Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 813/2019-T
Data da decisão: 2020-07-17  IMI  
Valor do pedido: € 7.043,46
Tema: AIMI – Preclusão do direito à tributação individual.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

A..., na qualidade de Cabeça de Casal da Herança de B... (doravante Requerente), com o NIF...,  veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ou RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de liquidação de Adicional de IMI n.º 2017... (adiante AIMI) devidamente identificado nos autos relativamente ao ano 2017, no valor total de €7.043,46 (sete mil e quarenta e três Euros e quarenta e seis cêntimos).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 3.12.2019.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 21.02.2020.

 

A AT apresentou resposta, a 3.04.2020, defendendo a excepção de falta de constituição de advogado, a ineptidão da petição inicial, a incompetência do Tribunal Arbitral e a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Por despacho de 15.04.2020, a Requerente foi convidada a constituir advogado, juntando procuração com ratificação do processado, tendo sido aceite o convite e enviada a Procuração nos termos requeridos.

 

Por despacho de 16.06.2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sendo fixado prazo para alegações sucessivas.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

 

Tendo em conta que a procedência das excepções invocadas obstam ao conhecimento do mérito, serão aquelas prioritariamente apreciadas.

 

II. Matéria de Facto

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente é Cabeça-de-Casal da Herança de B..., com o NIF...;

b)           A 30 de Junho de 2017, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de AIMI 2017..., no valor de €7.043,46;

c)            A 27 de Setembro de 2017, a Requerente pagou a liquidação de AIMI acima identificada;

d)           A 28 de Setembro de 2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de liquidação de AIMI;

e)           Na reclamação graciosa apresentada, a Requerente identificou os respectivos herdeiros, as suas quotas-partes e apresentou as declarações individuais de confirmação assinadas por cada herdeiro;

f)            A 8 de Outubro de 2019, a Requerida notificou a Requerente da decisão de arquivamento da reclamação graciosa apresentada;

g)            A 3 de Dezembro de 2019, foi apresentada petição arbitral da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

 

III. Matéria de Direito

 

A – EXCEPÇÕES

 

- Da Falta de Constituição de Advogado

 

Alega a AT na Resposta apresentada que, em face da petição arbitral da Requerente, não seria possível confirmar se o pedido teria sido subscrito por advogado.

 

Compulsados os autos verificou-se que o pedido arbitral havia sido subscrito e assinado pela Cabeça-de-Casal da Herança de B..., não tendo sido junto aos autos qualquer Procuração Forense.

Em face do alegado, por despacho de 15.04.2020, a Requerente foi convidada a juntar aos autos Procuração forense com ratificação do processado.

A 29 de Junho de 2020, a Requerente veio juntar procuração forense com ratificação do processado, alegando erro técnico do servidor do e-mail da Ordem dos Advogados, no envio da Procuração a 25 de Abril de 2020.

Ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção de uma pronúncia de mérito, foi aceite a Procuração, considerando-se o impedimento no cumprimento do prazo justificado com base no declarado pela Requerente.

Com vista à obtenção da pronúncia de mérito e atendendo à Procuração junta aos autos, considera-se improcedente a excepção de falta de constituição de advogado.

- Da Ineptidão da Petição Arbitral

 

A AT alega na sua Resposta que a Requerente não identifica quais os vícios que são imputados ao acto impugnado, limitando-se a fazer um pedido sem fundamentar a existência do seu direito ou factos de que emerge a sua pretensão jurídica.

 

Analisada a petição arbitral e os documentos juntos aos autos, constata-se que a Requerente identificou o pedido e a causa de pedir, retirando-se do pedido de restituição à herança do valor da liquidação de AIMI de 2017, no montante de €7.043,46, o pedido de anulação do acto tributário subjacente, com base na não consideração da herança como pessoa colectiva equiparada.

 

Deste modo, apesar da petição arbitral ter sido apresentada por remissão para a reclamação graciosa apresentada e não ser expressamente requerida a anulação do acto tributário identificado, é possível identificar e compreender o pedido e a causa de pedir, não havendo qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir, nem se cumulando causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

 

Assim, não se consideram verificadas as condições legais previstas no artigo 186.º do CPC para determinar a nulidade do processo, pelo que não se julga verificada a ineptidão da petição arbitral.

 

- Da Incompetência do Tribunal Arbitral

 

Defende, ainda, a AT na sua Resposta que do pedido da Requerente se retira a pretensão de obter a declaração ou reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária, sendo o Tribunal Arbitral incompetente para conhecer da referida matéria.

 

De acordo com o disposto nos artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e 101.º do Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

 

Em consequência, tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela AT, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se a competência do tribunal abrange, ou não, o acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de liquidação de AIMI de 2017 identificado.

 

Tem sido abordada em diversos processos arbitrais julgados no âmbito do CAAD, a questão da incompetência material dos tribunais arbitrais – Veja-se a este propósito os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 48/2012, de 06.07.2012, 73/2012, de 23.10.2012 e 76/2012, de 29.10.2012, cujas decisões acompanhamos.

 

Assim, antes de mais, importa atender ao disposto no n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, segundo o qual o Governo foi autorizado “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», devendo, segundo o seu n.º 2, “constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

 

Concretizando a referida autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º” fazendo “depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” (vide a fundamentação do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 76/2012 acima referido).

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).

 

Através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.

 

Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

 

Dispõe o artigo 2.º da Portaria de Vinculação:

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

Vejamos:

 

Da reclamação graciosa apresentada pela Requerente à AT, em sede administrativa e a este Tribunal, resulta o seguinte pedido:

 

“Requer a V.Ex.a, afastada a equiparação da herança a pessoa colectiva, seja considerada sem efeito ou anulada a tributação global da herança indivisa, e, em consequência a quota-parte de cada herdeiro sobre o valor dos prédios que integram a herança indivisa acresça à soma dos valores tributários dos prédios que constam da matriz na titularidade desse herdeiro para efeito de determinação do valor tributário.

Mais se requer seja restituído à herança o valor da liquidação de AIMI de 2017, no montante de €7.043,46, pago em 2017.09.27.”

 

Do pedido consta, portanto, subjacente o pedido de anulação do acto tributário subjacente ao pedido de restituição de AIMI de 2017, não estando para tal em causa o reconhecimento de qualquer benefício fiscal, mas a aplicação da Lei aos factos concretos.

 

Como ensina Jorge Lopes de Sousa, Em Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Editora Almedina, 2013, pp. pág. 105, quanto ao âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários “a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos.

 

Ora, o pedido principal deduzido pela Requerente respeita à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao acto de liquidação de AIMI devidamente identificado, sendo o seu fundamento a falta de equiparação da herança indivisa a pessoa colectiva. A causa de pedir não está associada à declaração ou reconhecimento de nenhum benefício fiscal, mas sim à possibilidade legal de afastar a aplicação de um regime legal em prol de outro. Em consequência, conclui-se pela improcedência da excepção suscitada pela AT, relativa à incompetência absoluta deste tribunal arbitral em razão da matéria.

 

- Da caducidade do Direito de Acção

 

A AT alega na sua Resposta que existe caducidade do direito de acção, pois, o acto de liquidação impugnado data de 30.09.2017 e a petição arbitral foi apresentada a 2.12.2019.

 

Não obstante, no artigo 2.º da sua Resposta, a AT assume que o pedido arbitral “tem por objecto o despacho de 8.10.2019 do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ... que convolou o anterior despacho de indeferimento da reclamação graciosa datado de 2019.03.06, em ARQUIVAMENTO, a título definitivo, porquanto a cabeça de casal e os herdeiros não utilizaram no prazo previsto, o meio próprio disponibilizado para o efeito.”

 

Tendo em conta que a AT não juntou aos autos, como lhe competia o PAT, e que é a própria que assume que a petição arbitral foi apresentada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa de 6.03.2019, existe incongruência na defesa apresentada.

 

Assim, considerando o já exposto quanto ao pedido da Requerente, entende-se que a petição arbitral foi apresentada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa de 6.03.2019, conforme alegado pela AT em 2.º da Resposta apresentada, pelo que tendo a petição arbitral sido apresentada em  3.12.2019, não verifica, em face do disposto no artigo 10.º, n.º 1 a) do RJAT, a caducidade do direito de acção da Requerente.

 

Improcedem, assim, todas as excepções invocadas pela AT.

 

B – DO MÉRITO

 

- Fins do AIMI

 

A Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro introduziu no Código do IMI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (“AIMI”), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2017.

 

Com a criação do AIMI pretendeu-se corrigir as deficiências de que sofria o Imposto do Selo sobre Prédios Urbanos de Elevado Valor Acrescentado (ISPUEVP), que veio substituir, e tributar de forma agravada os sujeitos passivos com prédios de valor superior a 1 milhão de Euros.

 

Os fundamentos do AIMI são de natureza financeira, uma vez que se visa o aumento de receitas fiscais,  mas também de natureza axiológica, na medida em que se pretende exigir um maior esforço fiscal aos cidadãos que revelem índices de riqueza mais elevados.

 

- Incidência Subjectiva

 

Estabeleceu-se nos n.os 1 e 3 do artigo 135.º-A do Código do IMI que são sujeitos passivos do AIMI “as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português” a 1 de Janeiro do ano a que o Adicional respeita.

 

Mais se clarifica no n.º 2 da supra referida disposição normativa que “são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal”.

 

Em suma: atendendo ao recorte do AIMI relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo imposto, conclui-se que o Legislador elegeu as pessoas singulares e colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados em território português, como sujeitos passivos de AIMI.

 

- Incidência Objectiva

 

Do ponto de vista da incidência objectiva, o artigo 135.º-B do Código do AIMI determina o seguinte:

 

“1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”

O n.º 2 do novo artigo 135.º-B do Código do IMI não constava da redacção inicial da Proposta do Orçamento do Estado para 2017, tendo sido alterado através da “Proposta de alteração à Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª - “Orçamento do Estado para 2017” de 18 de Novembro de 2016, aprovada em Plenário da Assembleia da República, segundo a Exposição de Motivos da proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS  em razão “do debate público desde a apresentação da proposta, assegurando a ausência de impacto na atividade económica, maior progressividade do imposto e o reforço da tributação dos patrimónios imobiliários detidos por entidades residentes em paraísos fiscais”, revelando-se, assim, a intenção expressa de o AIMI representar um efectivo imposto sobre a fortuna imobiliária / .

 

O artigo 6.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos”, estabelece:

“1- Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. 

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

 

Da análise da norma de incidência tributária e da norma de delimitação negativa de incidência acima descritas, resulta que estão sujeitos a AIMI os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

- Da Tributação em sede de AIMI

 

Nos termos do disposto no artigo 135.º-F do Código do IMI, a taxa a aplicar é de 0,4% para pessoas colectivas e de 0,7% para pessoas singulares e heranças indivisas, sendo que, nos casos em que o valor tributável seja superior a €1.000.000, é aplicável uma taxa de 1%, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular,

 

O adicional é liquidado anualmente, no mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de Janeiro de cada ano, devendo o mesmo ser pago até ao final do mês de Setembro, conforme decorre do disposto no artigo 135.º-G e artigo 135.º-H, ambos do Código do IMI.

 

Em face da resenha legal do AIMI constata-se que, apesar dos propósitos subjacentes à criação do AIMI revelarem uma preocupação de justiça, de igualdade vertical e de progressividade do sistema fiscal, o Legislador não distinguiu, para efeitos de incidência subjectiva do imposto, entre pessoas singulares e pessoas colectivas.

 

Também do ponto de vista da incidência objectiva do imposto, a tributação das pessoas colectivas não evidencia quaisquer objectivos de pessoalização e de progressividade, ao contrário do que se verifica relativamente à tributação das pessoas singulares.

 

Em consequência, considerando a unidade do sistema jurídico e não obstante a atipicidade do AIMI, entende-se que o AIMI incidente sobre os prédios detidos por pessoas colectivas assume-se como um imposto real, como o próprio IMI, enquanto que, relativamente às pessoas singulares, o AIMI apresenta-se como um imposto pessoal e progressivo.

 

- Subsunção do disposto no artigo 135.º-E do Código do IMI ao caso concreto

 

À luz do exposto, a questão que importa apreciar nos presentes autos, prende-se em saber  se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de liquidação de AIMI, já identificado, é ou não  ilegal, por força do disposto no artigo 135.º-E do Código do IMI, uma vez que a Requerente procedeu à identificação e declaração das quotas dos herdeiros da Herança Indivisa em 28.09.2017.

 

A este propósito dispõe o artigo 135.º-E do Código do IMI, sob a epígrafe Heranças Indivisas, o seguinte:

 

“1 - A equiparação da herança a pessoa coletiva nos termos do n.º 2 do artigo 135.º-A pode ser afastada se, cumulativamente:

a) A herança, através do cabeça de casal, apresentar uma declaração identificando todos os herdeiros e as suas quotas;

b) Após a apresentação da declaração referida na alínea anterior, todos os herdeiros na mesma identificados confirmarem as respetivas quotas, através de declaração apresentada por cada um deles.

2 - A declaração do cabeça de casal, referida na alínea a) do n.º 1, de modelo a aprovar por portaria e a efetuar exclusivamente no Portal das Finanças, deve ser apresentada de 1 a 31 de março.

3 - As declarações dos herdeiros, referidas na alínea b) do n.º 1, de modelo a aprovar por portaria e a efetuar exclusivamente no Portal das Finanças, devem ser apresentadas de 1 a 30 de abril.

4 - Sendo afastada a equiparação da herança indivisa a pessoa coletiva nos termos dos números anteriores, a quota-parte de cada herdeiro sobre o valor do prédio ou dos prédios que integram a herança indivisa acresce à soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios que constam da matriz na titularidade desse herdeiro, para efeito de determinação do valor tributável previsto no artigo 135.º-C.” (*) Artigo aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.

 

De acordo com o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Considerando os elementos literal, histórico, sistemático e teológico subjacentes à interpretação do artigo 135.º-E do código do IMI, entende-se que resulta literalmente da referida base legal que é afastada a equiparação da herança a pessoa colectiva para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 135.º-A do Código do IMI, verificadas as seguintes condições cumulativas: i) apresentação pela Herança de declaração identificando todos os herdeiros e as suas quotas; ii) confirmação pelos herdeiros das respectivas quotas, através de declaração.

 

As referidas declarações devem ser apresentadas, de acordo com o disposto no n.º 2 e 3 do artigo 135.º-E do Código do IMI de 1 a 31 de Março e de 1 a 30 de Abril.

 

Sendo apresentadas a declaração do cabeça-do-casal e as declarações dos herdeiros, prevê-se no n.º 4 do artigo 135.º-E, o afastamento da regra da equiparação da herança indivisa a pessoas colectivas para efeitos de incidência do AIMI.

 

Atendendo ao elemento histórico, importa atender que os artigos 135.º-E e A do Código do IMI foram introduzidas pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro no regime jurídico-fiscal português, tendo a sua vigência início no dia 1 de Janeiro de 2017.

 

Deste modo, constata-se que o regime jurídico-fiscal em vigor à data do acto tributário contestado, relativo ao ano 2017, constituía à data um regime novo, com regras, prazos e novos formulários para efeitos de apresentação das declarações constantes do artigo 135.º-E do Código do IMI.

 

De notar que as declarações referidas no artigo 135.º-E do Código do IMI, apenas foram aprovadas pela Portaria n.º 90/2017, de 1 de Março, tendo o prazo para a entrega daquelas sido adiado, em 2017, para o período entre 16 de Abril e 15 de Maio.

 

Ora, entrando o regime em vigor em 1 de Janeiro de 2017, verifica-se que a Requerente não apresentou as declarações acima identificadas no prazo legal adiado (Abril e Maio de 2017), mas apenas em Setembro de 2017.

 

Não obstante, e sendo certo que não pode o desconhecimento da Lei aproveitar a ninguém, também é certo que a interpretação da Lei atendendo aos seus elementos, incluindo, o elemento histórico, no caso associado à criação e entrada em vigor de um novo regime jurídico-fiscal, não podem deixar de ser ponderados, também a coberto do Estado de Direito Democrático.

 

Acresce à ponderação do elemento histórico, a ratio do regime de tributação subjacente ao AIMI que, conforme explicitado em B., é a de permitir às heranças indivisas através dos seus herdeiros afastarem a tributação autónoma da herança indivisa, imputando o valor patrimonial dos prédios que a integram à sua esfera jurídica em função das respectivas quotas hereditárias. Como entende José Maria Fernandes Pires, in o Adicional ao IMI e a tributação Pessoal do Património, pp. pag. 60: “No que respeita às heranças indivisas, a equiparação não produz qualquer consequência prática, dado que estas entidades são tributadas com o mesmo regime das pessoas singulares, como adiante se analisará. Aparentemente a equiparação resultará da preocupação do legislador pelo facto de estas entidades não terem personalidade jurídica, mas mesmo assim a equiparação era desnecessária, sendo mais adequada uma remissão para o artigo 81.º do código do IMI e para o n.º 5 o artigo 8.º que expressamente reconhecem as heranças indivisas como sujeito passivo do imposto.”

 

Atento o exposto, tem de se entender que o exercício do direito de opção de tributação, através da entrega das declarações previstas, fora do prazo legal previsto configura-se como uma falta da Requerente, que poderá ser sancionada como contra-ordenação tributária, mas não preclude o direito da Requerente de exercer a respectiva opção pela tributação separada a posteriori, tendo em conta os factos em concreto, isto é, a realidade demonstrada.

 

Aliás, o entendimento exposto é confirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores relativamente à opção pela tributação conjunta ou separada em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), a qual é digna de menção, a título de lugar paralelo, não obstante se tratar de um imposto diferente, atenta a similitude das questões de direito em causa.

Com efeito, veio a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) confirmar que “não decorrendo da lei a irreversibilidade da opção dos sujeitos passivos que vivam em união de facto pela declaração separada ou conjunta ou a impossibilidade de em declaração de substituição se alterar a opção inicialmente formulada, carece de fundamento legal a interpretação administrativa que considera ser irreversível a opção da composição do agregado familiar, designadamente nos casos de uniões de facto.

 

Conclui-se, assim, que não estando expressamente consagrado na lei a preclusão de um determinado direito por exercício intempestivo ou a irreversibilidade de uma opção do sujeito passivo, não pode a AT vir arguir essa preclusão ou irreversibilidade, por estar vinculada ao princípio da legalidade.” - Cfr. Decisão do CAAD n.º, 367/2018-T, de 25 de Janeiro de 2019).

 

Assim sendo, tendo a Requerente identificado todos os herdeiros, respectivas quotas e obtido a confirmação daqueles, não há qualquer fundamento para não afastar a equiparação da herança a pessoa colectiva, tributando-se de acordo com a realidade concreta individual de cada herdeiro. A falta de cumprimento do prazo de exercício do direito de opção, criado no próprio ano, em discussão, ele próprio adiado, no ano em questão, cujos modelos/declarações foram disponibilizados pouco antes do termo dos prazos criados, relativamente a um aditamento ao Código do IMI, que ali enxertou um novo imposto, não pode constituir fundamento para considerar intempestivo o exercício do direito à tributação separada pela Requerente e herdeiros.

 

Em face do exposto, considera-se a petição arbitral totalmente procedente.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)           Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do indeferimento da reclamação graciosa subjacente ao acto liquidação de AIMI identificado;

 

B)           Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é €7.043,46.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Julho de 2020

 

A Árbitro,

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.