DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 38/2014 – T
Tema: IRC – Juros indemnizatórios; incompetência do Tribunal Arbitral
I - RELATÓRIO
1. A. S.A, contribuinte n.º…, com sede no …, …, … , doravante designada por Requerente, apresentou, em 17.01.2014, ao abrigo do disposto no artigo 10.º números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” – RJAMT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, um pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, na qualidade de sucessora da DIRECÇÃO-GERAL DOS IMPOSTOS, com vista a:
- A anulação parcial do acto de decisão da Administração Tributária sobre pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de tributações autónomas efectuadas em sede de IRC, na parte em que indeferiu o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente;
- O reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento pela Requerida de juros indemnizatórios sobre o montante de imposto autoliquidado e pago e declarado ilegal pela Administração Tributária na decisão acima referida.
2. A Requerente sustenta o seu pedido alegando, no essencial, o seguinte:
- O artigo 43º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece o direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios quando se determine ter ocorrido “erro imputável aos serviços” de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao devido, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo preceito que se considera igualmente haver “erro imputável aos serviços” quando, tendo a liquidação sido efectuada com base em declaração do contribuinte, este tenha seguido no seu preenchimento as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas;
- Uma vez que onde cabe o menos cabe o mais, também haverá que considerar que existe “erro imputável aos serviços” quando o contribuinte tenha seguido, na autoliquidação, uma norma legal que veio a ser declarada inválida;
- Por outro lado, embora o preceito (artigo 43º, n.º 1 da LGT) se refira apenas aos casos de reclamação graciosa e impugnação judicial, como os meios de defesa nos quais o “erro imputável aos serviços” origina o direito a juros indemnizatórios, não pode deixar de se aplicar a mesma regra aos casos de pedido de revisão dos actos tributários, pois a regra principal consagrada no n.º 1 do artigo 43º é a de que são devidos juros indemnizatórios sempre que ocorra “erro imputável aos serviços”;
- A al. c) do n.º 3 do art.º 43ª não deve ser interpretada no sentido de excluir o pedido de revisão dos actos tributários da regra geral do n.º 1 do artigo 43º da LGT;
- Na decisão que proferiu sobre o pedido de revisão apresentado pela Requerente, a própria Requerida concluiu que a autoliquidação de acordo com uma norma inconstitucional preenchia o conceito de “erro imputável aos serviços”;
- Apesar disso, a administração tributária recusou reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT, fazendo um interpretação restrita deste preceito, contrária ao princípio constitucional do direito à indemnização por prejuízos causados pelas entidades públicas no âmbito da sua actividade, consagrado no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
3. Na sua resposta, a Requerida AT-Autoridade Tributária e Aduaneira deduz defesa por excepção, invocando a incompetência do tribunal em razão da matéria, argumentado, no essencial:
- Nos termos da al. a) do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira não está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais quanto às pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
- Embora se encontre consolidado na jurisprudência o entendimento de que, atenta a natureza administrativa do procedimento de revisão oficiosa, é possível a sua equiparação à reclamação graciosa para efeitos de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento, tal equiparação está legalmente vedada em sede de jurisdição arbitral;
- Além disso, não tendo a autoliquidação sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, sempre seria necessário, para que a autoliquidação fosse impugnável contenciosamente, que esta impugnação fosse precedida de reclamação graciosa, conforme o disposto no artigo 131º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
- O Tribunal Arbitral seria ainda, no entender da Requerida, incompetente em razão da matéria para apreciação de questões relacionadas com o pedido de juros indemnizatórios, por tal pedido não estar previsto no artigo 2º do RJAT;
4. Subsidiariamente, por impugnação, a Requerida sustenta que não são, no caso, devidos juros indemnizatórios, por a Requerente não ter deduzido reclamação graciosa, como é exigido pelo n.º 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
5. Tendo sido, por proposta e com o acordo das partes, dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º, n.º 1 do RJAT, foram apresentadas por ambas as partes alegações escritas.
6. Nas alegações, a Requerente sustentou a improcedência das excepções dilatórias suscitadas e a Requerida reiterou os fundamentos das mesmas.
III – QUESTÕES A DECIDIR
7. São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:
- A competência material do Tribunal para apreciar o pedido de anulação parcial da decisão recaída sobre um pedido de revisão oficiosa de acto tributário, na parte em que tal decisão indefere a pretensão da Requerente sobre juros indemnizatórios;
- A concluir-se pela competência material do Tribunal, o direito da Requerente a receber juros indemnizatórios na sequência da anulação de um acto de liquidação com base em inconstitucionalidade da norma aplicada.
IV – FACTOS PROVADOS CONSIDERADOS RELEVANTES PARA A DECISÃO
8. São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:
- Em 2009, a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC respeitante ao ano de 2008, autoliquidação na qual foram incluídas tributações autónomas relacionadas com as despesas com viaturas e de representação, tal como previsto no (então) artigo 81º do Código do IRC, no montante de 216 016,73 euros;
- Tal montante resultou da aplicação, às despesas realizadas ao longo de todo o ano de 2008, das taxas de tributação autónoma fixadas com a nova redacção dada ao n.º 3 do art.º 81º do CIRC pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, a qual entrou em vigor apenas em 06-12-2012;
- Em 14-02-2013, a Requerente apresentou um pedido de revisão da autoliquidação de IRC do ano de 2008, com base na inconstitucionalidade da aplicação das referidas taxas às despesas realizadas ao longo do ano de 2008;
- Sobre este pedido de revisão recaiu decisão de indeferimento parcial, em 19-07-2013, tendo a Administração Tributária reconhecido a inconstitucionalidade invocada e, consequentemente, a ilegalidade da autoliquidação e o direito da Requerente ao reembolso do imposto pago, mas não o direito da mesma a juros indemnizatórios sobre o montante do imposto indevidamente pago.
V. FUNDAMENTAÇÃO
A - Quanto à excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude de a pretensão da Requerente não se encontrar incluída no âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários.
9. A competência dos tribunais arbitrais tributários é delimitada, em primeiro lugar, pelo artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, cujo n.º 1 dispõe:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
10. A lei de autorização legislativa ao abrigo da qual se aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária dispunha, no seu artigo 124º, n.º 4, al. a), que o objecto do processo arbitral tributário poderia incluir “os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária” (sublinhado nosso).
11. Do confronto entre os dois preceitos, infere-se que o legislador restringiu o âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais tributários, por comparação com o que se havia estabelecido na lei de autorização legislativa, retirando dele as pretensões conducentes à declaração ou reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária.
12. Assim, há que concluir que os tribunais arbitrais tributários não são competentes para conhecer de pedidos que tenham por objecto imediato o reconhecimento de um direito do sujeito passivo.
13. É certo que os tribunais arbitrais tributários podem apreciar questões atinentes ao direito a juros, como tem acontecido com frequência na arbitragem tributária, quando tais questões estão em conexão com um pedido de declaração de ilegalidade de algum dos actos nomeados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT, o que se justifica por, sem essa competência, a jurisdição dos tribunais arbitrais tributários ficar amputada na sua eficácia.
14. Mas a lei é suficientemente clara quanto à exclusão da competência dos tribunais arbitrais dos pedidos que visem directamente a declaração de um direito tributário. Neste sentido, pode citar-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in N. Villa-Lobos e M. Brito Vieira (cor.), Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Coimbra, 2013, p. 105, segundo o qual “mesmo relativamente à impugnação de actos praticados no âmbito de procedimentos tributários, a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à actividade conexionada com actos de liquidação de tributos, ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de actos administrativos (…) bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação (…) ”.
15. Verifica-se, assim, a procedência da excepção de incompetência absoluta deste Tribunal arbitral em razão da matéria, a qual determina, como excepção dilatória que é, a absolvição da Requerida da instância, em conformidade com o disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
16. Em virtude da procedência desta excepção, fica prejudicado o conhecimento das demais excepções suscitadas e precludida a apreciação do mérito da causa.
DECISÃO
Em face do exposto, julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal arbitral, em razão da matéria e, em consequência, decide-se rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em: 18 327,69 euros.
Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1224.00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 15 de Setembro de 2014.
O Tribunal arbitral
(Nina Aguiar)
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Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.
A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.