Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 840/2019-T
Data da decisão: 2020-07-27  IVA  
Valor do pedido: € 3.808,36
Tema: IVA – Liquidação de juros por retardamento da autoliquidação do imposto por facto não imputável ao sujeito passivo.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de Fevereiro de 2020, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        Fundo Aberto de Investimento Imobiliário A..., com o nº de identificação fiscal ..., com sede na Avenida ..., ...-... ..., representado pela respectiva sociedade gestora, a B...– Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., com o nº de identificação fiscal..., e com sede na mesma morada, (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 9 de Dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        O Requerente peticiona no pedido arbitral que o Tribunal se pronuncie “(…) sobre a legalidade dos actos tributários de demonstração de acerto de contas e de liquidação de juros de Imposto sobre o Valor Acrescentado (…) identificados (…) com vista à anulação dos mesmos, no montante total de € 3.808,36 (…)”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 9 de Dezembro de 2019 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.        Em 27 de Janeiro de 2020, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Em 26 de Fevereiro de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.        A Requerida apresentou, em 3 de Abril de 2020, a sua Resposta, na qual se defendeu por excepção e por impugnação, concluindo que deve “(…) ser julgada procedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral e a Requerida absolvida da instância, ou caso assim não se entenda (…) deve o presente pedido arbitral ser considerado totalmente improcedente por não provado e a Requerida absolvida de todos os pedidos”.

 

1.9.        Por despacho arbitral de 6 de Abril de 2020 foi decidido, pelo Tribunal Arbitral, em consonância com os “(…) princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (…), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis (…) 1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT; 2. Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho; 3. Determinar que o Requerente se pronuncie, no prazo de 10 dias concedido para alegações, e caso assim o entenda, sobre o teor da matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta; 4. Determinar que a Decisão Arbitral seja proferida até ao termo do prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT”.

 

1.10.      No mesmo despacho, o Tribunal Arbitral advertiu ainda o Requerente que, até dez dias antes do termo do prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.11.      Em 6 de Julho de 2020, o Tribunal Arbitral mandou notificar a Requerida para anexar, no prazo de cinco dias, o processo administrativo.

 

1.12.      Na mesma data, a Requerida anexou cópia do processo administrativo.

 

1.13.      Tendo em consideração o previsto na Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, que introduziu alterações à Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, quanto ao regime de suspensão de prazos e realização de diligências em processos arbitrais, o Requerente não se pronunciou sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida na Resposta e nenhuma das Partes apresentou alegações.

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        Começa o Requerente por referir que “é um fundo de investimento imobiliário aberto com duração indeterminada, que iniciou a sua actividade em 3 de Novembro de 1991” sendo que, “no âmbito da sua actividade corrente, o Fundo realiza, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito (…)”.

 

2.2.        Acrescenta o Requerente que “no que respeita à situação cadastral do Fundo, (…), em 27 de Outubro de 2005, (…) entregou, junto da AT, uma Declaração de Início de Actividade, no âmbito da qual declarou pretender registar-se como sujeito passivo misto para efeitos de IVA (…)”.

 

2.3.        Contudo, “pese embora este registo de início de actividade tenha sido validado pela Direcção de Registo de Cadastro, inexplicavelmente, a AT enquadrou o Fundo no regime de isenção previsto no artigo 9.2 do Código do IVA, através do preenchimento do Campo 5 do Quadro 10 da declaração - i.e., Transmissões de bens e ou prestações de serviços isentos que não conferem o direito a dedução (…)”.

 

2.4.        A referida “(…) incongruência de registo - imputável à AT - foi em 2017, oficiosamente rectificada, através de um Boletim de Alteração Oficiosa, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2013” sendo que, “a partir dessa data, o Fundo passou a estar enquadrado como um sujeito passivo misto, abrangido pelo regime normal trimestral do IVA”.

 

2.5.        Refere o Requerente que, “no âmbito da acção inspectiva realizada com referência ao primeiro trimestre de 2016, a AT instigou o Fundo à correcção da sua situação tributária, designadamente a proceder à substituição da Declaração Periódica de IVA relativa ao primeiro trimestre de 2016, desta feita com a autoliquidação do IVA nos serviços de construção civil adquiridos pelo Fundo no trimestre em apreço (…)”.

 

2.6.        Neste sentido, refere o Requerente que “(…) procedeu à entrega da Declaração Periódica de IVA de substituição, com referência ao primeiro trimestre do ano 2016 tendo sido, a posteriori, notificado do acto tributário de demonstração de liquidação de juros de IVA e correspondente acto tributário de demonstração de acerto de contas ora controvertido, no montante global de € 3.808,36 (…)”.

 

2.7.        Assim, segundo alega o Requerente, “pese embora o Fundo tenha procedido ao pagamento integral e atempado daqueles actos tributários (…), não concorda com a emissão dos mesmos (…)”, razão pela qual apresentou o pedido de pronúncia arbitral.

 

2.8.        Com efeito, segundo o Requerente, “a situação cadastral do Fundo, verificada até ao ano 2017 (…) não se deveu, em nenhum momento, a um acto cuja responsabilidade se possa imputar na sua esfera, mas tão somente à AT” porquanto “apenas em virtude da Ordem de Serviços emitida para uma acção inspectiva (…) é que a AT se apercebeu do grave equívoco cometido tendo entendido que caberia ao Fundo a iniciativa de alteração de quaisquer dos elementos constantes da declaração relativa ao início de actividade (…), com a entrega de uma declaração de alterações, no prazo de 15 dias a contar das alterações”.

 

2.9.        Contudo, para o Requerente, “(…) aquele entendimento jamais poderá ser aceite” porquanto “(…) foram ab initio comunicados à AT (…) todos os elementos e factos necessários para que o enquadramento em IVA do Fundo traduzisse efectivamente a actividade por si desenvolvida – o qual estranhamente, não aconteceu”.

 

2.10.      Neste âmbito, segundo entende o Requerente, “(…) não se poderá atribuir essa responsabilidade ao sujeito passivo” porquanto não cometeu “(…) qualquer irregularidade que lhe seja imputável”.

 

2.11.      Assim, refere o Requerente que não compreende “(…) como pode a AT desconsiderar a factologia (…) exposta e emitir as notas de liquidação de juros de IVA e de acerto de contas (…)” porquanto “a razão pela qual se observou ab initio uma incorrecção no registo cadastral do Fundo - e pela qual, em virtude desse equivoco, o mesmo não procedeu à autoliquidação do imposto nos serviços de construção civil - não poderá, em momento algum, deixar de ser tomada em consideração no âmbito do presente pedido arbitral”.

 

2.12.      Com efeito, para o Requerente, “se é certo que, em 2016, o Fundo, por erro imputável à AT, não (auto)liquidou o IVA incluído nas facturas dos serviços de construção civil em análise (…) não é menos verdade que não se afigura razoável, por parte da AT, onerar excessivamente o sujeito passivo por uma situação que foi a própria que desencadeou e que lhe é exclusivamente imputável”.

 

2.13.      Em consequência, entende o Requerente que, no caso, é “(…) inconcebível uma análise que não tenha em consideração o erro cuja responsabilidade se atribui tão-somente à AT (…)”, pelo que “(…) considera a Requerente que a manutenção no ordenamento jurídico dos actos tributários ora controvertidos gera uma situação manifestamente abusiva na esfera do Fundo, não podendo a mesma proceder na ordem jurídica, por violação dos princípios fundamentais da segurança jurídica e protecção da confiança, assim como, dos próprios princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé (…) constitucionalmente consagrados (…)”.

 

2.14.      Adicionalmente, refere o Requerente que “(…) no presente caso, não se pode afirmar que o erário público foi, em alguma situação, prejudicado por falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado” dado que “(…) o IVA foi sempre liquidado e pago, integral e atempadamente, pelos seus prestadores”.

 

2.15.      Assim, “(…) na situação em apreço, não estão reunidos todos os pressupostos para que a AT tenha direito a juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de imposto que tão somente a esta última entidade se deveu” porquanto “(…) o reconhecimento do direito a juros compensatórios implica a existência de um comportamento culposo do sujeito passivo facto que (…) não sucedeu”, concluindo o Requerente que “(…) devem os actos de liquidação em crise ser anulados (…)”.

 

Do reembolso e do direito a juros indemnizatórios

 

2.16.      Neste âmbito, entende o Requerente que “(…) uma vez que o pagamento integral e atempado das liquidações (…) foi efectuado, encontram-se preenchidos os requisitos para o reembolso do montante agora contestado e para o consequente pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o mesmo (…)”.

 

2.17.      Conclui assim o Requerente, peticionando que seja “(…) apreciada a legalidade dos actos tributários de demonstração de liquidação de juros de IVA e de acerto de contas, procedendo-se à anulação dos mesmos com fundamento nas ilegalidades (…) invocadas, e consequentemente, ser a AT condenada a reembolsar a Requerente pelo valor (…) indevidamente pago, de € 3.808,36, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, na Resposta apresentada, defendeu-se por excepção e por impugnação nos termos que a seguir se apresentam.

 

Defesa por exceção - da incompetência material do Tribunal Arbitral para julgar o pedido de juros compensatórios

 

3.2.        Neste âmbito, segundo entende a Requerida, “a Requerente não pretende a anulação da correção promovida no montante de € 29.784,20, mas apenas a anulação dos juros compensatórios e de mora, no montante de € 3.808,36”.

 

3.3.        Segundo entende a Requerida, o Tribunal Arbitral não tem competência para decidir em matéria de reconhecimento de direitos porquanto, “(…) considerando que com o presente pedido de pronúncia arbitral o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros compensatórios, é manifesto que a apreciação e reconhecimento de tal pedido não se inserem no âmbito das competências (…) elencadas” no artigo 2º do RJAT.

 

3.4.        Adicionalmente, cita ainda a Requerida as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos os processos nºs 426/2019-T e 38/2014-T, esta última no sentido de “(…) que o legislador restringiu o âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais tributários, por comparação com o que se havia estabelecido na lei de autorização legislativa, retirando dele as pretensões conducentes à declaração ou reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária. (…). Assim, há que concluir que os tribunais arbitrais tributários não são competentes para conhecer de pedidos que tenham por objecto imediato o reconhecimento de um direito do sujeito passivo. (…). É certo que os tribunais arbitrais tributários podem apreciar questões atinentes ao direito a juros, (…), quando tais questões estão em conexão com um pedido de declaração de ilegalidade de algum dos actos nomeados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT, o que se justifica por, sem essa competência, a jurisdição dos tribunais arbitrais tributários ficar amputada na sua eficácia. (…). Mas a lei é suficientemente clara quanto à exclusão da competência dos tribunais arbitrais dos pedidos que visem directamente a declaração de um direito tributário. (…).

 

3.5.        Assim, segundo entende a Requerida, “(…) que nunca seria através da acção de impugnação ou da presente acção arbitral que o Requerente poderia ver reconhecido o seu direito aos juros compensatórios, quando peticionados em singelo, por não serem aqueles os meios judiciais adequados para a sua pretensão” pelo que “à semelhança do que sucede no processo de impugnação, ocorre a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros compensatórios, (…), conducente à absolvição da instancia da Requerida (…)”.

 

Defesa por impugnação

 

3.6.        Neste âmbito, refere a Requerida que “relativamente à matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa a mesma encontra-se devidamente comprovada nos elementos que constituem o processo administrativo (…), a qual, por não ter sido contestada pelo Requerente, deve ser considerada assente em matéria de probatório”.

 

3.6.        Segundo alega a Requerida, “em causa nos presentes autos estão os juros compensatórios e de mora relativos às correções promovidas em sede de ação inspetiva (…), relacionadas com a não liquidação do imposto nas operações de aquisição de serviços de construção civil”, sendo que “o valor objeto do pedido encontra-se fixado em

€ 3.808,36, o montante da prestação tributária calculado e exigida pela nota de cobrança n.º 2019..., de 31 de julho de 2019, e compreende a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.805,84 e de juros de mora no valor de € 2,52”.

 

3.7.        Segundo alega a Requerida, citando o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), “no primeiro trimestre de 2016, o Fundo adquiriu serviços de construção civil suportados pelas faturas emitidas por vários fornecedores (…). Sendo o Fundo um sujeito passivo de IVA que pratica operações sujeitas e não isentas que conferem direito à dedução e operações sujeitas e isentas, que não conferem direito à dedução, quando adquire de serviços de construção civil (…), é considerado SP de imposto. Assim, o Fundo quando adquire serviços de construção civil tem de liquidar e entregar o IVA por se tratar de um sujeito passivo de IVA, NÃO ISENTO. No entanto, quando esses serviços se destinam à sua atividade isenta não tem direito à dedução do imposto (…). Conforme será explanado (…) encontram-se reunidas as condições para a aplicação das regras de inversão. (…). No caso de adquirentes sujeitos passivos mistos, isto é, os que pratiquem operações sujeitas e não isentas que conferem o direito à dedução e operações sujeitas mas isentas que não conferem esse direito e, independentemente do método utilizado para o exercício do direito à dedução (afetação real ou pro rata), há lugar à inversão do sujeito passivo (…). Em virtude de o Fundo ser um sujeito passivo misto, e estando em causa serviços de construção civil, o prestador não devia ter liquidado o IVA e as faturas deviam conter a expressão IVA-autoliquidação (…). Ou seja, os fornecedores não aplicaram corretamente a regra de inversão em causa, ao proceder à liquidação do IVA nas faturas que emitiram ao Fundo. As faturas emitidas no primeiro trimestre de 2016, analisadas pela AT, que correspondem à aquisição de serviços de construção civil para os imóveis pertencentes ao Fundo, resultam na correção do imposto. Com base nos dados (…) o montante de IVA em falta, cabendo ao Fundo a liquidação e entrega do IVA (…) ascendia a €29.784,20. Atentas as correções anteriormente expostas e conforme demonstrado, tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que, (…) se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa (…) ao montante de imposto em falta”.

 

3.8.        Nestes termos, reitera a Requerida que o Requerente “(…) não impugna o ato de liquidação de IVA, mas apenas os juros compensatórios e de mora”.

 

3.9.        Ora, tendo havido “(…) uma errada qualificação do regime jurídico em que a Requerente se enquadrava, isso não impede a Requerida de proceder à alteração oficiosa da situação fiscal quando disponha de elementos para o efeito” pelo que não alcança a Requerida “(…) a alegada violação (…) dos princípios por violação dos princípios fundamentais da segurança jurídica e proteção da confiança, assim como, dos próprios princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, previstos (…)”.

 

3.10.      Para a Requerida é “(…) por demais evidente que a interpretação que o Requerente faz da lei fiscal, é uma interpretação que, não só não tem qualquer correspondência com o texto da lei, como viola frontalmente o sentido e o e a letra da lei do regime do IVA” sendo que “ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade, a Administração Tributária tem de praticar os atos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto (…)”.

 

3.11.      Nestes termos, a Requerida “(…) impugna por infundado todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o supra exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros”, devendo por isso ser mantidos.

 

3.12.      Conclui a Requerida a sua Resposta no sentido de que deve ser julgada procedente a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e a Requerida absolvida da instância, ou caso assim não se entenda, deve o presente pedido arbitral ser considerado totalmente improcedente por não provado e a Requerida absolvida de todos os pedidos

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT (vide Capítulo 6. quanto à análise da matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua Resposta).

 

4.2.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado nos termos do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março e estão devidamente representadas.

 

4.4.        Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer (para além da acima identificada no ponto 4.1. e analisada no Capítulo 6.), nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        O Requerente é um fundo de investimento imobiliário aberto de subscrição particular, com duração indeterminada, tendo sido constituído e iniciado a sua actividade em

03-11-1991.

 

5.4.        No âmbito da sua actividade, o Requerente compra, vende e arrenda bens imobiliários, estando enquadrado com o código de actividade económica (CAE) principal 68100 – “Compra e venda de bens imobiliários” e com o CAE secundário 68200 – “Arrendamento de bens imobiliários”.

 

5.5.        No âmbito da sua actividade, o Requerente realiza, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução de IVA e operações que não conferem esse direito, (nomeadamente, a de exploração de centros comerciais, parques de estacionamento e gestão de imóveis, com e sem renúncia à isenção do IVA), pelo que a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços é determinada por afectação real integral.

 

5.6.        Para feitos de registo cadastral, o Requerente entregou, em 27-10-2005, uma Declaração de Início de Actividade, no âmbito da qual declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA.

 

5.7.        A Requerida, inicialmente, enquadrou o Requerente no regime de isenção de IVA e não como um sujeito passivo misto, conforme declarado pelo Requerente.

 

5.8.        O enquadramento referido no ponto anterior foi, em 2017, oficiosamente rectificado em 2017 através de um Boletim de Alteração Oficiosa, com efeitos reportados a 01-01-2013, tendo o Requerente, a partir desta data, passado a estar enquadrado, para efeitos de IVA, como um sujeito passivo misto, abrangido pelo regime normal trimestral.

 

5.9.        O Requerente passou a enquadrar-se no regime normal de periodicidade mensal a partir de 01-01-2018.

 

5.10.      Devido a divergências detectadas no E-fatura, foi aberta uma ordem de serviço (OI2016...), emitida para o período 201603T, com o código de actividade 122211403, de natureza externa, de âmbito parcial em sede de IVA.

 

5.11.      No âmbito da acção inspectiva identificada no ponto anterior, realizada com referência ao primeiro trimestre de 2016, a Requerida defendeu no Relatório de Inspeção (notificado ao Requerente através do Ofício nº..., 10-09-2019, da Direção de Finanças de Lisboa) o seguinte:

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

5.12.      Ainda no âmbito do referido RIT, é referido o seguinte:

 

5.13.      O Requerente foi, posteriormente, notificado do acto tributário de demonstração de liquidação de juros nº 2019..., de 30-07-2019, no montante total de

EUR 3.808,36, sendo EUR 3.805,84 (nº 2019...) relativos a juros compensatórios por retardamento da liquidação de parte ou da totalidade de imposto e EUR 2,52 (nº 2019...), relativos a juros moratórios por atraso ou insuficiência de pagamento.

 

5.14.      O Requerente efectuou o pagamento das referidas liquidações de juros dentro do prazo para pagamento voluntário (05-09-2019) mas, dado não concordar com as mesmas, apresentou este pedido arbitral em 9 de Dezembro de 2019, no sentido de peticionar a este Tribunal Arbitral que se pronunciasse sobre a legalidade subjacente aos referidos actos de liquidação de juros.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.15.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos.

 

Dos factos não provados

 

5.16.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.

 

6.2.        Nos autos, o Requerente peticiona no pedido arbitral que o Tribunal se pronuncie “(…) sobre a legalidade dos actos tributários de demonstração de acerto de contas e de liquidação de juros de Imposto sobre o Valor Acrescentado (…) identificados (…) com vista à anulação dos mesmos, no montante total de € 3.808,36 (…)”.

 

6.3.        Assim, o pedido formulado pelo Requerente é no sentido de ser “(…) apreciada a legalidade dos actos tributários de demonstração de liquidação de juros de IVA e de acerto de contas, procedendo-se à anulação dos mesmos com fundamento nas ilegalidades (…) invocadas, e consequentemente, ser a AT condenada a reembolsar a Requerente pelo valor (…) indevidamente pago, de € 3.808,36, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor”.

 

6.4.        Assim, cumpre analisar o pedido de pronúncia arbitral de modo a aferir a qual das Partes assiste razão, ou seja:

 

6.4.1.     Se ao Requerente quando, peticionando a procedência do pedido arbitral, defende que “(…) na situação em apreço, não estão reunidos todos os pressupostos para que a AT tenha direito a juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de imposto que tão somente a esta última entidade se deveu” porquanto “(…) o reconhecimento do direito a juros compensatórios implica a existência de um comportamento culposo do sujeito passivo facto que (…) não sucedeu”, ou,

6.4.2.     Se à Requerida quando defendendo a improcedência do pedido arbitral, alega que é “(…) por demais evidente que a interpretação que o Requerente faz da lei fiscal, é uma interpretação que, não só não tem qualquer correspondência com o texto da lei, como viola frontalmente o sentido e o e a letra da lei do regime do IVA” sendo que “ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade, a Administração Tributária tem de praticar os atos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto (…)”, pelo que “(…) impugna por infundado todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o supra exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros”.

 

6.5.        Contudo, dado que a Requerida veio, na Resposta, deduzir a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido, cumpre preliminarmente conhecer esta matéria.

 

Questão prévia – da alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

6.6.        Com efeito, a Requerida, na Resposta apresentada em 3 de Abril de 2020, veio não só peticionar a manutenção dos actos de liquidação de juros em crise bem como, preliminarmente, suscitar a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o pedido arbitral.

 

6.7.        Ora, dado que a eventual infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (e a falta de jurisdição do Tribunal Arbitral), a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, conforme se extrai do artigo 16º do CPPT e do artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por remissão do artigo 29º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT.

 

6.8.        Neste âmbito, segundo a Requerida, o Requerente “(…) não pretende a anulação da correção promovida no montante de € 29.784,20, mas apenas a anulação dos juros compensatórios e de mora, no montante de € 3.808,36”.

 

6.9.        Contudo, refere a Requerida que o Tribunal Arbitral não tem competência para decidir em matéria de reconhecimento de direitos porquanto, “(…) considerando que com o presente pedido de pronúncia arbitral o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros compensatórios, é manifesto que a apreciação e reconhecimento de tal pedido não se inserem no âmbito das competências (…) elencadas” no artigo 2º do RJAT, concluindo que “(…) que nunca seria através da acção de impugnação ou da presente acção arbitral que o Requerente poderia ver reconhecido o seu direito aos juros compensatórios, quando peticionados em singelo, por não serem aqueles os meios judiciais adequados para a sua pretensão”.

 

6.10.      Assim, alega a Requerida que, “à semelhança do que sucede no processo de impugnação, ocorre a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros compensatórios, (…), conducente à absolvição da instância da Requerida (…)”.

 

6.11.      O Requerente, notificado para apresentar defesa à matéria de excepção deduzida pela Requerida, nada veio contrapor.

 

6.12.      Nestes termos, cumpre analisar se deverá ou não proceder a excepção invocada pela Requerida.

 

6.13.      Neste âmbito, refira-se desde já que entende este Tribunal Arbitral que, neste âmbito, não assiste razão à Requerida porquanto até se contradiz nos argumentos que apresenta, em matéria da alegada excepção, na Resposta ao pedido arbitral do Requerente.

 

6.14.      Com efeito, se por um lado, refere a Requerida que o Requerente “(…) não pretende a anulação da correção promovida no montante de € 29.784,20, mas apenas a anulação dos juros compensatórios e de mora, no montante de € 3.808,36”, por outro vem a Requerida afirmar que “(…) com o presente pedido de pronúncia arbitral o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros compensatórios (…)”.

6.15. Nesta matéria, refira-se que, conforme apresentado no ponto 2.17. desta Decisão, o Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que seja “(…) apreciada a legalidade dos actos tributários de demonstração de liquidação de juros de IVA e de acerto de contas, procedendo-se à anulação dos mesmos com fundamento nas ilegalidades (…) invocadas, e consequentemente, ser a AT condenada a reembolsar a Requerente pelo valor (…) indevidamente pago, de € 3.808,36, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor”.

 

6.16.      Ora, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões”: “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).

 

6.17.      Neste âmbito e no que diz respeito à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, previsto na alínea a) do artigo 2º do RJAT, e que ao caso aproveita, haverá que “(…) fazer uma breve visita aos conceitos que aqui estão em causa a fim de bem delimitar os actos tributários que são arbitráveis”.

 

6.18.      Ora, para efeitos do ponto anterior, considera-se que “a liquidação é a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se então o valor devido pelo contribuinte, sendo o acto de liquidação o acto administrativo através do qual esta é concretizada pela Administração Tributária”

 

6.19.      Adicionalmente, “como prevê a alínea a), do nº 1, do artigo 54º da LGT, está compreendida no âmbito do procedimento tributário a liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária”, ideia reforçada com a delimitação prevista no artigo 2º da Portaria de Vinculação da Autoridade Tributária aos tribunais que funcionam no CAAD (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março), no qual se dispões que “os serviços e organismos referidos n artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (…)”.

 

6.20.      Assim, “o âmbito material da arbitragem [tributária] resume-se à análise de questões relativas a impostos que sejam administrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (…)”.

 

6.21.      Adicionalmente, em conformidade com o decidido na Decisão Arbitral proferido no âmbito do processo 253/2018-T, de 29 de Janeiro, de acordo com o disposto no nº 8 do artigo 35º da Lei Geral Tributária (LGT), “(…) os juros compensatórios (…) integram[se] na própria dívida do imposto com a qual são conjuntamente liquidados” sendo que, “de acordo com essa norma legal, a obrigação tributária desdobra-se, assim, em obrigação de capital e obrigação de juros”.

 

6.22.      Com efeito, “o facto de a liquidação dos juros compensatórios ser efetuada autonomamente, por o imposto já ter sido pago, não prejudica a natureza tributária intrínseca da obrigação de juros compensatórios, que sempre foi admitida pelos tribunais tributários”.

 

6.23.      E, como refere Jorge Lopes de Sousa, “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida (…)”. 

 

6.24.      Assim, dado que o pedido de pronúncia arbitral diz respeito ao pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios e de mora identificadas, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral ser de improceder a excepção invocada pela Requerida da alegada incompetência material deste Tribunal para se pronunciar quanto ao teor do referido pedido.

 

Do pedido arbitral

 

6.25.      No pedido, o Requerente impugna a legalidade da liquidação de juros compensatórios e de mora incidentes sobre o atraso na liquidação de IVA devido pela aquisição de serviços de construção civil no período 201603T, por entender que “(…) na situação em apreço, não estão reunidos todos os pressupostos para que a AT tenha direito a juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de imposto que tão somente a esta última entidade se deveu”.

 

6.26.      Ou seja, entende o Requerente que “(…) não cometeu qualquer irregularidade que lhe seja imputável”.

 

6.27.      Por seu lado, a Requerida reiterando os argumentos apresentados em sede de RIT, de que “(…) tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que (…) se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria nº 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta”, porquanto alega em sede de Resposta que “o atraso no cumprimento da obrigação fiscal é inteiramente imputável à Requerente e não deriva de qualquer erro na qualificação inicial do sujeito passivo”.

 

6.28.      Ora, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 35º, nº 1, da LGT, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária” sendo que, como referido no acórdão arbitral nº 405/2018, de 29 de Abril de 2019, cujo posição aqui se segue, “(…) os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente”.

 

6.29.      Com efeito, “tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência”.

 

6.30.      No caso em análise, deu-se como provado que o Requerente entregou junto da Autoridade Tributária uma declaração de início de actividade nos termos da qual declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, tendo em consideração que realizava operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito.

 

6.31.      Contudo, e também como foi dado como provado, o Requerente foi enquadrado, para efeitos de IVA, pela Requerida, no regime de isenção previsto no artigo 9º do Código do IVA sendo que a alteração deste incorrecto enquadramento fiscal, para efeitos de IVA, foi efectuada por iniciativa oficiosa, em 2017, pela Requerida, na sequência de um procedimento inspectivo, tendo os efeitos dessa alteração sido reportados a 01-01-2013, data em que o Requerente passou a estar enquadrado como sujeito passivo misto.

 

6.32.      Em consequência do referido procedimento inspectivo, a Requerida veio a considerar que cabia ao Requerente o dever de entregar uma declaração de alterações, nos termos do disposto no artigo 32º do Código do IVA mas, dado que uma declaração de alterações apenas tem lugar quando se verifiquem alterações em relação a qualquer dos elementos contantes da declaração de início de actividade (o que no caso não aconteceu, porquanto o Requerente aquando daquele registo declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto, para efeitos de IVA, por ser esse o enquadramento correspondente ao exercício da sua actividade), entendeu o Requerente que não lhe poderia ser exigível que procedesse à alteração para o regime normal se esse era o regime que já constava da declaração de início de actividade.

 

6.33.      Não obstante, no decurso do procedimento inspectivo realizado no Requerente, identificado e dado como provado nos pontos 5.10 a 5.12., supra, o Requerente regularizou as irregularidades em sede de IVA identificadas pela Requerida no RIT, tendo entregue uma declaração periódica de substituição relativa ao período 201603T, em

26-07-2019.

 

6.34.      Neste contexto, e face ao disposto no artigo 35º da LGT (acima referido no ponto 6.28.), pode ou não se considerar que o retardamento da liquidação do IVA na aquisição dos serviços de construção civil no período 201603T que deu origem às liquidações de juros compensatórios e de mora objecto do pedido arbitral decorre de um facto imputável ao Requerente?

 

6.35.      Neste âmbito, e seguindo a posição assumida no Acórdão Arbitral nº 405/2018, de 29 de Abril de 2019, entende este Tribunal Arbitral que embora a Requerida nada refira no RIT quanto ao incorrecto enquadramento dado ao Requerente, em sede de IVA, como sujeito passivo isento (por facto imputável à própria Requerida), tendo este incorrecto enquadramento do Requerente como sujeito passivo isento sido sanado, em 2017, com efeitos a 01-01-2013 (por iniciativa oficiosa da Requerida), passando o Requerente a estar enquadrado como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, a correcção do imposto que deu origem às liquidações de juros objecto do pedido arbitral tiveram origem na surgirão naquela alteração oficiosa do enquadramento fiscal do Requerente.

 

6.36.      Assim, entende este Tribunal Arbitral que não pode atribuir-se o retardamento da liquidação do imposto devido a um comportamento culposo do sujeito passivo mas sim a facto imputável à Requerida dado que, como acima foi referido, foi esta que enquadrou incorrectamente o Requerente como sujeito passivo isento de IVA.

 

6.37.      Nestes termos, face ao acima exposto, deve concluir-se pela procedência do pedido arbitral, declarando-se ilegais as liquidações de juros objecto do pedido.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.38.      De acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.39.      Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, (…), a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.  

 

6.40.      Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.  

 

6.41.      No caso em análise, ao promover a liquidação de juros compensatórios e de mora por retardamento na entrega de IVA ao Estado, a Requerida não teve em consideração que na génese deste retardamento na entrega de imposto ao Estado está o incorrecto enquadramento que a Requerida efectuou do Requerente como sujeito passivo para efeitos de IVA.

 

6.42.      Assim sendo, quanto aos actos de liquidação de juros compensatórios e de mora em crise, considerando que ocorreu na sua génese, um erro imputável aos serviços, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de (…) processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.43.      Assim, tendo em consideração as conclusões acima apresentadas no ponto 6.37., entende este Tribunal Arbitral que são devidos juros indemnizatórios sobre o montante de juros compensatórios e de mora pagos pela Requerente (no montante total de EUR 3.808,36), cujas liquidações aqui se mandam anular.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.44.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.45.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa sendo que, o nº 2 daquele artigo, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.46.      Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para conhecer do pedido de pronúncia arbitral;

7.1.2.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, devendo ser anulados os actos de liquidação de juros impugnados, com o consequente reembolso das quantias indevidamente pagas acrescida de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

7.1.3.     Em consequência, condenar a Requerida, no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 3.808,36.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

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Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Julho de 2020

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira