DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-02-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na ..., n.º..., ..., ..., ...-..., ..., (doravante designada como “Requerente”) veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos seguintes actos:
– liquidação de IRC relativa ao exercício de 2015, no valor de € 58.004,18 e actos de liquidação de juros Compensatórios n.ºs 2019..., no valor de € 3.197,15, e 2019..., no valor de € 6.162,26, a que corresponde a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... (Compensação n.º 2019...) do qual resultou o valor total a pagar de € 98.150,04;
– actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2019..., respeitante ao período 201509T, no montante de € 4.611,97, respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de € 674,23 e, bem assim, a correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... (Compensação n.º 2019...) da qual resultou o montante a pagar de € 674,23 e n.º 2019..., respeitante ao período 201512T, no montante de € 416,39, da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de € 56,72, da corre5pondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... (Compensação n.º 2019...), da qual resultou o valor a pagar de € 416,39.
A Requerente pede ainda o reembolso do valor pago acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-12-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 24-01-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-02-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 01-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de IRC, sendo que para efeitos de IVA vigora o regime de tributação normal de periodicidade mensal;
B) Foi efectuada uma inspecção Requerente relativa a IRC e IVA, do ano de 2015, em cumprimento da ordem de serviço n.º 012017...;
C) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
A ação de inspeção decorreu na sede da empresa onde se encontravam todos os elementos contabilísticos indispensáveis à efetivação da mesma.
A análise efetuada às demonstrações financeiras da sociedade e demais documentação contabilista debruçou-se fundamentalmente sobre as áreas contabilísticas de rendimentos e de gastos.
A análise aos rendimentos visou assegurar que os mesmos estão devidamente registados na contabilidade da sociedade e declarados para efeitos fiscais.
Em matéria de gastos, procurou-se assegurar a efetiva realização das operações contabilizadas, bem como a dedutibilidade fiscal das mesmas face às normas fiscais, designadamente que as faturas tenham sido emitidas pelos fornecedores ou prestadores de serviços em conformidade com os requisitos fiscais, assim como a conexão dos gastos com a atividade da empresa.
Torna-se essencial perceber a razão da diminuta margem apresentada e da imparidade de inventários visto que são rubricas responsáveis pelo resultado negativo da sociedade.
Em resultado da análise verificaram-se diversas irregularidades em sede de IRC.
III.1. Área de Rendimentos
III.1.1.1. Contas: 7185# - Descontos Fora da Fatura
O sujeito passivo registou em diversas subcontas da classe 7185 - Descontos Fora da Fatura diversos montantes a abater ao saldo da classe 7-proveitos, no montante total de € 2.121.043,50, discriminado no quadro infra:
Os lançamentos efetuados nestas contas têm como contrapartida diversas contas 272218 e 272219 (a crédito).
Questionado o sujeito passivo sobre os documentos comprovativos dos montantes registados nas referidas contas, foi-nos dito que por cada fatura emitida aos diversos clientes era efetuado provisões relativo a vários tipos de descontos e que à posteriori, meses mais tarde, eram efetuados notas de débito por parte do cliente.
Aquando da chegada das Notas de débito, as diversas contas 27218 e 272219 eram debitadas por conta de clientes.
No final do ano o saldo credor nestas contas 27# totalizava o montante de € 339.113,07, dividido pelas seguintes contas, para o qual o sujeito passivo não tem documentos comprovativos para tal abatimento:
Importa assim avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto do CIRC Dispõe o artigo 123º do CIRC:
..."As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, ai possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17º, permita o controlo do lucro tributável..."
O nº 2 do já citado art.º 123 do CIRC refere que:
"2 – Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário:"
Com efeito, o lucro tributável para efeitos de tributação em IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, nos termos do art. 17, nº.1, do C.I.R.C., a qual deverá estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do Lucro Tributável (art.º 123º n. 1 do CIRC).
A falta de apresentação de documentação de suporte impossibilita a Autoridade Tributária de aferir da legitimidade desta redução de proveitos.
> Provisões
Mesmo sem conceder, refere-se ainda que na eventualidade de estas reduções serem inerentes a provisões para fazer face a descontos e abatimento em vendas, imputando uma diminuição de proveitos da sociedade, nem todas as provisões podem ser admitidas como gastos, apenas as categorias de provisões previstas no artigo 39º do CIRC, ao qual a provisão de descontos e abatimentos em vendas não se insere.
> Descontos
Para se registar descontos em vendas estes têm como documento de suporte uma nota de crédito ou de débito do cliente. No entanto, o sujeito passivo não tem qualquer documento que suporte valor em descontos.
> Penalizações
As penalizações apenas são aceites fiscalmente as que tenham origem contratual, nos termos do artigo 23º-A do CIRC, no entanto para que tal seja aceite tem de haver documento de suporte para tal penalização, que no caso em apreço não acontece, pelo que tal abatimento a vendas não poderá ser aceite.
Assim, pelos motivos acima expostos, não é aceite a redução de proveitos no montante de € 339.113,07.
III.2. Área de Gastos
Em matéria de dedutibilidade de gastos, refira-se que a contabilidade do sujeito passivo evidencia lançamentos com encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, nomeadamente despesas que não se encontram de acordo com os nºs 1, 3 e 4 do artigo 23º do CIRC e nº 1 do artigo 23º-A.
Com efeito, o lucro tributável para efeitos de tributação em I.R.C. tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, nos termos do artº.17, nº.1, do C.I.R.C., a qual deverá estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do Lucro Tributável (art.º 123º n. 1 do CIRC)
Por sua vez, determina o nº 3 do artigo 23º do referido código, na sua redação à data dos factos:
"3 – Os gastos dedutíveis nos lermos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito."
São assim requeridos três requisitos essenciais para que os gastos, sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto1'
O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos custos a qual consiste em várias formas de apoio escriturai aos lançamentos contabilísticos, ou seja à sua prova documental.
O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.
O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação para "obter ou garantir os rendimentos". Decorre do princípio geral do artigo 23.º do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a IRC.
III.2.1. Senhas creche/educação
O Sujeito Passivo considerou como gasto referente a senhas de creche/educação nas contas "623805-outros" e "63705-senhas creche /educação" os montantes de o valor de € 632,28 e € 15.807,00, respetivamente.
Importa perceber se fiscalmente este gasto é aceite, nos termos, do número 1 do Artigo 43º do CIRC:
"1 – São também dedutíveis os gastos do período de tributação, incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis, relativos à manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em beneficio do pessoal ou dos reformados da empresa e respectivos familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários."
De acordo com a informação prestada pelo sujeito passivo, estes cheques foram entregues aos funcionários: B..., C..., D..., E... e F... .
Analisando a relação de beneficiários do seguro de saúde pago pelo sujeito passivo, podemos comprovar que existem mais funcionários nas mesmas condições daqueles em que foram entregues os cheques creche/educação, ou seja, funcionários com descendentes em idade escolar/creche. (ANEXO IV)
O sujeito passivo majorou o gasto registado na conta 63705 (€ 15.807,00) em 40%, nos termos do número 9 do artigo 43º, no valor total de € 6.322,80 e devidamente discriminado no Anexo D.
No entanto, o sujeito passivo refaturou como Manegement Fee à taxa de 10% à sua congénere espanhola sobre os valores de 3.900,00 (conta 63705) e 632,28 (conta 623805), no total de € 390,00.
Ora, nos termos do Artigo 43º do CIRC, os gastos de carácter social só são aceites se foram atribuídos à generalidade do pessoal, o que se comprovada que não é o caso em apreço, pelo que o lucro tributável em IRC deve ser acrescido o valor de € 21.746,12.
A presente correção tem efeitos no apuramento do IVA para os períodos do ano em análise, conforme ponto III.4 do presente Relatório de Inspeção.
III.2.2.
Faturas com o NIF de outro contribuinte
Conforme será seguidamente exposto, constatou-se que o sujeito passivo registou e considerou como gasto, documentos emitidos em nome de outras sociedades. Assim, tal gasto não poderá ser aceite como fiscalmente dedutível nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 23 - A", conjugado com o artigo 23º, ambos do CIRC, pelo que se procederá a respetiva correção.
Foram registadas faturas no valor total de € 4.701,74, faturas essas emitidas com nome e NIF de outras sociedades do mesmo grupo, G..., SL, com o NIF ... e da casa mãe H..., SA, NIF ... .
No entanto, o sujeito passivo refaturou como Manegement Fee à taxa de 10% à sua congénere espanhola sobre os valores de € 100,70 (conta 6251101) e 726,35 (conta 625201), no total de € 82,71.
A correção será assim de € 4.619,05.
III.2.2.1. Conta: 622107-Serviços de Reposição
Através do documento registado com o lançamento 70178 (diário 41) foi considerado como gasto o valor de € 74,70 (ANEXO V). O documento comprovativo deste lançamento é a fatura 00 1414, com data de 31/07/2015, emitida pela sociedade espanhola I... SL com CIF ... . Constata-se no entanto que existem duas faturas, com a mesma numeração e com a mesma, uma identificando como cliente a sociedade portuguesa e outra identificando como cliente a sociedade espanhola J..., SLU, NIF B... .
Constata-se que a fatura com o Nome e NIF da sociedade portuguesa deu entrada no dia 07/Ago/2015 e a fatura com o Nome e NIF da sociedade espanhola deu entrada no dia 14/Ago/2015. Não foram apresentados outros elementos que permitissem a AT aferir da legitimidade deste gasto visto que o documento diz igualmente respeito à sociedade com NIF espanhol, pelo que se procederá à correção no valor de € 74,70.
111.2.2.2. Conta: 6251101-Avião
O sujeito passivo considerou como gasto da sociedade o valor de €100,70 inerente a uma viagem. Este valor foi registado através do lançamento nº 40268 (diário 41). Analisando o respetivo documento de suporte, constata-se que é inerente a uma viagem em nome da sociedade espanhola J..., SLU, NIFB... . j
III.2.2.3. Conta: 625201-Transportes públicos
O Sujeito Passivo considerou como gasto na conta "625201 -Transportes públicos" (ANEXO VII), os valores constantes do quadro seguinte:
Os documentos comprovativos dos lançamentos, no valor total de € 726,35, estão em nome e NIF da sociedade espanhola J..., SLU NIF B...
III.2.2.4. Conta: 622103-Consultores Fiscais e Financeiros
Foi registado com o lançamento 50124 (diário 41) o valor total de € 3.800,00 (ANEXO VIII), O documento comprovativo deste lançamento diz respeito à fatura FTVLI/2212015001338 com o descritivo de "Por serviços profissionais prestados, até à data, na área fiscal, relativos às operações da empresa" pela K... (NIF...) passada em nome da H..., SA, NIF..., pelo que se procederá à sua correção no lucro tributável
A presente correção tem efeitos no apuramento do IVA para os períodos do ano em análise, conforme ponto III.4 do presente Relatório de Inspeção
III.2.3. Acréscimos de gasto (accrual)
O sujeito passivo registou na conta "622106-Serviços logísticos" o valor € 50.000,00 com a descrição de "accrual da logística de jan" por contrapartida da conta 27220901.
Analisando a conta 27220901, verificamos que referente a logística encontra-se contabilizado a fatura N.º 107/2015 da VVVVVVV... no valor de € 26.128,34 com a descrição da contabilidade de "serv.janeiro VVVVVVV... Esp".
Não se verifica outro documento registado a comprovar o gasto registado como accrual na conta 622106, ficando por provar o valor de € 23.871,66.
Os accruals são estimativas de custos registadas na contabilidade, não sendo suscetíveis de qualquer outra comprovação documental, isto é, perante a insuficiência de documentos e consequente demonstração da sua indispensabilidade, não há como enquadrar o montante em consideração no âmbito do citado artigo 23.º do CIRC; no que respeita aos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, em virtude de não terem sido apresentados elementos que possibilitem à Administração Fiscal aferir quer do requisito da comprovação quer da indispensabilidade.
Dispõe o art.º 123.º do CIRC:
..."As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou d/ração efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, ai possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17º, permita o controlo do lucro tributável..."
O n.º 2 do já citado art.º 123 do CIRC refere que:
"2 – Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
b) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário;"
Com efeito, o lucro tributável para efeitos de tributação em I.R.C. tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, nos termos do art.º 17, n.º 1, do CIRC, a qual deverá estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do Lucro Tributável (n.º 1, art.º 123.º do CIRC). Importa assim referir o seguinte:
O artigo 23º do CIRC determina que
..." Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (Redação de 2015)
A indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. A relevância fiscal de um gasto continua assim dependente de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se é um gasto efetivamente Incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse (por exemplo, do sacio), ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.
Contudo, para que os gastos enumerados sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais:
• Que sejam comprovados documentalmente (nos termos dos n.º(s) 3, 4 e 6) do artº 23º e alínea b) do nº 1 do artº 23º - A, ambos do CIRC;
• Que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como gasto fiscal.
A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afeta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno.
É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respetivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade.
Os gastos cujo documento de suporte seja um documento interno não pode ser aceite como dedutível quer pelo art.º 23.º quer pela alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º- A ambos do CIRC, pelo que o valor de € 23.871,66 deve ser acrescido ao lucro tributável.
III.2.4. Gastos com advogados
O sujeito passivo tem despesas relativas a atividade de advocacia com a sociedade de advogados L..., NIF... . Estes gastos dizem respeito a vários serviços, nomeadamente, registo de marcas junto da INPI, e em diversos países como Inglaterra, Moçambique, Alemanha, S. Tomé e Príncipe, entre outros.
Analisando as faturas comprovativas dos lançamentos contabilísticos, verificamos que os serviços prestados pela sociedade de advogados, em alguns casos dizem respeito a serviços inerentes a outras empresas do grupo. (ANEXO X)
Não sendo este gasto inerente à atividade do sujeito passivo, mas sim de outras empresas, o montante de € 16.449,82 não é aceite nos termos do artigo 23.º do CIRC"; no que respeita aos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, pelo que é de acrescer ao lucro tributável.
A presente correção tem efeitos no apuramento do IVA para os períodos do ano em análise, conforme ponto III.4 do presente Relatório de Inspeção.
III.2.5. N...F - IVA
A A... tem registo em Espanha para efeitos de IVA e, tem registado na contabilidade gastos suportados em Espanha, para o qual apresentou o número de contribuinte espanhol, pelo que tratando-se de uma transação interna foi liquidado pelo fornecedor o respetivo IVA. O valor registado como gasto na contabilidade inclui o valor do IVA constante da fatura. (ANEXO XI)
Os contribuintes que não exerçam o direito ao reembolso de IVA ao abrigo da Oitava Diretiva (Diretiva 79/1072/CEE) não podem considerar o montante do imposto pago, como custo de IRC uma vez que não se encontra preenchido o requisito da indispensabilidade do custo constante do artigo 23º do CIRC, pelo que o valor de € 110,42 é de acrescer ao lucro tributável
III.2.6. Resultado Líquido do Período
O sujeito passivo tem registado no Balancete Após Apuramento, na conta "818-Resultado Líquido" o valor de 148.397,07. Na Demonstração de Resultados por natureza, assim como o Balanço, o valor registado pelo SP na IES é de € 148.395,00 (ANEXO XII) A diferença de valores diz respeito a arredondamento, pelo que não é de considerar.
No entanto, o sujeito passivo registou na Modelo 22 (ANEXO XIII) no quadro 07, o valor de € 147.687,41 como sendo o Resultado Líquido do Período, pelo que foi solicitado explicação dos valores dispares registados nos vários locais.
Em 14 de abril do corrente, veio o SP passivo responder através de email, o seguinte!
'A diferença de resultado entre a modelo 22 e o Balancete deve-se a um ajuste de inventários que só foi integrado na contabilidade a 03/06/2016 posterior é data de entrega da modelo 22. O Ajuste de inventários é o numero AJG Nº 1/2015 no valor de 708.35. A diferença entre o balanceia e a IES são 2.07€ resultou do acerto de cases decimeis.
Dado que o sujeito passivo efetuou movimentos suscitáveis de alterar o resultado líquido do exercício após a entrega da Modelo 22, pelo que, esta deveria que ter sido substituída e alterado o valor do quadro 07, campo 701 para € 148.397,07.
Face à não substituição da Modelo 22, o sujeito passivo apresentou um valor de resultado líquido inferior, provocando por isso, um menor imposto a pagar, pelo que, a diferença de € 709,66 deve ser objeto de acréscimo ao Resultado Líquido do Período (RLP) da Sociedade para determinação da respetiva matéria coletável de IRC.
III.3. TOTAL DE IRC
O total de correções em IRC do presente projeto relatório é de € 406.619,80, pelo que foi corrigido o lucro tributável de acordo com o quadro seguinte.
III.4. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
III.4.1.
IVA deduzido Indevidamente/Gastos não aceites
Face ao exposto nos pontos 111.2.1., III.2.2. e III.2.5 e, nos termos da alínea a) do n" 1 do artigo 20º do CIVA, foram efetuadas deduções indevidas de impostos no montante de € 4.802,87, pelo que será efetuada a devida correção do IVA indevidamente deduzido no trimestre respetivo de acordo com o quadro seguinte
IIl.4.2. Falta de liquidação de IVA
O sujeito passivo procedeu a dedução de IVA no valor de € 225,49 inerente a fatura-Recibo n.º FR15L1949/16848 de 2015-12-17.
Esta fatura é inerente a aquisição de cabazes de natal para oferta. Conforme se constata pela fatura, o valor unitário de cada cabaz ascende a € 60,98
Importa assim referir o enquadramento em sede de IVA das ofertas.
O artigo 3.º, n.º 3. alínea f) do CIVA, considera como transmissão de bens onerosa "a transmissão gratuita de bens da empresa quando relativamente a tais bens ou aos elementos que os constituem tenha havido dedução total ou parcial do imposto".
Este preceito não deixa margem para dúvidas quanto à tributação de qualquer transmissão gratuita, fazendo depender essa tributação apenas do facto de ter havido, ou não, dedução total ou parcial de imposto suportado na aquisição do bem ou dos elementos que o constituem.
No entanto, estão excluídas deste regime as transmissões gratuitas de amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais.
Como conceito de pequeno valor, considera-se tal valor como não podendo ultrapassar o montante unitário de 50 euros (IVA excluído). Assim, as ofertas cujo valor não ultrapasse os 50 € não serão tributadas (quando da transmissão).
Se, por outro lado, as ofertas, em termos unitários, ultrapassarem o valor indicado e caso tenha havido dedução do imposto a montante, haverá obrigatoriedade de liquidar o respetivo imposto sobre o valor atribuído à oferta.
Não tendo o sujeito passivo procedido a liquidação do IVA será efetuada a competente correção no valor de € 225.49, no trimestre respetivo.
A correção do IVA indevidamente deduzido no trimestre respetivo de acordo com o quadro seguinte:
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
IX.1. Direito de Audição
O sujeito passivo foi notificado para o exercício do direito de audição através do ofício nº ... de 19/06/2019, tendo o mesmo sido exercido no dia 09/07/2019 através da entrada n.º 2019... . (Anexo XVI)
Importa assim referir que o sujeito passivo recebeu a notificação para o exercício do Direito de Audição no dia 21 de junho de 2019 (Anexo XVII) data a partir do qual se conta o prazo para o Direito de Audição (Anexo XVIII)
O prazo de quinze (15) dias é continuo e deve ser computado nos termos do Código Civil conforme determina o nº 3 do artº 57º da Lei Geral Tributária, pelo que o mesmo foi exercido fora de prazo.
Apesar da extemporaneidade, a AT irá analisar os argumentos apresentados pelo contribuinte.
A primeira parte da petição - Ponto l - Considerações Introdutória é composta por 7 artigos onde é elaborado um resumo das correções propostas pela Autoridade Tributária (AT) em sede de Projeto de relatório.
A segunda parte da petição - Ponto II - Correções efetuadas em sede de IRC - o sujeito passivo apresenta os seus argumentos, discordando das correções propostas.
Passaremos de seguida a analisar os pontos considerados pertinentes.
1.CORREÇÕES EFETUADAS EM SEDE DE IRC
i) DESCONTOS FORA DA FATURA (Ponto 8 a 19 da petição)
Nos pontos 8 a 19 a exponente faz menção ao ponto III.1.1.1. do projeto relatório onde discorda das correções propostas no valor de € 339.113,07, assim como a sua justificação para tal
"(...) a requerente tem na sua base de dados toda a informação respeitante aos seus clientes..." Dessa base de dados constam designadamente todos os descontos e promoções contratados com cada um dos clientes"(...)"(...) É tendo por base esta informação que, aquando da emissão da fatura aos clientes - a qual é emitida com o preço a pagar em condições normais, i, e, sem a aplicação dos descontos - os descontos e promoções a aplicar fora da fatura são calculados automaticamente e concomitantemente é feito o correspondente accrual."(..) "(...) Em momento posterior, uma vez que o valor constante da fatura não é o valor efetivamente pago, devido a aplicação dos mencionados descontos fora da fatura, os cliente emitem as correspondentes notas de débito sendo de salientar que frequentemente, existe um grande desfasamento temporal entre a emissão da fatura e a emissão das notas de crédito, facto este que evidentemente não é controlável pela ora requerente."!...)
"(..) Tais notas de débito são posteriormente, abatidas na conta de accrual.
"(...) a Requerente não dispõe, no presente momento, de forma ordenada e sistematizada dos documentos necessários para comprovar a ilegalidade destas correções, uma vez que os mesmos dizem respeito a um período não muito recente e exigem uma análise detalhada e morosa, a qual levará mais tempo do que o tempo concedido para o presente direito de audição" (...)
A justificação para a correção efetuada encontra-se devidamente fundamentada no ponto III.111 do presente relatório de inspeção e, conforme é referido, do montante total de € 2.121.043,50, de descontos fora da fatura, somente foram corrigidos € 339.113,07 da qual o sujeito passivo não apresentou documentos comprovativos, documentos esses que continua sem apresentar.
O sujeito passivo assume que as contas #27 são debitadas após a emissão das notas de débito por parte dos seus clientes, assumindo igualmente que existem atrasos temporais na emissão de tais notas de débitos, comprovando assim que as reduções aos proveitos, foram efetuadas sem o respetivo documento comprovativo que justificasse tais reduções, pelo que se mantém a correção proposta em sede de projeto de relatório.
SENHAS DE REFEIÇÃO (Ponto 20 a 41 da petição)
Nestes pontos a exponente faz menção ao ponto 111.2.1. do projeto relatório onde discorda das correções propostas no valor de 21.746,12, assim como a sua justificação.
A Requerente refere no ponto 40 da petição que "(...) a Requerente concedeu a todos os trabalhadores que se encontravam nas mesmas condições a possibilidade da beneficiarem dos Vales Sociais, tendo apenas parte deles aceitado o referido beneficio.", no entanto não enviou qualquer comprovativo que tais diligências tenham sido efetuadas perante os funcionários, assim como a recusa dos mesmos em como não aceitaram tal beneficio, pelo que tratando-se de meras alegações, tais não podem ser aceites, mantendo-se consequentemente as correções propostas.
ACRÉSCIMO DE GASTO (ACCRUAL) (Ponto 42 a 58 da petição)
Nestes pontos a exponente faz menção ao ponto lll.2.3.do projeto relatório onde discorda do valor e 21.423,38, parte das correções propostas, justificando os motivos.
A diferença entre a correção proposta em sede de Projeto Relatório (€23.871,66) e ao valor justificado pela requerente no Direito de Audição e exposto no ponto 57 do Direito, considera-se que o valor de € 2.448,28 é aceite pela Requerente por tal valor não ter comprovativo, confirmado pelo quadro aposto ponto 44º. Proposta.
Relativamente ao valor de € 21.423,32 o sujeito passivo no exercício do direito de audição procedeu à junção de documentação que será de seguida analisada.
a) As faturas referidas em a) dizem respeito a prestações de 2014 pelo que deveria de estar registada em 2014, conforme o disposto no artº 18º do CIRC. Ora, a requerente apresenta na conta 27220901 um saldo inicial de € 354.601,57, não comprovando que este valor não foi considerado como gasto nesse ano, pelo que serão de manter as correções propostas.
b) Este valor já foi aceite no âmbito do projeto relatório.
c) Valor diferente do valor da fatura
d) Valor aceite no Direito de Audição
A requerente faz referência no ponto 52º ao Acórdão do STA 028/2015, alegando que os documentos internos são suficiente como prova efetiva. O referido Acórdão diz respeito aos exercícios de 1997 e 1998, anos esses em que a legislação em vigor permitia que tal acontecesse. Desde 2014 que o artº 23º do CIRC foi alterado, nomeadamente o número 4, conjugado pela alínea c) do nº 1 do art.º 23º-A
ARTIGO 23" CIRC
'4- No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição da bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refará o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos-
e) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional,
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor de contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
" ARTIGO 23º-A
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(...)
c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4do artigo 13.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal Inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;
Face a análise efetuada aos documentos de suporte apresentados, as correções propostas em sede de projeto de relatório inerente acréscimo de gasto (accrual) aos descontos e abatimentos de vendas no valor de € 23.871,66 serão alteradas para € 11.876,89 (23.871,66 - 11.944,77).
IX.2. Conclusão
A luz de todo o exposto, e porque os argumentos e prova invocados pelo sujeito passivo apenas confirma a alteração no montante de € 11.994,77 em sede de IRC relativamente ao ponto III.2.3.do Projeto Relatório., passando o montante de € 23.871,66 relativo a valores conhecidos para o valor de € 11.876,89, de conforme se demonstra no quadro seguinte:
Relativamente aos restantes pontos (assinalados com a)), não foram acrescentados novos factos tornando-se definitivas as restantes correções propostas em sede de IRC e descritas no Projeto de Relatório.
Em sede de IVA a Requerente não apresentou novos factos, pelo que as correções descritas no Projeto Relatório se tornam definitivas.
D) Na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações:
– liquidação de IRC n.º 2019..., relativa ao exercício de 2015, no valor de € 58.004,18 e actos de liquidação de juros Compensatórios n.ºs 2019..., no valor de € 3.197,15, e 2019..., no valor de € 6.162,26, a que corresponde a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... (Compensação n.º 2019...) do qual resultou o valor total a pagar de € 98.150,04;
– liquidação adicional de IVA n.º 2019..., respeitante ao período 201509T, no montante de € 4.611,97, respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de € 674,23 e, bem assim, a correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... (Compensação n.º 2019...) da qual resultou o montante a pagar de € 674,23 ;
– liquidação adicional de IVA n.º 2019..., respeitante ao período 201512T, no montante de € 416,39, da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de € 56,72, da correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019... (Compensação n.º 2019...), da qual resultou o valor a pagar de € 416,39.
E) No dia 04-09-2019, a Requerente procedeu ao seu pagamento voluntário das quantias liquidadas (Documentos n.ºs 6 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
F) Em 04-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
G) Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresentou os documentos que constam do documento n.º 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
H) No exercício de 2015, a Requerente atribuiu cheques para creche/ensino aos seguintes trabalhadores:
(documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) Aos trabalhadores da Requerente M..., N..., O..., P..., foi facultada a possibilidade de beneficiarem de cheques creche/ensino, no ano de 2015, mas prescindiram voluntariamente desses benefícios (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) No exercício do direito de audição, a Requerente apresentou os documentos que constam do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente. e processo administrativo.
3. Matéria de direito
3.1. Ordem de conhecimento dos vícios
3.2. Vício de falta de fundamentação
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– nos actos de liquidação ora contestados não são explicitados todos os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores, impercetíveis para o comum dos destinatários e também para a ora Requerente e que se trata de IRC do exercício de 2015 e do IVA relativo ao 3." e ao 4.º trimestre de 2015;
– só fazendo expressa referência aos elementos elencados no referido n.º 2 do artigo 77.º da LGT se dará devido cumprimento à lei, não podendo, por consequência, os serviços omitir os elementos de facto e as disposições legais aplicáveis, prejudicando as possibilidades de defesa do sujeito passivo, como efetivamente prejudicam no caso concreto;
– não pode ser invocada a fundamentação operada por via de remissão para a «fundamentação já remetida», designadamente a que consta do RIT;
– não há qualquer remissão explícita para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação;
– mesmo quando se admita a fundamentação por adesão ou concordância, exige-se que o autor, expressamente. se refira e identifique o relatório, parecer, informação ou proposta com que manifesta essa mesma concordância (cfr. artigos 63.“ do RCPITA, 77.º, n.º [ , da LGT e 153.º, n.“ 1, do CPA);
– no que respeita aos atos de liquidação de Juros Compensatórios, apenas resulta da respetiva demonstração de liquidação o respetivo período de tributação e de cálculo, o valor base sobre qual estes foram contabilizados, a taxa aplicável e que a mesma foi praticada a coberto do artigo 102.º do CIRC.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que as liquidações estão fundamentadas através de remissão para o Relatório da Inspecção Tributária e decisão superior de concordância.
3.2.1. Questão da falta de fundamentação quanto à parte da liquidação relativa ao IRC
A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( )
Embora seja de distinguir entre o acto de liquidação e o acto de notificação através do qual ele é comunicado ao destinatário, no caso em apreço não se provou que haja qualquer outro documento referente ao acto de liquidação que não seja o que está reproduzido no documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se tem de partir do pressuposto que ele é cópia do acto que foi praticado, que não terá outro conteúdo para além do que dele consta.
Pelo documento referido constata-se que dele constam as operações de que resulta o cálculo da quantia liquidada e refere-se que foi junta uma «nota demonstrativa», que será constituída pela «Demonstração de liquidação de juros» e pela «Demonstração de acerto de contas» juntas pela Requerente.
Na referida liquidação, indicam-se as importâncias da liquidação anterior, e as «importâncias corrigidas» e refere-se que a liquidação está «conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida».
Há, assim, uma perceptível remissão para a fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, anteriormente enviado à Requerente, relativo ao exercício de 2015, a que se reporta a liquidação.
Constata-se ainda que na notificação do Relatório da Inspecção Tributária se refere expressamente que «a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar» e que na notificação do acto de liquidação se faz referência à «fundamentação já remetida».
Neste contexto, tendo a Requerente sido previamente notificada do Relatório da Inspecção Tributária e do despacho que o sancionou em que foi proposta correcção à matéria tributável da Requerente relativa ao ano de 2015, a liquidação em que se indicam importâncias corrigidas correspondentes às correcções previamente comunicadas não pode deixar de ser interpretada por um destinatário com capacidades de percepção normais como sendo a concretização da liquidação anunciada, o que é reforçado pelo facto de na própria liquidação se fazer referência à «fundamentação já remetida».
Assim, interpretando o teor do acto de liquidação no contexto em que foi praticado, conclui-se que há nele uma remissão expressa para a fundamentação que não pode deixar de ser a do Relatório da Inspecção Tributária.
Por outro lado, a exigência de fundamentação expressa dos actos lesivos que é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, é compatível com a fundamentação por remissão e, no caso em apreço, contém-se no acto de liquidação uma remissão expressa para a fundamentação anteriormente remetida.
Para além disso, infere-se do pedido de pronúncia arbitral que a Requerente percebeu perfeitamente que as importâncias corrigidas que constam da liquidação correspondem às indicadas no Relatório da Inspecção Tributária e que a fundamentação a que se alude na notificação da liquidação é a do Relatório da Inspecção Tributária, que tinha sido previamente comunicada.
Por isso, não há falta de fundamentação global da liquidação de IRC. ( )
3.2.2. Questão da falta de fundamentação das liquidações de IVA
Em cada uma das liquidações de IVA é referido
«FUNDAMENTAÇÃO
«Liquidação efectuada com base em correção efectuada pelos Serviços de Inspeção Tributária».
Por isso, ao contrário do que afirma o Requerente, as liquidações de IVA contêm remissões para o RIT.
No entanto, a quantia liquidada quanto ao período 201509 (€ 4.611,97) não é a indicada a fls. 26 do RIT quanto a este período (€ 207,65).
Por isso, fica-se sem saber quais serão os fundamentos da liquidação daquela quantia.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto à imputação de vício de falta de fundamentação à liquidação de IVA n.º 2019..., o que justifica a sua anulação de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2.3. Questões da falta de fundamentação quanto à parte das liquidações relativas aos juros compensatórios e sua ilegalidade substantiva
A Requerente imputa às liquidações de juros compensatórios vício de falta de fundamentação e ilegalidade por falta do requisito que entende ser a culpa, pelo que se justifica que as questões sejam apreciadas conjuntamente.
No que concerne às liquidações de juros compensatórios, relativos às liquidações de IRC e IVA, constata-se que a única fundamentação é a que consta da demonstração de acerto de contas de IRC e da demonstração da liquidação de juros de IVA que constam dos documentos n.ºs 2 e 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, pois no Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer referência a juros compensatórios.
Pelo contrário, no Relatório da Inspecção Tributária até há uma omissão explícita de que se infere que se terá entendido que não havia lugar a juros compensatórios. Na verdade, na página 4 do Relatório da Inspecção Tributária indicam-se as «Conclusões da Ação de Inspecção» e no ponto I.1.3, relativo a indicação dos «Montantes sujeitos a juros», não se indica qualquer montante.
O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.
Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte.( )
Por outro lado, se é certo que, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo» ( ), também o é que isso não sucede necessariamente nas situações em que se está perante a falta de prova de requisitos de dedutibilidade de gastos e dedutibilidade de IVA.
Na verdade, a falta dos requisitos de dedutibilidade de gastos e de dedução de IVA, bem como a falta de liquidação de IVA, não afasta a presunção de boa-fé das declarações dos contribuintes, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, ao estabelecer que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos».
Neste caso, perante a falta de qualquer referência a essa imputabilidade e razões que a justificam, quer no Relatório da Inspecção Tributária quer nas demonstrações da liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas, fica-se sem saber se a entidade que emitiu a liquidação de juros compensatórios entendeu que a responsabilidade por juros compensatórios é automática, decorrendo do próprio facto de terem sido efectuadas correcções, ou se concluiu que se pode formular um juízo de censura em relação à actuação da Requerente, susceptível de preencher o requisito da imputabilidade, situação em que a fundamentação deveria conter indicação dos factos subjacentes a esse juízo de censura.
Assim, tem de se concluir que a fundamentação da liquidação de juros compensatórios não constitui a fundamentação expressa e acessível exigida pelo n.º 3 do artigo 268.º da CRP.
O artigo 37.º do CPPT, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não tem qualquer relevo para este efeito, pois visa sanar apenas deficiências da notificação dos actos tributários e não a falta de fundamentação dos actos notificados.
Para além disso, não sendo formulado no Relatório da Inspecção Tributária ou nas liquidações um juízo de censura em relação à conduta da Requerente, verifica-se a falta de um dos requisitos da imputação de responsabilidade por juros compensatórios.
Pelo exposto, as liquidações de juros compensatórios enfermam de vícios de falta de fundamentação e violação de lei (artigo 35.º, n.º 1, da LGT), que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Ilegalidades imputadas à liquidação de IRC
3.3.1. Descontos fora da factura - correção no montante de € 339.113,07
A Requerente efectuou descontos fora da factura que registou na sua contabilidade.
Questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente explicou «que por cada fatura emitida aos diversos clientes era efetuado provisões relativo a vários tipos de descontos e que à posteriori, meses mais tarde, eram efetuados notas de débito por parte do cliente» e que «aquando da chegada das Notas de débito, as diversas contas 27218 e 272219 eram debitadas por conta de clientes».
No final do ano o saldo credor nestas contas 27# totalizava o montante de € 339.113,07, dividido por várias contas, não tendo a Requerente documentos comprovativos para tal abatimento.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte, em suma:
– tal situação viola o n.º 2 do artigo 123.º do CIRC, que estabelece que «todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário» e que a falta de documentos impossibilitava o apuramento da legitimidade da redução de proveitos;
– na eventualidade de estas reduções serem inerentes a provisões não é aceite a sua dedutibilidade à face do artigo 39.º do CIRC;
– para se registar descontos em vendas estes têm como documento de suporte uma nota de crédito ou de débito do cliente e a Requerente não tinha qualquer documento que suportasse valor em descontos;
– as penalizações apenas são aceites fiscalmente as que tenham origem contratual, nos termos do artigo 23º-A do CIRC, no entanto para que tal seja aceite tem de haver documento de suporte para tal penalização, que no caso em apreço não acontece, pelo que tal abatimento a vendas não poderá ser aceite.
A Requerente defende o seguinte no presente processo:
– no presente processo apresentou a prova documental que consta do documento n.º 11;
– o n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA estabelece que se, depois de efetuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável;
– o fornecedor do bem ou prestador do serviço não é obrigado a regularizar a seu favor (no campo 40 a declaração periódica) o IVA anteriormente liquidado e declarado em declaração periódica de período anterior ao da anulação ou redução;
– a única forma de conceder um desconto (ou abatimento) fora de uma fatura emitida e registada é precisamente através da emissão de uma nota de crédito;
– existindo a opção de regularização, o fornecedor ou prestador do serviço apenas a pode efetuar quando tiver na sua posse uma prova de que o adquirente, sujeito passivo, tomou conhecimento dessa regularização. como previsto no n.0 5 do artigo 78.º do CIVA.
– na situação em apreço, conforme explicitado, os adquirentes assumiram o desconto, tendo efetuado os pagamentos de montante inferior ao das faturas, e em momento posterior o fornecedor/prestador de serviço (maxime, a Requerente) emitiu as correspondentes notas de crédito (fora da fatura) em função do acordo comercial entre as partes;
– já o n.º 4 do artigo 78.º do CIVA estabelece que o adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efetuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou retificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da receção do documento retificativo, a dedução efectuada;
– tendo a Requerente dado cumprimento ao estabelecido por lei, conforme se pode comprovar através da prova documental que ora se junta é possível apurar, com exatidão, quais os descontos efetuados e a que Clientes, não havendo, por conseguinte, motivo para desconsiderar os montantes registados pela Requerente nas diversas subcontas da classe 7185 – Descontos Fora da Fatura.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que deve ser mantida a correcção efectuada quanto aos descontos fora da factura e aponta várias deficiências à documentação apresentada pela Requerente.
Como se vê pelo Relatório da Inspecção Tributária, a correcção à matéria tributável no valor de € 339.113,07, relativa à não aceitação de redução de proveitos, designadamente por descontos fora da factura, foi fundamentada, a título principal, em normas do CIRC, designadamente os artigos 17.º, n.º 1, e 123.º, n.ºs 1 e 2, de que resulta que «todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário», incluindo os relativos a descontos fora da factura ou penalizações.
A Autoridade Tributária e Aduaneira invocou ainda que na eventualidade de estas reduções serem inerentes a provisões não é aceite a sua dedutibilidade à face do artigo 39.º do CIRC.
Constata-se que no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não ataca qualquer destes fundamentos, designadamente que o lucro tributável é determinado com base na contabilidade e que os movimentos contabilísticos relativos a descontos fora da factura tinham de estar suportados por documentos.
As normas do artigo 78.º do CIVA invocadas pela Requerente não foram indicadas como fundamento da liquidação de IRC nem tem aplicação quanto às exigências de documentação previstas no CIRC.
Nos processos arbitrais tributários, que seguem o modelo de contencioso de natureza objectivista, em que um acto praticado pela Administração Tributária é o objecto do processo [artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT] e neste se visa apurar se enferma de ilegalidade (como decorre do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT ao referir que as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD compreendem a apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de actos) os sujeitos passivos têm o ónus de identificar, as ilegalidades (vícios) que imputam aos actos impugnados.
Este ónus de alegação de vícios é dispensado nos casos de o acto impugnado enfermar de vício ou vícios geradores de nulidade ou se estar perante uma situação de inexistência jurídica, pois nestas situações há possibilidade de conhecimento oficioso das ilegalidades, como decorre do preceituado no artigo 162.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Nos casos em que o acto impugnado não enferma de vícios geradores de nulidade nem se está perante uma situação de inexistência jurídica, existe o referido ónus de imputação de vícios, pelo que, se o acto tem mais que um fundamento e cada um deles é suficiente para, por si só, justificar a decisão, o êxito da impugnação depende de serem imputadas ilegalidades a todos os fundamentos invocados no acto, pois se houver algum fundamento que não seja atacado e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente, terá de se concluir que o acto deverá ser mantido na ordem jurídica, por a decisão nele contida ter um fundamento cuja validade jurídica não foi destruída. ( )
No caso em apreço, a Requerente não questiona o fundamento primacial da correcção efectuada em sede de IRC que é a falta de documentos de suporte relativos aos descontos fora da factura que foram contabilizados, expondo apenas o seu entendimento sobre o funcionamento dos descontos em sede de IVA, que se afigura não ter relação directa com aquele fundamento.
De qualquer modo, a entender-se que a Requerente defende que o regime do artigo 78.º do CIVA afasta a necessidade de documentos de suporte dos movimentos contabilísticos relativos a descontos fora da factura, a resposta é negativa, pois o os artigos 17.º, n.º 1, e 123.º, n.º 2, alínea a), do CIRC, invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira afastam a relevância para determinação do lucro tributável de movimentos contabilísticos não suportados por documentos, designadamente notas de crédito ou de débito, pois o n.º 2 do artigo 123.º, que estabelece que «todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário».
O facto de a Requerente, depois da inspecção, iniciada em 2018 e terminada em 2019, ter apresentado documentos comprovativos de parte dos descontos que tinha contabilizado em 2015 sem documentos, não abala os fundamentos da correcção efectuada, pois ela não assentou no pressuposto de que não tinham sido concedidos descontos fora da factura, mas sim na ausência de documentos necessários para lhes dar relevância para determinação do lucro tributável.
Com efeito, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, após o exercício do direito de audição, em Junho de 2019, em que a Requerente continuou a não apresentar as notas de débito relativas a descontos referentes ao período de 2015 que disse que eram emitidas «meses depois» das facturas: «O sujeito passivo assume que as contas "#27 são debitadas após a emissão das notas de débito por parte dos seus clientes, assumindo igualmente que existem atrasos temporais na emissão de tais notas de débitos, comprovando assim que as reduções aos proveitos, foram efetuadas sem o respetivo documento comprovativo que justificasse tais reduções, pelo que se mantém a correção proposta em sede de projeto de relatório».
Este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira tem cobertura no artigo 103.º do CIRC, em que se fixa como limite máximo de atrasos na execução das obrigações de execução da contabilísticas previstas no n.º 2, o prazo de 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam (n.º 3 do mesmo artigo).
Estas obrigações e este prazo têm em vista assegurar à Administração Tributária a possibilidade de com eficácia controlar a determinação da matéria tributável dos sujeitos passivos de IRC, a tempo de poder exercer o direito de liquidação adicional, se for caso disso, o que não seria viável se se permitisse aos sujeitos passivos não disporem dos documentos que possibilitam esse controle e substituírem as obrigações que o artigo 103.º do CIRC lhes impõe pela de apresentação de documentos muito tempo depois de findo o exercício, designadamente, como sucedeu no caso em apreço, próximo do termo do prazo de caducidade do direito de liquidação, para mais fazendo a apresentação perante um Tribunal, que não dispõe dos meios operacionais de controle que a lei faculta à Administração Tributária, a nível da possibilidade de comprovação da correspondência à realidade da documentação apresentada através do exame da correlativa contabilidade dos sujeitos passivos que emitiram os documentos apresentados.
Assim, a correcção em IRC efectuada pela Administração Tributária quanto aos descontos fora da factura tem suporte legal nos artigos 17.º e 103.º do CIRC, que invocou, justificando-se a sua conclusão no sentido de não dar relevância para determinação do lucro tributável do exercício de 2015 a documentos que não foram apresentados durante o processo inspectivo e só foram apresentados ao Tribunal Arbitral em 2019.
Não atacando a Requerente os fundamentos em que assentou correcção em IRC relativa aos descontos fora da factura nem se demonstrando qualquer violação da lei pela Administração Tributária ao efectuar esta correcção, designadamente respeitante ao artigo 78.º do CIVA, que não tem aplicação em matéria de IRC, tem de se concluir que, a correcção efectuada não enferma do vício de violação de lei, pelo que não se justifica a sua a anulação.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
4. Correcção relativa a senhas creche/educação – € 21.746,12
A administração tributária efectuou uma correcção relativamente a gastos referentes a senhas de creche/educação, contabilizados nas contas "623805-outros" e "63705-senhas creche /educação" os montantes de o valor de € 632,28 e € 15.807,00, respetivamente. O gasto registado na conta 63705 (€ 15.807,00) foi majorado em 40%, nos termos do número 9 do artigo 43º, no valor total de € 6.322,80 e tal foi indicado no Anexo D.
A fundamentação desta correcção foi a de que «analisando a relação de beneficiários do seguro de saúde pago pelo sujeito passivo, podemos comprovar que existem mais funcionários nas mesmas condições daqueles em que foram entregues os cheques creche/educação, ou seja, funcionários com descendentes em idade escolar/creche» e «nos termos do Artigo 43º do CIRC, os gastos de carácter social só são aceites se foram atribuídos à generalidade do pessoal».
O artigo 43.º, n.º 1, do CIRC estabelece o seguinte:
Artigo 43.º
Realizações de utilidade social
1 - São também dedutíveis os gastos do período de tributação, incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis, relativos à manutenção facultativa de creches, latários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares, desde que tenham caráter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.
A Requerente entende que «a questão essencial reside, no fundo, em saber se o benefício tem que ser aceite por todos os trabalhadores em condições idênticas para ser aplicável (e, consequentemente, o gasto poder ser deduzido pela entidade concedente), ou, em contrapartida, saber se o regime se basta com a mera concessão, por parte da entidade empregadora, da possibilidade de usufruição do referido benefício a generalidade dos trabalhadores em condições idênticas».
E a Requerente defende, invocando um despacho da Senhora Subdiretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira proferido em 29-06-2018, de junho de 2018, que a «atribuição tem que ter caráter geral, isto é, devem ser atribuídas a todos os trabalhadores em condições idênticas, não podendo a sua atribuição estar sujeito a outras condições adicionais impostas pela entidade empregadora, que não sejam as previstas no Decreto-Lei n.º 26/99, de 28 de janeiro».
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz o seguinte, sobre o quadro com indicação dos trabalhadores da Requerente relativo a estes benefícios:
• Em relação a trabalhadora XXXXXXX... somente é referido que o filho não está em escola, logo sem possibilidades de utilizar Tickets, não juntando o documento de recusa, conforme faz com os restantes trabalhadores nas mesmas condições;
• Em relação aos vales creche, B..., E..., C... e F... têm um dependente em condições de os receber, no entanto os valores atribuídos são diferentes, nos montantes de € 2.500,00; € 3.900,00; €3.500,00 e € 750,00 respetivamente;
• Inerente aos vales Educação, D..., E... e C... também recebem valores diferentes por cada Filho, €1.100,00 para D... e E... e € 928,5 para C... .
A fundamentação desta correcção invocada no Relatório da Inspecção Tributária foi a de que «Analisando a relação de beneficiários do seguro de saúde pago pelo sujeito passivo, podemos comprovar que existem mais funcionários nas mesmas condições daqueles em que foram entregues os cheques creche/educação, ou seja, funcionários com descendentes em idade escolar/creche».
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( )
Assim, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. ( ) Por isso, a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente.
Constata-se que no Relatório da Inspecção Tributária não foi invocada como fundamento desta correcção a agora alegada diferença dos valores atribuídos.
Por outro lado, o fundamento invocado foi apenas o de que «existem mais funcionários nas mesmas condições daqueles em que foram entregues os cheques creche/educação, ou seja, funcionários com descendentes em idade escolar/creche».
Como defende a Requerente, e é também reconhecido da decisão administrativa que invoca, o requisito de que os benefícios «tenham caráter geral», exigido pelo artigo 43.º, n.º 1, do CIRC, fica satisfeito com a atribuição a todos os trabalhadores da possibilidade de usufruírem dos cheques referidos,
Sendo assim, o facto de existirem mais funcionários nas mesmas condições que tenham prescindido dos benefícios, não obsta à dedutibilidade fiscal dos montantes que foram efectivamente atribuídos.
Por outro lado, no que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «quanto à trabalhadora XXXXXXX... somente é referido que o filho não está em escola, logo sem possibilidades de utilizar Tickets, não juntando o documento de recusa, conforme faz com os restantes trabalhadores nas mesmas condições», afigura-se que não estando o filho em condições de utilizar tickets, não se justificaria a apresentação de documento prescindindo deles, pois não se demonstra o prévio direito aos benefícios.
Nestas condições, havendo funcionários que prescindiram dos benefícios e não se demonstrando que não tenha sido reconhecido pela Requerente o direito àqueles a todos os funcionários nas mesmas condições daqueles que usufruíram dos benefícios, a correcção efectuada nesta matéria, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
5. Questão do acréscimo de gasto (accrual) - € 11.874,99
A Requerente registou na conta "622106-Serviços logísticos" o valor € 50.000,00 com a descrição de "accrual da logística de jan" por contrapartida da conta 27220901, que considerou como gastos.
No projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, quanto ao montante de € 23.871,66, não tinham sido «apresentados elementos que possibilitem à Administração Fiscal aferir quer do requisito da comprovação quer da indispensabilidade», e, invocando os artigos 17.º, 23.º, 23.º-A e 123,º, n.ºs 1 e 2 do CIRC, concluiu pela indedutibilidade dos valores referidos, por não terem sido apresentados documentos externos e entender que não bastavam documentos internos, para assegurar a dedutibilidade à face daqueles artigos 23.º e 23.º-A, n.º 1, alínea c).
No exercício do direito de audição, a Requerente fez a apresentação dos documentos que constam do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, pretendendo que a dedutibilidade seja reconhecida quanto ao valor de € 21.423,32 e a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou a dedutibilidade parcial desses valores, quanto ao valor de € 11.944,77 (página 31 do Relatório da Inspecção Tributária).
Assim, foi recusada a dedutibilidade quanto ao valor em relação ao qual a Requerente não apresentou documentos no exercício do direito de audição - € 2.448,28 (resultante da diferença entre o valor total desta correcção - € 23.871,66 – e a soma dos valores dos documentos apresentados – € 21.423,32), e o valor de € 9.428,61, indicado no quadro que segue:
Os valores cuja dedutibilidade não foi aceite são, assim, o de € 2.448,28 + € 9.428,61 = 11.876,89.
Como se vê, a fundamentação da não aceitação não é a que foi invocada antes do exercício do direito de audição, pelo que é à face destes fundamentos que há que apreciar a dedutibilidade.
Embora a Requerente faça referência também a inadmissibilidade de dedução de gastos com base em documentos internos, conclui-se do quadro referido que foram os aqui indicados os fundamentos da na aceitação, pelo que não tem pertinência o alegado pela Requerente sobre a dedutibilidade de documentos internos.
Aliás, em relação a todos os documentos referidos que não foram aceites trata-se de documentos externos, pelo que a correcção só poderá assentar nos fundamentos indicados no quadro referido.
Os documentos apresentados no exercício do direito de audição cuja dedutibilidade como gastos não foi aceite, são, assim, os seguintes: 20041/2015, 20044/2015, 20013/2015, e 20059/2015.
Em relação a todos foi invocado como fundamento o entendimento de que dizem respeito a prestações de 2014, pelo que deveriam ser registados nesse ano por força do disposto no artigo 18.º do CIRC, e em relação aos documentos n.º 20044 e 20059 ainda a circunstância de os valores serem diferentes das facturas.
Acrescentou ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária que a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.ºA do CIRC (redacção de 2014) obsta à dedução de gastos com base em documentos internos.
No que concerne ao documento n.º 20041, refere-se a «MANIPULACION DICBRE’14» pelo que será gasto do exercício de 2014.
Quanto ao documento n.º 20044, constata-se que faz referência a movimentos de entradas de mercadorias no período de 05-12-2014 a 31-12-2014, pelo que se reporta ao ano de 2014;
Quanto ao documento n.º 20013, constata-se que se refere a entradas em 30-12-2014, pelo que se reporta ao ano de 2014.
Quanto ao documento n.º 20059, refere-se a despesas de armazenagem de Dezembro de 2014 a Fevereiro de 2015, pelo que, sendo o valor da factura de € 14.110,88, o valor de € 4.703,62 que não foi aceite (1/3 do valor da factura) reporta-se ao ano de 2014.
O artigo 18.º do CIRC, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, estabelece a regra de que «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica».
Não sendo aventada a existência de qualquer excepção ou dada qualquer explicação para a contabilização no exercício de 2015, tem de se concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao não aceitar a dedutibilidade desses gastos no exercício de 2015.
Aliás, a Requerente nem sequer ataca no pedido de pronúncia arbitral o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que os documentos deveriam ser considerados gastos no exercício de 2014.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
6. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios
O pedido de pronúncia arbitral procede quanto às liquidações de juros compensatórios (n.º 2019..., no valor de € 3.197,15, n.º 2019..., no valor de € 6.162,26, n.º 2019..., no montante de € 674,23 e n.º 2019..., no montante de € 56,72) e quanto à correcção no montante de € 21.746,12, bem como a correção reflexa em sede de IVA, no montante de € 145,42, relativas aos cheques creche/ensino, e quanto à liquidação de IVA n.º 2019..., no valor de € 4.611,97.
A Requerente pede a restituição do valor pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Em 04-09-2019, a Requerente pagou as quantias liquidadas.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas relativamente às liquidações de juros compensatórios e à parte da liquidação de IRC correspondentes à correcção no montante de € 21.746,12, bem como a correção reflexa em sede de IVA, relativa à liquidação referente ao período 201512T, no montante de € 145,42.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
No caso em apreço, conclui-se que há erro na liquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente actuou em sintonia com a orientação genérica que do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108.
Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 04-09-2019, data do pagamento, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Os valores a reembolsar e respectivos juros indemnizatórios deverão ser calculados em execução do presente acórdão.
7. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às correcções de IRC e IVA, relativas aos cheques creche/ensino, e quanto aos juros compensatórios;
B) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes questões;
C) Anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2019..., relativa ao exercício de 2015, quanto à parte da liquidação que tem subjacente a correcção no valor de € 21.746,12;
D) Anular as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019..., no valor de € 3.197,15, e 2019..., no valor de € 6.162,26;
E) Anular a liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de € 674,23;
F) Anular parcialmente a liquidação de IVA n.º 2019..., quanto ao valor de € 145,42;
G) Anular a liquidação de IVA n.º 2019..., no valor de € 4.611,97;
H) Anular a liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no montante de € 56,72.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 103.909,35.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Considerando que à correcção de IRC no montante de 21.746,12, corresponde, à taxa de 21% de IRC vigente em 2015, o valor de € 4.566,69, e o valor das anulações das liquidações de IVA e juros compensatórios, fixa-se a responsabilidade por custas da Requerente em 85,81% e a responsabilidade por custas da Autoridade Tributária e Aduaneira em 14,19%.
Lisboa, 09-07-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Sofia Ricardo Borges)
(Luís Menezes Leitão)