DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr. Paulo Ferreira Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-03-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., pessoa coletiva de direito neerlandês com sede e direcção efectiva em ..., ... ..., Países Baixos, com o número de identificação fiscal português ..., integrada na área de competência territorial do Serviço de Finanças de Lisboa ... (adiante designada simplesmente como “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, apresentar pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente formula dos seguintes pedidos:
(i) Ser declarada ilegal e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa tendo por objeto os atos tributários de retenção na fonte de IRC, a título definitivo, no montante total de € 715.549,38;
(ii) Ser declarados ilegais e anulados os atos tributários de retenção na fonte de IRC, a título definitivo, no montante total de € 715.549,38;
(iii) Em consequência, ser determinada a restituição à Requerente do montante de IRC indevidamente retido na fonte e entregue; e
(iv) Ser determinado o pagamento pela Fazenda Pública à Requerente de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, sobre a prestação tributária indevidamente paga, por meio de retenção na fonte, a título de IRC, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-12-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-03-2020.
A AT apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 03-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade de direito holandês, com sede e direção efetiva nos Países Baixos, que tem por objeto social a detenção de participações sociais no capital de outras sociedades (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) Para efeitos do disposto no artigo 2.º do Código do IRC (“CIRC”), a Requerente é configurada como um sujeito passivo não residente em território nacional;
C) Nessa qualidade a Requerente detinha, entre 2003 e 2004, a totalidade do capital social da B..., SGPS, S.A., anteriormente designada C..., SGPS, S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede e direção efectiva em Portugal (adiante designada simplesmente como “C...”), participação social que adquiriu em Dezembro de 2002 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) Foi nesse contexto de relação societária que a Requerente celebrou com a C... contratos de mútuo ao abrigo dos quais receberia juros, como contrapartida da disponibilização originária dos fundos (Documentos n.ºs 5, 7 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
E) Aquando do vencimento dos juros a C..., enquanto substituta tributária da ora Requerente, procedeu à retenção na fonte de IRC à taxa de 10% sobre o respetivo montante bruto (documentos n.ºs 6, 8, 10, 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos), fazendo aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital (“CDT”);
F) Os montantes retidos na fonte no ano de 2014 e juros a eles respeitantes foram os seguintes:
G) As declarações de retenção têm os números de documento:
... no montante de € 268.878,37 (documento n. 6);
... no montante de € 268.085,21 (documento n.º 8);
... no montante de € 34.640,52 (documento n.º 10);
... no montante de € 2,30 (documento n.º 11);
... no montante de € 143.942,97 (documento n.º 12);
H) No exercício de 2004, a Requerente apurou um resultado fiscal negativo na ordem dos € 247.388,00 (Documento n.º 15, página 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) A Requerente apresentou, em 28 de Dezembro de 2006, reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte referidos, junto da Direção de Finanças de Lisboa (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) A reclamação graciosa, que teve o n.º ...2007..., foi indeferida por despacho de 31-10-2008, com os fundamentos da informação que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:
l -ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE
A..., BV, com sede e direcção efectiva em ..., ..., em Amesterdão, Holanda, com o número de identificação fiscal holandês ... e cc o número de identificação fiscal português ..., representada por D..., advogado de E..., vem ao abrigo do disposto no n.º 3 e n.º 4 do artigo 132.º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), reclamar dos actos de retenção na fonte, com os fundamentos constantes da sua petição a fls. 2 a 49 dos presentes autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, sendo resumidamente os seguintes:
a) Deduz a presente reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte, nos quais se afigura como substituída tributária, referentes a pagamentos de juros por empréstimos que concedeu à C..., SGPS, SA, com sede na ..., n.º..., ..., em Lisboa, com o n.º de identificação fiscal ..., no exercício de 2004.
b) A reclamante tem sede e direcção efectiva na Holanda.
c) A reclamante celebrou dois contratos de empréstimo com a C..., um no valor de € 50.000,00 e outro no valor de € 284.850.000,00.
d) No período que decorreu no exercício de 2004, estes dois empréstimos venceram juros a favor da reclamante num montante total de € 7.155.493,78, os quais foram sujeitos a uma retenção na fonte de 10%, num montante total de € 715.549,38.
e) A retenção na fonte à taxa de 10% foi efectuada nos termos do n.º 2 do artigo 11." da Convenção entre a República Portuguesa e os Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
f) As retenções na fonte no montante total de € 715.549,38, foram pagas do seguinte modo:
- € 268.878,37, em 20/01/2004, através da guia n.º...;
- € 268.085,21, em 20/04/2004, através da guia n.º...;
- € 34.642,82, em 02/07/2004, através das guias n.º ... e ...;
- € 143.942,97, em 20/07/2004, através da guia n.º...;
g) Ora, nos termos conjugados do disposto no n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do artigo do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), o substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada tem de reclamar graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária a fim de exercer o seu direito de impugnação judicial, contando que o faça no prazo de 2 anos a contar do termo do ano em que ocorreu o pagamento indevido e que a retenção não tenha a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, pelo que a presente reclamação é tempestiva.
h) De acordo com o disposto no artigo 88.º, n.º 1, alínea c) do CIRC, os juros estão sujeitos a tributação, mediante retenção na fonte, no caso de o beneficiário dos juros ser uma entidade não residente.
i) Nesta situação, a Directiva n.º 2003/49/CE, de 3 de Junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e Royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes procura assegurar a não diferenciação entre residentes e não residentes.
j) Da apreciação legal comparativa das situações entre residentes e não residentes, quanto à tributação dos juros recebidos, conclui-se existir um tratamento diferenciado em desfavor das entidades beneficiárias não residentes, originando uma discriminação juridicamente intolerável.
k) Ao estabelecer uma retenção na fonte a título definitivo para o pagamento de juros a não residentes, a legislação ordinária portuguesa incorre numa situação de clara inconstitucionalidade, já que impede que esses não residentes possam demonstrar a sua verdadeira situação contributiva.
l) O tratamento diferenciado dos não residentes, em face dos residentes, para a tributação dos juros, constitui uma discriminação incompatível com a Constituição da República Portuguesa, com o Tratado que institui a Comunidade Europeia e com a orientação jurisprudencial do Tribunal de Justiça das Comunidades.
m) Os residentes e os não residentes, a propósito do recebimento de juros, encontram-se em idêntica situação objectiva.
n) A natureza definitiva da retenção na fonte feita aos residentes, por oposição à natureza de imposto por conta dos residentes, conjugada com uma taxa de tributação normal mais elevada, conduz: a uma menor disponibilidade e liquidez do capital; a uma tributação do rendimento bruto, não atendendo aos custos inerentes à obtenção desse rendimento, em claro contraste com o regime aplicável aos residentes; a que no caso de inexistência de lucros, o imposto pago através da retenção na fonte não possa a vir a ser restituído.
o) A discriminação é agravada com a dispensa de retenção na fonte para os juros pagos a sociedades tributadas pela RETGS, SGPS e a entidades financeiras residentes em contraste com as não residentes.
p) Neste âmbito, a retenção na fonte a que foram sujeitos os juros pagos à Reclamante padece de ilegalidade, por violação de lei constitucional e da lei comunitária, na vertente da livre circulação de capitais.
q) Nestes termos, deverá a liquidação ser anulada e devolvido à Reclamante o montante de € 715.549,38, correspondente a IRC retido na fonte a título definitivo correspondente a juros de empréstimos concedidos a entidade residente em Portugal no exercício de 2004, acrescidos dos competentes juros compensatórios.
II - DESCRIÇÃO DOS FACTOS
1. A reclamante, através da empresa a quem efectuou os empréstimos e de quem recebeu juros, entregou e pagou as guias identificadas na alínea f) do Capítulo í da presente informação.
2. Da análise do sistema informático verifica-se que na Visão do Contribuinte a reclamante não tem representante nomeado. No entanto, apresentou com a reclamação procuração do advogado F..., da firma de advogados E..., para efeitos desta reclamação.
3. Em 20/05/2008, veio juntar uma nota informativa do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, dando conta da acção intentada contra Portugal pela Comissão Europeia, em 06 de Março de 2008.
4. A presente reclamação foi entregue em 28/12/2006.
III-ANÁLISE DO PEDIDO
Face aos factos descritos, cumpre-nos fazer a análise da matéria controvertida, pelo que nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 75º do CPPT referimos:
> O processo é próprio de acordo com o artigo 70.º do CPPT;
> A reclamante tem legitimidade para o acto, nos termos do artigo 9.º conjugado com o artigo 68.º, ambos do CPPT; e
> A reclamação é tempestiva nos termos do artigo 102.º do mesmo código.
5. Na análise efectuada à petição apresentada pelo sujeito passivo, a fls.1 a 20 e respectivos documentos anexos, e consulta aos elementos disponíveis, incluindo o sistema informático de que resultou a descrição dos factos efectuada no ponto II verificamos que é de indeferir a presente petição, com base no seguinte:
6. A reclamante vem solicitar o reembolso das retenções na fonte de IRC pagas, a título definitivo, referentes a recebimentos de juros por empréstimos a entidades consideradas residentes em território português.
7. Alega para o efeito, o facto de haver uma clara desigualdade no tratamento fiscal do mesmo tipo de rendimentos auferidos por entidades residentes e por entidades não residentes, violando os princípios constitucionais portugueses e violando também o tratado das comunidades quanto à livre circulação de capitais.
8. Ora, sobre este assunto cumpre-me informar o seguinte:
• A lei fiscal portuguesa, para os anos aqui postos em crise, contemplava a tributação de juros de entidades não residentes, mais favoravelmente, desde que houvesse convenção assinada entre Portugal e o país da sociedade não residente.
•Esta situação era extensiva a outros países além dos pertencentes à Comunidade Europeia desde que existisse a referida convenção.
• No entanto, em 3 de Junho 2003, foi publicada a Directiva 2003/49/CE que estabeleceu um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties entre sociedades associadas de Estados Membros diferentes.
• No preambulo dessa Directiva é referido que as transacções de juros e royalties entre sociedades de Estados-Membros diferentes não deveriam estar sujeitas a condições fiscais menos favoráveis que as que se aplicam às sociedades consideradas residentes.
• Assim, é proposta a abolição da tributação desses rendimentos.
• No entanto, este regime deve somente aplicar-se ao eventual montante de juros e royalties que teria sido acordado entre o pagador e o beneficiário efectivo na ausência de uma relação especial. Ora, no caso em apreciação, não é líquido a não existência de relações especiais entre quem paga e quem recebe os juros aqui postos em crise.
• A directiva estabelece para Portugal um período transitório de 8 anos, sendo que a taxa aplicável nos primeiros 4 anos não pode ser superior a 10% e nos 4 anos subsequentes não pode ser superior a 5%.
• Quanto à transposição para a ordem jurídica interna, esta tem que ser efectuada de modo a ser aplicada a partir de 1 de Janeiro de 2005.
• Estabelece a mesma directiva que os Estados Membros podem implementar disposições internas necessárias a evitar fraudes e abusos fiscais.
• Os outros Estados Membros foram também autorizados a manter a tributação na fonte dos juros e royalties, durante o período transitório a vigorar para Portugal, ficando as empresas com direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, calculado nos termos previstos no artigo 85.º do CIRC.
9. Assim, as orientações desta Directiva foram transpostas para a Lei nacional, através do Decreto-Lei 34/2005, de 17 de Fevereiro, com aplicação a 1 de Janeiro de 2005.
10. Assim, as retenções efectuadas pela reclamante encontram-se plasmadas na lei portuguesa e de acordo com a directiva 2003/49/CE, pelo que não é possível, em sede de reclamação, proceder em sentido contrário ao estipulado pela Lei Fiscal Nacional.
11. Convém referir ainda, que nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º da LGT a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação que estiverem em vigor no momento do facto tributário.
12. Deste modo, não merecem provimento as pretensões da reclamante.
IV - INFORMAÇÃO SUCINTA
Realizada a instrução do processo nos termos do artigo 73º do Código do Procedimento e do Processo Tributário e tendo sido elaborado o projecto de decisão a fls. 72 a 79 dos autos, no sentido de indeferimento do pedido, foi o mesmo dado conhecimento à reclamante, através do oficio n.º 070 952 de 19/09/2008 e mediante registo, conforme consta das fls. 80 e 81 dos autos, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, direito de participação na decisão que a reclamante não exerceu.
Assim, não foi trazido por parte da reclamante qualquer outro elemento novo ao processo, pelo facto de não ter exercido o direito de participação na decisão consignado na Lei, sendo em consequência, de manter o INDEFERIMENTO da reclamação, de acordo com os fundamentos descritos nesta informação, esclarecendo-se que não fica a reclamante inibida de utilizar as garantias previstas na lei.
V-CONCLUSÃO
Atentos os factos e analisada a matéria controvertida, sou de parecer que a presente reclamação graciosa referente ao IRC do exercício - retenções na fonte de 2004 deverá ser indeferida, por não assistir razão ao alegado pela reclamante.
K) A Requerente apresentou a 28 de Novembro de 2008 impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa, a que foi atribuído o n.º.../08...BELRS;
L) Até 27 de Novembro de 2019 o Tribunal Tributário de Lisboa não havia ainda proferido sentença no processo de impugnação judicial referido;
M) Em 31-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
Relativamente aos valores indicados como retidos na fonte no ano de 2014, deu-se como provado os que constam do quadro apresentado pela Requerente no ario 16. Do pedido de pronúncia arbitral, pois os documentos n.ºs 6, 8, 10, 11 e 12 demonstram que foram efectuados os pagamentos das retenções na fonte no ano de 2014, embora o referido no documento n.º 6 se reporte a juros respeitantes ao último trimestre de 2003.
Não se provou se foi ou não exercido o direito ao crédito de imposto por dupla
tributação internacional relativamente ao montante do IRC pago através de retenção na fonte.
Não se provou que a Requerente tenha submetido à apreciação da Administração Tributária quaisquer despesas em que tenha incorrido para obter os rendimentos de juros.
3. Matéria de direito
3.1. Questão que é objecto do processo
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.
Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.
Mas, quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. ( )
Os actos que indeferem impugnações administrativas podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).
Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal) ( ), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.
Nos casos em que a decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de retenções na fonte e autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois os actos de retenção na fonte não têm fundamentação originária emitida pela Administração Tributária, pelo que se está perante uma situação de revogação por substituição, em que a fundamentação do acto que subsiste na ordem jurídica após a decisão de indeferimento é a que consta desta, como está ínsito no artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( )
Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.
Por isso, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa (já que não houve decisão do recurso hierárquico) que há que apreciar a legalidade dos actos de retenção na fonte, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.
Neste caso, o motivo do indeferimento da reclamação graciosa foi, em suma, o entendimento de que «as retenções efectuadas pela reclamante encontram-se plasmadas na lei portuguesa e de acordo com a directiva 2003/491/CE, pelo que não é possível, em sede de reclamação, proceder em sentido contrário ao estipulado pela Lei Fiscal Nacional».
A Requerente defende, em suma, que as normas nacionais que prevêem a retenção na fonte de rendimentos de juros mútuos auferidos por sujeitos passivos de IRC não residentes, ao contrário do que sucede com os sujeitos passivos nacionais, cria uma situação de desvantagem para aqueles, por não lhes permitir deduzir quaisquer despesas necessárias para a obtenção de rendimentos nem afastar a tributação nos casos em que o titular dos rendimentos não apura lucro tributável.
No presente processo a Administração Tributária defende que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente pelo seguinte, em suma:
(i) Ausência de prova de que não foi exercido o direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional relativamente ao montante do IRC, de € 446.671 retido sobre os juros obtidos em Portugal pela Requerente, em 2004, de € 4.466.710,04;
(ii) A dedução integral do imposto pago em Portugal neutralizaria qualquer discriminação de tratamento fiscal dos juros aqui obtidos, como, aliás, era determinado no artigo 6.º, n.º 2 da Diretiva 2003/49/CE e a sua anulação e restituição originaria uma dupla dedução do mesmo imposto, no Estado da fonte e no Estado da residência;
(iii) No caso de ser demonstrado que não foi efetivamente exercido o crédito de imposto pelo montante do imposto retido na fonte em Portugal, a orientação emanada da jurisprudência do TJUE, no caso Brisal, vai no sentido de que sejam apresentadas à autoridade tributária os documentos que suportam as despesas suportadas para a obtenção dos rendimentos em ordem a que a base sobre a qual incidiu a taxa de retenção na fonte seja recalculada;
(iv) A Requerente não submeteu à apreciação da AT quaisquer despesas em que tenha incorrido para obter os rendimentos de juros.
3.2. Apreciação da questão
Nos anos de 2003 e 2004, em que ocorreram os pagamentos de juros relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte, vigoravam as seguintes redacções dos artigo 80.º, n.º 2, alínea c) e e 88.º do CIRC, induzidas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro:
Artigo 80.º
Taxas
(...)
2 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos:
(...)
c) Rendimentos dos títulos de dívida e outros rendimentos de aplicação de capitais, exceptuados os lucros colocados à disposição por entidades sujeitas a IRC e o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º, seja considerado como tal, em que a taxa é de 20%;
Artigo 88.º
Retenção na fonte
1 - O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à actividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, exceptuados os referidos no n.º 4 do mesmo artigo.
3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:
a) Quando, nos termos dos artigos 9.º e 10.º, ou nas situações previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais, se excluam da isenção de IRC todos ou parte dos rendimentos de capitais;
b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis. (redacção do Decreto-Lei n.º 80/2003, de 23 de Abril)
Porém, no caso em apreço, sendo a Requerente residente na Holanda era aplicável e Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999, aprovada por ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12 de Julho (CDT), em cujo artigo 11.º se estabelece o seguinte:
Artigo 11.º
Juros
1 - Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2 - No entanto, esses juros podem ser igualmente tributados no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo dos juros for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos juros.
A limitação a 10% da taxa de tributação dos juros pagos por uma sociedade domiciliada em Portugal a uma sociedade residente num outro Estado-Membro veio também a ser prevista na primeira parte do período transitório previsto no artigo 6.º da Directiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3 de Junho, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes, que veio a ser transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei n.º 34/2005, de 17 de Fevereiro.
Tanto os sujeitos passivos residentes como os não residentes eram tributados quanto a juros através de retenção na fonte, mas enquanto para os primeiros a retenção tinha a natureza de imposto por conta, para os não residentes a retenção na fonte tinha carácter definitivo, como decorre do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC.
A retenção na fonte relativamente a juros pagos a sujeitos passivos de IRC residentes em território nacional era feita à taxa de 15%, prevista no artigo 101.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, na redacção da Lei n.º 32-B/02, de 30 de Dezembro, aplicável por remissão do n.º 4 do artigo 88.º do CIRC.
Embora a taxa aplicável aos residentes em território nacional, de 15%, seja inferior à que foi aplicada à Requerente ao abrigo da CDT, de 10%, facto de o pagamento por conta ser dedutível no imposto que fosse determinado a final [artigo 83.º, n.º 2, alínea f), do CIRC] e o rendimento proveniente dos juros ser englobado para determinação do lucro tributável, da mesma forma que as despesas suportadas para os obter, podia reconduzir-se a um tratamento desfavorável para os não residentes, já que a estes não era permitido pelo Direito Nacional deduzir ao valor dos juros as eventuais despesas com eles conexionadas.
A isto acresce que, nos casos em que na determinação do imposto devido a final não vem a ser apurado lucro tributável, a retenção a título de pagamento por conta poderia vir a traduzir-se em não tributação, o que não sucedia com os não residentes que apurassem prejuízos, como sucedeu com a Requerente no caso em apreço.
As diferenças de tributação de residentes e não residentes foi apreciada no acórdão Brisal, proferido pelo TJUE em 13-07-2016, no processo C-18/15, em que se entendeu, em sumário, o seguinte:
O artigo 49.° CE não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração das instituições financeiras não residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes desse Estado-Membro não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo prosseguido.
O artigo 49.° CE opõe-se a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.
Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, com base no seu direito nacional, quais as despesas profissionais que podem ser diretamente relacionadas com a atividade financeira em questão.
Resulta do segundo parágrafo transcrito que é incompatível com o Direito da União a inviabilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a obtenção dos juros, que se traduz, para os não residentes, na tributação do rendimento bruto, enquanto para o residentes em território nacional é reconhecida a possibilidade de serem tributadas com base nesse rendimento abatido das despesas necessários para o obter (rendimento líquido).
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, nesta situação, justifica-se a adopção da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo emitida em aplicação do referido acórdão Brisal, designadamente no acórdão de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0298/13:
Posto isto, e visto que a norma contida no art.º 80º, nº 2, al. c), do CIRC foi considerada incompatível com o Direito Europeu, por violação do art.º 49º do TCE, a sua aplicação fica necessariamente afastada, já que as normas comunitárias prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, sendo a consequência jurídica deste primado do Direito Comunitário a não aplicação das disposições internas contrárias à disposição comunitária.
Com efeito, tal como o TJUE tem salientado, designadamente no P. nº 106/77-“Simmenthal”, a sanção do primado do Direito Comunitário é a inaplicabilidade da norma estadual em questão, pois «todo o juiz nacional, demandado no quadro da sua competência, tem a obrigação de aplicar integralmente o Direito Comunitário e de proteger os direitos que este confere aos particulares, deixando inaplicável toda a disposição eventualmente contrária da lei nacional, seja anterior ou posterior à regra comunitária. (...) e impedir a formação válida de novos atos legislativos nacionais» na medida da sua incompatibilidade com o direito comunitário.
Em conclusão, a circunstância de a norma aplicada [art.º 80º, nº 2, al. c) do CIRC] não permitir deduzir as aludidas despesas, constitui discriminação incompatível com uma liberdade económica fundamental da União Europeia, da qual resulta a necessidade de desaplicar essa
norma do CIRC e o dever, para a administração tributária portuguesa, de tributar apenas os rendimentos líquidos.
E, por tal motivo, encontra-se decisivamente inquinada a quantificação da matéria tributável que suporta os actos de retenção de imposto na fonte.
Quantificação que exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a reforma dos actos impugnados porque o tribunal não pode substituir-se à administração na fixação de outra matéria tributável, sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, substituindo-se à administração na tarefa de determinar e fixar as despesas que as entidades financeiras não-residentes podem deduzir aos rendimentos auferidos em Portugal por forma a tornar a retenção na fonte compatível com o artigo 49º do TCE.
O que determina o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, devendo, em substituição, ser julgada procedente a impugnação judicial e anulados os actos impugnados. ( )
3.3. Ilegalidade da reclamação graciosa
A decisão da reclamação graciosa que manteve as retenções na fonte enferma dos mesmos vícios, pelo que também se justifica a sua anulação nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.4. Questões de conhecimento prejudicado
Entendendo-se que se impõe a aplicação da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para esta específica situação, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes.
É de salientar ainda que, no que concerne as suscitadas pela Administração Tributária (ausência de prova de que não foi exercido o direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional e possibilidade de dupla dedução, falta de apresentação de despesas e parte dos juros sobre que houve retenção respeitarem ao 4.º trimestre de 2003), o facto de não terem sido invocados na decisão da reclamação graciosa como fundamentos de indeferimento, leva a concluir que se está perante fundamentação a posteriori, que não pode ser considerada relevante em contencioso de mera anulação, como se refere no ponto 3.1. deste acórdão.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pagou as quantias retidas na fonte, no montante total de € 715.549,37, pelo que tem direito a ser delas reembolsada, por ser consequência da anulação dos actos de retenção.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.
No entanto, os erros que afectam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( )
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida em 31-10-2008, mas, tendo sido apresentada em 28-12-2006, deveria ter sido decidida favoravelmente até 28-06-2007, termo do prazo de seis meses previsto no n.º 5 do artigo 57.º da LGT.
Assim, a partir de 29-06-2007, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias retidas na fonte.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 29-06-2007, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Declarar ilegais e anular as retenções na finte efectuados com base nos seguintes documentos:
... no montante de € 268.878,37 (documento n. 6);
... no montante de € 268.085,21 (documento n.º 8);
... no montante de € 34.640,52 (documento n.º 10);
... no montante de € 2,30 (documento n.º 11);
... no montante de € 143.942,97 (documento n.º 12);
C) Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2007...;
D) Julgar procedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios, e condenar a Administração Tributária a pagar à Requerente a quantia de € 715.549,37, acrescida de juros indemnizatórios calculados nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 715.549,37.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 10-07-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Paulo Lourenço)
(Paulo Ferreira Alves)