Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 912/2019-T
Data da decisão: 2020-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 301.272,35
Tema: IRC – Gastos dedutíveis; Despesas de deslocações facturadas a clientes.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Coutinho Pires e Dra. Maria Alexandra Mesquita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-03-2020, acordam no seguinte:

             

                1. Relatório

 

A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede em Rua ..., n.ºs ..., freguesia da ..., concelho da Amadora, (doravante, a "Requerente") apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e bem assim, nos termos do artigo 11. º do Decreto- Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2005 ... e demonstração de acerto de contas (nota de cobrança) n.º 2005 ..., na parte em que assentam em correcções das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria, no valor total de € 195.148,69, que foram desconsideradas como custo fiscal do IRC de 2002 da Requerente.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios sobre a quantia liquidada de € 735.849,84, que, até à data da impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra computa em € 106.123,66. 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 17-03-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência da do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 13-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2002, em que foram efectuadas correcções, entre as quais uma correcção relativa despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria, no valor total de € 195.148,69, que foram desconsideradas como custo fiscal do IRC de 2002 da Requerente;

B)           Na sequência da inspecção foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2005 ... e demonstração de acerto de contas (nota de cobrança) n.º 2005... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           Em 14-07-2005, a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada de € 735.849,84 (artigo 11.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado e documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)           Em 11-10-2005, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação que foi parcialmente deferida, não o sendo, porém, quanto àquela correcção relativa despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhadores;

E)            Na decisão da reclamação graciosa, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

7.2. - PARECER

A - Ilegalidade da Correcção rio que respeita a despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria

7.2.1. - Alega a Reclamante que as ajudas de custo contabilizadas em contas “p/ projecto” se destinam a: 1, custos incorridos com a prestação de serviços no âmbito de contratos, 2, custos incorridos com obras de carácter plurianual e 3, custos incorridos de âmbito de pedido de assistência técnica e manutenção.

7.2.2. - invoca que no último caso, os valores relativos às ajudas de custos e km's são expressamente debitados nas facturas aos clientes.

7.2.3. - Nos dois primeiros casos, alega que a empresa não expressa nas facturas os valores relativos às ajudas de custos e km's, porém, os valores orçamentados incluem todos os custos incorridos com a prestação de serviços em causa, peio que, incluem no preço final as despesas com ajudas de custo- Acrescenta que, a Administração Fiscal, através do Ofício n.º ..., de 23/06/1999 da DSIRC, veio divulgar o entendimento de que a observância do requisito de facturação aos clientes deve ser interpretada no sentido de que é suficiente que a empresa detenha os elementos passíveis de comprovar os encargos suportados a esse título, podendo a factura apresentar o preço global do serviço prestado sem que seja necessário evidenciar os vários elementos que constituem o mesmo.

7.2.4. - Invoca que possui todos os elementos exigidos pelo referido Ofício, como é disso exemplo o Doc. 10 que junta à PI

7.2-5- - As alegações ora proferidas em sede de reclamação graciosa haviam sido apresentadas pela contribuinte aquando do exercício do direito de audição, tendo sido objecto de pronúncia por parte da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPITJ que entendeu não ser de concordar c0m a posição da contribuinte a respeito cia aceitação como dedutíveis das despesas com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, mantendo, em conformidade, as correcções propostas.

7.2.6. - No que respeita, às despesas com ajudas de custo contabilizadas em contas "p/ projecto", destinadas a custos incorridos com a prestação de serviços no âmbito de contratos e a custos incorridos com obras de carácter plurianual, entendemos ser de acompanhar o enquadramento de facto a de direito, efectuado pela DSPIT da situação em apreço. Isto porque,

7.2.7. - Face à redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC (redacção vigente à data dos factos), para que se verifique a aceitação como custo daquelas despesas é necessário que sendo efectivamente suportadas pela empresa, sejam facturadas a clientes e que exista um mapa de controlo das referidas deslocações. Caso não se mostrem reunidas estas condições, não será aceite como custo fiscal 20% das ajudas de custo e de compensação pela utilização de viatura própria.

7.2.8. - A facturação das aludidas ajudas de custo deve ser efectuada através de débito expresso na factura ao cliente, não sendo suficiente considerar que estas despesas já constituem parte do preço final, na medida em que é necessário autonomizar o montante exacto do que diz respeito a despesas com ajudas de custo e do que corresponde ao preço do bem/serviço.

7.2.9. - Sendo que, tal como se referiu no ponto anterior, as informações prestadas em resposta a um pedido de informação vinculativa, vinculam a DGCI a seguir o mesmo entendimento no "caso concreto", na "concreta situação tributária" do sujeito passivo a quem foi prestada a informação requerida e não em quaisquer outras situações.

7.2.10. - Razão pela qual, o alcance do Oficio n.º..., de 23/06/1999 da DSiRC, se esgota no objecto de análise e apenas produz efeito vinculativo naquela situação específica e concreta, relativamente ao sujeito passivo que requereu e a quem foi prestada a informação. Não podendo constituir, por analogia, orientação genérica e vinculativa para situações mais ou menos equivalentes e não apreciadas em matéria de facto, como é o caso da situação em apreço.

7.2.11. - No que respeita, às despesas com ajudas de custo contabilizadas em contas "p/ projecto" destinadas a custos incorridos no âmbito de pedidos de assistência técnica e manutenção, a Reclamante alega que estas foram expressamente debitadas nas facturas aos clientes, porém, quando notificada para proceder à discriminação dos saldos das contas, com indicação para cada cliente do valor facturado a título de ajudas de custo, para efeitos de separação dos custos registados, entre os expressamente debitados e os não expressamente debitados aos clientes, não procedeu a tal discriminação.

7.2.12. - No entanto, na Reclamação ora apresentada, o sujeito passivo junta, como Doc. 10, cópia de uma factura relativa ao mês de Outubro de 2002 e cópia da respectiva folha de serviço. Verifica-se que na referida factura constam expressamente debitadas ao cliente ajudas de custo no valor de € 42,35, valor este que figura também na folha de serviço,

7.2.13. -. Razão pela qual, entendemos que, neste caso, se encontram verificados os pressupostos para a dedutibilidade dos 20% do montante de ajudas de custo, nos termos exigidos na alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC.

7.2.14. - Porém, os aludidos documentos dizem apenas respeito ao mês de Outubro de 2002. Na verdade, refere a Reclamante que procedeu à sua junção a título meramente exemplificativo. Porém, não pode a prova dos factos constitutivos dos direitos invocados ser feita apenas a título exemplificativo sendo imprescindíveis todos os documentos que provem a totalidade dos factos.

7.2.15. - Para que possa analisar-se o cumprimento dos pressupostos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 42,º do CIRC, a reclamante terá de proceder à junção das cópias de todas as facturas e de todas as folhas de serviço referentes ao ano de 2002 que comprovem o débito de tais valores aos clientes, de forma expressa na factura. E não apenas as relativas ao mês de Outubro que apenas gerariam uma alteração das correcções quanto àquela situação em concreto.

7.2.16. - Assim, face às regras de repartição do ónus da prova (cfr. artigo 74.» LGT), cabe à Reclamante fazer a aludida prova.

(...)

D - Direito a Juros Indemnizatórios

7.2.32. - Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT: "São devidos juros Indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judiciei, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

7.2.33. - Atento o supra exposto, ficou demonstrado à saciedade que as alegações da reclamante não podem proceder, não padecendo a liquidação reclamada das ilegalidades invocadas.

7.2.34. - Acresce que o direito a Juros indemnizatórios depende da determinação em sede de reclamação graciosa da existência de "erro imputável aos serviços", o que, conforme detalhadamente se explanou, não se verificou.

7.2.35. - Nestes termos, não se encontram preenchidos os pressupostos que legitimariam o direito a juros indemnizatórios.

(...)

8 - DO DIREITO DE AUDIÇÃO

8.1. - A Reclamante exerceu por escrito o direito de audição sobre o projecto de decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 60.º da LGT, o qual deu entrada nestes serviços, em 03/11/2000, dentro do prazo concedido para o efeito.

8.2. - Na Exposição apresentada, na qual exerce o direito de audição, a Reclamante vem invocar o Ofício n.º..., de 27/02/1996, emitido pela Direcção de Serviços de IRC, em resposta a um pedido de informação vinculativa sobre a matéria de provisões para créditos de cobrança duvidosa, efectuado pela própria Reclamante, no qual a Administração Tributária prestou a informação de que "se um crédito foi provisionado a 100% do respectivo valor, de harmonia com as disposições do artigo 34.º do CIRC (...) nada obsta a que a empresa o abata ao seu activo (...)".

8.3. - O citado Ofício pronunciou-se no sentido de que: "(...) face ao disposto no artigo 36.º do CIRC, e não podendo determinado crédito ser considerado directamente incobrável nos termos do artigo 39.º do CIRC, por carecer de base legal, i.e., «os casos em que a incobrabilidade não resulte de processo especial de recuperação até empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, os créditos em mora há mais de 2 anos e "provisionados" a 100%, de acordo com a lei fiscal, podem ser anulados. Independentemente de terem sido ou não reclamados judicialmente ou de existir ou não processo especial de recuperação de empresas e protecção de credores, ou processo de execução, falência ou insolvência."

"(...) pode a consulente [a ora Reclamante] promover a anulação dos créditos vencidos que se encontrem provisionados na totalidade, devendo juntar, no dossier fiscal, todos os documentos justificativos dessa anulação. Contudo, apenas se poderão anular os créditos vencidos no exercício seguinte àquele em que tenha sido admitida fiscalmente a constituição ou reforço a 100%."

8.4. - Por sua vez, o sujeito passivo junta à Exposição de Direito de Audição prova da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação deste regime ao caso, a saber, que os créditos se encontravam em mora há mais de 2 anos e "provisionados" a 100%. que foram anulados (registados como créditos incobráveis na conta 692 do POC) e que a aludida anulação incidiu sobre os créditos vencidos no exercício seguinte àquele em que foi admitida fiscalmente a constituição da provisão ou reforço a 100%.

8.5. - Assim, tendo em conta o efeito vinculativo da informação prestada pela administração tributária à ora Reclamante, nos termos do artigo 57.º do CPPT (Doc. 1 junto à Exposição de Direito de Audição, a fls. 685 dos autos), entendemos que é de acompanhar o entendimento por esta seguido.

8.6. - Em conformidade, procede-se à anulação das correcções ao apuramento do lucro tributável fundadas em "dívidas incobráveis não aceites como custos fiscais" e, consequentemente, ao deferimento parcial da presente Reclamação.

8.7. - No que respeita às correcções fundadas em "despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria", a Reclamante não traz factos novos susceptíveis de alterar o sentido do projecto de decisão, nesta matéria.

8.8. - A Reclamante apenas invocou adicionalmente o Ofício n.º..., de 05/06/2006 da DSIRC, tendo em vista reforçar a posição já apresentada na Petição de Reclamação Graciosa.

8.9. - Tendo tal posição sido já analisada e afastada no projecto de decisão da reclamação graciosa, e seguindo ela os mesmos fundamentos, as correcções em causa manter-se-ão nesta Decisão Final, tal como no Projecto. Até porque, também o aludido Ofício foi proferido para um caso concreto e as informações prestadas em resposta a um pedido de informação vinculativa, vinculam a DGCI a seguir o mesmo entendimento no "caso concreta", na "concreta situação tributária" do sujeito passivo a quem foi prestada a informação requerida e não em quaisquer outras situações.

8.10. - Razão pela qual, o alcance do Ofício n.º..., de 05/06/2006 da DSIRC, esgota-se no objecto de análise e apenas produz efeito vinculativo naquela situação específica e concreta.

8.11. - Acresce que, quanto às despesas com ajudas de custo contabilizadas em contas "p/ projecto" destinadas a custos incorridos no âmbito de pedidos de assistência técnica e manutenção, estes serviços explicitaram no Projecto de Decisão que para analisar o cumprimento dos pressupostos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, a Reclamante teria de proceder à junção das cópias de todas as facturas e de todas as folhas de serviço referentes ao ano de 2002 que comprovassem o débito aos clientes, de forma expressa na factura e não apenas as relativas ao mês de Outubro (juntas pela Reclamante) que apenas gerariam uma alteração das correcções quanto àquela situação em concreto. Acrescentando que, face às regras de repartição do ónus da prova (cfr. artigo 74.º LGT), cabia à Reclamante fazer a aludida prova, sob pena de, não o fazendo, não serem aceites os direitos invocados.

8.12. - Ora, a este respeito, a Reclamante não se pronunciou, nem juntou a aludida prova.

8.13. - Nestes termos, as correcções fundadas em "despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria", mantêm-se nesta Decisão final.

8.14. - No que respeita às alegações de violação dos Princípios da Igualdade, Boa Fé e Justiça, a Reclamante não traz factos novos susceptíveis de alterar o sentido do projecto de decisão, vem apenas reiterar os elementos já trazidos à colação na Petição de Reclamação Graciosa, razão pela qual, se remete a resposta às aludidas alegações para os termos já explicitados, no Projecto de Decisão.

 

F)            A Requerente impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a liquidação e decisão da reclamação graciosa referidas, dando origem ao processo de impugnação judicial n.º .../09...BESNT (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           Em 14-05-2019, a Requerente apresentou no processo referido requerimento de desistência da instância ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, na sequência do que foi proferida decisão de extinção da instância (documento n.º 2_1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           A Administração Tributária emitiu as decisões administrativas que constam do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

I)             Em 27-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações que faz que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

Embora a Requerente não tenha apresentado documento comprovativo do pagamento da quantia liquidada, a afirmação que faz no artigo 11.º do pedido de pronúncia arbitral não é contestada e já na reclamação graciosa pediu o reembolso dessa quantia, sem que a Administração Tributária tenha invocado falta de pagamento, pelo que se considera provado o pagamento nos termos alegados.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.

 

3. Matéria de direito

 

                A Administração Tributária efectuou uma correcção à matéria tributável da Requerente no montante de € 195.148,69, correspondente a encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, por a Requerente não ter debitado expressamente essas despesas aos seus clientes, tendo-as considerado como elementos do preço final a suportar pelos clientes. A Administração Tributária entendeu que recai sobre a Requerente o ónus da prova do «débito de tais valores aos clientes, de forma expressa na factura» e que «caso não se mostrem reunidas estas condições, não será aceite como custo fiscal 20% das ajudas de custo e de compensação pela utilização de viatura própria».

                A Administração Tributária baseou-se para efectuar esta correcção no artigo. 42.º, n.º 1, alínea f), do CIRC, na redacção vigente em 2002, em se estabelece que:

 

Artigo 42.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(...)

f) As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário;

 

                A Administração Tributária entendeu que, à face da primeira parte desta alínea f), não é aceite como custo fiscal, na proporção de 20%, o valor das ajudas de custo e compensação pela utilização de viatura própria quando a empresa não proceda ao débito expresso das mesmas aos clientes, não sendo suficiente considerar que essas despesas já constituem parte do preço final a suportar pelos clientes.

                A Requerente entende que aquela alínea f) apenas refere que não são fiscalmente dedutíveis na proporção de 20% as despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador não facturadas a clientes, não impondo qualquer obrigação quanto à forma dos requisitos documentais que permitam comprovar este facto, designadamente não exigindo que aquelas despesas tenham que ser incluídas de forma expressa nas facturas.

                Assim, a questão essencial que se coloca no presente processo é a de saber o artigo se esta exigência de débito expresso tem cobertura legal.

                Para além desta questão de legalidade, a Requerente coloca as da violação dos princípios da igualdade, da boa fé, da segurança jurídica, do inquisitório e da justiça.

                A letra da alínea f) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC, ao fazer referência a despesas “não facturadas a clientes”, não exige explicitamente que o montante das ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador seja discriminado nas facturas.

Por outro lado, não é requisito das facturas relativas às prestações de serviços, a discriminação de cada um dos custos necessários para os prestar, como se infere do artigo 35.º do CIVA vigente em 2002 (actual artigo 36.º).

                O facto de se prever, na parte final daquela alínea f), que não é dedutível a totalidade das despesas desses tipos quando a empresa não disponha «por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário» revela que é legalmente exigível uma comprovação completa relativa à identificação dessas despesas «por cada pagamento efectuado», mas não implica que essa indicação tenha de constar das facturas. Pelo contrário, a imposição da existência de um «mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas» aponta no sentido de não ser necessária a indicação expressa nas facturas, já que o mapa assegurará a possibilidade do controlo que se quer assegurar.

                De qualquer modo, não foi por falta do mapa ou com fundamento em impossibilidade de controlo por outros meios, para além das facturas, que a Administração Tributária efectuou a correcção, mas sim com fundamento apenas na não indicação expressa em cada factura das despesas daqueles tipos nelas englobadas.

Por isso, não sendo requisito das facturas relativas a prestação de serviços a indicação discriminada de todas as despesas necessárias para os prestar (o que, aliás, seria praticamente inviável, em face da existência de múltiplas despesas gerais cujo reflexo em determinado serviço é impossível de determinar com rigor), a interpretação adequada da referida alínea f) é a de que o acréscimo de 20% aí previsto se reporta apenas a despesas com ajudas de custo e compensação por uso de viatura do trabalhador cujo valor não seja englobado em facturas, podendo o valor ser debitado aos clientes explicitamente ou incluído no preço dos bens ou serviços.

Por isso, não se justifica a correcção efectuada, com o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Aliás, como se vê pelas decisões administrativas que constam do documento n.º 15 junto pela Requerente, a Administração Tributária já proferiu decisões precisamente com o entendimento que a Requerente defende, não se vislumbrando qualquer especificidade da situação da Requerente que possa justificar que lhe seja aplicada outra interpretação, diferente da que a Administração Tributária repetidamente aplicou.

De harmonia com o exposto, a liquidação impugnada, na parte que se reporta a esta correcção, enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A decisão da reclamação graciosa, que confirmou a liquidação quanto a esta correcção, enferma do mesmo vício, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

5. Questão reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Em 14-07-2005, a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada, no montante de € 735.849,84, tendo pedido o seu reembolso com juros indemnizatórios na reclamação graciosa que apresentou em 11-10-2005.

Na decisão da reclamação graciosa, embora se tenha anulado parcialmente a liquidação com fundamento na existência de uma informação vinculativa, não foi deferida a sua pretensão «que seja reconhecido o direito à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos devidos juros indemnizatório, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT».

A Administração Tributária nada diz sobre este pedido na sua Resposta.

O processo arbitral, meio alternativo ao processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Na sequência da anulação integral da liquidação, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, o que decorre da própria anulação da liquidação, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.

No que concerne a juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, sendo a liquidação anulada parcialmente na reclamação graciosa com fundamento na existência de uma informação vinculativa e sendo anulada no presente processo quanto a parte restante por erro na interpretação da lei, está-se perante casos em que houve erros imputáveis aos serviços.

Por isso, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia liquidada com juros indemnizatórios.

Como a Requerente apenas refere falta de pagamento de juros indemnizatórios  relativamente à parte da liquidação que foi anulada na decisão da reclamação graciosa, infere-se que terá sido reembolsada do imposto correspondente à anulação, mas não foi apurado qual o montante reembolsado e quando ocorreu o reembolso.

De qualquer modo, ficando anulada a totalidade da liquidação, os juros indemnizatórios devem ser contados com base na quantia paga (€ 735.849,84), desde 14-07-2005, data em que a Requerente efectuou o pagamento, até à data em que ocorreu o reembolso parcial se sobre a parte restante desde essa data até total reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Não havendo elementos para determinar o montante a reembolsar na sequência da anulação aqui decidida, a determinação do montante a reembolsar e dos juros indemnizatórios deverá ser efectuada em execução do presente acórdão.

 

6. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular a liquidação do adicional de IRC n.º 2005..., na parte em que assenta em correcções das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria;

C)           Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da parte da quantia liquidada que ainda não foi reembolsada;

D)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 5 deste acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 301.272,35.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 14-07-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Coutinho Pires)

(Maria Alexandra Mesquita)