Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 60/2014-T
Data da decisão: 2014-09-22  Selo  
Valor do pedido: € 12.894,05
Tema: Verba 28 da TGIS; terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 60/2014-T

Tema: Terrenos para Construção – Verba 28 da TGIS

 

 

O árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de Março de 2014, acorda no seguinte:

 

       1.    RELATÓRIO

 

1.1. A, Lda., contribuinte fiscal n.º …, doravante denominada “Requerente”, com sede na …, nº …, …, …, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IS, no valor total de €12.894,05, emitidos pelo Serviço de Finanças de …, sob os nº …, … e …, e datados de 22 de Março de 2013, relativos ao imóvel sito no Concelho da …, e actualmente inscrito na matriz urbana sob o nº …, bem como a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um terreno para construção e, por esse facto, não pode ser considerado como prédio “com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação, das liquidações controvertidas, deveria ser julgado improcedente dado que o art.º 6º, n.º 1 do CIMI integra na categoria de prédios urbanos os terrenos para construção, ao que acresce que entende que a verba 28 da TGIS remete para a “afectação” dos prédios, fazendo apelo ao coeficiente de afectação, conceito que se aplica indistintamente a todos os prédios urbanos.

 

1.5. Foi ainda acordada pelas partes a dispensa da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.

 

2.    SANEAMENTO

      

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

3. QUESTÕES A DECIDIR

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto das liquidações de imposto de selo acima referidas, sendo terreno para construção, tem ou não afetação habitacional e, consequentemente, se lhe é ou não aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), redacção existente à data a que as liquidações respeitam.

4. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, têm-se por provados os seguintes factos:

4.1 A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da união de freguesias de …, …, Concelho da …;

4.2 O prédio é um terreno para construção e tem um valor patrimonial de €898.950,00, (conforme certidão matricial), não existindo à data qualquer edificação no terreno;

4.3 A Requerente foi notificada das liquidações de IS emitidas sob o nºs …, … e …, referentes ao ano de 2012, e datadas de 22 de Março de 2013, referentes ao imóvel acima referido;

4.4 A Requerente efectuou o pagamento integral das liquidações de IS, no valor total de €12.894,05;

4.5 Tudo conforme documentos juntos com o pedido arbitral e na resposta apresentada pela Requerida;

4.6 Em 24 de Fevereiro de 2014 a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

 

5. FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado, sendo consensual a conformação da matéria de facto por ambas as partes.

 

6. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, respeitando o litígio unicamente a questões de direito.  

 

7. DO DIREITO

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redacção:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contêm, assim, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

O conceito mais aproximado do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS (“prédio com afectação habitacional”) com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI (“prédios habitacionais”), aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

Acresce que, no mesmo artigo, se distingue claramente entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.

Seguindo de perto outros acórdãos do CAAD proferidos sobre a mesma matéria, entendemos que a palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, deve significar «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». Assim, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.

Assim, ” é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

Acresce que, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, foi a verba 28.1 TGIS expressamente alterada, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, o que reforça a nossa convicção de que tais prédios não eram abrangidos pela redacção vigente até 31.12.2013.

 

8. DECISÃO

Ora, o prédio da Requerente é um terreno para construção, não se estando perante um prédio com afetação habitacional atual, não existindo, tão pouco, qualquer edificação no referido terreno. Não se verifica assim, à data, a afectação a um fim habitacional.

Por este facto, entendemos que as liquidações de IS cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação (artigo 135.º do CPA).

Em face do exposto, determina-se:

(a)   A declaração de ilegalidade e de anulação dos actos de liquidação de IS objecto do presente pedido, tudo com as legais consequências;

 

(b)   A devolução do valor de imposto pago pela Requerente no montante global de €12.894,05, e

 

(c)    O pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida, calculados sobre a quantia de €12.894,05, à taxa legal, até integral pagamento.

 

No que aos juros indemnizatórios respeita, conforme já decidido no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012, compreendem-se nas competências dos tribunais arbitrais tributários as pronúncias condenatórias que em processo de impugnação judicial são admitidas aos tribunais tributários estaduais, sendo de igual forma admissível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Em consequência da ilegalidade substantiva das liquidações de IS objecto da presente acção, o Requerente pagou imposto que não era devido, impondo-se não só o respectivo reembolso, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, como o pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem reunidas as respectivas condições constitutivas, de acordo com o preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga em excesso e contados desde as datas dos pagamentos efectuados até integral restituição.

 

Fixa-se o valor do processo em €12.894,05, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

O montante das custas é fixado em €918 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

 

                 Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 22 de Setembro de 2014

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.

 

A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.

 

O árbitro,

 

 

Maria Antónia Torres

 

* * *

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.