Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 699/2019-T
Data da decisão: 2020-08-17  IRC  
Valor do pedido: € 1.434.208,06
Tema: IRC - liquidação oficiosa; Efeitos do encerramento da atividade de empresa insolvente; Artigo 90.º, n.º 1, al. b), do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Pedro Marques e Dra. Marisa Almeida Araújo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 13 de janeiro de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.A Massa Insolvente da A..., S.A., sucessora da A..., SCR, S.A. pessoa coletiva n.º..., (adiante apenas “Requerente” ou “A...”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

A Requerente peticiona que o Tribunal anule a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa e da liquidação oficiosa de IRC n.º 2018... do exercício de 2017 e respetivos juros compensatórios, no montante total de € 1.434.208,06, a que corresponde € 1.406.010,81 de IRC e € 28.197,25 a juros compensatórios, com as consequências legais.

Em 18 de outubro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 4 de novembro de 2019, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em 7 de novembro de 2019 a Requerente veio alegar que requereu junto do Serviço de Finanças de Lisboa – ... a guia para pagamento da dívida em execução – conforme deliberado pela Comissão de Credores – tendo o montante sido pago em 30 de outubro de 2010 (depois de apresentação do pedido arbitral).

Perante isto, a Requerente requereu a ampliação do pedido arbitral, peticionando, para além do já formulado, a restituição do imposto e juros compensatórios pagos, no valor total de € 1.434.208,06, bem como o valor dos acrescidos de € 61.188,19, num valor total de € 1.495.396,25, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, sobre este montante, a contar de 30/10/2019 até reembolso do mesmo.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20 de dezembro de 2019.

2. A fundamentar o pedido alega a Requerente que apresentou em 19 de março de 2019, junto do Serviço de Finanças de Lisboa – ..., reclamação graciosa contra a liquidação em apreço nos autos, que deu entrada no respetivo serviço de finanças a 20 de março de 2019 não tendo, até à data da apresentação do pedido arbitral, havido qualquer resposta.

A Requerente foi declarada insolvente a 5 de agosto de 2015, no âmbito do processo n.º .../15...T8LSB, que correu termos na Instância Central – 1.ª Secção de Comércio – J1, da Comarca de Lisboa, tendo já transitado em julgado a respetiva decisão judicial, não tendo a sociedade exercido qualquer atividade. Tendo sido deliberado pela Assembleia de Credores, e homologado judicialmente, o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente. Na sequência da homologação da deliberação, pelo Ofício n.º ..., de 27/10/2015, o tribunal notificou os Serviços da AT de que a atividade da Requerente havido sido encerrada, com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais.

A Requerente alega que foi notificada pelo Aviso n.º..., de 15/10/2018 para apresentar a declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao período de 2017 e, caso a insolvente não o fizesse no prazo de 15 dias, a AT iria proceder à emissão de uma declaração oficiosa.

A Requerente não emitiu a declaração tendo, em consequência, a AT emitido a liquidação oficiosa de IRC em apreço nos autos.

A Requerente não procedeu ao pagamento do montante apurado tendo sido instaurado o processo de execução fiscal PEF ...2019... .

A Requerente, entende que não existe obrigação de apresentar a declaração Modelo 22, pugnando pela procedência do pedido arbitral, por padecer de vícios formais, tendo sido preterida a formalidade prevista no art. 60.º da LGT e não ter sido facultado ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia. O que implica, também, uma violação ao princípio do contraditório (art. 45.º do CPPT), uma vez que, segundo a Requerente, a participação do contribuinte só se poderia fazer com a audição prévia.

Por outro lado, entende a Requerente que a existência de declarações fiscais anteriores com matéria coletável a “0”, a utilização da matéria de 2014, apurada em 2017 em sede de inspeção, para efeitos de emissão da liquidação oficiosa de IRC de 2017 é aleatória e abusiva, em clara violação, segundo a Requerente, do art. 90.º do CIRC.

Para além disso, entende a Requerente que a liquidação oficiosa de IRC e de juros em apreço nos autos é ilegal por falta de fundamentação, uma vez que é omissa – segundo a Requerente – da qualificação e quantificação dos factos tributários relevantes, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.

3. Em 19 de fevereiro de 2020, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido, e a 2 de março de 2020 juntou aos autos o respetivo processo administrativo.

Alega a Requerida, que a sociedade A..., SCR, SA foi decretada insolvente, por sentença judicial proferida no processo n.º .../15.9T...LSB, em 07-08-2015; foi publicitada a sentença de declaração de insolvência da sociedade A..., bem como foram citados os credores e outros interessados para reclamar os seus créditos.

Na Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório, que ocorreu no dia 07-10-2015, foi aprovada a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, constando, ainda, do despacho que deveria ser cumprido o disposto do artigo 65.º n.º 3 do CIRE e que os autos prosseguiriam para liquidação, nos termos do artigo 158.º do CIRE

Em 27-10-2015, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa efetuou comunicação ao Serviço de Finanças Lisboa 10, nos termos do n.º 3 do artigo 65.° do CIRE, informando que havia sido deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais

Em 25-02-2019, a Direção de Finanças de Lisboa - Insolvências, enviou um e-mail à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes - DGA - Divisão de Gestão de Atividade (DSRC), solicitando o averbamento da cessação oficiosa de atividade, nos termos do artigo 65.°, n.º 3 do CIRE, reportada à data constante da deliberação do encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, o dia 07-10-2015.

A DSRC não procedeu ao averbamento da cessação oficiosa de atividade, porquanto constatou que haviam sido declaradas operações tributáveis nas declarações periódicas de IVA referente a períodos posteriores a 07-10-2015, bem como que a insolvente apresentou declarações modelo 22 de IRC até 2016 nas quais constam rendimentos declarados.

No dia 15-10-2018, a AT emitiu o Aviso n.º..., notificando a A... para a entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2017, com a advertência de que caso não fosse apresentada a declaração em falta, no prazo de 15 dias, seria emitida uma liquidação oficiosa.

A A... não se pronunciou no prazo de 15 dias nem apresentou a declaração em falta. Em 18-12-2018, foi emitida a liquidação oficiosa n.º 2018..., relativa ao exercício de 2017, apurando um valor a pagar de € 1.434.208,06, constando expressamente da notificação que a liquidação havia sido efetuada nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos.

A A... apresentou a reclamação graciosa n.º ...2019..., que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa ... no dia 20-03-2019.

Até à data da emissão da declaração oficiosa, em 18-12-2018, foram apresentadas pela A... declarações Modelo 22 de IRC dos exercícios de 2014, 2015 e 2016, nas quais não foi apurada matéria coletável, mas foram declarados rendimentos.

A A... foi sujeita a uma ação de inspeção interna, ao IRC do exercício de 2014, titulada pela ordem de serviço n.º OI2015..., no âmbito da qual foram efetuadas correções que determinaram a alteração do resultado fiscal declarado de (-1.705.530,67 €), tendo a Inspeção Tributária apurado matéria coletável no montante de 6.695.289,60 €.

As correções efetuadas em sede de ação inspetiva resultaram na emissão, em 23-01-2017, da liquidação n.º 2017..., de IRC do período de 2014, com valor a pagar de € 1.803 933,22, que foi objeto de reclamação graciosa apresentada pela A... em 21-07-2017.

No decurso da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a ora Requerente deduziu, no dia 29-05-2018, impugnação judicial, que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo n.º .../18...BELRS. A sociedade A..., SCR, SA está em liquidação, conforme AP.../2015...

No sistema informático da AT, e no que ao IRC diz respeito, conclui a Requerida que constam declarações Modelo 22 entregues pela A..., relativas aos exercícios de 2015 e 2016, constando das mesmas rendimentos.

Quanto ao exercício de 2015, a A... declarou rendimentos que ascenderam a € 3.437.052,92, retenções na fonte que lhe foram efetuadas, bem como valores de tributação autónoma.

No exercício de 2015, só em outubro é considerado o encerramento da atividade, podendo a mencionada declaração ainda refletir valores anteriores a essa data, não se pode afirmar, segundo a Requerida, o mesmo quanto ao exercício de 2016 já que são declarados rendimentos que ascenderam a € 1.037.191, 56, € 1.260,00 de retenções na fonte efetuadas à sociedade e valores apurados relativos a tributação autónoma, bem como, foi declarada a diminuição ao resultado líquido do período no campo 748 - limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento (art. 67.°) no montante de € 323.575,67.

No que ao exercício de 2017 diz respeito, a Requerida concluiu que se verificam rendimentos declarados que ascenderam ao valor total de € 1.107.143,21, sujeitos a retenção na fonte de € 276.785,80, sendo as entidades declarantes o Banco C..., SA e o Banco D..., SA.

Constam também, segundo a Requerida, na declaração Modelo 10, pagamentos da categoria B efetuados a E..., NIF..., e na declaração mensal de remunerações (DMR) nos períodos de janeiro a julho de 2017, pagamentos efetuados F..., NIF ... . Donde, estamos perante valores declarados que resultam, indubitavelmente, do exercício pela sociedade A... de atividade económica.

Por outro lado, a Requerente foi informada, através do Aviso n.º..., emitido em 15-10-2018, da falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2017, alertando que, se a declaração não fosse entregue no prazo de 15 dias, seria emitida uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.° 90.° do CIRC, a qual tem por base o valor anual da retribuição mensal mínima garantida ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontre determinada.

A Requerida sustenta que, quanto à alegada violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT e à alegada impossibilidade de participar na decisão, tais afirmações são completamente contraditadas pelo facto referenciado, do qual resulta, indubitavelmente, que a Requerente foi notificada da falta de entrega da declaração e da consequência em que incorreria se a omissão se mantivesse, optando a Requerente por não dar cumprimento à notificação.

Por outro lado, segundo a Requerida, resulta claro que a liquidação cuja falta de fundamentação vem alegada, não padece de tal vício, porquanto de toda a sucessão de atos levada a cabo pela AT, que teve início com a informação constante do Aviso n.º ...  de falta de entrega da declaração modelo 22 e culminou com a notificação da liquidação, constam expressa e minuciosamente descritos todos os elementos essenciais dos atos praticados - as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários.

Alegando, ainda, que, mesmo que se verificasse falta ou insuficiência de fundamentação, sempre caberia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT.

Por fim, a Requerida sustenta que a liquidação efetuada teve por base a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontre determinada, no estrito cumprimento da alínea b) do n.º 1 do art.° 90.° do CIRC, in casu, a matéria coletável apurada pela Inspeção Tributária para o exercício de 2014, no montante de 6.695.289,60 €.

4.Por despacho de 4 de março, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. No mesmo despacho, o Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas, no prazo de 15 dias e fixou-se o dia 13 de julho de 2020 como data previsível para a prolação da decisão final. Esta data foi prorrogada, por despacho de 9 de julho, tendo-se fixada a data de 13 de setembro de 2020 como data limite de prolação da Decisão arbitral, com os fundamentos constantes do referido despacho, que se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.

5.A Requerente apresentou, a 20 de março de 2020, as respetivas alegações com junção de documentos tendo, a 11 de abril de 2020, sido proferido despacho para a Requerida se pronunciar quanto ao requerimento da Requerente. Em 16 de abril de 2020, a Requerida opôs-se à junção dos documentos.

Em 1 de maio de 2020 foi proferido despacho sobre o pedido de junção de documentos, concluindo-se, com a fundamentação que se dá por reproduzida: “Termos em que, por tudo o quanto vai exposto: a) Se defere o pedido de junção dos documentos  n.ºs 3 e 4; e b) Se indefere a junção do documento n.º 1, devendo ser dos autos desentranhado.”

6. A Requerida apresentou contra-alegações, tendo-se pronunciado contra a admissibilidade da ampliação do pedido, por, no essencial, a devolução dos montantes pagos em sede de execução fiscal estar excluído do âmbito da competência dos tribunais arbitrais, devendo a Requerida ser absolvida da instância quanto à pretensão em causa.

Nas contra-alegações veio também a Requerida defender que se o “Tribunal aceitar o entendimento da Requerente no sentido de que a matéria coletável do exercício de 2014, que se encontra em discussão na impugnação judicial, não podia ser considerado na emissão da liquidação controvertida, será forçoso concluir que existe um relação de prejudicialidade entre a ação arbitral e a ação de impugnação judicial n.º .../18...BELRS que exige suspensão da instância.”

Em exercício de contraditório veio a Requerente argumentar não existir qualquer relação de prejudicialidade. 

7. Em 24 de Junho de 2020 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:

“Notifique-se a Requerente para exercer, querendo, no prazo de dez dias, contraditório em relação à excepção de incompetência suscitada pela Requerida nas contra-alegações”, não tendo a Requerente respondido.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT), com exceção do que a seguir se decidirá.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A.           Quanto à ampliação da causa.

Por requerimento de 7 de novembro veio a Requerente pedir a ampliação do pedido, argumentando, em suma, entre o mais, que, à data da apresentação do pedido, se encontrava pendente o processo de execução fiscal n.º ...2019..., relativo ao IRC de 2017. Como a Comissão de Credores, nomeada no processo de insolvência, decidiu proceder ao pagamento voluntário dos valores liquidados, a Requerente solicitou junto do serviço de Finanças de Lisboa-... a guia para pagamento da dívida em execução, tendo o valor total em dívida sido integralmente pago.

Ante o exposto, vem a Requerente solicitar a ampliação do Pedido arbitral peticionando, para além da anulação da liquidação de IRC, a restituição do imposto e juros compensatórios pagos, no valor total de € 1.434.208,06, bem como o valor dos acrescidos, que ascendem a € 61.189,19, num valor total pago de € 1.495.396,25.   

Requer, além do mais, o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do seu pagamento, em 30/10/2019, até ao efetivo reembolso do mesmo. 

Veio a Requerida nas contra-alegações exercer contraditório, como vimos, alegando, em síntese, a incompetência do tribunal para apreciar o pedido de devolução dos valores respeitantes a taxa de justiça e acréscimos pagos em processo de execução fiscal.

Para tanto, menciona a jurisprudência vazada no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 639/2016-T, o qual apontando para a jurisprudência estabelecida no Acórdão do CAAD de 14.12.2016, proferido no processo nº 363/2016-T, que passamos a transcrever:

“Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No entanto, como bem defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente a (…) custas de processos de execução fiscal, não há qualquer suporte legal para a sua apreciação em processo de impugnação judicial e, reflexamente, em processo arbitral.

Termos em que se julga procedente a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à apreciação do pedido de devolução do montante de custas pagas em execução fiscal.”

 

Vejamos.

Atentemos em primeiro lugar ao âmbito do pedido formulado pela Requerente o qual se refere: i) à restituição do imposto e juros compensatórios pagos, no valor total de € 1.434.208,06; o valor dos acrescidos, que ascendem a € 61.188,19, num valor total pago de € 1.495.396,25; iii) juros indemnizatórios sobre este montante. 

Como ficou dito, alega a Requerida a incompetência do Tribunal para conhecer do pedido de devolução dos valores respeitantes a taxa de justiça e acréscimos pagos em processo de execução fiscal, conforme jurisprudência consignada nas Decisões arbitrais mencionadas.

No entanto, desse pedido temos de destacar o que se refere ao pedido de restituição do imposto e respetivos juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º1, do CPTA até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere.

Assim sendo, considerando a relação consequencial estabelecida entre a liquidação e o pagamento do imposto liquidado, em sede de processo de execução fiscal, bem como o pedido relativo aos respetivos juros, incluindo indemnizatórios, julga-se procedente o pedido de ampliação deduzido pelo SP, em nome do princípio da economia processual e da tutela judicial efetiva.

Termos em que, assistindo nesta sede razão ao SP, o objeto do processo compreende: i) Anulação da liquidação oficiosa de IRC n.º 2018... do ano de 2017; ii) Restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, tudo no total de € 1.434.208, 06. 

Em face do exposto, mantem-se o valor da causa tal como fixado no Pedido Arbitral.

 

B.            Quanto à incompetência para condenar a Requerida a devolver os valores pagos em sede de execução fiscal.

 

Como vimos, a ampliação do pedido não pode abranger, porém, a parte respeitante aos valores correspondentes à taxa de justiça e acréscimos pagos em sede de execução fiscal, por o Tribunal ser incompetente para o efeito.

 Depois de notificada a Requerente para exercer, querendo, contraditório, por o Tribunal ter suscitado oficiosamente a questão da incompetência, quanto a este pedido, importa realçar que, consubstanciando o contencioso tributário um contencioso de mera anulação, os poderes dos tribunais arbitrais são ainda mais limitados, prevendo-se apenas a possibilidade de declaração de ilegalidade de atos (cfr. o artigo 2.º, n.º1, do RJAT).O que aponta no sentido de que as decisões se deveriam limitar à mera apreciação da legalidade sem produção de efeitos condenatórios. No entanto, a jurisprudência e a doutrina são unânimes no sentido de essa competência abranger apenas atos condenatórios respeitantes a juros indemnizatórios e a fixação de indemnização por garantia indevida.

Termos em que se julga este tribunal incompetente para conhecer do pedido de condenação da Requerida no pagamento dos valores pagos em sede de execução fiscal, no montante de €61.189,19.

 

C.            Quanto à questão da suspensão da instância

 

Nas contra-alegações veio a Requerida invocar relação de prejudicialidade a justificar a suspensão da presente instância, alegando, entre o mais, que “se por mera hipótese e sem conceder, o Tribunal aceitar o entendimento da Requerente no sentido de que a matéria coletável do exercício de 2014, que se encontra em discussão na impugnação judicial, não podia ser considerada na emissão da liquidação controvertida, será forçoso concluir que existe uma relação de prejudicialidade entre a ação arbitral e a ação de impugnação judicial n.º .../18...BELRS que exige a suspensão da presente ação arbitral. Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 279.º do Código de Processo Civil, existe uma relação de prejudicialidade, que poderá determinar a suspensão da instância judicial, quando a decisão a proferir numa ação depende absolutamente da decisão que vier a ser proferida noutra ação já proposta, Pelo que, deverá ser ordenada a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da ação de impugnação judicial, nos termos do n.º 1 do artigo 272° do CPC, o que desde já se requer”.

Garantido o exercício do contraditório, cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 272.º do CPC na parte relevante:

Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes

1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

(...)

Nas palavras de Alberto dos Reis, existe prejudicialidade de uma causa em relação à outra “quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda", sublinhando que "... a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos..." (Comentário, III Volume, pág. 268).

No mesmo sentido, Manuel de Andrade refere que existe prejudicialidade “quando na primeira causa se discuta, em via principal uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é pura e simplesmente uma reprodução da primeira. Mas nada impede que se alargue a questão da prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discuta a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal" (Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492).

Também a jurisprudência subscreve esse entendimento.

Nesse sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n.º 0071674, de 16-10-1991, quando se pronunciou no sentido de que “Uma causa é prejudicial em relação a outra, quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sendo a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial a economia e coerência dos julgamentos, o que interessa é que a decisão a proferir na acção prejudicial deva ser tida em conta na outra acção”.

Entendimento igualmente sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto quando, no Processo n.º 940/08.9TVPRT.P1, de 07-01-2010, refere que “uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito. Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial”.

O Tribunal da Relação de Lisboa subscreveu também tal perspetiva quando em acórdão proferido em 13-12-2001, no Proc. n.º 11748/01, sublinhou: “A prejudicialidade consubstancia-se na relação de consunção parcial entre objectos processuais, em termos de impossibilidade de apreciação do objecto processual dependente sem interferir na apreciação do objecto prejudicial”.

Aplicando o exposto ao caso dos autos conclui-se que, na presente instância, não se se verificam os referidos pressupostos da prejudicialidade entre causas.

Com efeito, estamos a falar de liquidações referentes a exercícios diferentes, apurados segundo pressupostos diferentes, consubstanciando, em suma, duas formas perfeitamente autónomas de determinação da matéria coletável, sujeitas a regime e pressupostos completamente distintos. Em relação ao exercício de 2014 está em discussão a legalidade da liquidação adicional apurada pela Requerida em sede de inspeção dirigida a corrigir a autoliquidação apurada pelo SP. No exercício de 2017 trata -se de apurar a legalidade de uma liquidação oficiosa determinada pela Requerida, com base na lei. Nas palavras da Requerida “quando emitiu a liquidação oficiosa controvertida, no dia 18-12-2018, “(…) se limitou a quantificar a matéria coletável de exercício de 2017 de acordo com a metodologia expressamente definida na lei, isto é, tendo em consideração a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada (…)”, tudo em conformidade com o disposto no artigo 90.º, n.º1, alínea b) do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22. Temos assim que a matéria coletável determinada nesta situação de forma oficiosa é também a que decorre de forma automática e objetiva da lei. Por outro lado, ainda que venha a ser anulada a liquidação referente ao exercício de 2014 em nada essa anulação se reflete na liquidação do exercício de 2017, porquanto não resulta do regime do artigo 90.º do CIRC qualquer relação de sequencialidade entre as duas formas de determinação da matéria coletável. Esta ausência de consequencialidade é, aliás, o que resulta da natureza meramente provisória da determinação da matéria coletável segundo o regime do artigo 90.º do CIRC uma vez que nada impede que a Requerida proceda, na sequência de processo inspetivo, ao apuramento da matéria coletável de acordo com a realidade contabilística material referente ao exercício de 2017.     

Assim sendo, falta o pressuposto essencial da prejudicialidade consistente, como acima referido de estarmos perante uma causa “dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.”

Termos em que, improcedendo a questão de prejudicialidade, se indefere o pedido de suspensão da instância, nada obstando ao prosseguimento da instância.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. Matéria de facto

 

A.           Factos provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

1.            A sociedade A..., SCR, SA foi declarada insolvente, por sentença judicial proferida no processo n.º .../15...T8LSB, que corre termos na Instância Central – 1.ª Secção de Comércio – J1 da Comarca de Lisboa, que transitou em julgado a 05/08/2015.

2.            Em 07-08-2015 foi publicitada a sentença de declaração de insolvência da sociedade A..., bem como foram citados os credores e outros interessados para reclamar os seus créditos.

3.            Na Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório, que ocorreu no dia 07-10-2015, foi aprovada a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, constando, ainda, do despacho que deveria ser cumprido o disposto do artigo 65.º n.º 3 do CIRE e que os autos prosseguiriam para liquidação, nos termos do artigo 158.º do CIRE.

4.            Em 27-10-2015, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa efetuou comunicação ao Serviço de Finanças Lisboa ..., nos termos do n.º 3 do artigo 65. ° do CIRE, informando que havia sido deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais.

5.            Em 25-02-2019, a Direção de Finanças de Lisboa - Insolvências, enviou um e-mail à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes - DGA - Divisão de Gestão de Atividade (DSRC), solicitando o averbamento da cessação oficiosa de atividade, nos termos do artigo 65.°, n.º 3 do CIRE, reportada à data constante da deliberação do encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, o dia 07-10-2015.

6.            No dia 15-10-2018, a AT emitiu o Aviso n.º ..., notificando a A... para a entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2017, com a advertência de que caso não fosse apresentada a declaração em falta, no prazo de 15 dias, seria emitida uma liquidação oficiosa. Do aviso referido no ponto 6. consta do seguinte

7.            A Requerente não se pronunciou nem apresentou a declaração Modelo 22.

8.            Em 18-12-2018, foi emitida a liquidação oficiosa n.º 2018..., relativa ao exercício de 2017, apurando um valor a pagar de € 1.434.208,06.

9.            Da liquidação consta do seguinte:

 

10.          E a demonstração de juros:

 

11. A matéria coletável considerada pela Autoridade Tributária (“AT”) para efeito de liquidação do IRC do exercício de 2017, foi de € 6.695.289,60 – cf. Documento n.º 2 do PPA.

12. Os Serviços da AT tiveram por base a matéria coletável corrigida pelos Serviços da AT, em sede de inspeção tributária ao exercício de 2014, que apurou a matéria coletável de € 6.695.289,60, e que deu origem à liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 23/01/2017, que apurou o valor a pagar de € 1.803.933,22– cf. Documento n.º 9 junto ao PPA.

13. Nos exercícios de 2015 e 2016 não foi apurada matéria coletável. 

14. No que respeita ao exercício de 2015, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC, em 20/05/2016, com a identificação..., tendo sido declarado prejuízo fiscal no valor de - €1.705.530,67 - cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA.

15.Por sua vez, no que respeita ao exercício de 2016, foi apresentada a Declaração Modelo 22 de IRC, em 31/05/2017, com a identificação..., na qual foi apurado o prejuízo fiscal no valor de - € 2.633.904,11- cfr. Documento n.º 6 junto ao PPA.

16. No exercício de 2017 a Requerente obteve rendimentos que ascenderam ao valor total de € 1.107.143,21, sujeitos a retenção na fonte de € 276.785,80, sendo as entidades declarantes o Banco C..., SA e o Banco D..., SA.

17. A Requerente apresentou, na declaração Modelo 10, respeitante ao exercício de 2017, pagamentos da categoria B efetuados a E..., NIF..., e na declaração mensal de remunerações (DMR) nos períodos de janeiro a julho de 2017, pagamentos efetuados F..., NIF ... .

18. Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2019..., que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa ... no dia 20-03-2019.

19. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2019..., em 30/10/2019, cfr. Documento n.º 2 anexo ao Requerimento de ampliação do pedido. 

20. A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral a 17 de outubro de 2019, na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa.

 

B.            Factos não provados

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos por estas ao presente Processo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III.2. Matéria de Direito

 

A.           Quanto aos alegados vícios formais

 

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados aos atos impugnados vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser,  segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz à tutela dos interesses ofendidos.

De qualquer modo cumpre esclarecer.

Alega a Requerente diversos vícios formais, entre os quais a falta de audiência dos interessados.

Como resulta dos factos dados como provados, o que à Requerente foi transmitido através do Aviso n.º..., emitido, em 15-10-2018, foi a conclusão, extraída pela AT – mas sem qualquer exercício de alegação factual e respetiva subsunção – da falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2017 e que, caso não fosse apresentada seria emitida uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.° 90.° do CIRC. Nada mais foi referido, nada mais consta do ato tributário.

Analisando a preterição de formalidade legal invocada e consistente na não notificação da Requerente para o exercício da audição previa antes da liquidação, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, parte-se do pressuposto jurídico de que estava em causa uma liquidação oficiosa efetuada com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, na redação vigente em 2017.

Nos estritos termos legais que a AT expressamente invocou, ela teria por base "o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada".

Trata-se, assim, de critérios jurídicos de quantificação, que deve servir de base à liquidação oficiosa e que, pela sua objetividade, permitem ao destinatário normal conhecer o montante da base tributável.

Não tem, pois, razão a Requerente quando afirma a falta de notificação para exercer o direito de audição prévia antes da liquidação, uma vez que na al. b) do n.º 2 do art. 60.º da LGT dispõe que é dispensada a audição "No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito."

Assim sendo, sem prejuízo dos alegados vícios de falta de fundamentação e de audiência dos interessados, passamos à apreciação dos vícios de violação de lei.

 

B.            Quanto aos alegados vícios materiais

 

B1. Quanto à omissão de apresentação de declaração de rendimentos Modelo 22

 

Invoca, em primeiro lugar, a Requerente, como fundamento para a sua conduta declarativa omissiva relativamente ao exercício de 2017, o disposto no n.º 3 do art. 65.º do CIRE, de harmonia com o qual "Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do art. 156.º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser oficiosamente comunicado pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação de atividade".

Invoca em favor da sua interpretação do preceito os Acórdãos do STA n.ºs 01079/03, de 29/10/2003, e 0617/10, de 09/02/2011.

E mais alega que, deliberado e homologado o encerramento da atividade da insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 156.º, n.º 2, do CIRE, a AT deveria ter cessado, para todos os efeitos fiscais, a atividade da Requerente.

Sobre este argumento pronuncia-se a Requerida no sentido da sua improcedência, considerando que os factos de que tem conhecimento - rendimentos obtidos e custos incorridos - resultam, indubitavelmente, de atividade económica.

A Requerente invoca em favor da sua interpretação do preceito o Acórdão do STA n.º 0876/15, de 8-11-2017.

Determina o artigo 8.º, n.º 5, al. a) do Código do IRC que "Para efeitos deste Código, a cessação da atividade ocorre, relativamente às entidades com sede ou direção efetiva em território português, na data do encerramento da liquidação...".

Não refere o legislador se tal liquidação é uma liquidação voluntária normal, ou uma liquidação patológica como aquela que ocorre no âmbito do processo da insolvência. Com efeito, a declaração de insolvência e a deliberação de encerramento do estabelecimento da entidade insolvente, se podem significar a cessação da atividade operacional que aquela exercia, não podem ter por objeto a continuação da suscetibilidade de obtenção de rendimentos pela "massa insolvente" e a sua sujeição a tributação.

Neste sentido, o Acórdão do STA tirado no Processo n.º 03357/16.8BELRS, de 06/05/2020, ao chamar à colação o artigo 268.º do CIRE, é certeiro na aceção de que a insolvência tem "um regime fiscal", a de ser compaginado com a aparente cessação de obrigações declarativas e fiscais, prevista no seu art. 65.º n.º 3. Interpretar esta "cessação de obrigações declarativas e fiscais" como uma não sujeição às regras do Código do IRC, isto é, como uma delimitação negativa de incidência, era ir muito para lá da própria letra da lei. E, por outro lado, esvaziaria de conteúdo, nomeadamente, o disposto no artigo 268.º do CIRE que consagra uma isenção fiscal, no âmbito do regime da insolvência, ao determinar que, entre outras coisas, "as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas, não concorrendo para a determinação da matéria coletável". Expressamente, por conseguinte, esta norma prevê que possam realizar-se mais-valias, na aceção do Código do IRC, contrariamente a alguma jurisprudência que se pronunciou de modo diverso, nas operações de liquidação da "massa insolvente".

Não se discutirá aqui a natureza jurídica da "massa insolvente", mesmo que na modalidade de património separado e autónomo, por inutilidade. Com efeito, uma vez que este património, citando o referido Aresto, "não constitui uma pessoa (singular ou coletiva) um novo ente distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer (não passam a existir duas pessoas, tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios autónomos e um comum". Dito de outro modo "A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem" (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELO GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3-15)".

Não pode ainda deixar de se invocar o artigo 1.º do Código do IRC que sujeita a este imposto "todos os rendimentos obtidos" e o artigo 2.º cujo n.º1, al. b) considera também sujeitos passivos de imposto "as entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares ou em IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou colectivas", norma que incluiria a massa insolvente, enquanto eventual património separado e autónomo, no perímetro dos sujeitos passivos do imposto.

A questão do exercício ou não de atividade tem, neste contexto, nula relevância. A "inatividade" reporta-se, neste caso, apenas ao não exercício da atividade para a qual a sociedade se tinha constituído, a sua atividade operacional. Mas não pode ser invocada como "não exercício de uma atividade económica" para fundamentar uma pretensa não sujeição a imposto, com o cumprimento dos deveres de cooperação inerentes por parte do sujeito passivo, dos rendimentos, de mera fruição, ou rendimentos passivos, ou resultantes da alienação dos ativos que se constituíram em massa insolvente.   

Neste contexto, o que este Tribunal sublinha é que, em 2017, a Requerente obteve rendimentos configuráveis como factos tributários e que, se não estão isentos de IRC, nos termos do artigo 268.º do CIRE, deveriam ter sido objeto de cumprimento de obrigação declarativa e consequente liquidação de IRC. O que não se verificou.

A posição jurisprudencial a este respeito emitida pelo TCA Sul no Acórdão proferido no Processo 08251/14, de 13/7/2016, não é, no entendimento deste tribunal, clara sobre a questão de saber se a situação de facto subjacente se limitava a uma não existência de rendimentos, em que talvez fizesse sentido a não obrigatoriedade de apresentação de declaração, ou se também se aplicaria existindo rendimentos sujeitos a tributação e não isentos. Assim sendo, tal jurisprudência não pode, desta forma, ser transposta sem mais para a situação dos autos.

Sublinha-se que constitui posição unanime na doutrina e na jurisprudência que a declaração de insolvência, determinando a respetiva dissolução caso se trate de uma pessoa coletiva, não a extingue. Não parece que a declaração de insolvência corresponda à "morte" da pessoa coletiva - o que, aliás, não sucede claramente quanto à declaração de insolvência de uma pessoa singular. Poderá, eventualmente, corresponder a um "coma" de tal entidade que, no entanto, só se extingue (extinção jurídica) quando a liquidação terminar - e daí que o número de identificação de pessoa coletiva insolvente, que serve igualmente de número da sua identificação fiscal, seja utilizado pela "massa insolvente", insuscetível como é de qualquer reconhecimento jurídico ou tributário autónomos .

 

B2. Quanto ao erro de interpretação e aplicação do art. 90.º do CIRC

 

Ante a prova efetuada no processo, não existe dissídio quanto ao facto de que a AT efetuou a liquidação com base na redação do artigo 90.º do Código do IRC vigente em 2017.

Na verdade, na alínea b) do n.º 1 deste preceito podia ler-se então:

 

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

 

É, sem dúvida, esta a norma invocada pela AT no aviso de notificação enviado à Requerente, pois que, para além de a explicitar que a liquidação oficiosa seria feita "nos termos da al. b) do n.º 1 do Código do IRC", aditou a expressão "e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada".

Poderia argumentar-se que estamos perante uma norma adjetiva ou instrumental e, como tal, a determinar a aplicação da lei na versão e redação vigente no exercício em que a obrigação declarativa devia ser cumprida.

Note-se, porém, como assinala a doutrina  "O elemento quantitativo diz respeito aos factores legais de medição do objecto material do imposto. ... O elemento quantitativo consiste, portanto: (i) nos preceitos jurídicos que definem a realidade a medir (rendimento), (ii) na unidade da medida (valor monetário) e (III) nos próprios critérios jurídicos a que deve obedecer a medição" (Cfr. JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 112).

Não pode deixar de considerar-se, desta forma, que o artigo 90.º, na sua alínea b) (redação em vigor em 2017) e nas suas alíneas b) e c) (redação em vigor em 2018) fixa os critérios jurídicos a que deve obedecer a medição (do aspeto quantitativo do elemento objetivo do facto tributário).

O que significa que a natureza adjetiva do preceito é apenas aparente, na medida em que a mesma não pode deixar de consubstanciar uma norma material ou substantiva e, como tal, não podendo aplicar-se ao exercício de 2017, a redação que lhe foi dada para vigorar em 2018, sob pena de retroatividade, constitucionalmente proibida, mas a redação que tinha para vigorar em 2017.

A questão essencial, no entender deste Tribunal, gira em torno da determinação do sentido e alcance do preceito, tal como aplicado pela Requerida, ou seja, na redação que tinha em 2017.

Realce-se que tal preceito se traduz no facto de a respetiva alínea b) consagrar dois critérios de quantificação da matéria coletável prevalecendo a maior: (i) o valor anual da retribuição mínima mensal; (ii) a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.

Se o primeiro não oferece dúvidas, por se referir a um valor que resulta a fixação governamental anual da retribuição mínima mensal garantida, obtendo-se o valor previsto pela sua multiplicação por 14, para o segundo critério, aplicado no caso sub judice, não encontramos apoio jurisprudencial ou doutrinal atualizado.

Na determinação do sentido e âmbito do preceito em causa recorrer-se-á, com vista a alcançar maior certeza e segurança jurídicas, no entendimento deste Tribunal, tendo em conta a natureza da liquidação oficiosa em causa e a investigação sobre o elemento histórico que deu origem à expressão "a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada".

A liquidação oficiosa efetuada com base na al. b) do n.º 1 do artigo 90.º parece configurar-se como uma liquidação, que CASALTA NABAIS denomina "liquidação administrativa", por oposição à "autoliquidação" efetuada pelo contribuinte, de "natureza provisória" - ver, a propósito, RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 208/209, secundando a própria posição da administração fiscal expressa no Comentário ao artigo 71.º que então previa a liquidação oficiosa, edição da DGCI, Lisboa, 1990, a pp.260: "Trata-se aqui de uma liquidação meramente provisória em que se determina um imposto em relação ao qual existe uma razoável certeza que será devido".

Na verdade, o ditame constitucional segundo o qual a tributação das empresas deve incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) não é facilmente coadunável com uma tributação que, claramente, tem por base rendimento presumido, ainda que mediante critérios jurídicos tributários.

Ou seja, a administração fiscal tem o poder-dever de verificar a efetiva situação do contribuinte relativamente ao exercício fiscal em que praticou a liquidação oficiosa, tendo em vista efetuar uma tributação conforme com a Constituição.

Com maior clareza se dispunha no artigo 71.º do Código do IRC de 1990, o artigo 85.º do Código da Contribuição Industrial (CCI) que, qualificando-a expressamente como "liquidação provisória", determinava, relativamente aos contribuintes do Grupo A (obrigados a ter contabilidade organizada) que "2.º Na falta de apresentação de declaração até ao termo do último dos prazos referidos na al. a) do artigo 84.º, a liquidação será efectuada até 20 de Julho do ano seguinte àquele a que respeita e terá por base a totalidade da matéria colectável do ano mais próximo que se encontre determinada".

Manteve-se, pois, na transição da CCI para o IRC, embora neste se tenham posteriormente ampliado, o critério jurídico tributário que está em causa: "e terá por base a totalidade da matéria colectável do ano mais próximo que se encontre determinada".

Não há conhecimento de que, após a entrada em vigor do Código do IRC, as autoridades fiscais tenham alguma vez emitido entendimento sobre a sua interpretação desta norma.

Mas fizeram-no no âmbito do CCI.

De facto, e socorrendo-nos de J.A.R. MARTINS BARREIROS, MANUEL A. COSTA TEIXEIRA e QUINTINO FERREIRA, in Código da Contribuição Industrial, 2.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 1986 e das suas anotações ao art. 85.º (pp. 691/692) do referido código:

–             Preconizava-se no Ofício-Circular C-7/77, de 31/11, esclarecendo dúvidas sobre "qual a matéria colectável que deve servir de base à liquidação provisória dos contribuintes do Grupo A da contribuição industrial quando estes não apresentem no prazo legal, ou nos 15 dias seguintes, a competente declaração mod. 2"  que divulgava o despacho do Subsecretário de Estado do Orçamento que sancionara, no que aqui tem interesse, segundo o qual "Na falta de apresentação... a liquidação provisória ... terá sempre por base a matéria coletável do ano mais próximo que se encontre determinada, tendo porém em conta: .... se respeitar àquele ano de 1976 ou a outro posterior e não estiver determinada a matéria colectável definitiva, já deve servir de base à liquidação provisória a que, para a autoliquidação, foi apurada pelo contribuinte...ou a determinada pelo chefe da Repartição de Finanças ... porque tanto uma como outra já são havidas por determinadas...".

–             O Despacho de 8/3/79, Proc.º II-A, E.G. 35378/78, sancionava o entendimento de que "os Serviços devem proceder à liquidação provisória com base na matéria colectável do ano mais próximo que se encontra determinada. Se essa matéria for negativa, não há liquidação provisória a fazer pelos Serviços por carência de base".

–             Finalmente, a Circular n.º 28/81, de 4 de agosto, pretendendo uniformizar entendimentos, divulgou o seguinte entendimento: "Nos casos de falta de apresentação da declaração m/2 no prazo legal, a liquidação provisória da contribuição industrial, a efectuar até 20 de Junho do ano seguinte àquele a que respeita, terá por base a totalidade da matéria colectável do ano mais próximo que se encontre determinada, ainda que não tenha dado origem a liquidação de contribuição. Nesta última hipótese, dado o resultado ter sido negativo, não haverá obviamente, lugar a liquidação provisória".

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRC, "a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal".

Isto é, a "matéria coletável" determinada com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo é uma "matéria coletável" que se há de ter por determinada, porque prevista esta forma de determinação no n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRC.

As declarações apresentadas pelo sujeito passivo podem, no processo de determinação da "matéria coletável", que parte, como se sabe, do "resultado contabilístico", chegar, na fase subsequente, à determinação de "lucro tributável" ou de "prejuízo fiscal". Verificando-se este último caso, o prejuízo fiscal constitui uma matéria coletável "0" no ano em que foi determinado.

Não se refere, de facto, no Código do IRC, em "matéria coletável" positiva ou negativa. Fala-se, apenas em "matéria coletável" que é o resultado de um processo determinado por lei. E só há, potencialmente, imposto quando essa matéria coletável for >1.

Apenas na redação dada ao preceito em 2018, o legislador veio alargar os critérios de fixação da matéria coletável que deverá ter por base “ o maior dos seguintes montantes:1)A matéria coletável determinada, com base nos elementos que a Administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0, 75;2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada;3) O valor anual da retribuição mínima mensal .”

Somente agora, com a nova redação dada ao preceito, atendendo à letra do mesmo, o legislador aponta para que a matéria coletável apurada seja positiva, o que não acontecia na redação anterior.   

Finalmente, existe, de facto, a ideia de que a "matéria coletável" é sempre uma realidade quantificada positivamente. Mas é uma ideia que não se pode defender num processo de "determinação da matéria coletável" que tem fases diversas e que pode chegar a uma situação de "prejuízo fiscal" que é uma modalidade negativa de matéria coletável. De resto, a própria administração fiscal, no exercício do "poder de controlo" das declarações apresentadas pelos contribuintes, acaba por chegar a essa modalidade de matéria coletável.

Por  tudo o quanto vai exposto, considera-se que, por ser uma determinação legalmente prevista, a determinação da matéria coletável efetuada pelo contribuinte na declaração que apresenta, independentemente do seu resultado, é uma determinação legalmente prevista.

Assim sendo, não se descortina fundamental legal para a AT não ter considerado, na ponderação da determinação da matéria coletável para servir de base à liquidação oficiosa a que procedeu quanto a 2017, a "totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada" ou seja a "matéria coletável" determinada pela Requerente na declaração apresentada a 2016. Pois é esse o resultado que decorre da aplicação dos elementos histórico e literal aplicados à interpretação do artigo 90.º do CIRC, na redação de 2017.

Termos em que este Tribunal decide anular a liquidação oficiosa efetuada pela AT à Requerente, relativamente ao exercício de 2017.

 

C-           Quanto aos juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona, ainda, juros indemnizatórios, tendo procedido ao pagamento indevido do respetivo imposto, como ficou provado, tudo no montante global de €1.495.396,25.

Tendo ficado demonstrado que a decisão da AT enferma de ilegalidade, exclusivamente imputada à Requerida, a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios na proporção do valor anulado, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que serão incluídos.

 

IV.DECISÃO

 

Termos em que se acorda neste tribunal coletivo:

a)            Julgar o tribunal incompetente para conhecer do pedido de condenação da Requerida na devolução dos valores respeitantes a taxa de justiça e acréscimos pagos em processo de execução fiscal;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, tal como delimitado supra;

c)            Julgar ilegal o indeferimento tácito da reclamação graciosa e, em consequência,

d)           Anular do ato de liquidação oficiosa de IRC de 2017;

e)           Condenar a Requerida a devolver à Requerente a quantia indevidamente paga por esta, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios;

f)            Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.495.396,25.

 

VI. CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de € 19 890, 00, cf. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 17 de agosto de 2020

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Fernanda Maçãs

(Árbitro Presidente)

 

Pedro Marques

(Árbitro Vogal)

 

Marisa Almeida Araújo

(Árbitro Vogal)