Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 773/2019-T
Data da decisão: 2020-06-25  IRC  
Valor do pedido: € 119.722,00
Tema: IRC – Retenção na fonte; Entidade não residente; Formalidade de notas de crédito.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., com sede em ..., ... ..., ..., Irlanda, titular do número de identificação fiscal ..., enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e consequente anulação relativa ao Despacho do Director de Serviço Central da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, de 14 de Agosto de 2019, que indeferiu o Recurso Hierárquico do Despacho do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, de 25/01/2018, que indeferiu a Reclamação Graciosa do acto de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC) a título definitivo n.º... relativo ao exercício do ano de 2014/2015;

- Declaração de ilegalidade e consequente anulação relativa ao Despacho do Director de Serviço Central da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, de 14 de Agosto de 2019, que indeferiu o Recurso Hierárquico do Despacho do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, de 25/01/2018, que indeferiu a Reclamação Graciosa do acto de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC) a título definitivo n.º ...  relativo ao exercício do ano de 2015/2016;

- Declaração de ilegalidade parcial do acto de retenção na fonte de IRC a título definitivo n.º ..., relativo ao exercício do ano de 2014/2015, e consequente anulação do montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 60.575,00;

- Declaração de ilegalidade parcial do acto de retenção na fonte de IRC a título definitivo n.º..., relativo ao exercício do ano de 2015/2016, e consequente anulação do montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 59.147,00.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 19 de Novembro de 2019 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 9 de Janeiro de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 10 de Fevereiro de 2020.

 

5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

A Requerente está integrada num grupo empresarial que desenvolve actividade no sector de vestuário a retalho, tendo celebrado um contrato de franquia intitulado “The ... Way Franchise Agreement" com a sociedade “B..., S.A.” (doravante, B...) que, enquanto entidade franquiada, consiste na representante exclusiva do grupo C... em Portugal.

No âmbito do referido contrato, a B... ficou obrigada ao pagamento anual de royalties à Requerente em virtude da transmissão, por esta última, do conhecimento sobre o negócio, do método de gestão, da utilização da marca e de outro tipo de propriedade intelectual, bem como pelo apoio ao nível da tomada de decisões estratégicas.

O pagamento desses royalties seria efectuado por referência a cada exercício com base, num primeiro momento, numa facturação a título provisório, sendo posteriormente efectuados os acertos necessários após o fecho de contas da B... .

Com efeito, após o fecho de contas do exercício de 2014/2015 (com início em 1 de Setembro de 2014 e fim em 31 de Agosto de 2015) e, bem assim, do exercício de 2015/2016 (com início em 1 de Setembro de 2015 e fim em 31 de Agosto de 2016), ter-se-ia verificado que o montante provisoriamente facturado seria superior ao montante efectivamente devido. Por este motivo, procedeu a Requerente à emissão de notas de crédito a favor da B... tendo em vista a devolução dos montantes excessivamente facturados.

Ao ter sofrido retenções na fonte, com carácter definitivo, sobre os montantes facturados a título provisório, o montante de IRC que havia sido retido na fonte aquando do pagamento inicial dos royalties seria excessivo em face do montante de imposto efectivamente devido após a emissão das notas de crédito que acertaram o montante de royalties auferidos pela Requerente.

Neste sentido, a Requerente procurou reaver junto da Autoridade Tributária (AT) os montantes de imposto que haviam sido retidos na fonte em excesso por meio da apresentação de reclamações graciosas e, posteriormente, de recurso hierárquico da decisão de indeferimento daquelas mesmas reclamações.

Segundo a Requerente, a AT teria indeferido o seu pedido por considerar que as referidas notas de crédito, ao não mencionarem as facturas a que respeitavam, não permitiam estabelecer de forma clara e objectiva a necessária e indispensável conexão entre ambas.

A Requerente entende que não assiste razão à AT, uma vez que a argumentação por esta prosseguida consubstancia uma subversão do princípio da materialidade subjacente, já que a AT estaria a negar a verdadeira substância económica dos factos com base num mero aspecto formal, desconsiderando assim a expressão de capacidade contributiva inerente aos acertos operados por via das referidas notas de crédito. Mais alega a Requerente que a AT, no decurso do procedimento administrativo, em momento algum colocou em causa os factos e elementos probatórios por si carreados que, no seu entender, permitiam estabelecer a devida correspondência entre as notas de crédito, as facturas emitidas a título provisório e as guias de retenção na fonte de IRC a que estas últimas respeitavam. Neste sentido, não deveria um mero requisito formal determinar a não aceitação das respectivas notas de crédito, bem como a consequente devolução do montante de imposto excessivamente liquidado por referência às facturas emitidas a título provisório, sob pena de se sobrepor a forma sobre a substância e se violar o princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real constante do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Por outro lado, afirma a Requerente que o raciocínio prosseguido pela AT não seria aplicável a todas as notas de crédito. Isto, na medida em que uma das notas de crédito identificava expressamente a factura a que se reporta. Deste modo, nem mesmo um argumento meramente formal valeria para obstar à devolução do montante de imposto excessivamente liquidado quanto a esta nota de crédito em específico, já que estaria verificada a devida conexão entre a nota de crédito, a factura emitida a título provisório e a respectiva guia de retenção na fonte de IRC.

                Por último, a Requerente considera que a base legal invocada pela AT - em concreto, o artigo 36.º, n.º 6, do Código do IVA - para sustentar a prevalência de um critério formal não tem pretensão aplicativa sob o caso ora em análise, porquanto não está em causa qualquer questão em matéria de IVA, mas antes a aferição do direito ao reembolso de IRC retido na fonte em excesso por referência aos royalties pagos pela B... à Requerente. Desta feita, conclui a Requerente que a negação do direito ao reembolso do IRC retido na fonte em excesso violaria o disposto nos artigos 94.º e seguintes do Código do IRC bem como o princípio da legalidade vertido no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, uma vez que a liquidação do imposto não estaria a ser efectuada nos termos legais aplicáveis.

 

                6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos sustentados pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente acção e consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respectivo processo administrativo (PA).

 

7. Por entender que todas alegações aduzidas pela Requerente já haviam sido analisadas no decorrer do procedimento administrativo, a Requerida deu por integralmente reproduzidas as análises e argumentações ali tecidas. Não obstante, sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

Os documentos carreados ao processo pela Requerente, nomeadamente o contrato de franquia, as guias de retenção na fonte contestadas, bem como a nota de crédito a favor da B... não permitem, por si só, demonstrar a correcção concreta dos valores inscritos nas guias de retenção na fonte de IRC impugnadas.

Neste sentido, entende a AT que a Recorrente não logrou demonstrar que as notas de crédito emitidas respeitam especificamente às guias de retenção na fonte e aos pagamentos invocados. Pelo contrário, poderiam estar em causa notas de crédito por qualquer outro pagamento ou serviço, não sendo tal omissão passível de ser suprimida pela sigla “PWFA true up credit note” constante na nota de crédito e nas facturas emitidas a título provisório parcialmente anuladas.

Considera ainda a Requerida que, ao enquadrar-se a Requerente no conceito de sujeito passivo constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, esta sempre teria de emitir obrigatoriamente uma factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA. Por seu turno, as notas de crédito que pretendiam anular parcialmente as facturas anteriormente emitidas, teriam de observar os requisitos constantes do artigo 36.º, n.º 6, do Código do IVA, ou seja, das notas de crédito teria de constar além da data e numeração sequencial, os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, os correspondentes números de identificação fiscal e, ainda, a referência à factura a que respeitam e as menções desta que são objecto de alterações.

Desta feita, ao não ser mencionado nas notas de crédito a factura a que respeitam, não seria possível estabelecer de forma clara e objectiva a necessária e indispensável conexão entre ambas, razão pela qual os elementos probatórios carreados pela Requerente não permitiam sustentar inequivocamente o peticionado.

               

8. Por despacho proferido em 19 de Março de 2020, foram as partes notificadas de que, ao não se vislumbrar a necessidade de produzir prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontrava incorporada nos autos, tornando-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações por razões de economia processual e de proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Tendo em conta o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, ainda que os pedidos de declaração de ilegalidade respeitem a actos de retenção na fonte de IRC diferentes, a cumulação de pedidos é admissível na medida em que a sua procedência depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Não foram alegadas pelas partes, nem existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.

 

III. DO MÉRITO

III.1. Factos provados

 

10. Para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) A Requerente é uma pessoa colectiva com sede na Irlanda, que não possui estabelecimento estável em território português;

b) A Requerente está integrada num grupo empresarial que desenvolve actividade no sector de vestuário a retalho tendo celebrado, em 26 de Agosto de 2015, um contrato de franquia intitulado de “The ... Way Franchise Agreement" com a sociedade “B..., S.A.”, residente em Portugal, e também ela pertencente ao referido grupo empresarial (documento n.º 5);

c) Ao abrigo desse contrato, sujeito a um acordo prévio sobre preços de transferência, a entidade franquiada ficou obrigada, entre outros montantes, ao pagamento anual de royalties à Requerente correspondentes à componente remuneratória relativa a “Non-buying Support Services”. Estes seriam calculados por referência a cada exercício com base, num primeiro momento, numa facturação a título provisório, efectuando-se, após o fecho de contas da entidade franquiada, os acertos que se venham a revelar necessários (documento n.º 7);

                d) No período compreendido entre 1 de Setembro de 2014 e 31 de Agosto de 2015, foi facturado a título provisório à entidade franquiada o montante total de € 25.275.000,00, correspondente ao somatório do montante de € 24.912.000,00 constante da factura n.º I1209PRIPRP, de 1 de Setembro de 2015, e do montante de € 363.000,00 constante da factura n.º I1249PRIPRP, de Setembro de 2015 (documentos n.º 6 e n.º 8);

                e) A respeito do montante de royalties facturado a título provisório no montante de € 25.275.000,00, a Requerente sofreu retenções na fonte, com carácter definitivo, no valor de € 2.527.500,00 (conforme a guia de retenção na fonte n.º ...6), em virtude da aplicação da taxa reduzida de 10% prevista no artigo 12.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (ADT) celebrada entre Portugal e a Irlanda (documentos n.º 1 e n.º 9);

f) Após o fecho de contas do exercício de 2014/2015, apurou-se que o montante efectivamente devido pela B... seria, afinal, de € 24.693.120,00 (documentos n.º 10 e n.º 11). Neste sentido, emitiu a Requerente a nota de crédito n.º..., em 9 de Novembro de 2015, no montante de € 605.750,00, tendo em vista a devolução do montante excessivamente facturado (documento n.º 12);

g) Não obstante, tendo apurado posteriormente que o montante que havia creditado à B... excedia o montante de € 581.880,00 que resultava da diferença entre a facturação a título provisório e o respectivo acerto (€ 25.275.000,00 - € 24.693.120,00), a Requerente emitiu a factura n.º I1412PRIPRP, em 29 de Janeiro de 2016, no valor de € 23.870,00, com o intuito de efectuar o referido acerto (documento n.º 13). Sobre este montante, foi retido na fonte, com carácter definitivo, o valor de € 2.387,00 (conforme a guia de retenção na fonte n.º...), em virtude da aplicação da taxa reduzida de 10% prevista no artigo 12.º do ADT celebrado entre Portugal e a Irlanda (documento n.º 14);

h) Neste contexto, a Requerente deduziu, junto da AT, reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação parcial do acto tributário de retenção na fonte, por entender que havia sido retido em excesso um montante de imposto no valor de € 60.575,00, (10% de € 605.750,00) tendo posteriormente deduzido recurso hierárquico da decisão de indeferimento daquela mesma reclamação;

i) No período compreendido entre 1 de Setembro de 2015 e 31 de Agosto de 2016, foi facturado a título provisório à entidade franquiada o montante total de € 20.785.707,00, constante da factura n.º I1894PRIPRP, de 1 de Setembro de 2016 (documento n.º 15);

j) A respeito do montante de royalties facturado a título provisório a Requerente sofreu retenção na fonte, com carácter definitivo, no valor de € 2.078.570,69 (conforme a guia de retenção na fonte n.º...), em virtude da aplicação da taxa reduzida de 10% prevista no artigo 12.º do ADT celebrado entre Portugal e a Irlanda (documento n.º 2 e n.º 16);

l) Após o fecho de contas do exercício de 2015/2016, apurou-se que o montante efectivamente devido pela B... seria, afinal, de € 20.194.241,00 (documentos n.º 17 e n.º 18). Neste sentido, a Requerente procedeu à emissão das notas de crédito n.º ..., em 9 de Dezembro de 2016, no montante de € 568.268,00, e n.º ..., em 27 de Janeiro de 2017, no montante de € 23.198,00, cujo montante global conjugado perfaz o valor de € 591.467,00 (documentos n.º 19 e n.º 20);

m) Neste contexto, a Requerente deduziu, junto da AT, reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação parcial do acto tributário de retenção na fonte, por entender que havia sido retido em excesso um montante de imposto no valor de € 59.146,70, (10% de € 591.467,00) tendo posteriormente deduzido recurso hierárquico da decisão de indeferimento daquela mesma reclamação;

n) A Requerente foi legalmente notificada, no dia 23 de Agosto de 2019, dos despachos de indeferimento do procedimento de Recurso Hierárquico nº ...2018..., apresentado contra a Reclamação Graciosa n.º ...2017..., relativa à guia de retenção na fonte nº ... referente ao exercício de 2014/2015 e do procedimento de Recurso Hierárquico n.º ...2018..., apresentado contra a Reclamação Graciosa n.º ...2017..., relativa à guia de retenção nº ... referente ao exercício de 2015/2016, ambos proferidos por parte do Director de Serviço Central  da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, ao abrigo de subdelegação de competências, no dia 14 de Agosto de 2019.

 

III.2. Factos não provados

 

11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como às provas documentais por estas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.4. Matéria de Direito

 

13. A título prévio, cumpre recordar que a Requerente é uma pessoa colectiva não residente, não tendo em Portugal estabelecimento estável a que fossem imputáveis os rendimentos por si percebidos. Nestes termos, os royalties auferidos em virtude do contrato de franquia celebrado com a B... seriam tributados por via do mecanismo de retenção na fonte, com carácter definitivo, tal como decorre do artigo 94.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, e n.º 3, alínea b), do Código do IRC. A estas retenções na fonte seria aplicável uma taxa de 25% nos termos conjugados do artigo 94.º, n.º 5 e do artigo 87.º, n.º 4, ambos do Código do IRC contudo, em virtude da aplicação do artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do ADT celebrado entre Portugal e a Irlanda, a referida taxa não poderá exceder 10% do montante bruto dos royalties auferidos pela Requerente.

14. A questão que cumpre conhecer prende-se com a recusa do direito à devolução do IRC retido na fonte em excesso, a título definitivo ou liberatório, em virtude da não consideração das notas de crédito emitidas pela Requerente que efectuaram correcções aos montantes sobre os quais assentaram aquelas retenções.

Tal como decorre da matéria de facto dada como provada, em virtude do contrato de franquia celebrado pela Requerente com a B..., intitulado de “The ... Way Franchise Agreement", foram emitidas facturas provisórias a título de pagamento de royalties, sobre as quais a Requerente sofreu retenções na fonte nos termos acima descritos. Contudo, após o fecho de contas da B..., ao ter sido apurado que o montante por esta devido era inferior àquele que havia sido facturado, a Requerente emitiu notas de crédito com o intuito de acertar a diferença entre o montante facturado e o montante efectivamente devido, procurando posteriormente reaver o montante de IRC que havia sido retido em excesso junto da Autoridade Tributária.

Tal pretensão não foi acolhida pela AT em virtude de esta considerar que não seria possível estabelecer de forma clara e objectiva a necessária e indispensável conexão entre as notas de crédito e as facturas emitidas a título provisório, já que as primeiras não faziam menção às segundas, a não ser quanto à sigla “PWFA true up credit note”. Consequentemente, não seria possível demonstrar que as notas de crédito emitidas respeitam especificamente às guias de retenção na fonte e aos pagamentos invocados.

                Ora, em primeiro lugar, cumpre salientar que as correcções operadas ao montante de royalties contratualmente devidos pela B... à Requerente foram efectuadas com base nas demonstrações financeiras da primeira, isto é, com base nos seus registos contabilísticos. A veracidade de tais registos não foi em momento algum impugnada pela Requerida, razão pela qual mantém plena validade a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade, constante do artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

                Por seu turno, as facturas e as notas de crédito emitidas pela Recorrente tiveram igualmente por base aqueles registos contabilísticos, razão pela qual aquelas declarações se presumem igualmente verdadeiras e de boa-fé nos termos do mesmo artigo 75.º, n.º 1 da LGT. Deste modo, estando em causa uma presunção legal, decorre do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil que a sua ilisão teria de ser efectuada mediante prova em contrário por parte da AT, o que não se considera ter verificado.

Alegou a AT que, em virtude da aplicação do artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, a Requerente estaria obrigada, para além da obrigação de pagamento de imposto, à emissão de factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços. Por conseguinte, em função do disposto no artigo 36.º, n.º 6 do Código do IVA, as notas de crédito emitidas pela Requerente, ao consistirem em “guias ou notas de devolução e outros documentos retificativos” das facturas provisoriamente facturadas, teriam de conter, além da data e numeração sequencial, os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal, não olvidando a referência à factura a que respeitam e as menções desta que são objecto de alterações.

Nestes termos, entendeu a AT que o facto de as notas de crédito não identificarem as facturas a que respeitavam, não permitia estabelecer de forma clara e objectiva a necessária e indispensável conexão entre ambas, não se verificando assim cumpridos os requisitos legais exigíveis para a válida consideração daquelas notas de crédito e, assim, da devolução do montante de IRC retido na fonte tal como peticionado pela Requerente. Ando mal a AT.

Com efeito, a questão controvertida não respeita a operações praticadas pela Requerente enquanto sujeito passivo de IVA, nem tampouco às exigências que as facturas e as respectivas notas de crédito devem respeitar tendo em vista a identificação da transmissão de bens ou prestação de serviços efectuada de que depende, entre outros, o direito à dedução do IVA suportado a respeito daquelas operações. Dito de outro modo, e em termos porventura mais explícitos, o que se discute é a conformidade legal das retenções na fonte de IRC, com carácter definitivo, sobre o pagamento de royalties efectuados pela B... à Requerente, e não o enquadramento e a conformidade legal de operações por esta realizadas e que fossem eventualmente sujeitas a IVA.

Não obstante, mesmo que se atendesse às exigências mencionadas no Código do IVA, sempre seria de ter em consideração o facto de ser jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no acórdão Barlis proferido no Processo n.º C 516/14, que aqueles requisitos não podem ser atendidos de modo absoluto. Significa isto que, mesmo nos casos em que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais que sejam exigidos a respeito das facturas emitidas, nem por isso se deverá negar o direito de deduzir o montante de imposto por estes suportado a montante, conquanto estejam verificados os respectivos requisitos materiais. Para o efeito, esclarece aquele Tribunal que a AT não deverá apenas ter em conta as facturas em si consideradas, mas também as informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. No fundo, o TJUE admite a prevalência da substância sobre a forma com intuito de garantir que os eventuais vícios formais das facturas não obstam ao direito de o sujeito passivo deduzir o montante de imposto que tenha suportado a montante para a prática das operações sujeitas a IVA.

Aplicando a ratio decidendi do referido acórdão ao caso que agora nos ocupa, sempre se dirá que na máxima de “quem pode o mais pode o menos” a AT não poderia ter desconsiderado as notas de crédito emitidas pela Requerente com base na mera falta de identificação expressa das facturas a que respeitavam, cabendo-lhe antes aferir, em função dos elementos complementares apresentados, a realidade material das transacções efectuadas e que eram tituladas por aquelas mesmas notas de crédito. Em suma, caberia atender à substância em detrimento da forma, garantindo a prevalência da realidade económica subjacente ao circuito estabelecido entre a Requerente e a B... em virtude da celebração do contrato de franquia e do pagamento de royalties nele previsto (circuito esse composto pela emissão das facturas a título provisório, pela emissão das notas de créditos tendo em vista o acerto do montante provisoriamente facturado com o montante efectivamente devido e pela reclamação do montante de imposto retido na fonte em excesso por referência ao valor inicialmente facturado a título provisório). Dito de outro modo, caberia atender ao princípio da materialidade subjacente em ordem a garantir que a tributação do sujeito passivo respeitava a real capacidade contributiva por este revelada.

A este respeito, em função dos elementos probatórios carreados ao processo e sujeitos a um princípio de livre apreciação de prova - quando da lei não decorra outro valor probatório expresso -, nos termos do artigo 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, vislumbra-se que todas as facturas bem como todas as notas de crédito identificam quer a Requerente quer a B... . Por seu turno, todas elas integram a sigla “PWFA” que corresponde à abreviatura de “The ... Way Franchise Agreement", ou seja, todas elas fazem menção ao contrato de franquia celebrado pelas partes e em virtude do qual são emitidas. Ademais, todas elas referem a menção a “Non-buying Support Services”, isto é, todas elas referem que o montante nelas previsto respeita à componente remuneratória do contrato de franquia que dá azo ao pagamento de royalties. Por sua vez, em função da data em que foram emitidas, e do hiato temporal expectável que decorra a respeito do circuito económico contratualmente previsto quanto ao pagamento de royalties (facturação provisória, eventuais correcções posteriores ao fecho de contas e, por fim, correcção do montante de imposto pago por via de retenção na fonte de IRC com carácter definitivo), afigura-se possível destrinçar o exercício fiscal a que cada uma das referidas facturas e respectivas notas de crédito respeitam.

Em todo o caso, mesmo que apenas fosse tido em consideração um critério meramente rígido e formal, tal como propugnou a AT, a verdade é que a nota de crédito n.º C1432PRIPRP, emitida em 9 de Dezembro de 2016, no montante de € 568.268,00, mencionava expressamente que respeitava à factura provisória n.º I1894PRIPRP, emitida em 1 de Setembro de 2016, no montante de € 20.785.707,00. Assim, seria incongruente com a própria argumentação tecida pela AT, que esta não considerasse a referida nota de crédito para efeitos de correcção do montante de royalties facturados pela Requerente e, consequentemente, do montante de imposto que esta havia pago em excesso.

Em face do exposto, verifica-se que a Requerente logrou demonstrar o nexo ou ligação directa e efectiva existente entre as facturas n.º I1209PRIPRP, de 1 de Setembro de 2015, e a factura n.º I1249PRIPRP, de Setembro de 2015, com a nota de crédito n.º C1052PRIPRP, de 9 de Novembro de 2015, tudo por referência à guia de retenção na fonte n.º ... relativa ao exercício de 2014/2015, bem como da factura n.º I1894PRIPRP, de 1 de Setembro de 2016, com as notas de crédito n.º C1432PRIPRP, de 9 de Dezembro de 2016, e n.º C1511PRIPRP, de 27 de Janeiro de 2017, tudo por referência à guia de retenção na fonte n.º .. relativa ao exercício de 2015/2016.

Não ocorre, por conseguinte, motivo para desconsiderar as notas de crédito emitidas pela Requerente, pelo que o pedido arbitral se mostra ser procedente.

 

III.5. Juros Indemnizatórios

 

15. A requerente pediu ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 Em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e do artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, ao não caber recurso ou impugnação da decisão arbitral sobre o mérito da causa, a Administração Tributária fica vinculada nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, incumbindo-lhe o restabelecimento da situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando esta os actos e operações necessários para o efeito.

Neste sentido, segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Por seu turno, dispõe o artigo 43.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Ora, no caso em juízo, estava em causa uma liquidação efectuada por via de retenção a título definitivo, requerendo-se a sua anulação parcial.

Tal como se firmou no acórdão do STA de 18-01-2017, proferido no processo 0890/16, “I - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte. (...)”

Deste modo, em face de declaração de ilegalidade parcial dos actos de retenção na fonte a título definitivo, considera-se serem devidos juros indemnizatórios à Requerente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa dos juros legais em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular parcialmente os actos tributários impugnados nos autos;

b) Condenar a Autoridade Tributária ao pagamento à Requerente de juros indemnizatórios;

c) Condenar a Autoridade Tributária ao pagamento das custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 119.722,00.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060.00, a cargo da Autoridade Tributária, em conformidade ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Junho de 2020.

 

Os Árbitros,

Carlos Fernandes Cadilha

Maria do Rosário Anjos

Carla Castelo Trindade