Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 801/2019-T
Data da decisão: 2020-07-13  IRS  
Valor do pedido: € 7.727,00
Tema: IRS – Regime de comunicabilidade de perdas entre cônjuges.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 28 de Novembro de 2019, A..., titular do número de identificação fiscal..., e B..., titular do número de identificação fiscal ..., ambos com domicílio na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Estoril (doravante “Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

1.1. Pretendem os Requerentes a pronúncia deste Tribunal Arbitral sobre:

- A anulação da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS)” referente ao ano de 2018 identificada sob o n.º 2019 ..., no montante de € 7.727,57, com o consequente reembolso;

- A condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios.

1.2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT, em 29 de Novembro de 2019.

3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 20 de Janeiro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 19 de Fevereiro de 2020.

4. Os Requerentes sustentam, no essencial, o pedido de pronúncia arbitral na ilegalidade da liquidação em causa, por padecer de vício de violação de lei.

4.1. Entendem os Requerentes que, por força da opção pela tributação conjunta, devem poder englobar as mais-valias mobiliárias declaradas por um deles (o Requerente B...), às menos-valias declaradas pelo outro (o Requerente A...).

4.2. Com efeito, a tributação promovida pela AT individualizou os ganhos obtidos por um dos Requerentes, das perdas declaradas pelo outro, aplicando àquelas a taxa de 28%, de acordo com o regime legal que linearmente decorre do disposto no artigo 55.º, n.º 1, do Código do IRS.

4.3. Ora, os Requerentes, não obstante porem em causa a interpretação dada pela AT ao aludido preceito legal, suscitam, no essencial, a inconstitucionalidade desta norma.

5. No dia 17 de Março de 2020, a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, pugnando pela manutenção da liquidação em causa na ordem jurídica.

5.1. Segundo a AT, o apuramento dos rendimentos líquidos é sempre efectuado por titular de rendimento, não existindo comunicabilidade de rendimentos entre titulares, mesmo que se trate de rendimentos da mesma categoria.

5.2. Com efeito, não existe sequer comunicabilidade de rendimentos do mesmo sujeito passivo, entre diferentes categorias.

5.3. No caso das operações previstas nas alíneas b), c), e) e h) do artigo 10.º do Código do IRS, o reporte de prejuízos é efectuado por titular e categoria, exigindo, contudo, o englobamento dos rendimentos.

5.4. Ora, segundo a disciplina do artigo 55.º do Código do IRS, vigente à data dos factos, apenas é permitida a dedução de perdas relativamente a cada titular de rendimentos (sendo que, mesmo neste caso, desde que tenha sido feita a opção do englobamento, nos termos da alínea d) do referido artigo 55.º)

5.5. O apuramento é feito por titular e, no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e do mesmo titular.

5.6. Tal disciplina surgiu na sequência das alterações promovidas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que procedeu à Reforma do IRS e espelha a intenção do legislador, conforme decorre do anteprojecto que sustentou as soluções que vieram a integrar o mencionado artigo 55.º do Código do IRS.

5.7. Na mesma data, a AT remeteu a este Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

6. Por despacho de 19 de Março de 2020, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado como data limite para a prolação da decisão arbitral a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.

7. Por despacho de 14 de Abril de 2020, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de, tendo em conta a suspensão do prazo que corre a favor de ambas as Partes, desde 9 de Março de 2020, até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública, solicitar a confirmação que, não pretendendo alegar, as Partes o fizessem saber o mais brevemente possível.

8. Mais se determinou, tendo em conta a tramitação processual verificada, o período de férias judiciais decorrido na pendência do processo, o disposto no artigo 17.º-A do RJAT, bem como a pública situação de estado de emergência que vigorava no país, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, de forma cautelar, prorrogar por dois meses o prazo para a prolação da decisão arbitral.

9. No dia 12 de Junho de 2020, os Requerentes apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram a sua posição.

10. No dia 15 de Junho de 2020, a AT apresentou alegações escritas, nas quais manteve a sua posição.

 

II – SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1. DE FACTO

 

§1. Factos provados

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

a)            Os Requerentes encontram-se inscritos como residentes não habituais, em Portugal, desde o ano de 2015.

b)           Em 28 de Maio de 2019, os Requerentes apresentaram a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, na qual optaram expressamente por se sujeitar à tributação conjunta dos seus rendimentos (cfr. Quadro 5 da folha de rosto da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS).

c)            No ano de 2018, os Requerentes declararam os seguintes rendimentos, todos de fonte estrangeira:

 

d)           Os rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente B... têm origem nos Países Baixos e o tempo de permanência do Requerente nesta jurisdição foi inferior a 183 dias (cfr. Quadro 4A do Anexo J).

e)           Os rendimentos de capitais (juros e dividendos) têm origem na Bélgica, Alemanha, Hong Kong, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos da América (cfr. Quadro 8A do Anexo J).

f)            O saldo das mais e menos-valias associado à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários realizadas pelo Requerente A..., no montante de € -219.174,06, é composto por diversas alienações, incluindo uma menos-valia, no montante de € -41.740,50 (cfr. linha 955 do Quadro 9.2.A do Anexo J), a qual não terá concorrido para o apuramento do saldo global, uma vez que o respectivo emitente se encontra sedeado nas Bermudas, jurisdição com regime fiscal claramente mais favorável.

g)            O saldo total de mais-valias associado à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários realizadas pelo Requerente B..., no montante de € 27.571,10, é composto por diversas alienações, incluindo uma menos-valia, no montante de € -27,36 (cfr. linha 956 do Quadro 9.2.A do Anexo J), a qual não terá concorrido para o apuramento do saldo global, uma vez que o respectivo emitente se encontra sedeado nas Bermudas, jurisdição com regime fiscal claramente mais favorável.

h)           Os Requerentes optaram por não englobar os rendimentos/perdas:

a.            Rendimentos de capitais declarados por ambos os Requerentes no Quadro 8A de ambos os Anexos J, no montante total de € 241.744,44 (€ 2.938,63 + € 238.805,81), cfr. Quadros 8B de ambos os Anexos J;

b.            Saldo de menos e de mais-valias associados à alienação onerosa de partes de sociais e outros valores mobiliários realizados por cada um dos Requerentes, no montante líquido negativo de € -149.835,10 (€ -177.433,56 [saldo do Requerente A...] + € 27.598,46 [saldo do Requerente B...], cfr. Quadros 9.2.C de ambos os Anexos J;

i)             Os Requerentes realizaram individualmente uma mais-valia de € 344.000,00  , a qual proveio da alienação de um imóvel que ambos detinham e que se situa na Bélgica, cfr. Quadros 9.1.A do Anexo J;

j)             Os requerentes foram notificados da liquidação de IRS identificada sob o n.º 2019..., na qual se determinou um valor a pagar, no montante de € 7.727,57, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 31 de Agosto de 2019.

k)            O resultado apurado na referida liquidação de IRS decorreu da aplicação da taxa autónoma de 28% ao saldo de mais-valias apurado em relação à alienação de partes sociais ou valores mobiliários pelo Requerente B..., no montante de € 27.598,46 (€ 27.598,46 x 28% = € 7.727,57).

l)             Os Requerentes procederam ao pagamento voluntário da referida liquidação de IRS em 20 de Agosto de 2019.

m)          Em 28 de Novembro de 2019, os Requerentes apresentaram o presente pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

§2. Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam factos não provados.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III-2. DE DIREITO

 

Os Requerentes defendem a possibilidade legal de soma aritmética das mais-valias mobiliárias, declaradas por um deles (no montante de € 27.598,16) às perdas declaradas pelo outro (no montante de - 177.433,56), obtendo assim uma menos-valia “conjunta” no montante de € -149.835,10, obviamente não sujeita a tributação, em sede de IRS.

 

Sucede que a AT tributou, de forma individualizada, a mais-valia declarada pelo Requerente B..., aplicando-lhe uma taxa de 28%, nos termos do artigo 72., n.º 1, alínea c) do Código do IRS, desconsiderando a menos-valia obtida pelo Requerente A... .

 

Na verdade, e ao contrário do sustentado pelos Requerentes, o apuramento dos rendimentos líquidos é sempre efectuado por titular de rendimento, não existindo comunicabilidade de rendimentos entre titulares, mesmo que se trate de rendimentos da mesma categoria.

 

Mais,

 

Não existe sequer comunicabilidade de rendimentos do mesmo sujeito passivo, entre diferentes categorias (veja-se, por ex., o caso de um sujeito passivo com rendimentos das Categorias A e B, que não pode repercutir os prejuízos da Categoria B no imposto a pagar pelos rendimentos da Categoria A).

 

Sendo que, no caso das operações previstas nas alíneas b), c), e) e h) do artigo 10.º do Código do IRS, o reporte de prejuízos é efectuado por titular e categoria, exigindo, contudo, o englobamento dos rendimentos.

 

E tanto assim é que o artigo  55.º do Código do IRS, na redacção dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, apenas permite a dedução de perdas relativamente a cada titular de rendimentos (sendo que, mesmo neste caso, desde que tenha sido feita a opção do englobamento, nos termos da alínea d) do artigo 55.º do Código do IRS).

 

Com efeito, o artigo 55.º do Código do IRS, veio estipular o seguinte:

“1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

a) O resultado líquido negativo apurado na categoria B só pode ser reportado, de harmonia com a parte aplicável do artigo 52.º do Código do IRC, aos 12 anos seguintes àquele a que respeita;

b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;

c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do artigo 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita;

d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.”.

 

Ora, a referida disciplina legal, vigente à data dos factos, surgiu na sequência das alterações promovidas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que procedeu à Reforma do IRS.

 

Conforme referido no anteprojecto que sustentou as soluções que vieram a integrar o artigo 55.º do Código do IRS: “O Código de IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe também que de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo, não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta.” [sublinhado nosso].

 

E foi exactamente essa a disciplina legal que foi acolhida no artigo 55.º do Código do IRS. O apuramento é feito por titular de rendimento e, no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e do mesmo titular.

 

Aliás, os próprios Requerentes reconhecem ser essa a disciplina legal aplicável aos factos, porquanto, os próprios afirmam “(...) reconhecendo, por um lado, que o regime de dedução de perdas até então vigente permitia a comunicabilidade horizontal entre cônjuges, por outro, a comissão propôs nova redação para o n.º 1 do art. 55.º do CIRS, limitando tal possibilidade, redacção a qual foi, de facto, acolhida na íntegra na reforma do IRS”. 

 

Mas não assiste razão aos Requerentes.

 

A questão da incomunicabilidade das perdas entre sujeitos passivos que apresentam a declaração de rendimentos IRS conjunta, optanto pela tributação conjunta, tem hoje, também, um entendimento pacifico, na jurisprudência.

 

Conforme resulta da decisão arbitral proferida no Processo n.º 327/2017-T, de 11 de Janeiro de 2019, “(...) Como já se disse estamos em presença de um imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e não de um imposto sobre sociedades conjugais, daí resulta que o saldo a que alude: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”, respeita ao saldo apurado a cada sujeito passivo. Repare-se que no caso concreto os sujeitos passivos cumpriram toda a mecânica do IRS, preenchendo, o quadro 9 do anexo G, com os valores respeitantes a cada um , não tendo havido qualquer correcção técnica operada pela ATA, sendo a liquidação aqui posta em crise suportada por todos os elementos declarados pelos sujeitos passivos e respeitado o apuramento levado a efeito em cada categoria de rendimentos e a cada cônjuge.” [sublinhado nosso].

 

Também a decisão arbitral proferida no Processo n.º 268/2018-T, de 31 de Outubro de 2018, analisou esta problemática, concluindo que: “(...) Esta redação do artigo 55.º do Código do IRS, em vigor desde 1 de Janeiro de 2015, foi dada pela Lei no 82-E/2014, de 31 de Dezembro (Lei da Reforma do IRS), que teve, na sua génese, as propostas consagradas no “Anteprojecto da Reforma do IRS” (Julho de 2014) e no “Projecto de Reforma do IRS” (Setembro de 2014), depois da discussão pública a que aquele documento foi sujeito, em cujos relatórios se pode ler, respectivamente, nos pontos 4.3.4. e 5.3.4. (“Regime de comunicabilidade de perdas entre cônjuges” que “o Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe (...) de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”.

 

“(...) Quanto a este ponto, citam os Requerentes (para reforço da sua posição), o teor da Decisão Arbitral no 739/2016-T, de 30 de Novembro de 2017, nos termos da qual, por referência ao ponto da Reforma do IRS transcrito no no anterior, é entendido que o que “(...) o legislador pretendeu (...) foi alterar de certa forma o paradigma fiscal, sobretudo no que respeita ao regime regra da tributação das famílias, fazendo com que a tributação separada seja a regra (...), na tentativa de combater a discriminação negativa de que as pessoas casadas eram alvo, ao não terem essa (...) opção”, aí se defendendo que “nunca esteve subjacente a esta Reforma a penalização dos contribuintes casados, seja por efeitos da alteração de normas de incidência ou das normas de apuramento do imposto”.

 

“(...) Entendem os Requerentes que “a alteração do regime-regra para a tributação separada não teve (...) nem podia ter como consequência a penalização da instituição família” porquanto “o que se pretendeu alcançar foi a igualdade entre os contribuintes casados e os restantes, e nunca penalizar aqueles”.

 

“(...) Contudo, não segue este Tribunal Arbitral a posição defendida na já citada decisão arbitral de que “tendo os contribuintes optado por um regime de tributação agregada (...), nenhuma outra hipótese se coloca, que não seja a da tributação conjunta dos rendimentos apurados pelo casal e isso pressupõe a comunicação dos saldos, negativos e positivos, apurados num determinado ano por qualquer um ou por ambos os membros do agregado familiar”, pelos motivos que a seguir se apresentam.”

 

“(...) Com efeito, face à legislação à data aplicável, concorda-se com a posição defendida pela Requerida de que “(...) o apuramento é feito por titular e que no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e titular”, aliás de acordo com o que é referido, expressamente, no texto da própria lei.

 

“(...) Na verdade, no ano de 2014, houve intenção de proceder a alterações em sede de IRS, tendo esta intenção sido concretizada, desde logo com a publicação, a 19 de Março de 2014, do Despacho no 4168-A/2014, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao nomear “a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – 2014”, no qual se assumia como objetivos primordiais “(...) promover a simplificação do imposto, a mobilidade social e a proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade”.

 

“(...) De acordo com as notas introdutórias do próprio “Anteprojecto da Reforma”, o contexto da nomeação é extraordinariamente exigente tendo em atenção a necessidade de concretizar as propostas de alteração do regime do imposto num contexto único de “(...) consolidação orçamental, respeitando os objetivos com que Portugal se comprometeu com os seus parceiros internacionais, nomeadamente, através da redução estrutural da despesa pública e do reforço da nova estratégia de combate à fraude e evasão fiscais, com o correspondente alargamento das bases tributáveis”.

 

“(...) No referido despacho entendia-se ainda que “(...) a Comissão de Reforma deverá proceder a uma avaliação aprofundada do IRS (...) considerando neste exercício o trabalho realizado por grupos de trabalho anteriormente constituídos com o mesmo desiderato, e propondo as alterações legislativas consideradas necessárias, ainda que no âmbito de um calendário faseado:

a) Revisão e simplificação do IRS e demais regimes fiscais aplicáveis ao rendimento das pessoas singulares, de forma a simplificar o regime das respetivas obrigações declarativas e a facilitar o cumprimento das obrigações inerentes a este imposto, de acordo com as melhores práticas internacionais; b) Promoção da mobilidade social através, designadamente, da avaliação da tributação que incide sobre os rendimentos do trabalho, com o objetivo de reconhecer e valorizar o mérito e o esforço; c) Proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade, através da avaliação das bases gerais da tributação da família em sede de IRS e do reforço das políticas fiscais familiares, de forma a contribuir para a inversão do atual défice demográfico na sociedade portuguesa”.

 

“(...) Ainda nas notas introdutórias do próprio “Anteprojecto da Reforma” escreve-se que “dentro destes parâmetros, a Comissão produziu um trabalho de natureza eminentemente técnica, que se consubstancia num alargado conjunto de propostas de alterações legislativas e de recomendações” sendo que “(...) o trabalho da Comissão passou apenas por sugerir alterações de natureza técnica que possam servir como guião para o legislador decidir o que entender por conveniente” e, “com este desiderato, fica sugerida a introdução de novas normas, capazes de darem melhor resposta aos grandes problemas que o imposto hoje suscita, tornadas necessárias em razão da desatualização, por força do decurso do tempo, de soluções pensadas na década de oitenta do século passado. O objetivo foi o de produzir um trabalho em que resultem equilibrados a necessária estabilidade, o acompanhamento das novas realidades e a praticabilidade das soluções propostas”.

 

“(...) Assim, neste âmbito, a Comissão de Revisão do IRS propôs diversas alterações a este imposto, orientadas pelos objectivos apresentados, entre elas a enunciada (...) supra, no que diz respeito à “Comunicabilidade de perdas entre cônjuges”, no sentido de “(...) viabilizar um regime regra de tributação separada (...)” também proposto, sendo que para tal era necessário estabelecer que “(...) relativamente a cada sujeito passivo (...)” não se comunicassem “(...) perdas horizontalmente” e, em consequência, “o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”.

 

“(...) E, reitere-se, tendo sido esta a proposta da Comissão de Reforma, a mesma foi acolhida pelo Legislador, no texto da Lei da Reforma Fiscal, diploma que introduziu no Código do IRS as referidas propostas de alteração e de aditamento a este imposto.

 

“(...) Em face do acima exposto, entende este Tribunal Arbitral, que o acto de liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral não padece de qualquer vício de violação de lei, sendo por isso legal, face à legislação à data aplicável.” [sublinhado nosso].

 

Igualmente não tem sustentação válida a invocada violação do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, desde logo porque não existe qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento.

 

Senão vejamos,

 

Conforme referido na decisão arbitral proferida no Processo n.º 327/2017-T, de 11 de Janeiro de 2019, a propósito da aferição da violação do princípio da capacidade contributiva, a qual acompanhamos:

 

“Na verdade, a redação dada ao n.º 1 do artigo 55.º do CIRS, pela Lei 82-E/2014 de 31 de Dezembro, refere: “Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos.”...

 

Este normativo estabelece que o apuramento é feito por titular e, no caso de haver resultados líquidos negativos eles só serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e do mesmo titular.

 

A alínea d) do mesmo normativo prevê a possibilidade de reporte de prejuízos nos cinco anos seguintes: “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c),e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, poder ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”.

 

Mas também esse reporte é feito por titular e categoria e exige o englobamento dos rendimentos.

 

Como bem se sabe o IRS é um imposto sobre pessoas singulares e toda a mecânica do CIRS é o apuramento individual e por categoria sem comunicabilidade entre elas e quando o no 1 do artigo 43.º do CIRS se refere ao saldo é evidente que tem que ser entendido nesta perspetiva de apuramento individual e não da “sociedade conjugal”.

 

A opção pela tributação conjunta não lhe retira a caraterística de imposto sobre as pessoas singulares, trata-se de técnica legalmente prevista para apuramento do quociente familiar e apuramento de determinadas deduções à coleta, mas o rendimento líquido é sempre apurado por categoria e por titular.

 

A capacidade contributiva deriva do princípio da igualdade e consiste em saber, grosso modo, o que cada cidadão pode pagar sem violar o mínimo necessário à sua subsistência familiar, no caso em apreço, entende o tribunal que ATA procedeu de harmonia com o legalmente previsto, não se mostrando provada a violação do princípio da capacidade contributiva invocada pelos requerentes.”.

 

É certo que nos termos do artigo 43.º do Código do IRS, “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”.

 

No entanto, a tributação das mais-valias assim apuradas incide sobre a esfera de cada um dos titulares.

 

E o facto de os Requerentes terem apresentado declaração conjunta não colide, nem afasta a forma de tributação dos rendimentos das diversas categorias, a qual é feita por titular de rendimento.

 

Com efeito, a opção pela declaração conjunta é determinante para apuramento do quociente familiar e para o apuramento de algumas deduções à colecta. Contudo, o rendimento líquido é apurado por titular de rendimento, conforme o disposto no artigo 55.º do Código do IRS.

 

Assim, face ao exposto, o Tribunal Arbitral considera que a liquidação não sofre dos vícios apontados pelos Requerentes e, por isso, deverá ser mantida na ordem jurídica, pelo que, consequentemente não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica o acto tributário em apreço;

b) Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante de € 612,00.

 

V - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 7.727,57 (sete mil, setecentos e vinte sete euros e cinquenta e sete cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do  artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo dos Requerentes.

 

Notifique-se.

Lisboa, 13 de Julho de 2020

 

O Árbitro

 

(Hélder Faustino)

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.