DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro Alexandre Andrade, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de Outubro de 2019, decide no seguinte:
1. Relatório
A... (adiante designado apenas por Requerente), Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ... ..., ..., Alemanha, representado por B... GMBH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).
O Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2017.
Completa o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, [...] o Requerente suportou, em Portugal, no ano de 2017, a quantia total de imposto de EUR 8.979,10, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral. [...] Na ótica do Requerente, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”), conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).
Continua o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Neste sentido, no passado dia 28.12.2018, o Requerente apresentou, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do CIRC, 132.º do CPPT e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2017, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal – processo que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º REC 185/19. Todavia, no passado dia 17.05.2019, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que não competiria à AT “avaliar a conformidade das normas internas com as to TFUE, nem tampouco apreciar a sua constitucionalidade”. Mais refere a AT na sua decisão final que “não pode (...) aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu”. Ora, o Requerente não pode conformar-se com a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida pela AT, não só porque esta se destitui do seu papel decisório, mas também porque, por consequência dessa inércia e da confirmação da legalidade dos atos tributários reclamados, acabou por emitir uma decisão desfavorável ao contribuinte e que padece de um vício de violação de lei, o que sustenta a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral. Considerando que o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa no passado dia 17 de maio de 2019, não restam dúvidas sobre a tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.
Tudo ponderado, refere o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, é inequívoco que a norma constante do artigo 22.º do EBF, à data dos factos tributários ora sindicados, padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional e da liberdade de circulação de capitais, violando, por conseguinte, os artigos 8.º da CRP e 18.º e 63.º do TFUE e a jurisprudência firmada sobre a matéria pelo TJUE, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de restituição ao Requerente da quantia de EUR 8.979,10 acima melhor discriminada, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.
No Pedido de Pronúncia Arbitral, requer, a final, o Requerente, Termos que se requer a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, tudo com as devidas consequências legais, concluindo-se pela procedência do presente pedido, por provados os factos invocados, e a final: (i) Pela anulação dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, nos termos acima melhor expostos, e pelo consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 8.979,10, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2017, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais; (ii) Pela eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, como acima referido, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao do Requerente no presente processo; (iii) Subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado; (iv) Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.
Na Resposta, a Requerida diz, No introito do pedido de pronúncia arbitral (adiante também designado por ppa) refere-se que este tem por objeto a “apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2017...”.
Mais diz a Requerida na Resposta, Conforme resulta do PPA, bem como do processo administrativo (adiante PA), este tem por objeto a anulação de atos de retenção na fonte de IRC sobre dividendos relativos ao ano de 2017, por vício de ilegalidade por violação direta do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
Mais diz a Requerida na Resposta, Conforme se retira do PPA para o Requerente, a questão decidenda consiste em determinar a conformidade dos normativos do Código do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos tributários relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por OIC com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE, pelo que, a título subsidiário, requer o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado. Conforme supramencionado, a Requerente deduziu RG sobre esta matéria que obteve decisão de indeferimento com fundamento em que “não pode (...) aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu”. A factualidade em causa respeita à retenção na fonte de IRC, no montante de € 8.979,10, calculado à taxa de 25%, sobre dividendos distribuídos pela entidade melhor identificada no artigo 19.º do PPA, no montante total de € 35.916,41, sobre os quais incidiu IRC, retido na fonte, por força, do disposto na alínea c), n.º 2 do artigo 2.º; alínea d), n.º 1, do artigo 3.º; subalínea 3), alínea a), n.º 3, do artigo 4.º; alínea c), n.º 1 e alínea b), n.º 3, artigo 94.º e n.º 4 do artigo 87.º, todos do Código do IRC. Note-se que, tanto quanto nos é dado a conhecer a Requerente optou por não solicitar o reembolso ao abrigo do n.º 2 do artigo 10.º, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (adiante CDT), que estabelece um limite máximo para o imposto cobrado no Estado da fonte de 15% do montante bruto dos dividendos. É, pois, sobre este montante de € 8.979,10 que incide o pedido de pronúncia arbitral.
Pede, a final, a Requerida, na Resposta, o seguinte: Nestes termos e nos mais de Direito, [...], deverá ser proferida decisão que: a) julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a entidade Requerida nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências, Caso assim não se entenda, b) dê provimento ao pedido de suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20 de Agosto de 2019 e posteriormente notificado à Requerida.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 7 de Outubro de 2019, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 28 de Outubro de 2019.
Em 28 de Outubro de 2019, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte Despacho Arbitral: Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notifique-se o dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Em 2 de Dezembro de 2019 a Requerida apresentou Resposta e Processo Administrativo.
As Partes apresentaram alegações.
Em 3 de Abril de 2020, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte Despacho Arbitral: Em 30 de Março de 2020, no âmbito do presente Processo Arbitral (Processo Arbitral n.º 548/2019-T), foi nomeado o Árbitro Dr. Alexandre Andrade (aqui signatário), em substituição do Exmo. Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, Árbitro que havia sido nomeado mas que renunciou às funções arbitrais. O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 28 de Outubro de 2019. As Partes já apresentaram as suas alegações escritas. Por Despacho Arbitral datado de 3 de Dezembro de 2019, foi fixado o dia 27 de Março de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral. Nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral. Nos termos do artigo 15.º do RJAT, O processo arbitral tem início na data da constituição do Tribunal Arbitral, [...]. Nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), O Tribunal Arbitral pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses, comunicando às partes essa prorrogação e os motivos que a fundamentam. O Processo Arbitral requer uma cuidada, atenta e ponderada análise. Tendo em conta que a nomeação do Árbitro ocorreu em 30 de Março de 2020 e que o presente Processo Arbitral já se encontra numa fase avançada (com alegações escritas já apresentadas pelas Partes), sendo necessário analisar, agora, todo o Processo, este Tribunal Arbitral Singular determina a prorrogação, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, por dois meses, do prazo para a emissão e notificação da Decisão Arbitral a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo 21.º do RJAT. Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral – [...] – deve comunicar ao Conselho Deontológico a prorrogação do prazo a que alude ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, bem como os motivos que a fundamentaram. Cumpra-se o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico, notificando-se o Conselho Deontológico da prorrogação do prazo por 2 meses. Nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral decide, tendo em conta o estado do processo se algum ato processual tem de ser repetido face à nova composição do tribunal.
prorrogação e os motivos que a fundamentam. Nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), No caso de se verificar a substituição de árbitro, o tribunal arbitral decide se algum ato processual deve ser repetido em face da nova composição do tribunal, tendo em conta o estado do processo. As Partes já apresentaram as suas alegações escritas e requereram, neste Processo Arbitral, em cada momento, o que tiveram por conveniente. Este Tribunal Arbitral Singular está a analisar todo o processo. Sem prejuízo, notifiquem-se as Partes para, no prazo de 10 (dez) dias, dizerem, querendo, o que tiverem por conveniente nesta fase. Em nome do Princípio da Colaboração das Partes, solicita este Tribunal Arbitral Singular o envio das peças processuais em formato Word. Do presente Despacho Arbitral notifiquem-se ambas as Partes.
O Tribunal Arbitral Singular é competente e foi regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de Facto
2.1 Factos Provados
Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo, este Tribunal Arbitral Singular considera provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:
1. O Requerente é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado de fundo de investimento (conforme Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
2. O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade com sede na Alemanha (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).
3. O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “B... GmbH”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).
4. O Requerente é um sujeito passivo de IRC, não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, e sem qualquer estabelecimento estável em Portugal (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
5. O Requerente é uma entidade residente, para efeitos fiscais, na Alemanha, sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas na Alemanha (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
6. Ao Requerente foi concedida uma isenção, na Alemanha, nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – German Corporate Income Tax Act – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – German Investment Tax Act, o que impossibilita o Requerente de recuperar, a título de crédito por dupla tributação internacional ou formular qualquer pedido de reembolso, impostos suportados ou pagos no estrangeiro (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).
7. O Requerente e a entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht, entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).
8. No ano de 2017, o Requerente era detentor de 144.340 ações (participações sociais) na seguinte sociedade residente em Portugal: C... SGPS S.A. (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
9. A entidade responsável pela custódia dos títulos detidos pelo Requerente em Portugal era a entidade D..., SCA (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
10. No ano de 2017, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte, à taxa de 25% (taxa liberatória), como a seguir é discriminado (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo):
11. O Requerente é o beneficiário dos rendimentos, tendo suportado, em Portugal, no ano de 2017, a quantia total de imposto de € 8.979,10 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
12. Em 28 de Dezembro de 2018, o Requerente apresentou, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), Reclamação Graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2017, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
13. A Reclamação Graciosa correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º REC 185/19, processo de reclamação graciosa n.º ...2019... (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
14. Por documento datado de 9 de Abril de 2019, o Requerente foi notificado para exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT (conforme Processo Administrativo).
15. Constava do Projeto de Decisão da Reclamação Graciosa: I. Descrição sumária do pedido. Veio o A..., NIF..., apresentar em 2019/01/15, reclamação graciosa, nos termos do art.º 137.º do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC) e art.º 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da retenção na fonte de IRC a título definitivo efetuadas no ano de 2017, através da guia ... 2017-05, solicitando o reembolso do montante de € 8.979,10. III. Alegações. Invoca o Reclamante, resumidamente: a) Que, é uma pessoa coletiva de direito alemão, constituído enquanto organismo de investimento Coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, com sede na Alemanha. b) Que, no ano de 2017 recebeu dividendos, no montante de 35.916,41 sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte, cuja retenção na fonte foi efetuada pela entidade responsável pelos títulos, à taxa de 25%, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3 e n.º 4, todos do art.º 94.º e do n.º 4 do art.º 87.º, ambos do CIRC, no montante global de € 8.979,10. c) Que, tendo em conta o disposto no artigo 22.º do EBF, considera que ao sujeitar a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC´s residentes num Estado-Membro, ao mesmo tempo que a isenta quando distribuídos a OIC´s domiciliados em Portugal, viola o disposto no art.º 18.º concretizado no art.º 63.º do TFUE, ou seja, a proibição da discriminação baseada na nacionalidade ou local de investimento entre entidades/ pessoas residentes em Estados Membros da EU, e livre circulação de capitais, por estar centrada no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos. d) Sendo forçoso concluir que, o tratamento discriminatório conferido ao Reclamante e a todos os demais Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos na EU constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE e art.º 1.º da Diretiva 88/361/CEE, de 24/06/1988. e) Que, este entendimento tem por base a jurisprudência do TJUE, invocando para o efeito, diversos acórdãos do referido Tribunal, existindo com este tratamento diferenciado, uma incompatibilidade das normas nacionais com o Direito da União Europeia, nomeadamente do art.º 22.º do EBF com o art.º 63.º do TFUE e, como tal, viola os princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional, previsto no art.º 8.º da CRP. f) Atendendo ao invocado, solicita o reembolso de retenções na fonte de dividendos – IRC/2017 no montante de € 8.979,10 acrescido de juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43.º da LGT. [...]. V. Análise do pedido e parecer. Não obstante o acima descrito, sempre se dirá que, 1 – O Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3.º e n.º 2 do art.º 4, ambos do CIRC, à taxa de 25%, nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a titulo definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.º do CIRC. 2 – No entanto, esta taxa pode ser afastada por aplicação de uma CDT, através da entrega do formulário Modelo 21 RFI, nos termos do disposto no art.º 98.º do CIRC. Da análise ao invocado nos presentes autos, conclui-se que o mesmo não consubstancia um pedido desta natureza. 3 – Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do art.º 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte, 4 – Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e Circular n.º 6/2015 (sublinhado nosso). 5 – Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF. 6 – Exclusão esta, não aplicável ao reclamante – pessoa coletiva de direito alemão -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação. 7 – A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a EU. 8 – Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleça, uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal. 9 – Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado. 10 – Cumpre referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP. 11 – E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. 12 – Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a norma legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL n.º 7/2015 de 13/02, com o TFUE. 13 – Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, (...) no caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residente (...)” considerando a autora que “A analise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspetiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraia as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”. 14 – Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido. 15 – Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios. VI. Conclusão. Face ao exposto, sou do parecer que deve a presente reclamação graciosa ser indeferida, devendo notificar-se o interessado para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos a al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT (conforme Processo Administrativo).
16. Por documento datado de 16 de Maio de 2019, o Requerente foi notificado do Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
17. Constava da Decisão da Reclamação Graciosa: Informação sucinta. Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, que foi exarado em 2019-04-05, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, por subdelegação, relativamente à retenção na fonte efetuada pela guia ... (2017-05), respeitante ao IRC do ano de 2017, no valor de € 8.979,10. O reclamante foi notificado, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do oficio n.º [...]. Uma vez que, até à presente data, o reclamante não exerceu o seu direito e que se mantêm válidos os fundamentos constantes do projeto de decisão, no qual é proposto o indeferimento do pedido, deverá o mesmo ser convolado em definitivo (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo).
18. O Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa proferida pela Autoridade Tributária e apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral (conforme informação no Sistema de Gestão Processual do CAAD).
19. Em 19 de Agosto de 2019 deu entrada o Pedido de Pronúncia Arbitral em causa nos presentes Autos Arbitrais (conforme informação no Sistema de Gestão Processual do CAAD).
2.2 Factos Não Provados
Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
2.3 Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral, incluindo o Processo Administrativo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos presentes Autos Arbitrais, consideraram-se provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
3. Matéria de Direito (fundamentação)
3.1. Questão de mérito
No Pedido de Pronúncia Arbitral, o Requerente diz o seguinte: Conforme vimos atrás, a questão decidenda consiste em determinar a conformidade dos normativos internos em vigor à data dos factos tributários ora sindicados – mais concretamente o CIRC e o EBF - relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por OIC com os princípios estabelecidos no Direito da União Europeia , em particular com o artigo 63.º do TFUE.
Continua o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, De modo a melhor enquadrar a questão em análise, importará, antes de mais, revisitar o quadro legislativo em sede de tributação de dividendos ao nível do CIRC e do EBF em vigor . Em termos gerais, e conforme dispõe a alínea c) do número 1 do artigo 20.º do CIRC, os dividendos são considerados proveitos resultantes de rendimentos financeiros. No que diz respeito ao regime interno de tributação dos dividendos, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo também ele residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (ver artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4 do CIRC).
Contudo , continua a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, nos casos de OIC constituídos de acordo com a legislação nacional , os mesmos estavam , à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos , nos termos do artigo 22.º do EBF, pois como estipula o n.º 3 do referido preceito legal, “Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS (…)”. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu à reforma do regime de tributação dos OIC, alterando o EBF e o Código do Imposto do Selo (“CIS”), sendo o novo regime aplicável aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015. Note-se, que nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro Estado Membro da União Europeia estar constituído de acordo com a legislação nacional e beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF . Com efeito, a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC. Adicionalmente, para que um OIC se constitua de acordo com a legislação nacional (tal como definido no n.º 1 do artigo 22.º do EBF) necessita do cumprimento de múltiplos requisitos previstos no Regime Geral dos OIC, cuja verificação é supervisionada pela CMVM. Ora, um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado Membro da EU) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM .
Continua o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Assim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF . Ou seja, resulta das disposições legais a que se fez referência nos pontos imediatamente anteriores, que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2017, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa .
Com efeito, diz o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional. Por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da União Europeia, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos a uma tributação efetiva e liberatória de 25% em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2017, em Portugal.
Diz a Requerida na Resposta, No introito do pedido de pronúncia arbitral (adiante também designado por ppa) refere-se que este tem por objeto a “apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2017...”.
Continua a Requerida na Resposta, Conforme resulta do PPA, bem como do processo administrativo (adiante PA), este tem por objeto a anulação de atos de retenção na fonte de IRC sobre dividendos relativos ao ano de 2017, por vício de ilegalidade por violação direta do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
Conforme se retira do PPA, diz a Requerida na Resposta, para o Requerente, a questão decidenda consiste em determinar a conformidade dos normativos do Código do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos tributários relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por OIC com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE, pelo que, a título subsidiário, requer o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado.
Mais diz a Requerida na Resposta, Conforme supramencionado, a Requerente deduziu RG sobre esta matéria que obteve decisão de indeferimento com fundamento em que “não pode (...) aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu”.
Continua a Requerida na Resposta, A factualidade em causa respeita à retenção na fonte de IRC, no montante de € 8.979,10, calculado à taxa de 25%, sobre dividendos distribuídos pela entidade melhor identificada no artigo 19.º do PPA, no montante total de € 35.916,41, sobre os quais incidiu IRC, retido na fonte, por força, do disposto na alínea c), n.º 2 do artigo 2.º; alínea d), n.º 1, do artigo 3.º; subalínea 3), alínea a), n.º 3, do artigo 4.º; alínea c), n.º 1 e alínea b), n.º 3, artigo 94.º e n.º 4 do artigo 87.º, todos do Código do IRC.
Considera este Tribunal Arbitral Singular que o thema decidendum se reporta a determinar a conformidade dos normativos internos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), em vigor à data dos factos tributários objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral, relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por Organismos de Investimento Coletivo (OICs), com os princípios estabelecidos no Direito da União Europeia, em particular com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ou seja, está em causa saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia, in casu, a Alemanha, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.
Vejamos.
Nos termos do artigo 63.º do TFUA, No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do EBF (Organismos de Investimento Coletivo), São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional .
Nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, [...].
Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
Nos termos do n.º 10 do artigo 22.º do EBF, Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 .
Argumenta o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Conforme vimos atrás, o ora Requerente é um OIC constituído de acordo com a legislação alemã (e aí residente), sendo a respetiva sociedade gestora igualmente residente e constituída ao abrigo da legislação da Alemanha. A Alemanha é um Estado Membro da União Europeia, estando, pois, os seus nacionais cobertos pelas liberdades e garantias conferidas pelo TFUE. O TFUE consagra no seu texto as apelidadas quatro liberdades fundamentais, sendo, pois, da maior relevância a Jurisprudência que o TJUE tem produzido sobre a interpretação das normas de direito da União Europeia, [...]. Deste modo, e voltando ao Direito da União Europeia primário – o TFUE – importa salientar que o TFUE fornece um conjunto comum de regras para comércio e relações económicas entre os Estados Membros da UE, visando a criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária (ver artigo 2.º do Tratado de Roma). Nos termos do artigo 14.º do Tratado de Roma, tratado que criou a Comunidade Económica Europeia, a referida Comunidade (atual União Europeia) caracteriza-se por ser um espaço sem fronteiras, consagrando as denominadas quatro liberdades fundamentais: liberdade de circulação de mercadorias, liberdade de circulação de pessoas e bens, liberdade de circulação/ prestação de serviços e liberdade de circulação de capitais. Neste sentido, o artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade, princípio esse concretizado, no que diz respeito à livre circulação de capitais, no artigo 63.º, o qual proíbe todas as formas de discriminação baseadas na nacionalidade ou no local de investimento entre entidades/ pessoas residentes em Estados Membros da UE . Por seu turno, o Anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, estabelece uma nomenclatura de movimentos de capitais, a qual conservou o valor indicativo que tinha para a definição do conceito de movimento de capitais (ver acórdão de 16 de março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colet., p. I-1661, n.° 21), precisando que este conceito inclui as operações de distribuição de dividendos. Equivale isto a dizer que a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988 supra referida . Nesse sentido veja-se o Acórdão Verkooijen do TJUE no Processo n.º C-35/98 que termina por concluir que: o facto de um nacional de um Estado Membro residente no seu território receber dividendos de acções de uma sociedade com sede noutro Estado Membro é abrangido pela Directiva 88/361” (sombreado nosso).
Concretiza o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, a distribuição de dividendos entre Estados Membros da UE não pode estar sujeita a quaisquer restrições, nem tão pouco a quaisquer discriminações baseadas na nacionalidade ou no local do investimento, uma vez que o Direito da União Europeia estabelece um quadro legal destinado a eliminar quaisquer discriminações na circulação de capitais, nomeadamente em investimentos transfronteiriços (diretos ou indiretos), bem como eliminar quaisquer restrições que possam afetar a livre circulação de capitais .
Tudo ponderado, diz o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, uma conclusão se impõe : as distribuições de dividendos efetuadas ao Requerente no ano de 2017 constituem um movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE, cumprindo, pois, estabelecer se a legislação nacional em vigor à data dos factos aqui em discussão se mostra contrária a tal normativo por via da introdução de um tratamento discriminatório entre OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e OIC constituídos ao abrigo de normas de outros Estados Membros da União Europeia .
Continua o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Tendo por base a jurisprudência do TJUE, o conceito relevante de discriminação à luz do Direito da União Europeia terá o seguinte significado: (i) Situações semelhantes não deverão ser tratadas de forma diferenciada a não ser nos casos em que tal tratamento diferenciado possa ser objetivamente justificado e seja proporcional ao objetivo prosseguido pela legislação nacional (Caso Ruckdeschel, Proc. n.º 16/77, ECR 1753; Caso Bachmann, Proc. N.º 204/90); (ii) Uma aparência de discriminação na forma poderá corresponder a uma ausência de discriminação em substância (Proc. n.º 13/63, Refrigeradores Italianos, ECR 165); (iii) A discriminação em razão da nacionalidade é proibida, pois restringe liberdades fundamentais previstas no TFUE, devendo a proibição abranger toda e qualquer forma de discriminação ou critérios de diferenciação que possam conduzir ao mesmo resultado (Acórdão Commerzbank, Proc. n.º C-330/91); e (iv) Para efeitos de determinar se uma norma interna é discriminatória, não será necessário que a mesma atinja um número relevante de nacionais de outros Estados Membros (Caso O’Flynn, Proc. n.º C-237/94, 1996, ECR 2617).
Defende o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral o seguinte: Atente-se na posição já defendida pelo TJUE, o qual de uma forma inequívoca sustentou que “O artigo 73.º-B do Tratado, conjugado com o artigo 73.º-D do Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro, que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas as rendas recebidas no território nacional por fundações de utilidade pública, em princípio, sujeitas de forma ilimitada ao imposto se estiverem estabelecidas nesse Estado, recuse conceder a mesma isenção relativamente às rendas do mesmo tipo a uma fundação de direito privado de utilidade pública, unicamente pelo facto de esta, por se encontrar estabelecida noutro Estado-Membro, apenas estar sujeita a de forma limitada ao imposto no seu território” (Acórdão Centro di Musicologia Walter Stauffer – Processo C-386/04). Este acórdão é particularmente importante uma vez que trata de uma situação similar à que se discute nos presentes autos, porquanto a questão controvertida consiste na conformidade da legislação interna alemã com o Direito da União Europeia quando esta recusa a concessão de uma isenção a uma fundação de utilidade pública não domiciliada na Alemanha e que aí obteve rendimentos prediais -isenção, essa, que era concedida às fundações residentes na Alemanha. No caso, o TJUE vem defender que a recusa da atribuição de isenção fundada na residência da fundação - e a circunstância da mesma estar sujeita a imposto de forma limitada no território alemão - constitui uma discriminação contrária ao Direito da União Europeia, [...].
Nesta matéria, continua o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, importará também ressaltar que noutra relevante decisão, na qual o TJUE abordou o tema da diferença de tratamento entre entidades nacionais e entidades estrangeiras para efeitos de violação do artigo 63.º do Tratado, concluiu no Acórdão Gerritse (C-234/01) que “28. Nestas condições, uma regulamentação nacional que recusa aos não residentes, em matéria de tributação, a dedução das despesas profissionais, ao invés concedida aos residentes, corre o risco de funcionar principalmente em detrimento dos nacionais de outros Estados-membros e comporta, portanto, uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, em princípio contrária aos artigos 59.° e 60.° do Tratado. 29. Como não foi apresentado ao Tribunal de Justiça qualquer argumento preciso para justificar essa diferença de tratamento, há que considerar que os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem a uma regulamentação nacional como a em causa no processo principal na medida em que exclui a possibilidade de os contribuintes parcialmente tributados deduzirem as despesas profissionais dos seus rendimentos tributáveis, quando essa possibilidade é reconhecida aos contribuintes globalmente tributados”. Vejamos também o Acórdão do TJUE de 8 de novembro de 2007 (Processo C-379/05 – Caso Amurta) acerca do tratamento mais favorável e, em consequência, discriminatório, conferido às sociedades residentes num determinado Estado Membro da UE por comparação com as sociedades residentes noutro Estado Membro da UE quanto à tributação na distribuição de lucros efetuada por sociedades residentes nesse primeiro Estado, “(…) esse tratamento desfavorável dos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro, relativamente ao tratamento reservado às sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos, é susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro de proceder a investimentos nos Países Baixos e constitui, consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE [atual artigo 63.º do TFUE]”.
Para o Requerente, conforme Pedido de Pronúncia Arbitral, Da jurisprudência comunitária resulta, ainda, que a proibição geral de discriminação, enquanto restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do Tratado cobre quer as restrições diretas, quer as restrições indiretas, incluindo as medidas administrativas e orientações administrativas em relação a qualquer tipo de investimento.
O Requerente continua a sua argumentação no Pedido de Pronúncia Arbitral dizendo o seguinte: Não obstante as linhas jurisprudenciais acima assinaladas, importa, porém, notar que o TJUE não tem valorado a proibição de adoção de medidas discriminatórias como um princípio absoluto, mas sim, sujeito ao denominado rule of reason nos termos do qual serão de admitir medidas fiscais discriminatórias nos seguintes (restritos) casos: (i) Preservação de um interesse de natureza pública, tal como a manutenção da coerência do sistema fiscal interno do Estado Membro (ver Processo Bachmann, Acórdão de 28.01.1992, Processo n.º C-204/90); (ii) A medida de interesse público adotada deverá ser condição indispensável à prossecução do objetivo de interesse geral visado (ver Acórdão Bachmann acima citado); e (iii) Possibilidade de adoção de medidas anti-abuso e anti-fraude, as quais deverão ser proporcionais aos objetivos prosseguidos (cumpre notar que possibilidade de os Estados Membros adotarem medidas anti-abuso encontra-se expressamente consagrada no n.º 2 do artigo 1º da Diretiva 90/435/CEE).
Perante tal, o Requerente argumenta no Pedido de Pronúncia Arbitral o seguinte: Da desconformidade do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º do TFUE. Conforme tivemos oportunidade de verificar supra, a faceta controvertida do artigo 22.º do EBF centra-se na circunstância de o mesmo ser exclusivamente aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa . Daqui se conclui que , caso o Requerente tivesse sido constituído ao abrigo das normas vigentes em Portugal, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos por si percecionados no ano de 2017, em virtude da aplicação da isenção de tributação.
Ora, diz o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, é, precisamente, nesta dicotomia discriminatória, centrada no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, que importa trazer à colação a legislação europeia, bem como a interpretação que tem sido efetuada pelo TJUE .
Num plano concetual, diz o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, a questão da eventual desconformidade da norma supra citada do EBF com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade deverá ser analisada da seguinte forma: (i) Se os artigos 18.º e 63.º do Tratado se opõem a que a legislação fiscal portuguesa introduza um tratamento mais favorável, na distribuição ou colocação à disposição de lucros aos OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e negue esse mesmo tratamento quando o OIC seja constituído a abrigo da legislação de outro Estado Membro da UE, in casu a Alemanha; (ii) Se tal discriminação é arbitrária ou se, pelo contrário, se encontra abrangida por qualquer cláusula de salvaguarda e se se encontra objetivamente justificada. No que diz respeito à primeira questão , recordemos que, em 2017, face à isenção estabelecida no artigo 22.º do EBF, resulta que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa está isento de tributação sobre dividendos auferidos, ao passo que um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro da União Europeia não pode beneficiar do mesmo regime, estando sujeito a IRC a uma taxa definitiva de 25% sobre todos os dividendos obtidos por parte de sociedades residentes em Portugal. Do sistema acima previsto, resulta de forma evidente que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa dispõe de um benefício financeiro consubstanciado na possibilidade de conservar, em condições mais favoráveis, os montantes respeitantes ao IRC que seria devido por retenção na fonte e de que se encontra isento relativamente aos rendimentos que receba de sociedades também residentes em Portugal. Por contraste, um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro terá de suportar, em idênticas condições, a retenção na fonte de IRC sobre os lucros distribuídos pelas sociedades residentes em Portugal que compõem o seu portfólio da carteira de investimento, imposto, esse, que não poderá recuperar com o inerente e adverso impacto financeiro (dado que a retenção na fonte neste cenário terá caráter definitivo e liberatório). Poderia colocar-se a questão de saber se um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro estão em situações comparáveis para efeitos da aferição de um cenário discriminatório em termos fiscais, dúvida que a DFL levanta na decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa . Com efeito, poderíamos ser levados a sustentar que, pelo facto do Requerente não ser uma entidade constituída em Portugal, não estaria em condições semelhantes a um OIC nacional, contudo, o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da nacionalidade, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão em situações comparáveis. Neste aspeto, não subsistem dúvidas: se ao ora Requerente fossem aplicadas as mesmas regras que as que são aplicadas aos OIC residentes, o mesmo não estaria sujeito a tributação em Portugal pelos dividendos recebidos de entidades nacionais! Quanto à questão da comparabilidade existente entre entidades residentes e não residentes para efeitos de análise do carácter discriminatório do regime fiscal interno de tributação de OIC, reiteram-se ainda as conclusões do Tribunal da EFTA – o qual tem a competência para analisar o cumprimento das normas do Acordo EEE no seio dos Estados Membros da EFTA – em situação idêntica à dos presentes autos: “O mero facto de o accionista residente estar sujeito em termos gerais a tributação na Noruega, enquanto o accionista não residente apenas está sujeito a tributação em relação aos proveitos que obtenham nesse país, não é suficiente para evitar a consideração que as duas situações são comparáveis” (Acórdão proferido no processo E-1/04, Fokus Bank ASA). Não se poderá igualmente afirmar que o Requerente não se encontra numa situação de comparabilidade porquanto um OIC em Portugal está sujeito a outros tipos de tributação tais como o Imposto do Selo e tributações autónomas. Note-se que, no presente processo, está em causa a retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos distribuídos ao Requerente (OIC estrangeiro).
Diz o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Pelo que a sujeição de um OIC português a Imposto do Selo não deve obstar a que se faça uma análise concreta do artigo 22.º do EBF e pela qual necessariamente se conclui pela existência de uma discriminação injustificada.
Um outro ponto de argumentação do Requerente que é referido no Pedido de Pronúncia Arbitral prende-se com a comparabilidade dos regimes fiscais dos OIC em Portugal e na Alemanha. Veja-se, Note-se ainda que não estamos a analisar nos presentes autos a comparabilidade do regime fiscal dos OIC em Portugal e na Alemanha e se os mesmos são equiparáveis, mas ao invés a discussão situa-se noutro prisma: a comparabilidade de um OIC residente em Portugal e de um OIC residente noutro EM quando ambos auferem dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em Portugal . [...] É, assim, clara a comparabilidade das situações em apreço, sendo igualmente notório, no que respeita à segunda questão colocada acima, que a legislação portuguesa em análise não visa estabelecer qualquer medida anti-abuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, pelo que o tratamento discriminatório conferido ao Requerente não encontra aqui qualquer justificação, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
Para o Requerente, conforme refere no Pedido de Pronúncia Arbitral, Resulta igualmente do acima exposto que existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361, uma vez que o ora Requerente está sujeito a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos.
Para o Requerente, tal como afirma no Pedido de Pronúncia Arbitral, Face a tudo o acima exposto, é evidente que se verifica também na situação em análise nos presentes autos uma manifesta desconformidade com o princípio do primado do Direito Comunitário, o que se materializa numa violação direta do nosso texto constitucional. Não se invoque ainda contra o acima exposto, que no caso em apreço não existe qualquer desconformidade com o Direito da União Europeia, nem em concreto com a norma do artigo 63.º do Tratado, uma vez que o mesmo não teria efeito direto e, como tal, não prevaleceria sobre as normas de direito fiscal nacional. Ora, no caso aqui em análise, não só estamos perante uma claríssima situação de desconformidade das normas fiscais nacionais face ao Direito da União Europeia, como é inequívoco que os Estados membros e as suas respetivas normas internas devem respeitar o princípio consagrado no artigo 63.º do Tratado .
Argumenta ainda o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral o seguinte: Não venha ainda a ser invocado contra a posição acima sustentada nos presentes autos, tal como sustenta a DFL na decisão de indeferimento da reclamação ora sindicada, a circunstância de estarmos perante atos legislativos firmados na ordem jurídica nacional, pois, também neste domínio a Jurisprudência dos nossos Tribunais Fiscais superiores é muito clara, impondo e passamos a citar “O direito comunitário é para respeitar por todos os funcionários e agentes do Estado, pois este tem o dever de solidariedade comunitária, previsto no art.º 10º do Tratado de Roma. Se os funcionários do Estado não conhecem o direito comunitário que o estudem, pois esse é o seu dever. Não basta que um Estado se diga de Direito para que realmente o seja. É preciso que os actos do Estado sejam actos conformes ao Direito, seja ele nacional, internacional ou comunitário.”.
Por último, o Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, diz o seguinte: Da análise do caso por parte do TJUE. Nos termos do atual artigo 267.º do Tratado, o TJUE é competente para apreciar, a título prejudicial, qualquer questão sobre a validade e interpretação dos atos das instituições da União Europeia e sobre o Tratado, sendo que sempre que uma questão sobre essa matéria for colocada perante um órgão jurisdicional de um Estado Membro, este pode pedir ao TJUE que se pronuncie sobre essa questão. Não obstante o acima exposto, o Requerente não pode deixar de referir, para efeitos de apreciação deste Douto Tribunal Arbitral que, em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (leia-se, no processo n.º 93/2019-T), em que se discute a mesma questão de Direito quanto à discriminação existente no artigo 22.º do EBF entre OIC residentes e não residentes (estando em causa um outro OIC residente na Alemanha que obteve dividendos sujeitos a retenção na fonte de IRC em Portugal), foi proferido despacho arbitral no passado dia 9 de julho que contém a decisão de reenvio prejudicial das mesmas questões prejudiciais para análise do TJUE, tendo sido ordenada a suspensão da instância. [...].
Na Resposta, a Requerida, argumenta: A Requerente começa por descrever o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (OIC), que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF.
Porém, continua a Requerida na Resposta, a Requerente omite dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo. Um , tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo. Com efeito, foi aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos. Ora, a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira. A outra omissão prende-se justamente com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cfr. n.º 10 do artigo 22.º do EBF).
Continua a Requerida na Resposta, No entanto a Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º, cuja redação é seguinte: «São tributados autonomamente, à taxa de 23%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.». Por conseguinte, os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.
Mais diz a Requerida na Resposta, Como é óbvio, os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente , não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos. Pois bem, os Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação alemã – até 31 de dezembro de 2017 - geralmente eram tratados como veículos de investimento transparentes. Consequentemente, qualquer rendimento gerado por um Fundo era tributável na esfera dos seus investidores na Alemanha, independentemente de ter sido distribuído aos investidores. O rendimento distribuído e o rendimento imputado (assim como os ganhos intercalares) eram geralmente classificados como rendimentos de capital e tributados a uma taxa fixa de 25%, acrescida de uma sobretaxa de solidariedade e, se aplicável, um imposto da igreja, a uma taxa máxima de 28,625%. Ou seja, os investidores alemães dos Fundos de Investimento eram tratados como se detivessem diretamente os ativos dos fundos de investimento, portanto, qualquer rendimento gerado na esfera do Fundo era atribuído aos investidores e tributada em conformidade, mas, para a determinação dos rendimentos imputados por unidade de participação, os Fundos de Investimento estavam obrigados a publicar, no diário federal eletrónico, relatórios diários e anuais com informações fiscalmente relevantes.
Continua a Requerida na Resposta, Do acima exposto, é possível concluir que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis , pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos. Consequentemente , não pode afirmar-se de forma categórica – como é feito no artigo 40.º do PPA - “que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2017, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa”. Basta recordar que um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC, em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo. Ao passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação alemã, em 2017, apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT) e como os rendimentos gerados no Fundo, distribuídos e imputados, apenas, eram tributados na esfera dos investidores, certamente, os impostos suportados pelo Fundo eram igualmente imputados aos investidores. Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos. Do mesmo modo que, não está demonstrado cabalmente que, embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores .
Na Resposta, a Requerida diz mais, No âmbito da apreciação da conformidade das normas do Código do IRC e do EBF, atinentes aos dividendos com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, o Requerente convoca o artigo 18.º do TFUE que estabelece o seguinte: “No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade”. E, ainda, o artigo 63.º do TFUE, cuja redação dispõe que: «1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros». Por sua vez, prescreve o Artigo 65.º do TFUE: «1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. 2 - (...). 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º». Ora, o artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.
No entanto, continua a Requerida na Resposta, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos. Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu. Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente nos seus artigos 78.º a 120.º do PPA, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário .
Assim, diz ainda a Requerida na Resposta, cumpre tecer algumas clarificações, começando pelo regime de tributação dos Fundos na Alemanha, naturalmente, que se o Fundo estava isento de imposto sobre o rendimento, na Alemanha, não teria direito a qualquer crédito fiscal por retenção de impostos no estrangeiro e, igualmente, não teria também a possibilidade de solicitar à autoridade tributária da Alemanha o reembolso dos impostos retidos no estrangeiro. Todavia, sendo os rendimentos do Fundo tributados na esfera dos investidores, por distribuição ou imputação, fica-se sem saber se o direito ao crédito de imposto é transferido para os investidores proporcionalmente aos rendimentos distribuídos ou imputados anualmente, cumprindo assim um dos objetivos do regime de transparência fiscal que é o de assegurar a neutralidade na tributação dos rendimentos dos investimentos realizados diretamente pelos investidores ou por intermédio desse tipo de instrumentos financeiros.
Pois bem, argumenta a Requerida na Resposta, a Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal. E a prova é a de que o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento.
Defende a Requerida na Resposta, Ora, com o devido respeito, a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.
Mais defende a Requerida na Resposta, Para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos. Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.
Mais diz a Requerida na Resposta, Para avaliar se a legislação nacional aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido na Alemanha, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem. Deste modo, embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano. Acresce que as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo. Consequentemente, reitera-se que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável .
Deste modo, continua a Requerida na Resposta, reitera-se que se reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo. Quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, importa notar que não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados- Membros. Ora, conforme supra afirmado, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, neste caso, a Alemanha, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais .
Conclui a Requerida, na Resposta, da seguinte forma: A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia, na apreciação da reclamação graciosa interposta pela Requerente, aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, devendo ser mantida na ordem jurídica.
Por último, diz a Requerida na Resposta, Sobre a suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, proposto à consideração pelo Requerente no artigo 161.º do PPA e (ii) do pedido final, em princípio nada se tem a opor.
Como refere o Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Tudo ponderado, é inequívoco que a norma constante do artigo 22.º do EBF, à data dos factos tributários ora sindicados, padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional e da liberdade de circulação de capitais, violando, por conseguinte, os artigos 8.º da CRP e 18.º e 63.º do TFUE e a jurisprudência firmada sobre a matéria pelo TJUE, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de restituição ao Requerente da quantia de EUR 8.979,10 acima melhor discriminada, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.
Continuemos,
A questão em apreço já foi objeto de outras Decisões Arbitrais do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Sem prejuízo de existirem argumentos adicionais, este Tribunal Arbitral Singular seguirá de perto a argumentação vertida nas Decisões Arbitrais proferidas no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019 e no Processo n.º 90/2019-T, datada de 23 de Julho de 2019.
Assim,
Porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular invoca a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, onde esta Decisão Arbitral diz o seguinte: [...] 3.1. Factos dados como provados. 27. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice: a) A Requerente A..., com residência fiscal na Alemanha, é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um OIC constituído sob a forma contratual e não societária, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade igualmente com sede na Alemanha [...]; b) A Requerente obedece à Estrutura de Investimento Coletivo prevista na Diretiva 2009/65/CE do Conselho, designada de “Diretiva UCITS” [...]; c) A Requerente e a respetiva entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do C... (“C...”), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha [...]; d) A Requerente é uma entidade residente fiscal na Alemanha, sujeita a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido concedida uma isenção (nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”) [...]; e) Na data de 05.05.2017 foram distribuídos à Requerente dividendos no montante bruto de € 1.050.280,00 e sujeitos a retenção de imposto no valor de € 262.570,00 [...]; f) A Requerente é a beneficiária dos rendimentos [...]; g) O D... GmbH., responsável pela custódia dos títulos, procedeu à retenção e entrega à AT [...]; h) No dia 28.12.2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2017 , solicitando a respetiva anulação por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da União Europeia, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal [...]; i) No dia 06.05.2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que não competiria à AT “avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tampouco apreciar a sua constitucionalidade. [...]. 3.4. Questão decidenda. 32. A questão decidenda consiste em determinar a conformidade das normas relevantes do CIRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativas ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais . Por outras palavras, em causa está saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE .
Questão decidenda em tudo idêntica ao presente Processo Arbitral.
Continua a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, 33. Importa ter presente a estrita relação que o artigo 26.º do TFUE estabelece entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais. Esta é arvorada, pelo artigo 63.º do TFUE, como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia. Nessa qualidade, a mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais. 34. Aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, compete assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário . Neste âmbito, sublinha-se a importância do papel interpretativo do TJUE, nomeadamente em sede de ações por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento das normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade por parte do Estado-Membro, nos termos que resultam da jurisprudência Francovich. Liberdade de circulação de capitais. 35. Consagrada no artigo 63.º do TFUE, a liberdade de circulação de capitais é indissociável das demais liberdades fundamentais, a saber, de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços, diferenciando-se delas na medida em que se estende a terceiros Estados. A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de diferenciação discriminatória entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora. Os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem discriminar . Quando se trata de densificar o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsume ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem as relevantes in caso. Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988 .
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento. A distribuição de dividendos efetuada por uma sociedade residente em Portugal – no caso, a C... SGPS S.A. - ao Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
Continua a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, 36. Existem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros . A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital. Âmbito normativo e tributação. 37. O âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE abrange vários domínios (v.g. movimento físico da moeda; investimento em propriedade imobiliária e títulos de crédito), sendo um deles, justamente, o do tratamento fiscal dos movimentos de capitais, que cai sob alçada da respetiva aplicabilidade direta. Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência . 38. O problema específico do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA. Tanto este último órgão, no caso Focus Bank, como o TJUE, em casos como ACT GLO, Denkavit, Amurta, Truck Center, Aberdeen Property, Comissão v. Países Baixos, Comissão v. Portugal, Santander Asset Management e Sofina SA, para citar apenas alguns dos mais relevantes exemplos, pese embora algumas diferenças factuais e jurídicas nas respetivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação; retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configurar, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno . 39. Como acima se assinalou, a discriminação começou a ser apontada pelo Tribunal EFTA no caso E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23.11.2004, sobre dividendos pagos por uma empresa norueguesa a acionistas residentes e não residentes na Noruega, beneficiando os primeiros (e não os segundos) de um crédito de imposto sobre a retenção feita na empresa. Posteriormente, o TJUE sustentou, no caso C-374/04 - Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, 12.12.2006, sobre o tratamento diferenciado de dividendos pagos por sociedades britânicas a sociedades mãe residentes ou não residentes no Reino Unido, sofrendo as mesmas uma desvantagem no fluxo de caixa, que quando o Reino Unido exerce a sua jurisdição fiscal sobre rendimento obtido na fonte deve fazê-lo de forma a garantir a igualdade de tratamento em matéria de crédito de imposto relativamente a residentes e não residentes, considerando-se que uns e outros estão em situação comparável. 40. No mesmo sentido se pronunciou a mesma instância jurisdicional no caso C-170/05, Denkavit, 14.12.2006, relativamente à retenção de imposto, pela França, sobre dividendos pagos por filiais residentes a sociedades mães não residentes, ficando os dividendos pagos a sociedades mães residentes quase isentos de impostos, tendo o tribunal sublinhado que a partir do momento em que a França, unilateralmente ou mediante tratado, decide impor uma retenção sobre pagamentos a não residentes, os mesmos ficam colocados em situação comparável aos residentes. No caso C-379/05, Amurta SGPS, 08.11.2007, relativamente retenção de imposto de 25%, pela Holanda, sobre dividendos pagos a sociedades mães não residentes, sendo os dividendos pagos a residentes isentos de imposto, considerou-se que ambos estão em situação comparável, devendo qualquer mitigação da dupla tributação abranger residentes e não residentes. 41. Importa igualmente ter em conta a decisão proferida no caso C-282/07, Belgian State - SPF Finances v Truck Center SA., 22.12.2008, relativamente à retenção de imposto sobre pagamentos de juros ao exterior, em que o TJUE considerou que residentes e não residentes não estavam em situação comparável, na medida em que, quando a sociedade distribuidora de juros e a sociedade beneficiária desses juros residem na Finlândia, esta última atua na sua qualidade de Estado da residência, ao passo que quando uma sociedade residente nesse Estado paga juros a uma sociedade não residente, a Finlândia atua na sua qualidade de Estado de origem dos juros. No caso C-282/07, Aberdeen Property Fininvest Alpha, 18.06.2009, o TJUE sustentou que a diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre as sociedades mãe, em função do local da sua sede, é suscetível de constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento, em princípio proibida pelo TFUE, uma vez que torna menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento por sociedades estabelecidas noutros Estados Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à aquisição, à criação ou à manutenção de uma filial no Estado Membro que aplica esta diferença de tratamento. 42. Na decisão proferida no processo C-521/07, Comissão v. Países Baixos, 11.06.2009, entendeu-se que a não isenção de retenção de imposto a dividendos pagos a sociedades não residentes, diferentemente do que sucedia relativamente a sociedades residentes com participações iguais ou superiores a 5% constitui uma restrição da liberdade de circulação de capitais no EEE. Também no caso C-493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011, o TJUE entendeu que não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo Espaço Económico Europeu, o Estado Membro que reserva o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no seu território. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes de investir nesses fundos de pensões. 43. Uma posição semelhante foi seguida pelo TJUE na decisão relativa aos casos C 338/11 a C 347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012, numa situação de retenção de 25% sobre dividendos distribuídos a OIC’s (valores mobiliários) não residentes, em que se considerou que quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também no caso C-575/17, Sofina, Rebelco e Sidro, 22.11.2018, o TJUE sustentou, relativamente a uma retenção na fonte de 25% sobre dividendos distribuídos a não residentes, reduzida a 15% por uma CDT, que, uma vez que os dividendos recebidos por uma sociedade não residente são tributados aquando da sua distribuição, há que ter em conta o exercício fiscal de distribuição dos dividendos para comparar a carga fiscal que incide sobre esses dividendos e a que incide sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade residente. 44. Embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes . Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas. 45. Por outro lado, a jurisprudência europeia tem insistido na noção de que um Estado-Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação. Neste domínio vale o princípio geral de que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos . 46. Na interpretação e aplicação das liberdades fundamentais do mercado interno prevalece o entendimento, amplamente sufragado pelo TJUE, segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a exceção . Estas últimas compreendem, quer as limitações ao exercício da liberdade, quer as discriminações no exercício da liberdade. Atento o caráter excecional das restrições, devem as mesmas ser devidamente fundamentadas e objeto de interpretação restritiva. A admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros encontra-se prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE. A análise do caso concreto deve ser levada a cabo com base nas premissas normativas acima sintetizadas . Comparabilidade das situações. 47. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido . No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º . Quer dizer, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais .
Continua a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável. 48. No caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT, permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos. 49. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis. 50. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores . Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente. 51. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados-Membros da União Europeia e de Estados terceiros. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente . 52. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indireto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados . Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais. 53. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC — residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF . 54. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores .
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.
Continua a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação. 55. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação . Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento . O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores . 56. Como se pôs em relevo acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem das empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas .
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.
Continua a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação. Justificação da diferenciação. 57. No âmbito das liberdades fundamentais do mercado interno assume a maior importância a problemática dos chamados limites dos limites. Cumpre, assim, indagar sobre se a diferenciação entre fundos residentes e não residentes, nos termos do artigo 22.º do EBF na redação relevante à data dos factos, pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras . A própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.º 3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”. 58. No entender do presente colégio arbitral, dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação . Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente . Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença, adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão. 59. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica . A existência de alternativas menos restritivas de relativamente fácil concretização legislativa constitui evidência de que se está, no caso, perante uma diferenciação desproporcional e, portanto, ilegítima. Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios. Nas suas palavras, se os Estados Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União . 60. Acresce que, e este é um terceiro aspeto relevante em sede do artigo 65.º n.º 1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial. 61. A aplicação trimestral do Imposto de Selo a fundos em diferentes condições (v.g. fundos com valorização súbita de ativos, seguida de alienação e distribuição de dividendos; fundos com perfil conservador de investimento e valor da carteira de investimentos relativamente constante), estando dependente da eventual capitalização dos rendimentos provenientes dos dividendos, pode gerar, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários fundos de investimento residentes e entre estes e os não residentes, com impacto evidente nos respetivos fundos de caixa. Esta realidade é tanto mais significativa quanto é certo que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a apreciação da existência de um eventual tratamento desvantajoso dos dividendos pagos a não residentes deve ser efetuada em relação a cada ano fiscal individualmente considerado . 62. Por outro lado, a aplicação da taxa de tributação autónoma de 23% prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC – por força do artigo 22.º do EBF – está dependente do facto eventual da não permanência, de modo ininterrupto, das partes sociais a que correspondem os lucros na titularidade dos sujeitos passivos aí previstos durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e da sua não manutenção durante o tempo necessário para completar esse período, situações de ocorrência eventual e incerta. Ora, as disparidades de tratamento fiscal assim geradas não asseguram necessariamente a neutralização da desvantagem fiscal em que ficaram colocados os fundos não residentes, sujeitos a uma retenção de imposto suscetível de os dissuadir de investirem em Portugal e de dissuadir os residentes em Portugal de investirem em fundos de investimento de outros Estados-Membros. 63. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do poder de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos. Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública. 64. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. Como efeito, se é certo que um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM, também o é que o TJUE já sustentou, num caso envolvendo o nosso país, a inadmissibilidade de uma regulamentação nacional que impeça de forma absoluta um determinado fundo de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção, nomeadamente fornecendo os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais nacionais verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional .
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.
Continua a Decisão Arbitral no processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, 65. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva . É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa, ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites – da maior importância à luz da garantia de uniformidade de interpretação e aplicação do direito da União Europeia – torna inviável essa missão probatória no caso concreto.
Continua a Decisão Arbitral no processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, 66. O presente Tribunal Arbitral aceita como boa a noção, várias vezes sustentada pelo TJUE, de que o reconhecimento de uma ampla margem de conformação dos Estados-Membros em sede de regulação dos capitais tornaria a respetiva liberdade de circulação ilusória . Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais. Esta é uma barreira significativa de difícil superação por parte do Estado português. 67. A jurisprudência do TJUE acima referida permite sustentar que o artigo 63.º do TFUE consubstancia, para o caso sub judice, uma situação de ato esclarecido (acte éclairé). A mesma, suportada em múltiplos casos, fornece parâmetros suficientemente seguros sobre a interpretação e aplicação que deve ser feita do preceito em causa relativamente às circunstâncias fácticas e normativas do caso concreto .
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.
Continua a Decisão Arbitral no processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, Tendo o TJUE proferido diversas decisões no sentido de julgar incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais múltiplas diferenciações em matéria de retenção na fonte por dividendos distribuídos a residentes e não residentes em casos com contornos substancialmente semelhantes ao aqui presente – independentemente da natureza dos processos que levaram a essas decisões e mesmo que os factos não fossem estritamente idênticos – o presente Tribunal, no exercício dos deveres que lhe incumbem no âmbito da cooperação judicial, de afirmar a primazia do direito da União Europeia sobre o direito interno e de seguir a orientação interpretativa acolhida pelo TJUE, e na qualidade que lhe é reconhecida de órgão jurisdicional de reenvio, conclui pela inexistência, em concreto, do dever de reenvio prejudicial de interpretação previsto no artigo 267.º § 1 alínea a) e § 3 do TFUE, entendendo que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE .
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento, concluindo, igualmente, pela desnecessidade, no caso, do reenvio prejudicial.
Acrescenta-se que este Tribunal Arbitral Singular acompanha o Despacho Arbitral do anterior Árbitro neste Processo, Exmo. Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, datado de 23 de Dezembro de 2019, no qual é referido o seguinte: Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, este Tribunal decide indeferir o pedido , apresentado pela Requerente, para a imediata suspensão do processo arbitral até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, por entender que a suspensão do presente processo não se afigura essencial para a correta interpretação das normas em causa .
Mais, este Tribunal Arbitral Singular entende, acompanhando a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE .
No final, a Decisão Arbitral no Processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, determina o seguinte: Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral: 1) Declarar a ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por erro nos pressupostos de direito, a saber, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE; 2) Condenar a Requerida à restituição da quantia de € 262.570,00 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2017, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF e ao pagamento de juros indemnizatórios a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT; 3) Julgar improcedente os pedidos de suspensão do processo e de pedido de reenvio prejudicial de interpretação previsto no artigo 267.º § 1 alínea a) e § 3 do TFUE.
No mesmo sentido, a Decisão Arbitral no Processo n.º 90/2019-T, datada de 23 de Julho de 2019.
Pelo exposto,
Entende este Tribunal Arbitral Singular que, no caso aqui em análise, e na linha do que foi decidido no Processo n.º 528/2019-T, datado de 27 de Dezembro de 2019 e no Processo n.º 90/2019-T, datado de 23 de Julho de 2019, existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE, uma vez que o Requerente, na sua qualidade de não residente em Portugal, foi sujeito a uma retenção na fonte em Portugal sobre os dividendos obtidos em Portugal, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos.
Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral Singular que a Decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º REC 185/19 (processo de reclamação graciosa n.º ...2019...) e o ato de retenção na fonte de IRC a título definitivo, efetuado no ano de 2017, através da guia n.º ... 2017-05, no montante de € 8.979,10, sofrem de vício de violação de lei, devendo, por isso, ser anuladas.
Assim,
Este Tribunal Arbitral Singular julga procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente, anulando, em consequência, a Decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º REC 185/19 (processo de reclamação graciosa n.º ...2019...) e o ato de retenção na fonte de IRC a título definitivo, efetuado no ano de 2017, através da guia n.º ... 2017-05, no montante de € 8.979,10, determinando o reembolso ao Requerente dos valores por este pagos.
Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral Singular não está obrigado a apreciar todos os argumentos das Partes, quando a decisão esteja prejudicada pela solução dada, o que no presente processo se traduz na decisão proferida de ilegalidade dos atos, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de outras questões carreadas para os autos.
4. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
O Requerente formula pedido de restituição da quantia arrecadada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Este Tribunal Arbitral Singular invoca mais uma vez a Decisão Arbitral no processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, onde esta decisão diz o seguinte: 72. Em causa está, no caso, a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre fundos de investimento residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a infração e responsabilidade por parte do Estado português, na linha do disposto nos artigos 258.º a 260.º do TFUE e da jurisprudência Francovich . Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade . Caso em que, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT, são devidos juros indemnizatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença .
No mesmo sentido, a Decisão Arbitral no Processo n.º 90/2019-T, datada de 23 de Julho de 2019.
Este Tribunal Arbitral Singular acompanha estes entendimentos.
Sendo de julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, concluiu-se pela existência de pagamento indevido e, consequentemente, justifica-se a restituição da quantia paga em excesso pelo Requerente, no montante de € 8.979,10 e o pagamento de juros indemnizatórios, sobre esse montante de € 8.979,10, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Assim, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Requerente tem direito aos juros indemnizatórios, juros estes que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (n.º 4 e 5 do artigo 61.º do CPPT), à taxa referida no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.
5. Decisão Arbitral
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
a) Julgar procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando ilegal a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º REC 185/19 (processo de reclamação graciosa n.º ...2019...) e o ato de retenção na fonte de IRC a título definitivo, efetuado no ano de 2017, através da guia n.º ... 2017-05, no montante de € 8.979,10.
b) Em consequência, anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º REC 185/19 (processo de reclamação graciosa n.º ...2019...) e o ato de retenção na fonte de IRC a título definitivo, efetuado no ano de 2017, através da guia n.º ... 2017-05, no montante de € 8.979,10.
c) Indeferir o pedido de suspensão do processo apresentado pelo Requerente.
d) Indeferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo Requerente.
e) Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago por este, no montante de € 8.979,10, dando, assim, cumprimento à decisão ora proferida.
f) Condenar a Requerida a pagar ao Requerente juros indemnizatórios à taxa legal, relativamente ao valor de imposto indevidamente pago, desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento, até ao integral e efetivo pagamento do montante a restituir à Requerente.
g) Condenar a Requerida nas custas do processo, conforme ponto 7 (custas) da presente Decisão Arbitral.
6. Valor do processo
Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 8.979,10.
7. Custas
Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 8.979,10, correspondente à importância cuja anulação o Requerente pretende e valor inicialmente indicado pelo Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Assim, o montante das custas fixado em € 918,00, fica a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Junho de 2020
Tribunal Arbitral Singular
O Árbitro,
(Alexandre Andrade)