Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 886/2019-T
Data da decisão: 2020-08-05  IRS  
Valor do pedido: € 612,00
Tema: IRS – Rendimentos da categoria B; Regime simplificado; Coeficientes de determinação do rendimento tributável.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO:

I – Os árbitros de futebol são “agentes desportivos”, para efeitos da alínea b) do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro, que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório e, nessa qualidade, têm acesso a formação técnica e à medicina desportiva (artigos 35.º e 40.º, da Lei n.º 5/2007), respondendo disciplinarmente perante a federação desportiva em que estejam integrados (artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, que aprovou o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva).

II – É de considerar correto o enquadramento da sua atividade profissional no código 1323 – Desportistas, da Tabela de atividades do artigo 151.º, do Código do IRS, com aplicação do coeficiente 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, na redação vigente à data dos factos.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 23 de dezembro de 2019, A..., com o NIF ... e domicílio fiscal na Rua do ... ... Dt.º - ...-... ... (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2019..., referente ao ano de 2018, de que resultou o reembolso da quantia de € 1 940,25, bem como a sua substituição por nova liquidação de que resulte reembolso no valor de € 2 552,25, a que considera ter direito.

 

Atribuindo ao processo o valor económico de € 612,00 (€ 2 552,25 - € 1 940,25), o Requerente pede a condenação da Requerida no pagamento das custas processuais.

 

B.            Síntese da posição das Partes

a.            Do Requerente:

Como fundamentos do pedido, invoca a Requerente, em suma, o seguinte:

a.            O Requerente é observador desportivo de árbitro de futsal, atividade que prossegue com o CAE 93192;

b.            Na declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018, inscreveu os rendimentos auferidos na sua atividade de árbitro de futebol, no campo 404 do quadro 4 do anexo B, aos quais seria aplicável o coeficiente de tributação de 0,35;

c.            O sistema informático da AT assinalou uma divergência e o Requerente foi instado a incluir os seus rendimentos profissionais no campo 403 do anexo B, aos quais foi aplicado o coeficiente de 0,75, daí resultando a liquidação que ora impugna;

d.            A reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação de IRS do ano de 2018 mereceu decisão de indeferimento, com o que não se conforma;

e.            Entende o Requerente que, não se enquadrando a sua atividade no código 1323 da lista a que se refere o artigo 151.º, do Código do IRS, nem sendo admissível a interpretação extensiva daquela norma, de modo a proceder a tal enquadramento, a liquidação emitida é ilegal, devendo ser anulada.

 

                b. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo por exceção e por impugnação a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e a consequente manutenção do ato tributário que dele é objeto, com os seguintes fundamentos:

a.            Por exceção, vem a Requerida invocar a incompetência do tribunal arbitral em função da matéria e da hierarquia, dado que o pedido se reconduz a um pedido de decisão arbitral que “determine que os rendimentos da atividade de árbitro mencionados na declaração modelo 3 de IRS, no anexo B, quadro 4A sejam inscritos no campo 404”, o que não se enquadra no âmbito das competências atribuídas aos tribunais arbitrais tributários, pois o ato em causa “não configura um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo para efeitos da alínea b), do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT”;

b.            Por impugnação, defende a Requerida o seguinte:

a.            A Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, alterou a redação do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, passando a prever novos coeficientes para a obtenção do rendimento tributável, quando a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, da categoria B, é feita com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b.            A atividade de árbitro de futsal exercida pelo Requerente enquadra-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, consubstanciando uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sob o código “1323 – Desportistas”, código que abrange, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas;

c.            Consequentemente os rendimentos auferidos no exercício daquela atividade são inscritos no campo 403 do quadro 4A da declaração de rendimentos – modelo 3, e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

Pelo Despacho Arbitral de 08.06.2020, foi decidido dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, devendo o Requerente, no mesmo prazo, pronunciar-se sobre a matéria de exceção invocada na Resposta da AT.

No mesmo despacho foi designado o dia 5 de agosto de 2020 como data previsível para prolação da decisão arbitral e advertido o Requerente para oportuno pagamento da taxa arbitral subsequente.

Ambas as Partes apresentaram alegações escritas no prazo designando, sustentando as posições defendidas em sede de pedido de pronúncia arbitral e de contestação, respetivamente, tendo o Requerente feito juntar cópia da decisão arbitral proferida em 09.03.2020, no âmbito do processo n.º 704/2019-T, e respondido à matéria de exceção invocada pela AT, no sentido da sua não verificação.

 

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 13 de março de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

4. Deve ser julgada improcedente a exceção invocada pela AT, na medida em que em causa está a legalidade da liquidação impugnada, pois a questão da qualificação e enquadramento fiscal de um determinado rendimento se reconduz à apreciação da legalidade da mesma liquidação, enquadrável na competência atribuída aos tribunais arbitrais tributários pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

III.FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue.

 

A.           Factos Provados:

1.            O Requerente, titular do cartão n.º..., emitido pela Federação Portuguesa de Futebol para a época de 2019-2020, com a categoria de “OBSNACB FUTSAL”, encontra-se inscrito no sistema de gestão e registo de contribuintes da AT pela atividade principal de “Outros prestadores de serviços”, com o código 1519 da lista anexa ao artigo 151.º, do Código do IRS, e pelas atividades secundárias de “ Formadores”, com o código 8011 da mesma lista e de “Outras atividades desportivas, N.E., com o CAE 93192, estando enquadrado no regime simplificado de IRS (cfr. Doc.s 1 e 5 juntos ao PPA e PA);

2.            No ano de 2018, o Requerente, na qualidade de árbitro de futebol, obteve rendimentos provenientes de atividades desportivas com o CAE 93192, pagos pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Associação de Futebol de ..., no valor global de € 5 422,74, que inscreveu no anexo B – quadro 4A, campo 404 (rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores) da declaração modelo 3 de IRS identificada com o n.º... do Lote ..., de cuja simulação resultaria o reembolso da quantia de € 2 552,25 (cfr. Doc. 5 junto ao PPA e PA);

3.            Em 26.04.2019, o sistema de gestão de divergências do IRS emitiu notificação ao Requerente indicando haver “Necessidade de comprovação do tipo de rendimentos declarados ou patentes em cadastro” (cfr. PA);

4.            Na sequência da notificação referida no ponto anterior, o Requerente sanou a divergência assinalada pela AT, procedendo à entrega, em 07.05.2019, da declaração modelo 3 de IRS (declaração de substituição) com o n.º ... do Lote ..., em cujo anexo B – quadro 4A, campo 403 (rendimento das atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art. 151.º do CIRS) inscreveu os rendimentos da atividade profissional exercida (cfr. PA);

5.            Tendo por base a declaração modelo 3 de substituição, a AT emitiu a liquidação n.º 2019..., de que resultou o reembolso da quantia de € 1 940,25 (cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA);

6.            E 07.06.2019, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação n.º 2019..., que deu origem ao procedimento n.º ...2019..., do Serviço de Finanças de ... (Doc. n.º 5 junto ao PPA e PA);

7.            A reclamação graciosa foi indeferida por despacho da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 03.10.2019, notificado ao Requerente pelo ofício n.º..., do mesmo Serviço de Finanças, de 04.10.2019, rececionado em 09.10.2019 (Doc. n.º 5 junto ao PPA e PA);

8.            Na informação que serviu de base à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzida, consta, nomeadamente, o seguinte: “3.6. De acordo com as Portarias n.º(s) 385-H/2017 de 29 de dezembro e 34/2019 de 28 de janeiro, o Campo 403, do anexo B, «Destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, independentemente de a atividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos da tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS e aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, mas com exclusão da atividade com o código “1519 – Outros prestadores de serviços». 3.7. No caso em apreço os rendimentos do reclamante foram obtidos no exercício de atividades desportivas, conforme a CAE 93192, que consta do seu cadastro fiscal (…). 3.8. A atividade exercida pelo reclamante, no âmbito da CAE acima referida, para efeitos de IRS, está enquadrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, e consubstancia, uma prestação de serviço especificamente prevista na tabela de atividades, a que se refere o art. 151.º do CIRS, sob o código CIRS 1323 – Desportistas, atendendo à natureza e abrangência desta atividade, a qual, para além dos atletas, engloba, todos os agentes desportivos participantes nas atividades desportivas. 3.9. O referido no ponto anterior enquadra-se no entendimento vertido pela AT, na informação prestada no processo n.º 3003/2017, da DSIRS (Enquadramento da atividade de árbitro).” (Doc. n.º 5 junto ao PPA e PA).

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, bem como da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

A – A questão decidenda

O dissídio entre as Partes funda-se na qualificação dos rendimentos auferidos pelo Requerente na sua atividade profissional, de que depende a aplicação dos coeficientes previstos no n.º 1 do artigo 31.º, do Código do IRS, e o apuramento do imposto devido a final.

 

Na redação em vigor à data dos factos, o n.º 1 do artigo 31.º, do Código do IRS, dispunha o seguinte:

 

“Artigo 31.º - Regime simplificado

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

a) 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento;

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

d) 0,95 aos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, aos rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, ao resultado positivo de rendimentos prediais, ao saldo positivo das mais e menos-valias e aos restantes incrementos patrimoniais;

e) 0,30 aos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;

f) 0,10 aos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores;

g) 1 aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuadas a:

    i) Sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, de que o sujeito passivo seja sócio; ou

   ii) Sociedades nas quais, durante mais de 183 dias do período de tributação:

         1) O sujeito passivo detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 5 % das respetivas partes de capital ou direitos de voto;

         2) O sujeito passivo, o cônjuge ou unido de facto e os ascendentes e descendentes destes detenham no seu conjunto, direta ou indiretamente, pelo menos 25 % das respetivas partes de capital ou direitos de voto.

(…)”

 

Defende o Requerente que, prosseguindo a sua atividade sob o CAE 93192 – Outras atividades desportivas, N.E., esta não tem enquadramento específico na tabela a que se refere o artigo 151.º, do Código do IRS, não sendo de aplicar aos rendimentos auferidos o coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º, do Código do IRS, mas sim o coeficiente a que se refere a sua alínea c), de 0,35.

 

Por sua vez, invocando a Portaria n.º 34/2019, de 28 de janeiro que, na sequência das alterações legislativas decorrentes, principalmente, da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, reformulou a declaração Modelo 3 de IRS, e atualizou as respetivas instruções de preenchimento, a AT defende que, não obstante o Requerente se encontre registado com o CAE 93192, a atividade que prossegue se enquadra no código 1323 – Desportistas, da Lista anexa ao artigo 151.º, do Código do IRS, pois tal classificação é abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas.

 

No que respeita às instruções de preenchimento do quadro 4A do anexo B à declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2018, no que aos autos interessa, estabelece a Portaria n.º 34/2019, de 28 de janeiro, o seguinte:

 

“QUADRO 4A — RENDIMENTOS PROFISSIONAIS, COMERCIAIS E INDUSTRIAIS

(…)

Campo 403 — Destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, independentemente de a atividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos na tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS e aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, mas com exclusão da atividade com o código “1519 — Outros prestadores de serviços”.

Campo 404 — Destina-se à indicação das demais prestações de serviços não incluídas nos campos 402 e 403.

(…).”

 

A atividade pela qual o Requerente se encontra registado, com o código CAE 93192 –Outras atividades desportivas, N.E., integra a Secção R – atividades artísticas, de espetáculos e recreativas, da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, que compreende, nomeadamente, a gestão das instalações desportivas, as atividades dos clubes desportivos, a organização de atividades desportivas, os organismos reguladores das atividades desportivas, as atividades de ginásio (fitness) e as atividades de atletas e de árbitros independentes, estábulos, canis e garagens, relacionados com a atividade desportiva; apoio à pesca e caça recreativas e desportivas; e dos guias de montanha. Inclui a gestão de zonas de caça e pesca.

 

Como se sabe, na interpretação das normas fiscais e na qualificação dos factos a que estas se aplicam, devem ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das restantes normas jurídicas (artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).

 

Assim, de acordo com o artigo 9.º, do Código Civil, o intérprete não deve cingir-se apenas à letra da lei, mas antes, a partir dela, reconstituir o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, no pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Os dicionários da língua portuguesa definem “desporto” como sendo “qualquer exercício que tem por fim o desenvolvimento físico” e “desportista”, “a pessoa que pratica o desporto”.

O desportista tanto pode desenvolver a sua atividade em prática individual, como coletivamente, inserido em associações que tenham por objeto a prática desportiva.

 

No caso concreto, como resulta do probatório, no ano de 2018, o Requerente auferiu rendimentos por serviços prestados à Federação Portuguesa de Futebol e à Associação de Futebol de ..., na qualidade de árbitro de futebol.

 

A Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro), contendo as bases das políticas de desenvolvimento da atividade física e do desporto (artigo 1.º) e regulando o associativismo desportivo (capítulo III), define, no seu artigo 14.º, o conceito de “federação desportiva”, associação sem fins lucrativos que, engloba, para além dos clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial e ligas profissionais, as pessoas singulares ligadas ao desporto: praticantes, técnicos, juízes e árbitros.

 

Os árbitros são classificados como “agentes desportivos”, nomeadamente para efeitos da alínea b) do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro, que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório e, nessa qualidade, têm acesso a formação técnica e à medicina desportiva (artigos 35.º e 40.º, da Lei n.º 5/2007), respondendo disciplinarmente perante a federação desportiva em que estejam integrados (artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, que aprovou o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva).

 

Sendo o Requerente um árbitro federado, de entre cujos deveres específicos constam os de “Cumprir e fazer cumprir as leis do jogo e os regulamentos aplicáveis”, de “Realizar anualmente um exame médico-desportivo” e “Realizar testes regulamentares, sempre que para tal seja convocado” (cfr. o artigo 20.º, do Regulamento de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, para a época de 2018/2019), é de considerar correto o enquadramento da sua atividade profissional no código 1323 – Desportistas, da Tabela de atividades do artigo 151.º, do Código do IRS, com aplicação do coeficiente 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, na redação vigente à data dos factos.

Efetivamente, tal como bem se refere nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 421/2019-T e 750/2019-T, cuja fundamentação se sufraga, “O entendimento preconizado pela AT perfila-se como o mais consistente com uma visão unitária do sistema jurídico, enquanto sistema de valores, princípios e regras. Com efeito, ele adequa-se inteiramente ao sentido material que se retira de importantes princípios do sistema fiscal. Assim é, nomeadamente, no que concerne os princípios da justiça fiscal, da igualdade fiscal – horizontal e vertical – e da consideração da capacidade contributiva subjetiva, que têm o seu fundamento último na ordem constitucional (v.g. arts. 1.º, 2.º, 13.º, 103.º e 104.º, da CRP). O princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva (Besteuerung nach der Leistungsfähigkeit) é desde há muito reconhecido como um princípio estruturante do direito fiscal, deduzido dos princípios da justiça e da igualdade tributárias, nomeadamente da igualdade perante os encargos públicos. A tributação de acordo com a capacidade contributiva tem especial relevância no imposto sobre o rendimento. O CIRS deve ser interpretado e aplicado, pela AT e pelos tribunais em conformidade com estes princípios constitucionais, tendo igualmente em conta os fins e os objetivos da tributação (arts. 5.º e 7.º da LGT). Nesta sede, a aplicação do coeficiente de 0,75 a atletas e árbitros significa que aos mesmos se reconhece uma dedução automática de 25%. A mesma afigura-se inteiramente razoável, na medida em que uns e outros podem normalmente ser chamados a suportar algumas despesas para poderem exercer a sua atividade e obter os correspondentes rendimentos. Se fosse aplicável aos árbitros o coeficiente de 0,35 – diferentemente do que sucede com os praticantes desportivos propriamente ditos –, isso significaria, na prática, o reconhecimento de um direito de dedução automática de despesas no valor de 65% do rendimento auferido, o que se afigura manifestamente desigual, desproporcional e destituído de fundamento racional e material bastante. Uma tal diferenciação de tratamento, aplicando a praticantes desportivos um coeficiente de 0,75 e a árbitros o de 0,35, representaria uma diferenciação dificilmente compatível com a justiça do sistema fiscal, porque violadora dos princípios da capacidade contributiva e proibição do arbítrio, que são subprincípios do princípio da igualdade fiscal.”.

 

Concluindo-se que, na qualidade de agente desportivo, a atividade de árbitro de futebol é uma atividade desportiva, como tal enquadrável no código 1323 – Desportistas, da Tabela de atividades do artigo 151.º, do Código do IRS, improcede a pretensão do Requerente, devendo ser mantidas quer a liquidação de IRS impugnada, quer a decisão da reclamação graciosa n.º ...2019..., que a confirmou.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados supra, decide-se:

a.            Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral;

b.            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manter a liquidação de IRS n.º 2019..., referente aos rendimentos do ano de 2018, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... .

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 612,00 (seiscentos e doze de euros).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a cargo do Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de agosto de 2020.

O Árbitro,

Mariana Vargas

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.