo sobre a AT o dever de apreciar o mérito do mesmo”

l)             Relativamente ao mérito, a UGC secundou inteiramente a posição da informação vinculativa da DSIVA, caracterizando a transferência compulsória para a esfera jurídica do A... do património do B... como “operação assimilada”, e aplicando-lhe as medidas previstas no ponto 6.2 do já referido Ofício n.º ... (idem, pontos 64 e 66).

7. A fundamentar o presente pedido, a Requerente vem aos autos afirmar, em síntese, o seguinte: 

Incidência

a)            O presente pedido de pronúncia arbitral constitui um dos meios tutelares adequados para reagir processualmente contra essa decisão de indeferimento, tenham ou não as ilegalidades adiante suscitadas sido invocadas na fase graciosa;

b)           A medida de resolução, adotada pelo BdP, que ditou a transferência da atividade do B... (banco em crise) para o A... (banco de transição), é uma decisão coerciva unilateral, de autoridade pública, justificada por objetivos não económicos de inequívoco interesse público, equivalente a uma apropriação pública sem indemnização ou contrapartida, cabendo no conceito amplo de nacionalização ou de expropriação, tendo como efeito a transmissão da titularidade de ativos, direitos e obrigações do primeiro banco para o segundo;

c)            Mais especificamente, trata-se da mais radical intervenção unilateral da autoridade de resolução, sem precedente em qualquer outro ordenamento de matriz ocidental, consistindo numa apropriação pública da totalidade ou parte da atividade de uma instituição de crédito, que não pressupõe o pagamento de uma indemnização, não depende do consentimento de sócios, credores ou terceiros e produz efeitos ex lege – derrogando qualquer disposição legal ou contratual em contrário – colocando o banco resolvido e o banco de transição no correlativo estado de absoluta sujeição jurídica, de modo a salvaguardar objetivos de interesse inequivocamente público taxativamente tipificados na lei, tendo em vista a sua futura venda a outra instituição de crédito ou, caso esta não seja possível, a sua liquidação;

d)           Sendo uma operação decorrente de ato ablativo de autoridade pública, unilateral, potestativo, sem contrapartida, perentório e urgente, a transferência do património do B... para o A... acha-se fora do campo do imposto;

e)           A Diretora de Serviços do IVA na sua informação, reconheceu, antes de aderir ao entendimento do Parecer n.º 57/2014 do CEF, que o regime previsto nos n.os 4 do artigo 3.º e 5 do artigo 4.º do CIVA, “pressupõe que a transferência do património em questão compreenda a realização de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, na aceção do regime do IVA, qualificando, assim, como uma operação tributável em IVA”, deixando clara a falta de incidência do IVA, pois não há, na transferência do património do B... para o A..., ordenada pelo BdP, bilateralidade ou sinalagma (prestação e contraprestação);

f)            O regime simplificação da tributação da transmissão de estabelecimento não se caracteriza nem assume a natureza de uma exclusão de incidência do IVA, antes pressupõe essa incidência, sendo o elemento simplificador desse regime consiste numa “ficção de não transmissão” dos bens e direitos transmitidos, com o simples propósito de desobrigar o transmitente da liquidação de IVA, desonerando o adquirente do encargo do seu financiamento;

g)            Se a transmissão não constitui uma operação sujeita a IVA, não há qualquer regime de simplificação a aplicar, nem, forçosamente, quaisquer medidas regulamentares a adotar ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 3.º do CIVA;

h)           No sentido de determinar se as operações são sujeitas a IVA é particularmente relevante aferir no caso em apreço, para além dos outros requisitos legais previstos, o caráter oneroso da operação, assim como se a entidade transmitente ou prestadora do serviço se encontra a atuar na qualidade de sujeito passivo de IVA;

i)             A resolução bancária em causa não pode ser entendida como sujeita a IVA na aceção da Diretora de Serviços, já que a transferência do património do B... para o A... não resultou de bens ou prestações recíprocas contratualizadas e trocados, mediante retribuição, entre sujeitos passivos agindo de um modo independente e atuando nessa qualidade, no âmbito do exercício da atividade económica a que ambos se dedicam, mas sim de uma operação “fora do mercado”, tomada pela única pessoa (coletiva de direito público) com poderes para a praticar – o BdP – a quem ninguém, por isso, se poderia legalmente substituir;

j)             Do capítulo IV do Título VIII do RGIC na redação em vigor a 3 de agosto de 2014, resulta que estamos fora do campo de incidência do IVA, dada a dimensão dos vínculos e relações de sujeição ao BdP que o diploma opera sobre as partes envolvidas;

Assimilação

k)            Não procede a conclusão da informação vinculativa da Diretora de Serviços do IVA, de que a transferência operada pela medida de resolução constitui uma operação assimilada a transmissão de bens ou prestação de serviços nos termos do disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º ou da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIVA;

l)             A ideia de que a transferência do património para o A... poderia constituir uma operação assimilada colide frontalmente, desde logo, com as finalidades de exclusivo interesse público subjacentes à resolução do B..., taxativamente tipificadas no artigo 31.º da Diretiva da Resolução e Recuperação Bancária (Diretiva 2014/59/EU), no artigo 145.º-A do RGIC, na redação à data, e na deliberação do BdP, sendo que esta última se lê que “As razões apontadas fundamentam a conclusão de que esta solução, para além de adequada à realização das finalidades, legalmente definidas, de proteção dos depositantes, de prevenção de riscos sistémicos e de promoção do crédito à economia, é também aquela que melhor salvaguarda os interesses dos contribuintes”;

m)          Só a título excecional pode o IVA incidir sobre operações realizadas a título gratuito, tratando-as como se fossem operações realizadas a título oneroso, estando as exceções estão categoricamente tipificadas na lei, desde logo no elenco de casos e situações a que aludem os artigos 16.º e 26.º da Diretiva IVA, sendo fundamentalmente aqueles em que o empresário se apropria de bens ou serviços da empresa para os seus fins privados ou de terceiros, incluindo o consumo pelos seus trabalhadores, havendo aí lugar a liquidação de IVA como haveria se a operação fosse onerosa e realizada no mercado, evitando a não tributação de um bem afeto à empresa utilizado para fins privados;

n)           A operação de transferência de património operada pela medida de resolução, já de si fora do campo de incidência do IVA, é, por maioria de razão, igualmente insuscetível de integrar qualquer uma das situações previstas na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIVA, que o CIVA sujeita a tributação, não sendo apta a ser considerada como transmissão gratuita para o benefício próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral com fins alheios aos do sujeito passivo;

o)           A transferência da atividade do B... não visou as necessidades particulares dos seus acionistas ou trabalhadores, ou qualquer outra finalidade alheia ao B..., tendo como objetivos proteger os depositantes, salvaguardar o risco sistémico, garantir a continuidade de todas as suas operações essenciais, pelo que, mesmo sento uma atribuição sem contrapartida, não pode ser entendida como uma operação assimilada – i.e. utilização de bens afetos à empresa para uso próprio do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins alheios à empresa – posto que a exigência de contraprestação é condição essencial de um imposto que visa onerar o gasto que os consumidores fazem na compra de bens ou serviços;

Autoridade e não indemnização

p)           Relativamente à alegada assimilação a atos praticados pelas autoridades públicas com relevância tributária em sede de IVA, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, bem como a alínea a) do n.º 2 do artigo 14.º e a alínea c) do artigo 25.º da Diretiva do IVA, salienta-se que a tributação em IVA das operações resultantes de atos de autoridades públicas exige o preenchimento de três requisitos cumulativos, a saber (i) existência uma transmissão do direito de propriedade, (ii) em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome, ou por força da lei, e (iii) mediante o pagamento de uma indemnização;

q)           A venda do A... não produziu o “eventual remanescente do produto da alienação” a ser devolvido ao B... ou à sua massa insolvente nos termos do n.º 4 do artigo 145.º-I do RGIC na sua redação em vigor à data da deliberação, resultando apenas no reforço dos capitais próprios do A... de valor equivalente a menos de uma quinta parte da dívida do FR ao Estado, cujo capital, à presente data, totaliza mais de cinco mil milhões de Euros, tendo ditado a transferência para a esfera pública de um património privado mediante um ato de autoridade que não contemplou o pagamento de indemnização ou compensação, não havendo valor tributável;

r)            Segundo travessão do artigo 19.º da Diretiva IVA

s)            Só a efetiva transposição do segundo travessão do artigo 19.º da Diretiva IVA possibilitaria sustentar a autoliquidação de IVA em causa nos presentes autos, resultante que é da aplicação das denominadas “medidas para evitar distorções de concorrência” e “a possibilidade de fraude ou evasão fiscais”, não obstante o legislador ao prever a necessidade de adoção de determinadas medidas regulamentares não tenha concretizado o respetivo regime, embora o pudesse ter feito;

t)            Este regime não foi transposto para o CIVA, não sendo sequer objeto de um regulamento administrativo que o concretizasse, embora o n.º 5 do artigo 3.º preveja que “a administração fiscal adota as medidas regulamentares adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução, quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas”, devendo concluir-se que, na falta de emissão e publicação das ditas “medidas regulamentares adequadas”, fica a autoliquidação destituída de qualquer substrato legal, já que a doutrina constante do Ofício n.º..., que originou a autoliquidação, “não tem força de lei”, na aceção da norma habilitante que integra o n.º 5 do artigo 3.º do CIVA, cuja inconstitucionalidade adiante se suscita adiante, não observando as exigências do princípio da legalidade fiscal;

u)           Não tendo suporte legal a aplicação das medidas previstas no ponto 6.2 do Ofício n.º ... da então DSCA, é ilegal a manutenção na ordem jurídica da autoliquidação de IVA que as aplicou, como ilegal é a decisão da UGC que as confirmou como aplicáveis;

v)            Mesmo que se entendesse que a solução prevista na doutrina da administração seria a acertada ou a mais eficaz, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é diretamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito;

Inconstitucionalidade

w)          Ainda que se entendesse que a transferência operada pela medida de resolução constitui uma operação sujeita a IVA, e concluísse que se lhe poderia aplicar o regime fiscal preconizado no ponto 6.2 do Ofício n.º..., nem assim deixaria de ser ilegal a autoliquidação ora impugnada e a decisão de indeferimento que a secundou, por inconstitucionalidade das normas que os definiram, pois ao atribuir à AT o poder de adotar “as medidas regulamentares adequadas” o n.º 5 do artigo 3.º do CIVA investiu um serviço da administração direta do Estado – a AT – numa competência (legislativa) que constitucionalmente não lhe foi outorgada;

x)            Estabelecendo a Constituição da República Portuguesa (CRP), nos seus artigos 165.º, 1, i), e 103.º, n.º 2 que os impostos são criados por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado do Governo, admite-se que relativamente aos aspetos técnicos ou de pormenor da lei tributária, que possam carecer de maior densificação normativa, este tenha o poder de “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis” (cf. artigo 199.º, c) da Constituição), sendo que a AT não integra o Governo (cf. artigo 183.º da Constituição), não tendo. nem nunca tendo tido, competência regulamentar em matéria tributária, não podendo, pois, produzir quaisquer regulamentos necessários à boa execução das leis fiscais, debalde se procurando nos Decretos-Lei n.os 363/78, 408/93, 366/99 e 118/2011 qualquer menção que legitimasse a AT a executar o poder que o n.º 5 do artigo 3.º do CIVA lhe confere;

y)            A CRP proíbe expressamente os regulamentos delegados, de que seria um claro exemplo o conjunto de medidas regulamentares que a administração fiscal decidisse adotar ao abrigo do disposto nesse n.º 5 do artigo 3.o do Código do IVA (artigo 112.o, n.º 5, da CRP), ao mesmo tempo que prescreve que a transposição de atos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional (artigo 112.º n.º 8, da CRP);

z)            O n.º 5 do artigo 3.º do CIVA padece, pois, de inconstitucionalidade, ao instituir que “a administração fiscal adota as medidas regulamentares adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução, quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas.”, em violação dos princípios da legalidade tributária, incluindo o princípio da precisão e determinabilidade da lei tributária, e da separação de poderes, que impõem que as leis em sentido formal (lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional) sejam suficientemente determinadas – de tal modo que os contribuintes possam entender e prever a atuação da AT – sob pena da sua inconstitucionalidade;

aa)         O tipo fiscal deve conter uma descrição completa dos pressupostos da tributação, de tal modo que estes elementos, para além de serem indispensáveis, sejam exclusivamente os suficientes para a produção do efeito da norma, isto é, para a constituição da obrigação de imposto, não podendo a vontade administrativa modelar o conteúdo do tipo legal, estando desse modo afetado o Ofício n.º..., de 21 de novembro de 1989, da Direção de Serviços de Conceção e Administração do Serviço do IVA (SIVA), por inconstitucionalidade material e orgânica;

bb)         Era necessário que o n.º 5 do artigo 3.º do CIVA contivesse, pelo menos, uma descrição mínima dos pressupostos da tributação da transmissão de um estabelecimento comercial para um sujeito passivo misto, ao invés de remeter toda a sua concretização para o juízo casuístico da administração fiscal;

cc)          O Ofício n.º..., de 21 de novembro de 1989, da Direção de Serviços de Conceção e Administração do Serviço do IVA (SIVA), padece de inconstitucionalidade porque, logo no seu ponto 6, adota medidas regulamentares para aplicação do n.º 5 do artigo 3.º do CIVA, transpõe normas da União Europeia para a ordem jurídica interna e, no seu ponto 6.2, expressamente define quando, quem, quanto e como ficará obrigado a entregar IVA ao Estado, em resultado da transmissão onerosa de um estabelecimento comercial ou industrial, verificando-se, no confronto com o referido n.º 5, que este é absolutamente omisso quanto aos elementos essenciais que integram a reserva de lei, e que foi o ofício em presença que os consagrou;

dd)         Só no Ofício n.º ... se diz que o n.º 4 do artigo 3.º CIVA não será aplicável sempre que o adquirente seja um sujeito passivo misto,  assim sujeitando a IVA a transmissão onerosa de estabelecimentos que de outro modo estaria excluída de IVA, que a incidência subjetiva do IVA se desloca para o adquirente do estabelecimento, quando de outro modo seria seu sujeito passivo o transmitente, como é a regra, e que o IVA devido corresponderá à diferença entre o montante que teria sido liquidado pelo transmitente do estabelecimento e o que resulta da aplicação do pro rata do adquirente ao mesmo montante, assim alterando a base e a taxa que de outro modo seriam as legalmente aplicáveis, ou seja, só aí se diz que a aquisição de um estabelecimento comercial por um sujeito passivo misto dá lugar à obrigação de uma regularização a favor do Estado, imediata e de uma só vez, inédita no quadro normativo dos artigos 24.º a 26.º do CIVA;

Diretiva do IVA

ee)         O segundo período do artigo 19.º da Diretiva IVA diz que os Estados-Membros podem adotar as medidas necessárias para evitar distorções de concorrência caso o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto, adotar todas as medidas necessárias para evitar a possibilidade de fraude ou evasão fiscais em razão da aplicação do presente artigo, tendo o TJUE entendido que “esta disposição determina de forma exaustiva em que condições um Estado-Membro que usa da faculdade prevista na primeira frase deste número pode limitar a aplicação da regra de não entrega”, não podendo os Estados -Membros atuar com base noutro fundamento ou através de prática administrativa desprovida de fundamento legal (acórdão Zita Modes, parag. 30);

ff)           O regime fiscal preconizado no ponto 6 do Ofício n.º..., e bem assim no n.º 5 do artigo 3.º do CIVA ultrapassam, o propósito e a extensão do disposto no segundo parágrafo do artigo 19.º da Diretiva do IVA, não tendo o n.º 5 do artigo 3.º do CIVA enunciado as condições em que, à face do 2º parágrafo do artigo 19.º da Diretiva, o n.º 4 do seu artigo 3.º poderia ser limitado – permitindo, pois, todas e quaisquer limitações que se afigurem adequadas aos olhos da administração fiscal;

gg)         O regime fiscal do ponto 6 do dito Ofício presume que todas as transmissões de estabelecimentos comerciais ou industriais para sujeitos passivos mistos são abusivas ou causam distorções de concorrência, habilitando a AT para subtrair ao disposto no nº 4 do artigo 3.º do CIVA toda e qualquer transmissão de estabelecimento cujo adquirente tenha restrições à dedução, violando assim o disposto no segundo parágrafo do artigo 19.º da Diretiva;

hh)         B... e A..., respetivamente transmitente e transmissário “à força”, dispunham, à data da resolução, de idêntica capacidade de dedução, sendo o A... obrigado dar “continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos”, pelo que, determinando as mesmas a amplitude do direito à dedução, a restrição no direito à dedução do B... corresponde rigorosamente à restrição no direito à dedução do A...;

ii)            Uma vez que o BdP determinou que a transferência do património global do  B... para o A... se fizesse pelo seu valor contabilístico, forçoso é concluir que o valor contabilístico do património do B... incorporou o IVA não dedutível suportado pelo B... enquanto sujeito passivo misto, não havendo qualquer distorção de concorrência, fraude ou evasão, que da resolução do B... pudesse resultar, pelo que, ao impor sobre o A... o regime fiscal do ponto 6 do dito Ofício, a AT deu azo a uma dupla tributação em IVA dos bens e direitos transmitidos em vez de prevenir a dupla não tributação suscetível de causar distorções de concorrência, fraude ou evasão fiscal;

jj)           Uma transmissão de estabelecimento, ditada pelo regulador, entre duas entidades que legalmente se sucederam uma à outra, em que a outra foi legalmente constituída para se dedicar rigorosamente às mesmas operações da primeira, e ambas com idêntica capacidade de dedução, é insuscetível produzir fraude fiscal e de causar distorções de concorrência, não nenhuma poupança fiscal se verificou, posto que uma transmissão de estabelecimento entre dois sujeitos passivos mistos com a mesma capacidade de dedução é insuscetível de gerar qualquer poupança, visto que o transmitente está igualmente sujeito a restrições no direito à dedução do IVA, idênticas ou mais gravosas que as do transmissário, não sendo legitima a adoção das medidas previstas no 2º parágrafo do artigo 19.º da Diretiva IVA;

kk)         A medida prevista no ponto 6.2.1. do Ofício-Circulado n.º 134850 é contrária ao Direito da União Europeia, por impor cegamente ao beneficiário, sujeito passivo misto que aplica o método do pro rata, a obrigação de regularizar o imposto, a favor do Estado, correspondente à diferença entre o IVA que teria suportado se o transmitente tivesse liquidado IVA na transmissão da universalidade e o que resulta da aplicação do seu pro rata ao mesmo montante, só podendo exigir a regularização do imposto pelo beneficiário nos casos em que a capacidade de dedução do imposto na esfera deste seja inferior à capacidade de dedução verificada na esfera do transmitente;

ll)            Os artigos 16.º e 26.º da Diretiva IVA opõem-se a uma estipulação que permitisse enquadrar uma operação que se situa fora do âmbito de aplicação do regime do IVA como realizada com «fins alheios», dentro das situações previstas na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIVA, na medida em que a resolução não possui caráter económico, caracterizando-se como operação “fora do mercado”, já que aqueles artigos não visam assimilar operações que se situam fora do âmbito de aplicação do regime do IVA a operações com fins alheios à empresa, mas apenas determinar que a afetação de bens ou serviços por parte do sujeito passivo ao seu uso próprio, do seu pessoal ou terceiros, quando dê origem a atos de consumo final, pressupõe a liquidação do imposto, sob pena de se esvaziar o artigo 2.°, n.º 1, da Diretiva do seu sentido;

mm)      A entender-se que a situação dos presentes autos teria enquadramento na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, ambos do CIVA, serão essas disposições incompatíveis com os artigos 2.º, n.º 1, a) e c) e 9.º da Diretiva IVA, porque,  a transferência do património do B... para o A...– determinada ao abrigo da Diretiva da Resolução e Recuperação Bancária (Diretiva 2014/59/EU) – não resultou de prestações recíprocas entre sujeitos passivos agindo de modo independente e nessa qualidade, no exercício de uma atividade económica, não sendo passível de entrar no âmbito de aplicação da Diretiva IVA, como decorre do sentido preconizado nos acórdãos Apple and Pear, Tolsma, Julius F. Sohne, Kennemer Golf, Sparekassernes Datacenter, FCE Bank e Société thermale d'Eugénie-les-Bains;

nn)         O ponto 6.2.1. do Ofício n.º..., ao instituir uma regra de inversão do sujeito passivo (reverse-charge), determinando que a incidência subjetiva do IVA se desloque para o adquirente, quando de outro modo seria seu sujeito passivo o transmitente, é contrária ao disposto no artigo 193.º da Diretiva IVA, que dispõe que o IVA é devido pelos sujeitos passivos que efetuam as entregas de bens ou as prestações de serviços tributáveis, apenas com exceção dos casos em que é devido por outras pessoas, que são as referidas nos artigos 194.º a 199.º e 202.º da Diretiva, já que nos casos aí referidos não se conta o da aquisição de um estabelecimento comercial ou industrial, não sendo aplicável a reverse-charge;

oo)         O facto de se entender que as alíneas g) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, a) do n.º 2 artigo 14.º, c) do artigo 25.º da Diretiva do IVA, e f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA demonstram que o sistema comum do IVA atribui relevância tributária a transmissões de bens e prestações de serviços ocorridas por efeito de atos praticados pelas autoridades públicas, não permite dar relevância à criação do A... e a transferência patrimonial operada do B... para aquele, na  sequência de um ato de autoridade pública do BdP, pois tal entendimento seria desconforme com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 14.º da Diretiva IVA, que diz que a transmissão da propriedade em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei só está abrangida pelo IVA se houver o pagamento de uma indemnização.

8. Em face do exposto, a Requerente vem pedir que o presente tribunal conclua pela procedência da impugnação, devendo ser declarado ilegal e parcialmente anulado o ato de autoliquidação de IVA relativo a janeiro de 2015, no valor impugnado de € 4.309.278,13, e bem assim o ato de indeferimento da revisão oficiosa que o confirmou, se necessário após pedido ao Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir a título prejudicial sobre a sua compatibilidade com a Diretiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, nos termos do disposto no artigo 267.º do TFUE, com todas as consequências legais inerentes, incluindo a condenação da AT a reembolsar o imposto indevidamente pago, acrescido de juros nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT;

9. A Requerida respondeu por exceção e impugnação, sustentando que o presente pedido deve ser julgado improcedente, com os seguintes fundamentos:

Exceção de caso decidido

a)            A Requerente deveria ter impugnado diretamente o teor que comportou o deferimento tácito do pedido de informação vinculativa nos termos e de acordo com os prazos indicados no artigo 68.º, n.º 20 da LGT, como instituído pelo Orçamento de Estado para o ano de 2014, sendo a decisão que ali produzida um ato destacável;

b)           A Requerente não o fez, conformando-se com o teor do deferimento tácito do dito pedido com carácter de urgência e a confirmação do enquadramento jurídico-tributário dos factos constantes do pedido de informação vinculativa, pelo que esta se consolida como caso resolvido, o que significa que os respetivos vícios não poderão servir de fundamento da impugnação da decisão da liquidação a final;

c)            Verifica-se uma exceção (dilatória) que, consubstanciada na inimpugnabilidade do ato tributário com base em questões sobre que se formou caso decidido no passado, obsta ao conhecimento do pedido, determinando a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

Exceção de incompetência material

d)           O presente tribunal é incompetente para decidir da matéria objeto nestes autos porque, não obstante no pedido de revisão oficiosa e no presente pedido de pronúncia arbitral se ter mencionado que o objeto de impugnação era o ato de autoliquidação referente ao período de Janeiro de 2015, no valor contestado de € 4.309.278,13 (e bem assim o despacho de indeferimento da revisão oficiosa de 8 de Março de 2019), o que verdadeiramente impugna é o ato de regularização de IVA a favor do Estado, efetuada naquele preciso valor, na sequência da operação de transferência de ativos realizada, que teve por base o disposto no artigo 3.º, n.º 4 e artigo 4.º, n.º 5 do CIVA, bem como o entendimento constante no ofício-circulado n.º 134850, de 31 de Novembro de 1989;

e)           O Requerente solicita o reconhecimento de que procedeu à regularização de IVA com base numa incorreta interpretação das normas do CIVA e do ofício-circulado n.º 134850, de 31 de novembro de 1989, pretendendo que a AT seja condenada a reembolsar o imposto indevidamente pago, acrescido de juros, nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, devendo entender-se que o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), tal como definida no n.º 1 artigo 2.º do RJAT, não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária;

f)            Isso mesmo resulta do confronto entre a lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária – nomeadamente quando aí se referiu que «O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (cf. nºs 2 e 4, alínea b) do artigo 124º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) – e aquilo que, de facto, veio a ser consagrado no RJAT;

g)            O ato de regularização a favor do Estado, que in casu se concretizou aquando da submissão de declaração periódica de Janeiro de 2015, em sede de IVA, não consubstancia um ato de liquidação puro e duro;

h)           O Capítulo 5 (Regularização das deduções) do Título X (Deduções) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”, contempla nos artigos 184.º a 192.º as regras referentes aos ajustamentos ao direito à dedução quando ocorram alterações dos pressupostos que determinaram o exercício e a medida desse direito, estabelecendo um conjunto de parâmetros e vinculações que os Estados-Membros devem observar na legislação interna, sem prejuízo de alguma margem de liberdade quanto às modalidades de aplicação do regime de regularizações;

i)             O artigo 184.º da Diretiva IVA dispõe, com marcado carácter imperativo, que a dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização “quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”, nomeadamente “quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções”, visando o mecanismo da regularização assegurar o princípio da neutralidade que preside ao IVA, a fim de que quem suporta o imposto seja o consumidor final e não o agente intermédio da cadeia;

j)             O ato de regularização é um mecanismo de execução, previsto no CIVA, com o propósito de assegurar a neutralidade do imposto – o qual, in casu, serviu como alternativa a considerar-se estar-se perante uma operação assimilada a uma transmissão de bens – não sendo um imposto no sentido de prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coativa, exigida a (ou devida por) detentores (individuais ou coletivos) de capacidade contributiva, a favor de entidades que exerçam funções ou tarefas públicas;

k)            Distinto do princípio da neutralidade, cujo propósito subjaz ao ato de regularização, é o princípio em que assenta a emissão de atos de liquidação, que se coaduna com a satisfação das necessidades financeiras do Estado, de acordo com o plasmado no artigo 103.º, n.º 1 da CRP, sendo, desse modo, os atos aqui em questão, atos tributários com naturezas diferentes entre si;

l)             Verifica-se uma exceção (dilatória) consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido, e deve determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

Impugnação

m)          A Requerente considerou ser aplicável à operação de transferência de património, realizada na sequência do processo de “resolução” do B... o regime de não sujeição a IVA constante do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, estando igualmente excluídas do âmbito da aplicação do imposto nos termos previstos no n.º 5 do artigo 4.º do Código do IVA a transmissão de bens incorpóreos integrados na universalidade cedida, e que para efeitos de IVA se qualificam como prestações de serviços;

n)           A finalidade da delimitação negativa de incidência consagrada nos artigos 19.º e 29.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA ("Diretiva IVA"), ao permitir aos Estados membros estabelecer a não tributação das transmissões de empresas ou partes de empresas (designadamente, sob a forma do trespasse do estabelecimento comercial, fusão e cisão de sociedades, cedência de quotas que envolva a transferência total dos ativos da empresa, mas também doações e sucessão por morte do respetivo titular), é, como evidenciado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE"), simplificar a realização de tais operações e evitar sobrecarregar a tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, ele teria recuperado posteriormente através da dedução do IVA pago a montante;

o)           O conceito de "sujeito passivo" de IVA encontra-se definido na alínea a), n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que corresponde ao n.º 1 do artigo 9.º da Diretiva do IVA, e abrange as pessoas singulares ou coletivas que, de modo independente, desenvolvam uma atividade económica, considerando-se como tal todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência, sendo atendíveis fatores como (i) a natureza económica da atividade desenvolvida, (ii) o modo independente como a entidade prossegue a atividade, (iii) o carácter habitual do exercício da atividade (como regra geral, dado que se prevê a possibilidade de determinada pessoa adquirir a qualidade de sujeito passivo pela prática de atos ocasionais), (iv) a irrelevância do fim ou do resultado da atividade;

p)           No sentido de se aferir se determinadas operações são sujeitas a IVA é, particularmente relevante, no caso dos presentes autos, para além dos outros requisitos legais previstos, verificar e demonstrar o carácter oneroso da operação, assim como se a entidade transmitente ou prestadora do serviço se encontra a atuar na qualidade de sujeito passivo de IVA;

q)           O conceito de "atividade económica" engloba as atividades de produção, comercialização ou de prestação de serviços, incluindo todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços;

r)            A Requerente não é o sujeito passivo que efetua a transmissão, é antes a adquirente da referida transmissão, ficando o seu direito à dedução condicionado pela qualificação que o transmitente der à referida operação, como decorre do regime de IVA, sendo que, pelo de se estar perante um caso em que os intervenientes na operação são ambos sujeitos passivos mistos, as regularizações entrecruzam-se e são interdependentes;

s)            No pedido de revisão oficiosa, a Requerente faz tábua rasa do que se dispõe no nº 5 do artigo 3º do Código do IVA, pretendendo por em causa os procedimentos da sua aplicação que se reconduzem ao que se dispõe quanto aos sujeitos passivos mistos (como é o caso da Requerente) e à modulação do seu direito à dedução previstos no artigo 23º do Código do IVA, sendo incoerente querer a aplicação do nº 4 do artigo 3º do Código do IVA e fazer vista grossa face ao que se dispõe no nº 5 do citado artigo;

t)            O sistema comum do IVA atribui também relevância tributária a transmissões de bens e prestações de serviços ocorridas por efeito de atos praticados pelas autoridades públicas, como ilustram, quer a alínea g) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, quer a alínea a) do n.º 2 do artigo 14.º e a alínea c) do artigo 25.º da Diretiva do IVA, pelo que o facto de a transmissão patrimonial operada ter ocorrido na sequência de um ato de autoridade pública do Banco de Portugal, produzido nos termos legalmente previstos, não impede que a mesma seja objetivamente considerada como a atividade económica na aceção do sistema do IVA;

u)           Não obstante o caráter gratuito da transmissão do património do antigo B..., o mesmo não afasta a incidência do IVA, por enquadramento na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA - que têm por base o artigo 16.º, a alínea b) do artigo 18.º e o artigo 26.º da Diretiva do IVA -, as quais assimilam a transmissões de bens ou a prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, as transmissões gratuitas de bens da empresa "quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que o constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto" e as prestações de serviços a título gratuito "efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma";

v)            Sendo o artigo 16.º da Diretiva de natureza objetiva, e sendo-o também, por inerência, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, a respetiva aplicação é passível de ter lugar independentemente do motivo que possa ter levado à transmissão gratuita da propriedade dos ativos, não se figurando determinantes, no que concerne à aplicação das referidas regras de incidência do imposto, as específicas circunstâncias em que os bens foram transferidos do Banco para a ora Requerente, assim como as consequências jurídicas de medida de resolução do Banco de Portugal, designadamente, as que vêm definidas nos n.os 9, 11, 12 e 13 do artigo 145.º-H do RGICSF;

w)          Verificando-se, objetivamente, as previsões integrantes da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º ou da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA, a transferência do património em apreço entre o B... e a ora Requerente é considerada abrangida pela incidência do IVA, embora, sendo aplicáveis o n.º 4 do artigo 3.º e o n.º 5 do artigo 4.º do Código do IVA, relativas à transmissão de uma universalidade de bens, ou parte desta, nos termos e condições aí estabelecidas, a incidência do IVA é afastada, não havendo, em consequência lugar à liquidação de imposto por esta transmissão;

x)            Salvaguardando as situações em que a obtenção da desoneração total não pudesse ocorrer por parte do cessionário, o primeiro período do segundo parágrafo do artigo 19.º da Diretiva do IVA prevê que os Estados membros possam tomar as medidas necessárias para evitar distorções de concorrência caso o beneficiário não se encontre totalmente sujeito a imposto prevendo o n.º 5 do artigo 3.º do Código do IVA que seja imposta uma limitação do direito à dedução "quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas";

y)            A explicitação dessa limitação encontra-se expressa no ofício-circulado n.º 134850, de 21 de Novembro de 1989, da ex-Direção de Serviços de Conceção e Administração (DSCA), prevendo-se no seu n.º 6.2. o procedimento que os sujeitos passivos cessionários de uma universalidade de bens deverão adotar quando desenvolvam atividades que não possibilitem uma dedução integral do IVA suportado, o qual veicula uma interpretação plausível e adequada do previsto no n.º 5 do artigo 3.º, tendo em consideração os princípios relativos ao direito à dedução do IVA suportado a montante, expressos, nomeadamente, quer no n.º 1 do artigo 20.º quer do artigo 23.º, ambos do Código do IVA;

z)            A transferência operada entre o B... e o A... representa, em sede de IVA, a realização de operações assimiladas a transmissões de bens e prestações de serviços nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º ou da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do CIVA, pelo que a Requerente, para efeitos de aplicação do previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 3.º e do n.º 5 do artigo 4.º do Código do IVA, deve tomar em consideração o imposto que seria apurado pelo B..., tendo por referência as regras de determinação do valor tributável constantes das alíneas b) ou c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, procedendo à regularização a favor do Estado da parcela do imposto que não poderia deduzir, em conformidade com as regras aplicáveis a este em matéria de direito à dedução, enunciadas no n.º 1 do artigo 20.º e no artigo 23.º do Código do IVA;

aa)         A atuação da Administração por via da emanação da orientação genérica, não tem, nem pretende ter, força de lei, por conseguinte, a AT, ao interpretar e aplicar aquela norma, tendo observado os critérios de interpretação das normas fiscais, bem como todo o bloco de legalidade, realizou uma “interpretação defensável”, pelo que deve ser reconhecida àquela uma margem de livre apreciação, que nada tem quer ver com o exercício de qualquer poder legislativo.

10. Em face do acima exposto, a Requerida conclui dever este tribunal abster-se de conhecer e de se pronunciar sobre as pretensões da Requerente e absolver a AT do pedido, porquanto deve julgar procedentes as exceções peremptórias supra invocadas, ou, caso assim não se entenda, julgar totalmente improcedentes os pedidos deduzidos pela ora Requerente, com as consequências legais.

11. Na Réplica, a Requerente veio sustentar os seguintes argumentos, sobre os temas da inimpugnabilidade e caso decidido e sobre a incompetência material.

a)            A resposta a um pedido de informação dirigido pelo contribuinte à AT nos termos do n.º 1 do artigo 68.º da LGT não visa constituir obrigações tributárias, mas esclarecer e fornecer segurança e previsibilidade no domínio da interpretação e aplicação da lei fiscal, não integrando o procedimento de liquidação nem sendo pressuposto ou condição, suficiente ou sequer necessária, do ato de liquidação, antes integrando o do direito à informação do contribuinte.

b)           O procedimento de liquidação prescinde da prestação de informação prévia ao contribuinte para que se produza a respetiva marcha até final, mas o contribuinte pode não prescindir de procurar obter previamente essa informação, sem que isso possa ser entendido como uma obrigação a de imediato iniciar um litígio judicial contra a administração caso venha a discordar da respetiva resposta.

c)            No domínio do direito à informação – que, sistematicamente, se compreende no dever de colaboração da administração tributária com os contribuintes – estranho seria que se facultasse ao contribuinte o direito a pedir esclarecimentos e concomitantemente se lhe impusesse o ónus de reagir judicialmente contra os esclarecimentos assim prestados, sob pena de estes se consolidarem para todo o sempre como caso resolvido subtraído à impugnação de qualquer liquidação subsequente.

d)           A resposta a um pedido de informação não provoca sequer uma lesão imediata – isto é, não comporta efeito imediatamente lesivo na esfera jurídica do contribuinte, que a pode ou não adotar – pelo que jamais se poderia aceitar que na falta da respetiva impugnação autónoma o contribuinte ficasse diminuído na extensão e alcance dos meios tutelares e de defesa que a lei colocou à sua disposição.

e)           O n.º 20 do artigo 68.º da LGT não visa deslocar o direito de impugnação da liquidação para uma fase facultativa prévia, de natureza informativa ou consultiva, como a que integra o mecanismo da informação vinculativa, um ato de ocorrência facultativa e de natureza informativa, no quadro dos deveres de colaboração, esclarecimento e informação da administração tributária.

f)            Se o contribuinte não coadunar a sua conduta com o disposto numa determinada informação vinculativa e a administração quiser fazer valer essa sua interpretação, tem ainda assim de iniciar um procedimento para promover as devidas correções tributárias, que culminará na emissão do ato tributário final – a liquidação, tipicamente.

g)            A possibilidade de o contribuinte sindicar autonomamente nos termos do n.º 20 do artigo 68.º da LGT a resposta ao pedido de informação vinculativa configura uma faculdade, e não um ónus, que visa reforçar e não restringir a tutela jurisdicional dos seus direitos e garantias legal e constitucionalmente protegidos.

h)           A circunstância de o ora Requerente não ter previamente exercido essa faculdade em relação à decisão que tacitamente se formou sobre o pedido de informação vinculativa que submeteu à AT em setembro de 2014 não o pode impedir de avançar agora com o seu pedido de anulação da autoliquidação e do ato de indeferimento da revisão oficiosa necessária em tempo dela apresentada, que a confirmou.

i)             Com o n.º 20 do artigo 68.º da LGT o legislador decisivamente não quis fazer precludir a garantia de impugnação unitária, isto é, que a impugnação se pudesse fundar em qualquer ilegalidade anterior ou contemporânea à liquidação.

j)             Que a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tenha pretendido reforçar a tutela jurisdicional dos direitos e garantias dos contribuintes é uma coisa; que a quisesse restringir é outra substancialmente diferente.

k)            Ao dizer que são “suscetíveis” – ou, na formulação do n.º 20 do artigo 68.º da LGT, que são “passíveis” – a lei revela incontestavelmente uma opção pela atribuição de um direito impugnatório acrescido, e não pela definição de uma obrigação de impugnação; trata-se de ampliar e não de reduzir, de reforçar e não de restringir.

l)             As exceções previstas no artigo 54.º do CPPT são exceções à obrigação de impugnação unitária, mas não exceções ao direito de impugnação a final; são, no fundo, exceções a uma obrigação, pelo que a sua função é alargar um direito, e não restringi-lo.

m)          Extrair do n.º 20 do artigo 68.º da LGT uma limitação à impugnação das decisões finais, sem que a letra da lei aponte nesse sentido – já vimos que a letra da lei aponta justamente para sentido contrário – seria inclusivamente desconforme à própria Constituição da República.

n)           É inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, uma interpretação do n.º 20 do artigo 68.º da LGT que extrai de uma norma que atribui um o direito à impugnação autónoma um ónus encapotado de impugnação, restringindo, sem apoio expresso da lei, o direito regra de impugnação da decisão final, desde logo porque a previsão daquela impugnação não inclui de forma expressa a preclusão da impugnação a final.

o)           No processo tributário vigora inquestionavelmente o princípio da impugnação unitária e em que a impugnação autónoma de atos lesivos ou interlocutórios praticados no âmbito do procedimento administrativo tributário é configurada pela lei como uma faculdade do contribuinte, apenas justificada no quadro do reforço das suas garantias, soçobrando a alegada inimpugnabilidade dos atos ora impugnados e devendo ser julgada totalmente improcedente a primeira exceção suscitada pela AT.

p)           A pretensão do Requerente tem obviamente cabimento no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, visto que a liquidação, quer a realizada pelo sujeito passivo, quer a realizada pela administração tributária, é a síntese de um conjunto de atos e operações indissociáveis entre si que operam e se articulam nos termos da lei.

q)           Analisando o conjunto desses atos e operações indissociáveis, a administração tributária, quando discorda, corrige rendimentos, desconsidera custos, recaracteriza operações, cancela benefícios fiscais – o que quer que seja, ao passo que, reanalisado o conjunto desses atos e operações indissociáveis, pode também o sujeito passivo, no caso da autoliquidação, pedir, primeiro à administração tributária e, se for o caso, depois ao tribunal, que se corrija rendimentos, se considere custos, se recaracterize operações, se reconheça benefícios fiscais – o que quer que seja.

r)            Em sede de IVA, a liquidação tem por base o sistema declarativo (autoliquidação), sendo um ato complexo só plenamente entendível se considerado em sentido amplo, decorrendo da estrutura do próprio CIVA, estarmos perante uma noção ampla de liquidação, a qual abrange as deduções e as regularizações de imposto (artigos 19.º a 26.º do CIVA), bem como liquidações administrativas decorrentes de atos de fiscalização e determinação oficiosa do imposto (Capítulo VI do CIVA).

s)            É incontroverso, no caso dos presentes autos, que o ato de autoliquidação de IVA referente ao período de janeiro de 2015 incorporou uma parcela de imposto a entregar ao Estado cuja legalidade se pretende ver apreciada por este tribunal, não se tratando de um pedido tendente ao reconhecimento de um direito em matéria tributária, de autorização ou de reembolso, mas de um pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação de IVA a entregar ao Estado por estar ferido dos vícios geradores de invalidades várias.

t)            A AT, na notificação da decisão de indeferimento impugnada, induziu o Requerente à utilização do meio processual acionado, a impugnação arbitral – ou o pedido de pronúncia arbitral, não se compreendendo que venha agora a juízo pugnar pela incompetência material.

u)           O objeto do processo é um ato de autoliquidação de IVA, precedido de recurso à via administrativa, e o pedido formulado o da declaração de ilegalidade e de anulação desse ato, matéria que cabe na competência da jurisdição arbitral tributária este Tribunal pode e deve conhecer, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, soçobrando a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela AT.

 

II. Saneamento

12. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

13. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

14. O processo não enferma de nulidades e não há, em face do exposto, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

III. Do Mérito

III.1. Factos provados

15. Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            Em 03.08.2014 o Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) deliberou aplicar ao Banco B... (B...) uma medida de resolução ao abrigo do disposto no Título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC), na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 01 de agosto, que transpôs parcialmente a Diretiva n.º 2014/59/EU; (Documentos 2 e 9)

b)           A medida de resolução constituiu um banco de transição – o A... (A...) – e  aprovou os respetivos estatutos, tendo implicado a transferência imediata para a esfera jurídica do A... da totalidade dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B..., incluindo os trabalhadores e prestadores de serviços do B..., apenas com a exceção dos elementos enunciados no Anexo 2;  (Documentos 2 e 9)

c)            A decisão de transferência produziu efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência, não dependendo de prévio consentimento dos acionistas do B... nem das partes em contratos relacionados com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir; (Documentos 2 e 9)

d)           A medida de resolução não foi acompanhada de qualquer regulamentação específica de natureza tributária que permitisse enquadrar as suas várias operações do ponto de vista fiscal; (Documentos 2 e 9)

e)           Em setembro de 2014, o A... apresentou um pedido de informação vinculativa nos termos e para os efeitos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, visando nomeadamente confirmar que seria sua obrigação tributária proceder à regularização de IVA a favor do Estado a que alude o ponto 6.2 do Ofício n.º ..., de 21.11.1989 (Documento 9)

f)            A informação vinculativa, notificada em dezembro de 2014, sustentou que a medida de resolução em causa produziu uma operação gratuita assimilada a onerosa, à qual mandou aplicar o regime fiscal preconizado no ponto 6.2 do referido Ofício n.º...; (Documento 9)

g)            A informação vinculativa aplicou o entendimento do Parecer n.º 57/2014 do Centro de Estudos Fiscais, que conclui pela irrelevância da natureza do ato do BdP que produziu a transferência compulsória para a esfera do A... do universo patrimonial do B..., tratando-a como operação assimilada para efeitos de IVA; (Documento 9)

h)           Em face da informação obtida, o A... autoliquidou na declaração periódica de IVA de janeiro de 2015, sobre o valor contabilístico do património recebido do B..., conforme ditou a deliberação do BdP, IVA apurado nos termos do ponto 6.2 do Ofício n.º..., que se quedou em 4.309.278,13 Euros, embora o valor contabilístico do património global do B... não tenha deixado de incorporar o IVA indedutível suportado pelo B... enquanto sujeito passivo misto; (Documento 9)

i)             Em março de 2019, o A... fez um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos artigos 98.º do CIVA e 78.º da LGT, tendente à anulação da autoliquidação de IVA em apreço, tendo sido notificado, por ofício de 24 de junho de 2019 da UGC, «do despacho de indeferimento do pedido de revisão. (Documento 1)

 

III.2. Factos não provados

 

16. Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

17. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

18. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

19. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental apresentada consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos elencado em III.1.

 

III.4. Matéria de direito:

III. 4.1. Exceções dilatórias

 

Caso decidido

 

20. A Autoridade Tributária suscita a questão da inimpugnabilidade dos atos tributários com base em caso decidido por considerar que havia lugar à impugnação autónoma do deferimento tácito do pedido de informação vinculativa nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 20, da LGT. Este preceito, aditado pela Lei n.º 13-C/2013, de 31 de dezembro, veio estabelecer que “são passíveis de recurso contencioso autónomo as decisões da administração tributária relativas a) à inexistência dos pressupostos para a prestação de uma informação vinculativa ou a recusa de prestação de informação vinculativa urgente, ou b) à existência de uma especial complexidade técnica que impossibilite a prestação da informação vinculativa, ou c) ao enquadramento jurídico-tributário dos factos constantes da resposta ao pedido de informação vinculativa.

21. Não oferece dúvidas que esta disposição abre a possibilidade de o contribuinte impugnar diretamente o teor das informações vinculativas. Questão diversa é a de saber se a não impugnação produz o efeito de caso decidido relativamente ao ato tributário de liquidação produzido na sequência da informação vinculativa. Na resposta a esta questão não pode deixar de ter-se em consideração as finalidades e pressupostos legais das informações vinculativas.

22. Estas enquadram-se no direito à informação do contribuinte quanto à sua concreta situação tributária (artigo 67.º da LGT), constituindo nesse sentido um afloramento do direito constitucional à informação, e, como tem sido sublinhado pela doutrina,  têm como objetivos facilitar o cumprimento das obrigações tributárias, tendo em conta a abundância legislativa e a crescente complexidade das leis fiscais, proporcionar aos contribuintes um meio diligente e eficiente de prestação de informações e trazer uma maior segurança jurídica ao sistema.

23. Como resulta, por outro lado, do n.º 14 do artigo 68.º, “a administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial”. Ou seja, como referem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, a “informação vinculativa, não se destina, por si mesma, a produzir efeitos numa situação individual e concreta, produzindo efeitos apenas perante a própria administração tributária, que fica obrigada a decidir em conformidade com o informado, se o interessado assim o requerer (…)” (Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª edição, Vislis, 2003, p. 346). E porque a informação prestada não fixa, afinal, quaisquer obrigações para o contribuinte, seja a obrigação de pagar imposto, sejam obrigações acessórias ou instrumentais desta, a informação vinculativa não constitui ato que integre o processo de liquidação, logo assim porque se reporta a factos meramente eventuais (SÉRGIO VASQUES, O Mecanismo da Informação Vinculativa, CTF 397, Jan./Mar. 2000, pp. 123/124).

24. Como se conclui ainda no acórdão do STA de 5 de janeiro de 2012 (Processo n.º 01011/11), o “efeito produzido pela prestação desta informação vinculativa, por si e em relação ao objeto do pedido, mais não é do que o de obstar a que a Autoridade Tributária proceda posteriormente em sentido diverso ao da informação prestada, sendo que, apesar disso, se o contribuinte optar por proceder em sentido não coincidente com a que resultar do sentido da informação, a Autoridade Tributária, se quiser fazer valer a interpretação da informação, tem que iniciar o respetivo procedimento para efetuar as correções tributárias, que culminará, então, na prática do ato tributário que ao caso couber”.

25. Por tudo o que se deixou exposto, o ato que se torna suscetível de impugnação autónoma, nos termos do falado artigo 68.º, n.º 20, da LGT, é a própria informação prestada ao contribuinte e que culmina o procedimento de informação vinculativa. Essa informação não constitui um ato destacável ou interlocutório mas o próprio ato final desse procedimento tributário. E, por outro lado, esse ato em nada interfere com a decisão a proferir no processo judicial que incida sobre a autoliquidação de imposto quando o sujeito passivo discorde do entendimento formulado pela Administração, no âmbito da informação vinculativa, e deduza a competente impugnação judicial.

26. Como é sabido, a força jurídica do caso decidido é aplicável aos atos administrativos que definem a situação do caso concreto de forma estável por falta de oportuna impugnação judicial por parte dos interessados, contanto que se não trate de atos nulos (artigos 163.º, n.º 3, e 166.º, n.º 1, alínea a), do CPA).

27. Ora, o presente pedido arbitral não tem por objeto a informação prestada pela Administração no âmbito do procedimento de informação vinculativa, mas os atos de autoliquidação de imposto e de indeferimento do pedido de revisão, e, como se deixou esclarecido, a Requerente não estava impedida de discutir a legalidade desses atos, independentemente de não ter impugnado autonomamente a informação vinculativa. Isso porque, como se disse, se trata de procedimentos distintos e o contribuinte não está vinculado a seguir o entendimento expresso na informação prestada. E, sendo assim, torna-se claro que os vícios que são imputados no presente ao pedido aos atos impugnados não podem considerar-se cobertos pelo caso decidido que tenha resultado da não impugnação da informação.

28. Em todo este contexto, haverá de entender-se que a norma do artigo 68.º, n.º 20, da LGT, reforçando o direito à informação do contribuinte, apenas confere a possibilidade de impugnar a decisão da administração tributária proferida no procedimento de informação vinculativa, sendo essa uma faculdade e não um ónus processual, que, como tal, não tem reflexo na impugnabilidade do ato tributário de autoliquidação.

29. Não altera os dados do problema, o chamado princípio da impugnação unitária a que se refere o artigo 54.º do CPPT.O preceito dispõe que “[S]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

30. O princípio da impugnação unitária contempla, como se vê, duas exceções: quando subsista disposição expressa em sentido diferente, isto é, quando haja disposição que admita a impugnação contenciosa autónoma de atos interlocutórios do procedimento, mas também quando se trate de atos imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte. Em qualquer destes casos, estamos perante atos destacáveis que são suscetíveis de impugnação autónoma.

31. Sucede que, como se disse, no caso vertente, estamos perante procedimentos diversos e a decisão da Administração adotada no procedimento de informação vinculativa não pode ser tida como interlocutória ou destacável em relação ao procedimento de autoliquidação de imposto.

32. Em suma, a informação vinculativa não vincula o interessado, tem carácter meramente informativo e não obsta a que o interessado deduza a impugnação contra o ato tributário praticado no procedimento de liquidação. Por outro lado, a norma do artigo 68.º, n.º 20, da LGT não é comparável com a antiga norma do artigo 63.º, n.º 10 do CPPT, a que se refere a decisão arbitral proferida no Processo n.º 5/2011-T, que é citada na resposta da Autoridade Tributária. Esta disposição torna passível de impugnação autónoma a decisão prévia de autorização de aplicação da norma antiabuso, no âmbito do procedimento específico regulado nesse artigo, e compreende-se que assim seja porque essa decisão interlocutória acarreta já consequências negativas para o contribuinte. Não é essa a situação quando estamos perante procedimentos distintos e a decisão adotada no procedimento de informação vinculada constitui a decisão final desse procedimento e não uma mera decisão interlocutória de um ulterior e eventual procedimento de liquidação.

 

Incompetência do tribunal arbitral

 

33. A Requerida invoca ainda a incompetência do tribunal arbitral por entender que o que verdadeiramente se impugna é o ato de regularização do IVA a favor do Estado, pelo que o se pretende é o reconhecimento de direitos em matéria tributária, isto é, o reconhecimento de que a regularização do IVA foi efetuada com base em incorreta interpretação das normas do CIVA.

34. Como resulta com evidência da petição inicial, a Requerente deduziu um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de um ato de autoliquidação de IVA referente a janeiro de 2015, e, precedentemente, deduziu um pedido de revisão oficiosa contra o mesmo ato de autoliquidação, visando obter a sua anulação pela via administrativa.

35. O efeito útil e relevante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa traduz-se na manutenção na ordem jurídica do ato tributário de autoliquidação, pelo que é esse mesmo indeferimento que torna justificável e necessário o recurso à jurisdição arbitral visto não ter sido possível obter a anulação administrativa ainda na fase pré-judicial. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui, neste contexto, o objeto mediato do pedido e tem em vista assegurar a eliminação da ordem jurídica dessa decisão caso se venha a concluir pela ilegalidade do ato tributário de autoliquidação.

36. A declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de tributos integra a competência do tribunal arbitral no âmbito da arbitragem tributária (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) e traduz-se seguramente numa pretensão de natureza anulatória, que determina a anulação do ato o que é objeto da decisão arbitral, e, em execução de julgado, a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado (artigo 24.º do RJAT). Discutindo a Requerente a legalidade da autoliquidação em IVA, é claro que não está em causa uma ação de simples apreciação, que apenas teria lugar se autor pretendesse o reconhecimento de direito com base na incerteza objetiva sobre a sua situação jurídica.   

37. Acresce que a regularização, a que a Autoridade Tributária faz alusão, constitui um mero procedimento administrativo, contemplado no artigo 78.º do CIVA, que se destina a permitir  correção de erros materiais ou de cálculo ocorridos nas declarações periódicas, e que nem sequer abarca o erro de direito que, no plano administrativo, apenas pode ser suprido por via do pedido de revisão a que se refere o artigo 98.º

38. De resto, a ideia – avançada pela Autoridade Tributária - de que a pretensão da Requerente visa o reconhecimento de que procedeu à regularização de IVA com base numa incorreta interpretação das normas aplicáveis não é mais do que uma forma de dizer que no pedido arbitral se pretende impugnar a legalidade do ato de autoliquidação, para que o tribunal arbitral dispõe de competência. 

39. Como se impõe concluir, as exceções dilatórias invocadas são manifestamente improcedentes.

 

III.4.2. Legalidade da autoliquidação

40. A questão de fundo prende-se com saber se a transferência do património do B... para o A..., operada por força da Deliberação da Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, 3 de agosto de 2014, 20 horas, consubstancia uma operação tributável para efeitos de IVA.

41. Na sequência da crise do subprime iniciada no fim de 2007, nos Estados Unidos, e das ondas de choque financeiras e orçamentais que a partir daí alastraram a todo o mundo, o G20 fez publicar, em outubro de 2010, um esquema-quadro intitulado “Key Attributes of Effective Resolution Regimes for Financial Institutions” (KA), em boa parte resultante do trabalho desenvolvido pelo Financial Stability Board (FSB) – entidade onde têm assento governos, autoridades de supervisão financeira e bancos centrais das nações mais importantes no plano económico e financeiro – em articulação com outras instituições supranacionais como o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Os Estados representados no FSB comprometeram-se a adotar até 2015 mecanismos legais de concretização do regime de resolução . Nesse quadro, a medida resolução era pensada e estruturada como um regime jurídico de terceira via, ao lado dos instrumentos tradicionais de insolvência e de Bail-out.

42. Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao abrigo de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro, veio alterar o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), conferindo poderes ao Banco de Portugal para intervir em instituições sujeitas à sua supervisão em situações de desequilíbrio financeiro, procedendo à criação de um Fundo de Resolução e, bem assim de um procedimento pré-judicial de liquidação para as instituições sujeitas à supervisão do BdP.

43. Foi nesse contexto, de grave crise financeira de proporções sistémicas, que o BdP adotou a Deliberação em causa (rectius, conjunto de deliberações), abrigo dos artigos 145.º-A a 145.º- H e n. º 1 do artigo 146.º do RGICSF, a qual tinha como pressuposto a necessidade premente de salvaguarda da solidez financeira do B... e do interesse dos seus depositantes, bem como a manutenção da estabilidade do sistema financeiro português, tendo sido considerada urgente nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n. º 1 do artigo do artigo 103.º do Código de Procedimento Administrativo, não tendo havido lugar a audiência previa dos interessados.

44. Essa Deliberação decidiu sobre 1) a constituição do A..., 2) a transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B..., para o A..., 3) a designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o A... e 4) a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do B... . Além disso, o anexo I estabelece os Estatutos do A... e o anexo II determina a transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B... para o A..., definindo o perímetro fáctico do objeto de transferências. No anexo II-A apresenta-se o Balanço com referência a 31 de junho de 2014 (B... – Base individual).

45. Entretanto, havia sido aprovada a Diretiva 2014/59/EU, de 15 de maio de 2014, adotando regras mínimas comuns harmonizadas regulamentando a resolução das instituições, de forma a enfrentar o risco sistémico e a preservar o mercado interno. O seu artigo 31.º estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, determina que o exercício dos poderes de resolução deve subordinar-se aos objetivos de assegurar a continuidade das funções críticas, evitar efeitos negativos significativos na estabilidade financeira (v.g. evitando o contágio), manter a disciplina do mercado, proteger as finanças públicas, proteger depositantes e investidores designados, proteger fundos e ativos de clientes.

                46. Por sua vez, o artigo 32.º da mesma Diretiva, estabelece os três pressupostos cumulativos para desencadear a resolução, que aqui se sintetizam: (i) situação ou risco de insolvência da instituição; (ii) inexistência de uma perspetiva razoável de medidas alternativas num prazo razoável; (iii) necessidade de defesa do interesse público. As mesmas condições estão normativamente plasmadas no artigo 18.º1 do Regulamento (UE), n. ° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária.

                47. Do exposto resulta com clareza o facto de que transferência de património do B... para o A... ocorre de forma involuntária. Como se depreende dos artigos 145.º- C e seguintes, do RGICSF, na redação à data, a mesma resulta de decisão de autoridade pública, adotada pelo BdP, considerada indispensável para a prossecução das finalidades anteriormente mencionadas, quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade (v.g. capital social; incumprimento dos rácios prudenciais; impossibilidade de cumprimento de obrigações).

48. Longe de traduzir um ato voluntário do B... no quadro do normal exercício dos direitos e liberdades económicos de propriedade privada, liberdade contratual e autonomia económica, no quadro do mercado interno, a Deliberação do BdP – que procedeu à alienação de património do B... para o A..., enquanto banco de transição (bridge institution) detido pelo FR – foi adotada sem, contra e em vez da vontade dos órgãos de administração, tendo havido mesmo lugar à suspensão dos órgãos de administração e fiscalização do B... e nomeação de novos membros para os mesmos, sem dependência de qualquer limite estatutário e a quem cabe, nomeadamente, executar as decisões adotadas pelo BdP ao abrigo dos artigos 145.º-F a 145.º-I do RGICSF, na redação à data, sem necessidade de obter o prévio consentimento dos acionistas do B... . Nos termos do então n.º 11 do artigo do 145.º-H, RGICSF, a decisão de transferência em causa produziu efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.

49. Igualmente relevante é o facto de a transmissão de património ocorrer sem qualquer contraprestação. Não há lugar ao pagamento de um preço, como sucede no contrato de compra e venda, de prestação de serviços, de aquisição de participações sociais ou de transmissão do estabelecimento comercial, nem ocorreu o pagamento de qualquer indemnização aos acionistas. como no caso da expropriação. Nesta matéria, a Diretiva 2014/59/UE, no seu considerando (50), estabelece apenas o princípio deôntico de que os acionistas e credores afetados não deverão suportar perdas mais elevadas do que aconteceria se a instituição tivesse sido liquidada no momento em que é tomada a decisão de desencadear a resolução (“no creditor worse off”).

50. Feita esta breve caracterização da Deliberação do BdP em causa, importa responder à questão de saber se a transferência de património do B... para o A..., por ela operada, consubstancia uma operação tributável para efeitos de IVA. Para o efeito, importa atentar para algumas disposições da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA). Como tem sido salientado pelo TJUE , esta Diretiva baseia-se numa definição uniforme das operações tributáveis. O artigo 2.º deste instrumento normativo dispõe: “1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações: a) As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade; […]” O mesmo corresponde, em boa medida, ao artigo 1.º do CIVA, onde se lê: “1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;”

51. O mencionado artigo 2.º da Diretiva IVA estabelece os pressupostos, de que depende a incidência objetiva do IVA, a saber, i) entregas de bens, ii) efetuadas a título oneroso, iii) no território de um Estado-Membro, iv) por um sujeito passivo agindo nessa qualidade. O sentido de cada um desses pressupostos não é imediatamente esclarecido no próprio artigo, sendo necessário examinar outros preceitos. É o caso, desde logo, do artigo 14.º da mesma Diretiva 2006/112/CE. Aí se diz, no n.º 1: “Entende-se por «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.” Como foi salientado pelo Advogado-Geral Michal Bobak , trata-se aí de operações que pressupõem a autonomia da vontade das partes inerente a uma operação recíproca, necessariamente efetuada a título oneroso, como resulta do artigo 2.º n.º1, alínea a), da Diretiva IVA. As mesmas pressupõem a existência, entre o fornecedor e o beneficiário, de uma relação jurídica durante a qual são realizadas prestações recíprocas, constituindo o preço recebido pelo fornecedor o contravalor efetivo do bem fornecido .

52. A alusão, no artigo 14.º, n.º 1, à transferência do poder substantivo de disposição típico da propriedade e não à transferência do título formal de propriedade constitui um tributo ao princípio de primazia da substância sobre a forma (substance over form) , princípio tanto mais importante quanto é certo que a harmonização europeia em matéria de IVA não tem correspondência na harmonização das normas de direito privado. Para além do n.º 1 do artigo 14.º, importa ter em conta o n.º 2 do artigo 14.º, que vem alargar o conceito de “entrega de bens” a outras modalidades, dispondo que “Para além da operação referida no n.º 1, são consideradas entregas de bens as seguintes operações: a) [a] transmissão da propriedade de um bem, mediante pagamento de uma indemnização, em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei; […]” . A ratio desta norma de incidência objetiva de IVA consiste em evitar que as autoridades públicas optassem pela expropriação e não por uma operação que cumprisse os critérios gerais de uma entrega de bens. Quer seja efetuada por meio de um contrato ou de expropriação, a entrega de bens deve manter-se neutra em termos fiscais. 

53. Como sublinhou o TJUE , da redação e da estrutura do artigo 14.º da Diretiva IVA, resulta que o n.º 2 desse artigo constitui, relativamente à definição geral enunciada no n.º 1 do mesmo, uma lex specialis, cujos requisitos de aplicação revestem caráter autónomo relativamente aos do referido n.º1. O n.º 2, alínea a) elenca três critérios cumulativos caracterizadores desta modalidade de entrega de bens . Em primeiro lugar, tem de existir uma “transmissão da propriedade de um bem”. Em segundo lugar, a transmissão da propriedade tem de ocorrer “em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei”. Finalmente, a transmissão da propriedade tem de ser efetuada “mediante pagamento de uma indemnização”. Os mesmos têm que estar presentes simultaneamente para que se considere estar diante de uma operação objetivamente sujeita a IVA.

54. Ora, das considerações anteriormente expostas resulta que os mesmos critérios não estão cumulativamente verificados, na Deliberação do BdP em apreço, visto que na transferência do património do B... para o A... que ela determina se está perante os dois primeiros, mas está ausente o terceiro, critério que diz respeito ao pagamento de uma indemnização, visto que se não foi paga qualquer indemnização ao B..., não há qualquer efetivamente contravalor recebido. Isso significa, portanto, que não se está aí perante uma “entrega de bens” para efeitos do artigo 14.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva IVA, sujeita por essa via à incidência objetiva de IVA.

55. Muito menos se poderá concluir que se está diante de uma transferência do poder de dispor sobre ativos como proprietário, para efeitos do artigo 14.º, n.º 1, da Diretiva IVA, visto que o n.º 2 é lex specialis relativamente ao n.º 2. Enquanto este último se refere a operações de direito privado, ocorridas num quadro de reciprocidade e envolvendo uma contraprestação, aquele diz respeito a operações de direito público, resultantes de uma decisão unilateral, contra o pagamento de uma indemnização. Trata-se de lógicas diferentes com terminologias diferentes .

56. O princípio da neutralidade assume uma relevância conformadora e interpretativa em sede de IVA, impondo a dedução do IVA suportado na realização de transações sujeitas a IVA e obrigando à igualdade de tratamento de todos os fornecedores de bens e serviços. Por outras palavras, o princípio da neutralidade é um corolário da aplicação do princípio da igualdade no âmbito do IVA. Assim, este aplica-se a cada transação de produção ou distribuição, com dedução do IVA que incidiu diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço (input VAT). De acordo com o princípio da neutralidade, um sujeito passivo tem o direito de ser totalmente dispensado do encargo do IVA, por via do direito de dedução, somente na medida em que as aquisições de bens ou serviços se refiram a operações sujeitas a IVA.

57. A transferência de património operada por medida de resolução constante da Deliberação do BdP de 3 agosto de 2014, sem qualquer indemnização – motivada por decisão e fundamentação de interesse público, nada tendo por isso de artificial, abusivo, elisivo ou fraudulento – perfila-se como uma operação fora do mercado e fora da incidência objetiva do IVA, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, alínea a), não podendo, consequentemente, ser abrangida pelas normas jurídicas, que, tanto na Diretiva IVA, como no CIVA, visam assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade fiscal no âmbito do IVA.  

58. Com base neste entendimento, importa averiguar se a mencionada transferência de património pode ser assimilada a uma entrega de bens a título oneroso por aplicação do artigo 16.º § 1 da Diretiva IVA, que, entre outros casos, determina essa assimilação quando da transmissão, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa a título gratuito ou, em geral, da sua afetação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA. É essa disposição que está na base das soluções consagradas nos artigos do 3.º, n.º 3, alínea f), quanto à transmissão de bens, e 4.º, n.º 2, b), quanto às prestações de serviços, ambos do CIVA, sendo que aqui não consideramos os casos, também aí previstos, em que se trate de afetações que vissem satisfazer necessidades do próprio ou do seu pessoal. 

59. A verdade, é que uma análise literal, teleológica e sistemática do artigo 16.º da Diretiva IVA revela, de forma clara, que o mesmo tem como objeto, fundamentalmente, os casos de auto-fornecimento de bens e serviços para uso não comercial (self-supply of goods), ou seja, a afetação para fins privados, alheios à empresa, de bens e serviços integrados numa atividade económica. Nesses casos, o princípio da neutralidade fiscal impõe a sua sujeição a IVA quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA. Só uma interpretação arrevesada do artigo 16.º da Diretiva IVA poderia sugerir a sua aplicação à transmissão patrimonial ocorrida, por um ato unilateral de autoridade pública, para acudir a riscos financeiros sistémicos e salvaguardar o interesse público financeiro e orçamental, remetida, por força do artigo 14.º, n. º 2, alínea a), para fora da incidência do IVA.

60. Por seu lado, o artigo 19.º da Diretiva IVA (e o seu congénere 29.º respeitante às prestações de serviços), também se afigura irrelevante neste contexto. O mesmo estabelece a possibilidade de os Estados preverem uma exceção à incidência do IVA quando se trate da transferência de ativos empresariais, estabelecendo, nos seus parágrafos §1 e §2, que “[o]s Estados-Membros podem considerar que a transmissão, a título oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade, de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário sucede ao transmitente” e “adotar as medidas necessárias para evitar distorções de concorrência caso o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto. Podem igualmente adotar todas as medidas necessárias para evitar a possibilidade de fraude ou evasão fiscais em razão da aplicação do presente artigo.”

61. Sucede, porém, que também no artigo 19.º da Diretiva de IVA a incidência do IVA é pressuposta, sendo que, no caso concreto, a mesma havia sido afastada pela não verificação dos critérios do artigo 14.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva IVA. Como acima se sublinhou, caso falhe algum destes critérios, não se pode considerar haver operação tributável para efeitos de IVA. E porque estes requisitos, no entendimento do TJUE, são autónomos face aos requisitos gerais de qualificação das operações tributáveis, não será de admitir que a ausência de indemnização ou compensação seja suprida por aplicação das normas de equiparação das operações gratuitas a onerosas ou de exclusão das transferências de ativos empresariais da incidência do IVA.

62. Ou seja, a aplicação do regime do transfer of a going concern fixado no artigo 19.º da Diretiva IVA, e no artigo 3º, nºs 4 e 5 do CIVA, pressupõe que a transferência do património em questão prefigure uma operação tributável no âmbito da incidência do IVA. Trata-se aí de um regime de simplificação da tributação da transmissão de estabelecimento que pressupõe essa incidência, assentando numa “ficção de não transmissão” dos bens e direitos transmitidos. Esta disposição visa permitir aos Estados-Membros facilitar as transmissões de empresas ou de partes de empresas, simplificando-as, desobrigando o transmitente da liquidação de IVA e evitando sobrecarregar a tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, ele teria recuperado posteriormente através da dedução do IVA pago a montante. Ora, se a transmissão em presença não constitui uma operação sujeita a IVA, não há lugar à aplicação de um regime de simplificação, nem, forçosamente, quaisquer medidas regulamentares a adotar ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 3.º do CIVA.

63. Assim, interpretada a lei nacional em conformidade com o direito da União Europeia e a jurisprudência do TJUE , sobejamente claros quanto a esta matéria, será de concluir que as transmissões ditadas por ato de autoridade pública apenas estão sujeitas a tributação quando lhes esteja associada uma qualquer indemnização ou compensação, caso em que valerão as regras de determinação do valor tributável do artigo 16.º, n.º2, alínea d), do CIVA. Não podem por isso operar quanto a estas operações as normas que figuram no artigo 3º, nº3, alínea f) do CIVA e, por consequência, as normas do artigo 3º, nºs 4 e 5 do CIVA, todas elas pressupondo a existência de operação tributável, nem, por consequência, o Ofício Circulado nº134850.

64. De resto, como salienta a Requerente, o regime fiscal do ponto 6 do dito Ofício presume que todas as transmissões de estabelecimentos comerciais ou industriais para sujeitos passivos mistos são abusivas ou causam distorções de concorrência, sendo que B... e A..., na qualidade, respetivamente, de transmitente e transmissário – por vontade pública inelutável – dispunham, à data da resolução, de idêntica capacidade de dedução, sendo o A... obrigado dar “continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos”, pelo que, determinando as mesmas a amplitude do direito à dedução, a restrição no direito à dedução do B... corresponde rigorosamente à restrição no direito à dedução do A... . Sendo o ato de regularização um mecanismo de execução, previsto no CIVA, com o propósito de assegurar a neutralidade do IVA, aquele não se aplica quando se esteja perante uma operação situada fora da incidência objetiva de IVA.

65. Uma vez que o BdP determinou que a transferência do património global do B... para o A... se fizesse pelo seu valor contabilístico, forçoso é concluir que o valor contabilístico do património do B... incorporou o IVA não dedutível suportado por ele enquanto sujeito passivo misto, não havendo qualquer distorção de concorrência, fraude ou evasão, que da resolução do B... pudesse resultar, pelo que, a imposição, ao A..., do regime fiscal do ponto 6 do Ofício Circulado n.º 134850 resulta na dupla tributação em IVA dos bens e direitos transmitidos em vez de prevenir a dupla não tributação suscetível de causar distorções de concorrência, fraude ou evasão fiscal. Só quando se admita a qualificação desta transmissão como operação tributável é que se coloca a questão ulterior da validade do Ofício Circulado n.º 134850 à luz do Direito Constitucional português ou do Direito Europeu.

 

III.4.3. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

66. A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

67. Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

68. Apesar de ser, essencialmente, um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea». Nos termos do n.º 5 deste mesmo artigo, “Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.”

69. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

70. Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., acórdão do Pleno do STA de 3 de Julho e 2019, Processo n.º 04/19).

71. No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 2 de março de 2019, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 3 de março de 2020, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

IV. DECISÃO

 

Em face do exposto, decide este tribunal:

 

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular a ato de autoliquidação de IVA, referente ao período de janeiro de 2015, no valor de € 4.309.278,13, e bem assim o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;

b)           Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde 3 de março de 2020, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 4.309.278,13, nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 54.468,00, a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de julho de 2020.

 

Árbitro Presidente

(Carlos Cadilha)

 

Árbitro Vogal

(Jónatas Machado)

 

Árbitro Vogal

(Sérgio Vasques)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.