DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria do Rosário Anjos e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
I – RELATÓRIO
1. No dia 21 de Maio de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2019..., da liquidação de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no valor de € 212.011,02, na parte referente à não aceitação como gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, dos encargos com financiamentos bancários – juros, imposto do selo, custos e comissões variadas – incorridos, alegadamente, para financiar as suas participadas, a título gratuito, sob a forma de prestações acessórias e suplementares.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. ilegalidade (ou ineficácia) da notificação do acto de liquidação de IRC n.º 2019..., tendo a Requerente recorrido ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT;
ii. quanto às correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2013, trata-se de uma decorrência das correcções operadas pela AT relativas àquele exercício, que foram impugnadas pela Requerente, e anuladas em sede do processo arbitral n.º 198/2018-T, por decisão já transitada em julgado;
iii. quanto às correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2015:
a. vício de falta de fundamentação, uma vez que os elementos de fundamentação revelam uma consistência insuficiente para justificar a desconsideração fiscal dos encargos financeiros e a inferência de que os mesmos não foram incorridos no interesse da Requerente;
b. erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1 e 2, alínea c) do Código do IRC e por violação do princípio da tributação pelo lucro real;
c. não é possível estabelecer uma ligação causal directa entre os financiamentos bancários por si contraídos e a realização de prestações acessórias e suplementares não remuneradas às subsidiárias;
d. a AT não demonstrou que as prestações suplementares se reconduziram a actos estranhos à actividade económica da Requerente e desconsiderou parte do objecto societário desta, que prevê expressamente a aquisição de participações sociais e o desenvolvimento concreto da actividade de gestão dessas participações;
e. mesmo que os encargos financeiros cuja dedutibilidade foi recusada se reconduzissem a empréstimos contraídos pela Requerente para financiar as suas participadas, estes seriam indispensáveis à luz do artigo 23.º do Código do IRC, pois inserem-se no seu objecto e escopo social.
3. No dia 22-05-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 11-07-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 31-07-2019.
7. No dia 30-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
8. Notificada para o efeito a Requerente pronunciou-se, por escrito, sobre a matéria de excepção contida na Resposta da Requerida.
9. No dia 03-03-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente.
10. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
11. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações entretanto determinadas, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade anónima colectada desde 1966 para o exercício da actividade principal de “acabamento de fios, tecidos e artigos têxteis” (CAE 13303) e das atividades secundárias de “preparação e fiação de linho e outras fibras têxteis” (CAE 13105), “tecelagem de fio do tipo seda e de outros têxteis” (CAE 13203) e “branqueamento e tingimento” (CAE 13301), configurando um sujeito passivo abrangido pelo regime geral de tributação em IRC.
2- A Requerente tem como objecto social o “exercício de indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de actividade industrial ou comercial que a Assembleia Geral decidir ou seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais”.
3- Do n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos da Requerente, conta que “A sociedade poderá adquirir participações de capital em outras sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o seu objecto social, e, bem assim, adquirir participações de capital em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas”.
4- O Grupo industrial de que a Requerente é a sociedade-mãe integra as actividades de produção e comercialização de têxteis, repartidas pelas subsidiárias, abrangendo as diversas fases da cadeia de valor (desde a fiação, torcedura, tecelagem, acabamentos e tinturaria).
5- A actividade da Requerente é predominantemente dirigida ao mercado internacional, no qual comercializa a maior parte da sua produção.
6- Em 2015, o grupo da Requerente estava fortemente dependente dos seus credores, e com a actividade significativamente alavancada após uma profunda recapitalização financeira.
7- No ano 2015, a Requerente aportou fundos às sociedades subsidiárias, por si detidas a 100%, através de prestações suplementares e de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares, nomeadamente sem vencimento de juros, nos seguintes valores:
a) B... S.A. - €22.500,00;
b) C…, S.A. - €300.000,00.
c) D..., S.A. – 5.000,00.
8- A situação financeira das referidas sociedades encontrava-se, à data dos factos, consideravelmente degradada, não dispondo de liquidez para cumprir as suas obrigações pecuniárias, nem de capacidade para obter financiamento junto de entidades externas.
9- Era expectável que se alguma das sociedades do Grupo fosse decretada insolvente tal circunstância provocasse os seguintes efeitos na esfera da Requerente e de contaminação a todo o Grupo:
− Dano reputacional;
− Perda ou alienação a baixo valor de activos relevantes, designadamente activos imobiliários detidos pelas sociedades B..., S.A e D..., S.A.
− Agravamento imediato das relações com os credores bancários
10- As prestações suplementares e prestações acessórias realizadas pela Requerente destinaram-se a dotar as referidas subsidiárias de meios financeiros para satisfazerem as obrigações vencidas e as despesas correntes e evitar as consequências negativas que adviriam da insolvência daquelas para a Requerente e para as demais entidades do Grupo de que é sociedade-mãe.
11- A B..., S.A. cessou, em 2004, a sua actividade comercial, tendo passado a dedicar-se à comercialização de fios.
12- Em 2015, a B..., S.A. encontrava-se numa situação de inatividade, pelo que não gerava receitas. No entanto detinha um significativo património imobiliário, composto pelos terrenos e edifícios industriais onde a empresa desenvolvera a sua actividade, o que implicava diversos encargos, como de IMI, seguros, custos de vigilância, energia, entre outros.
13- A Requerente tinha interesse em manter a sociedade B..., S.A. para posterior venda dos seus activos imobiliários em momento favorável, com a melhoria das condições do mercado e subida dos valores transacionais.
14- A C..., S.A. é responsável por potenciar o segmento de actividade referente à oferta de vestuário de elevada qualidade, na área da moda, sendo os produtos confeccionados predominantemente a partir de tecidos desenhados e produzidos pela Requerente.
15- Em 2015, a actividade da C..., S.A encontrava-se significativamente deteriorada, fruto da contracção sentida nos países que consistiam nos principais destinos das suas exportações e da situação de insolvência de muitos dos seus clientes.
16- Em 2015, a C..., S.A registou um EBITDA negativo de cerca de €298.000,00, e resultados líquidos negativos de €334.400,00, pelo que não era capaz de gerar, por si própria, os fundos necessários ao seu desenvolvimento e consolidação.
17- Em 2015, a D..., S.A. estava em situação de inactividade, pelo que não gerava receitas.
18- A D..., S.A. detinha um significativo património imobiliário, composto por terrenos e recursos naturais que ascendiam ao valor de balanço de €244.340,51 que implicavam diversos encargos como sejam de IMI e honorários dos revisores oficiais de contas.
19- Em 2013, a Requerente contabilizou encargos financeiros e gastos associados no valor global de € 7.376.840,50.
20- Em atenção aos limites previstos no artigo 67.º do Código do IRC, a Requerente deduziu uma parte desse valor em 2013, e reportou o remanescente para dedução nos exercícios subsequentes (2014 e 2015).
21- Na sequência de uma inspecção tributária realizada ao exercício de 2013, a AT concluiu no sentido de dever ser desconsiderada, à luz do artigo 23.º do Código do IRC, a parte dos encargos financeiros registados que, em seu entender, estavam relacionadas com a capitalização das subsidiárias da Requerente (€ 1.543.106,29).
22- A AT acresceu à matéria colectável da Requerente, no ano de 2013, a parte dos encargos financeiros que havia sido considerada nesse ano para efeitos fiscais, tendo reflectido essa correcção nos anos de 2014 e 2015.
23- A Requerente contestou, em sede arbitral, a correcção realizada pela AT ao ano de 2013, no âmbito do processo arbitral que correu sob a égide do CAAD como processo n.º 198/2018-T, tendo o tribunal arbitral decidido no sentido pugnado pela Requerente.
24- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial em IRC e IVA, relativa ao ano de 2015, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2017....
25- Da referida acção inspectiva, resultaram correcções ao lucro tributável declarado, no montante de €972.504,60, distribuído da seguinte forma:
a) Encargos com financiamento suportados no ano económico de 2013, não aceites fiscalmente no valor de €182.396,40;
b) Encargos com financiamento suportados no próprio ano económico de 2015, não aceites no valor de €772.608,22;
c) Acréscimo de 50% de mais-valias obtidas com alienação de propriedades de investimento, no valor de €17.500,00.
26- Do relatório de inspecção tributária consta, além do mais, o seguinte:
27- Na sequência das correcções efectuadas em sede inspectiva, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2019... e das liquidações de juros compensatórios, no valor de € 1.440.179,19.
28- Em 22-02-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2019..., tendo por objecto a referida liquidação, com fundamento em erro por ausência de dedução, até à concorrência da colecta ali apurada, dos benefícios fiscais a que tinha direito à data dos factos tributários a que a mesma se reporta e por ausência de consideração dos pagamentos especiais por conta realizados.
29- No requerimento de reclamação graciosa, a pretensão formulada pela foi a de «anulação da liquidação de IRC com o número 2019... e respectivos juros compensatórios, e emissão de uma nova liquidação de IRC (e respectiva demonstração de acerto de contas)».
30- Por despacho de 01-02-2019, a reclamação graciosa foi deferida.
31- Do despacho de deferimento da reclamação graciosa consta o seguinte:
32- Na sequência do deferimento da reclamação graciosa, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2019 ... e correspondentes liquidações de juros compensatórios, notificadas à Requerente em 14-02-2019.
33- Do documento de demonstração de liquidação de IRC n.º 2019..., consta a seguinte informação:
“Fundamentação
A liquidação efectuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a respectiva fundamentação.
Notificação
Fica notificado (a) da liquidação de IRC rendimentos acima identificados- conforme nota demonstrativa- resultante da execução da decisão proferida no processo de Reclamação Graciosa com o n.º ...2019...”.
34- Do documento de demonstração de acerto de contas consta a seguinte informação:
“Fica notificado (a) da demonstração de acerto de contas efectuado. Face ao resultado demonstrado poderão, no entanto, manter-se em dívida valores provenientes de liquidações anteriores. Em caso de dúvida deverá consultar Movimentos Financeiros no portal das Finanças- www.portaldasfinancas.gov.pt”.
35- Em 20-02-2019, a Requerente apresentou um requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de ..., solicitando, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, com referência às notificadas demonstração de liquidação de IRC n.º 2019..., demonstração de liquidação de juros n.º 2019..., 2019... e 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., a passagem de certidão com a indicação “dos meios de reacção contra o acto notificado” e a indicação da “data limite para proceder ao pagamento voluntário do imposto liquidado”.
36- Em 21-02-2019, foi enviado à Requerente o Ofício n.º..., com o seguinte teor:
“Assunto: PASSAGEM DE CERTIDÃO
Na sequência do vosso pedido, de 2019-02-20, de passagem de certidão, nos termos do artigo 37.º do CPPT, informa-se que a liquidação de IRC n.º 2019..., de
2019-02-06 resulta da execução da decisão proferida no processo de reclamação n.º ...2019..., que lhe foi notificada a 2019-02-07, tal como consta expressamente do texto da referida liquidação.
Face ao acima exposto, não há lugar a obrigação legal de menção de meios de reacção.
Quanto à data limite de pagamento voluntário, verifica-se que a liquidação de IRC de 2015 em causa no processo de reclamação n.º ...2019... (no valor de 1.440.179,19 euros), tem como data limite de pagamento 2019-02-22. Uma vez que o
valor actualmente em dívida é de 832.905,28 euros, por força da anulação de 607.273,91 euros (resultante do deferimento da reclamação graciosa), será esse o valor a pagar, até 2019-02-22.”
37- Em 22-02-2019, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de €831.905,28, referente ao documento de cobrança n.º 2019... .
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
i. Da matéria de excepção
a. Da impropriedade do meio processual;
Nos presentes autos de processo arbitral começa a Requerida, como questão prévia ao conhecimento do fundo da causa, por arguir a impropriedade deste meio processual, para tutela das pretensões formuladas pela Requerente.
Para o efeito, alega, em suma, que tratando-se a liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, de uma liquidação correctiva que não traz elementos inovadores desfavoráveis ao contribuinte, antes se limita a concretizar uma decisão favorável ao mesmo, proferida em processo de reclamação, que se traduz na diminuição do quantum do imposto devido, não cabe, salvo melhor opinião, reacção contra a mesma (excepto se desconforme com a decisão que visa concretizar), e que, a caber alguma reacção por parte da Requerente, a mesma deveria ser exercida a montante contra o acto de decisão da reclamação graciosa que subjaz à liquidação correctiva que apenas o concretiza.
Mais alega a Requerida que quanto às correcções relativas aos gastos de financiamento suportados em 2013 e 2015, a liquidação correctiva nada trouxe de inovador face ao que havia sido trazido e definido em liquidações adicionais precedentes, referentes aos anos de 2013 e 2015, que se mantém válidas na ordem jurídico- tributária e que a querer discutir a legalidade das aludidas correcções a mesma terá de ser efectuada por referência às liquidações adicionais onde tais correcções se revestiram e incorporaram o “acto novo”, através dos meios e prazos legais ao dispor indicados nas notificações das referidas liquidações adicionais.
Relativamente a esta matéria haverá que reconhecer parcialmente razão à Requerida, embora por fundamentos diferentes dos alegados por aquela.
Senão vejamos.
A Requerente formula, no ponto 1) do seu pedido arbitral, que se considere ineficaz a liquidação adicional de IRC por si identificada no introito da petição inicial, por falta de notificação.
Ora, conforme resulta, no que para o caso interessa, da al. a) do n.º 1 do art.º 1.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais abrange “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
O processo arbitral tributário, conforme é hoje, julga-se, pacífico, foi instituído como uma alternativa ao processo de impugnação judicial, junto dos tribunais tributários.
Ora, é já jurisprudência pacífica há vários anos que “A ineficácia da liquidação (resultante da respectiva notificação não ter sido validamente efectuada, cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), porque não contende com a validade desse acto, não constitui fundamento de impugnação judicial, podendo constituir fundamento de oposição à execução fiscal por inexigibilidade, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT.” .
Como se explica no aresto citado, “é pacífico que a impugnação judicial se destina à apreciação de vícios que afectam a validade ou existência (cfr. art. 124.º do CPPT) do acto impugnado, podendo ter como fundamento, nos termos do art. 99.º do CPPT «qualquer ilegalidade», quer respeitem ao próprio acto, quer respeitem a actos anteriores cuja ilegalidade se repercuta naquele. Já quanto às circunstâncias ulteriores à prática do acto, que não afectem a sua validade, mas apenas a sua eficácia, em regra, apenas poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal e já não de impugnação judicial. Assim, a falta de notificação válida da liquidação, não estando esgotado o prazo da caducidade (Se estiver, poderá conhecer-se da questão em sede de impugnação judicial, como causa de inutilidade superveniente da lide, uma vez que não terá utilidade apreciar a validade de uma liquidação que não poderá vir a ter eficácia e, por isso, ser exigida. ) (...), porque não constitui uma ilegalidade do acto impugnado (no caso, a liquidação), não poderá ser invocada como fundamento da impugnação judicial, antes devendo ser invocada como inexigibilidade da dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal, fundamento subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT”.
Deste modo e pelo exposto, sem necessidade, crê-se, de considerações adicionais, deverá julgar-se inapropriado o processo arbitral enquanto meio processual para obter a declaração de ineficácia do acto de liquidação, uma vez que no âmbito daquele se abrangem, unicamente, as questões que contendem com a validade daquele acto, e já não com a respectiva eficácia.
A inidoneidade do meio processual obsta ao conhecimento do pedido, conduzindo à absolvição do réu da instância, no caso restrita ao ponto 1) do pedido arbitral.
Já quanto às correcções relativas aos gastos de financiamento suportados em 2013 e 2015, não poderá ser reconhecida razão à Requerida.
Assim, e desde logo, cumpre notar que, mesmo que se subscrevesse o entendimento da Requerida, o que se verificaria não seria uma inidoneidade do meio processual escolhido pela Requerente, mas a inimpugnabilidade do acto objecto da presente acção arbitral, por meramente confirmativo.
Por outro lado, e conforme resulta da matéria de facto provada (cfr. ponto 31 da matéria de facto provada), o que se verifica é que, bem ou mal, a AT, na decisão do procedimento de reclamação graciosa, optou por anular a liquidação adicional que, inicialmente, emitiu relativamente ao exercício de 2015 da Requerente, não se limitando a anulá-la parcialmente, e determinou a emissão de nova liquidação.
Deste modo, tendo a própria AT anulado liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e das liquidações de juros compensatórios, no valor de € 1.440.179,19, não se poderá acolher a alegação da Requerida de que a mesma se manteria na ordem jurídica, e de que apenas em sede de impugnação daquela referida liquidação poderia a Requerente discutir as correcções relativas aos gastos de financiamento suportados em 2013 e 2015.
Deve, por isso, improceder a excepção invocada.
*
b. Da falta de interesse em agir
Alega ainda a Requerida, como questão prévia ao conhecimento do mérito, a falta de interesse em agir da Requerente.
Nesta matéria, alega em suma a Requerida que “que a protecção jurídica pretendida pela Requerente é plenamente assegurada pelo dever que incumbe à administração tributária de executar as decisões judiciais favoráveis ao sujeito passivo, “reconstituindo a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, conforme dispõe expressamente o art. 100º da LGT.”.
Ressalvado o respeito devido, não se poderá reconhecer qualquer razão à alegação da Requerida ora em apreço. Efectivamente, e como será bom de ver, a existência de mais do que um meio processual disponibilizado pelo sistema jurídico para um sujeito fazer valer os seus direitos e interesses legalmente protegidos, não acarreta qualquer falta de interesse em agir na opção por um desses meios, em detrimento de outro ou outros.
Isto será, julga-se, facilmente compreensível, se se perceber que, a acolher-se o entendimento propugnado pela Requerida, o mesmo seria reversível e aplicável no caso de a Requerente optar por fazer valer a sua pretensão em sede dos meios próprios de execução de julgados, situação em que, nos mesmos precisos termos em que o faz nos presentes autos, a Requerida poderia dizer que a Requerente não tinha interesse em agir, porquanto poderia lançar mão do processo de impugnação, judicial ou arbitral, da liquidação em questão.
Daí que resulte claro que a situação figurada pela Requerida não se poderia, em caso algum, enquadrar como falta de interesse em agir, mas, unicamente, do ponto de vista da propriedade, ou impropriedade, do presente meio processual, questão esta já previamente abordada.
Concluindo-se, como é o caso, que o presente meio processual é adequado a tutelar as pretensões da Requerente para os quais é apto (invalidade do acto de liquidação), não será, em caso algum, a existência de outros meios processuais eventualmente aptos a tutelar as mesmas pretensões, susceptível de gerar a falta de interesse em agir.
Deve, por isso, improceder a excepção ora em apreço.
***
ii. Do fundo da causa
Como se viu já, para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
a. ilegalidade (ou ineficácia) da notificação do acto de liquidação de IRC n.º 2019..., tendo a Requerente recorrido ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT;
b. quanto às correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2013, trata-se de uma decorrência das correcções operadas pela AT relativas àquele exercício, que foram impugnadas pela Requerente, e anuladas em sede do processo arbitral n.º 198/2018-T, por decisão já transitada em julgado;
c. quanto às correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2015:
i. vício de falta de fundamentação, uma vez que os elementos de fundamentação revelam uma consistência insuficiente para justificar a desconsideração fiscal dos encargos financeiros e a inferência de que os mesmos não foram incorridos no interesse da Requerente;
ii. erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1 e 2, alínea c) do Código do IRC e por violação do princípio da tributação pelo lucro real;
iii. não é possível estabelecer uma ligação causal directa entre os financiamentos bancários por si contraídos e a realização de prestações acessórias e suplementares não remuneradas às subsidiárias;
iv. a AT não demonstrou que as prestações suplementares se reconduziram a actos estranhos à actividade económica da Requerente e desconsiderou parte do objecto societário desta, que prevê expressamente a aquisição de participações sociais e o desenvolvimento concreto da actividade de gestão dessas participações;
v. mesmo que os encargos financeiros cuja dedutibilidade foi recusada se reconduzissem a empréstimos contraídos pela Requerente para financiar as suas participadas, estes seriam indispensáveis à luz do artigo 23.º do Código do IRC, pois inserem-se no seu objecto e escopo social.
Vejamos então.
*
a. da ilegalidade (ou ineficácia) da notificação do acto de liquidação
Como se viu já previamente, ao apreciar a questão da idoneidade do presente meio processual, em termos que não se julga necessário repetir aqui, os vícios relativos à notificação do acto de liquidação, excepcionados os casos de caducidade do direito à liquidação, são unicamente susceptíveis de contender com a eficácia do mesmo acto de liquidação, e não com a sua ilegalidade.
Como também se viu previamente, nos mesmos termos, o presente meio processual não é idóneo a, conforme peticionado pela Requerente, sindicar, e, sendo o caso, declarar, a ineficácia do acto de liquidação.
Pelo exposto, não poderá proceder a alegação da Requerente ora em apreço.
*
b. Das correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2013
No que concerne às correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2013, é pacífico entre as partes que as mesmas são uma mera decorrência das correcções operadas pela AT relativas àquele mesmo exercício.
Mais é pacífico que tais correcções foram oportunamente impugnadas pela Requerente, e anuladas em sede do processo arbitral n.º 198/2018-T, por decisão já transitada em julgado.
Conforme dispõe o art.º 619.º/1 do CPC, “Transitada em julgado a sentença (...) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele”.
Deste modo, em obediência ao caso julgado material formado sobre o decidido no referido processo arbitral n.º 198/2018-T, haverá aqui que reconhecer a anulação das correcções operadas pela AT relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2013, pelo que as mesmas referidas correcções não poderão relevar para a fixação do imposto devido pela Requerente no exercício de 2015, devendo, assim, a liquidação daquele imposto no acto tributário objecto da presente acção arbitral ser anulada e procedendo, na mesma medida, o pedido arbitral formulado.
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c. Das correcções relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2015
Relativamente às correcções ora em apreço, invoca a Requerente vários vícios.
Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
Deste modo, e não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
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A Requerida fundou a liquidação impugnada na alegada conexão entre os encargos financeiros incorridos pela Requerente, no ano de 2015, com financiamentos contraídos junto de terceiros, e a afectação parcial daqueles a prestações acessórias e suplementares às subsidiárias da Requerente.
As questões suscitadas nestes autos foram já objecto de análise na decisão proferida no âmbito do processo n.º 198/2018-T, onde as partes, factos e questões são em tudo idênticas, sendo que naquela decisão foi apreciado o IRC do ano de 2013.
Questões análogas foram, nos mesmos termos, apreciadas nos processos arbitrais número 298/2017-T, relativo ao exercício de 2012, e 397/2018T, relativo ao exercício de 2014.
Assim, por semelhança ao caso sub judice, e visando a interpretação e aplicação uniforme do direito, acolhemos a argumentação jurídica aduzida na decisão 298/2017-T.
Entendeu o tribunal arbitral, no âmbito do processo 198/2018-T que, tendo a Requerida reconhecido a impossibilidade de identificar “quais os empréstimos em concreto que foram afetos à realização das prestações acessórias e suplementares”, inexiste suporte para a conclusão de que uma parcela dos financiamentos obtidos foi aplicada na concessão de prestações acessórias e de prestações suplementares não remuneradas às sociedades participadas.
Concluiu, na sequência, o tribunal arbitral, quanto a este aspecto que “Assiste, desta forma, razão à Requerente quando alega que não é possível estabelecer uma relação causal, direta, entre os financiamentos bancários e as prestações realizadas e que a AT não demonstrou os pressupostos da sua atuação, como lhe competia, de acordo com o preceituado no artigo 74.º, n.º 1 da LGT”.
Acrescentou ainda o referido tribunal arbitral que, ainda que tivesse sido demonstrada alguma conexão entre os empréstimos contraídos junto de terceiros e a aportação de fundos às subsidiárias da Requerente, tal circunstância não significaria, necessariamente, que a atribuição de prestações acessórias e suplementares consubstanciasse um acto estranho à atividade económica da Requerente e, em consequência, que os correspectivos encargos incorridos não fossem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Atendendo à redação do artigo 23.º do CIRC que, à data dos factos, apelava ao critério da indispensabilidade na relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto, na consideração da dedutibilidade do gasto para efeitos fiscais, fundou-se a decisão arbitral que vimos seguindo no entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 107/11, de 30-11-2011, segundo o qual “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode porém ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”, afastando, assim, interpretações no sentido de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre gastos e rendimentos e defendendo que a ligação deverá ser estabelecida entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte.
No que à questão de saber se são dedutíveis os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo grupo diz respeito, escreveu-se na decisão do processo 198/2018-T, “A conceção segundo a qual a obtenção de fundos por uma sociedade, seguida da sua cedência, sem remuneração, a uma participada, não constitui, sem mais, atividade ou interesse daquela, foi, porém, rejeitada pelo próprio TOMÁS DE CASTRO TAVARES, no processo do CAAD n.º 12/2013-T com Decisão de 8 de julho de 2013, no qual foi árbitro único, conforme se extrai do seguinte parágrafo ilustrativo:
«Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade»”.
Citou-se ainda a decisão proferida no âmbito do CAAD no processo n.º 695/2015-T, de 18 de maio de 2016, nos termos da qual, “a «atividade» de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. «Atividade» é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.”
Concluindo, quanto a este aspeto, que “uma operação de capitalização de uma sociedade participada é um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo. Dito de outro modo, tanto será “atividade produtiva” ou “exploração” a gestão de um ativo físico, como a de um ativo financeiro ou outro intangível. Ponto é que se esteja no âmbito da gestão do ativo.”
A decisão arbitral em questão subscreveu, ainda, o entendimento vertido na Decisão proferida no âmbito do processo n.º 585/2014-T, nos termos da qual “Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.
A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”, concluindo, na senda do decidido no processo 298/2017-T que “[…] os investimentos às participadas afiguram-se como necessários ou, pelo menos, convenientes não só para a prossecução direta dos interesses de cada uma das sociedades participadas mas também, mesmo diretamente, para a prossecução do fim da Requerente a nível da «realização de rendimentos sujeitos a imposto» (nomeadamente, com a melhoria dos seus resultados através da manutenção das atuais ou até obtenção de melhores condições junto da Banca com o repudiar de danos reputacionais em caso de insolvência de alguma das suas participadas), bem como da manutenção da fonte produtora, em que se incluem os proveitos que podem advir da alienação de património por parte dos ativos financeiros (participadas), onde reforçou o seu investimento através da concessão de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares.”, tendo decidido, desta forma, pela ilegalidade das liquidações impugnadas por vício de violação de lei.
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Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas que se debatem quanto à questão da dedutibilidade dos gastos de financiamento para empréstimos, gratuitos ou abaixo do custo, a participadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma sua participada, por regra, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira, na medida em que não integrem uma liberalidade.
Com efeito, por regra, crê-se, a “saúde” financeira da sociedade participada terá importância suficiente para a sociedade participante ver a satisfação das necessidade de financiamento daquelas como sendo do seu próprio interesse.
Por outro lado, o bom desempenho económico da sociedade participada é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para a sociedade participante, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira da sociedade participante, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias.
Deste modo, não se julga que se deva colocar em causa que a disponibilização de meios financeiros por uma sociedade participante a uma sua participada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira.
No que diz respeito à existência e quantificação da taxa de juro aplicada, com o acórdão arbitral proferido no processo 695/2015T do CAAD, julga-se que a questão deverá ser, nas situações em causa, aferida à luz do regime dos preços de transferência, regulada no art.º 63.º do CIRC, e não à luz da necessidade dos gastos, regulada no art.º 23.º do mesmo Código.
Efectivamente, julga-se que o problema fiscal da concessão de empréstimos por sociedades participantes a sociedades participadas, em situações como a dos presentes autos, reside, não na falta de interesse empresarial na operação, mas, antes, na possibilidade de esses interesses serem prosseguidos de maneira abusiva, permitindo a transferência de resultados entre as sociedades envolvidas, de forma não permitida pela lei, sendo que, de resto, o art.º 63.º do CIRC se refere expressamente a tais situações, ao incluir nas suas previsões as “operações financeiras”.
Sabendo-se que, à luz da redacção vigente em 2013 da norma aplicanda (art.º 23.º/1/c) do CIRC então vigente), a jurisprudência do STA na matéria é clara e reiterada, no sentido de que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.” , o certo é que, no caso sub iudice, não está em causa a aplicação daquela redacção da norma do art.º 23.º do CIRC.
De facto, no ano de 2014, a norma em questão nos presentes autos (o art.º 23.º do CIRC) foi alterada na sua redacção, de modo significativo e intencional, passando a referir como critério geral da dedutibilidade dos gastos, que estes tenham sido incorridos “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, quando antes dispunha no sentido da necessidade de os mesmos serem “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
Conforme resulta, inequivocamente, do “Anteprojeto de Reforma” do Código do IRC , a alteração introduzida foi no sentido de deixar claro que “o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC” se destina a excluir os “encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios”.
À luz de tal critério, e do quanto se expôs anteriormente, não se julga que se possa considerar que a concessão de financiamento por uma sociedade participante a uma sociedade participada, em situações como as dos autos, se possa qualificar como não inserida na actividade da sociedade participante, e como tal veja os gastos subjacentes a tal operação qualificados como indedutíveis, à luz do art.º 23.º do CIRC aplicável.
De resto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição tributária estadual, na matéria em questão, emitida, toda a que é conhecida, à luz da redacção anterior da norma em causa, que, como se viu, foi alterada, acabou por reconduzir a questão à mera inserção da actividade de detenção e gestão de participações sociais no objecto social das sociedades participantes, conforme decorre, transparentemente, dos cotejo dos acórdãos do STA de 21-02-2018 e de 30-05-2018, ambos proferidos no processo 0473/13, e de 28-02-2018, proferido no processo 01206/17.
Ora, o objecto social não limita a licitude dos actos jurídicos das sociedades, nem a sua capacidade jurídica, nem, muito menos, a sujeição a imposto dos proveitos de tais actos ou actividades, dispondo o art.º 6.º/4 do C.S. Comerciais que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos.”, de onde decorre que a prática por uma sociedade de actos de comércio que não estejam compreendidos no seu objecto, não são proibidos, nem, consequentemente, e de per si, ilícitos.
Assim, e ainda que estranhos ao objecto social, esses actos ou actividades são susceptíveis de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” das sociedades, pelo que razão alguma se vê para excluir os gastos, decorrentes desses mesmos actos ou actividades, à luz da redacção do art.º 23.º/1 do CIRC, vigente em 2014 e 2015, unicamente por não se reconduzirem, formalmente, ao objecto social do sujeito passivo .
Face ao exposto, e tendo em conta que, como se referiu atrás, a jurisprudência conhecida do STA e dos Tribunais Centrais na matéria foi proferida no âmbito da redacção do art.º 23.º do CIRC, vigente até 31-12-2013, julga-se que as correcções em apreciação, relativas aos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2015, ao considerarem não dedutíveis os encargos financeiros suportados pela Requerente com empréstimos concedidos às suas participadas, ainda que a título gratuito, violam o disposto no art.º 23.º/1 do CIRC, enfermando, como tal, de erro de direito e devendo, por isso, ser anuladas, procedendo, nessa parte, o pedido arbitral, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões formuladas pela Requerente a este respeito.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente a excepção, arguida pela Requerida, da inidoneidade do presente meio processual para julgar a pretensão formulada sob o ponto 1) do pedido formulado pela Requerente no seu Requerimento inicial;
b) Julgar improcedente a restante matéria de excepção, arguida pela Requerida;
c) Anular o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2019... da liquidação de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no valor de € 212.011,02, na parte referente à não aceitação como gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, dos encargos com financiamentos bancários considerados pela AT como contraídos para financiar as participadas da Requerente, a título gratuito, sob a forma de prestações acessórias e suplementares;
d) Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente, por força da liquidação anulada;
e) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 212.011,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Agosto de 2020
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Maria do Rosário Anjos)
O Árbitro Vogal
(José Coutinho Pires)