Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 677/2019-T
Data da decisão: 2020-07-20   Outros 
Valor do pedido: € 92.125,33
Tema: Migração; Tempestividade
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), António Alberto Franco e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 08 de Outubro de 2019, A..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., n.º..., ... Direito, ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2016..., referente ao ano de 2015, no valor de € 92.125,33.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, por um lado, que residiu em Portugal apenas a partir de 16 de Julho de 2015, pelo que os rendimentos auferidos no estrangeiro até essa data não devem ser tributados em Portugal, e, por outro lado, entende que foi desconsiderada pela AT a isenção de rendimentos de trabalho independente previsto para os contribuintes abrangidos pelo regime dos residentes não habituais, nos termos do artigo 81.º do CIRS.

3.            No dia 09-10-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 29-11-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 02-01-2020.

 

7.            No dia 30-01-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção.

 

8.            Foi facultada ao Requerente a possibilidade de exercer o seu contraditório relativamente à matéria de excepção.

 

9.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, consideram-se reunidas as condições para a prolação imediata de decisão final.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Para efeitos da seguinte decisão dão-se os seguintes factos dados como provados

 

1-            Em 28-10-2015, o Requerente procedeu à sua inscrição como residente não habitual junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

2-            O pedido de inscrição como residente não habitual foi deferido e notificado ao Requerente em 24-06-2016.

3-            O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2016..., referente ao ano de 2015, no valor de €92.125,33.

4-            A referida liquidação tinha como data limite de pagamento o dia 14-11-2016

5-            O Requerente apresentou reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º ...2017... e a qual foi junta ao processo de impugnação judicial n.º .../17...BELRS, em curso no Tribunal Tributário de Lisboa.

6-            O Requerente apresentou impugnação judicial da referida liquidação, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../17...BELRS.

7-            Em 18-10-2019, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

8-            No pedido arbitral não é feita qualquer menção de que é apresentado ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que tivesse requerido a extinção da instância no âmbito do processo de impugnação judicial n.º .../17...BELRS.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

O facto dado como não provado deve-se à ausência de prova a seu respeito.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

Suscita a Requerida a este Tribunal arbitral a questão da tempestividade da presente lide.

A este propósito dispõe o artigo 10.º/1 do RJAT que:

“O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:


a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”

                Já o artigo 102.º do CPPT, dispõe que:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;


b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;


d) Formação da presunção de indeferimento tácito;


e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;


f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”

Assim, nos termos conjugados da al. a) do artigo 10.º do RJAT, e da al. d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, a presente acção será tempestiva se apresentada no prazo de 90 dias, contados do “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

No sentido de melhorar a qualidade da resposta da jurisdição administrativa e fiscal, diminuindo as pendências e a morosidade no funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. 

Entre as medidas previstas no Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, constava a possibilidade de os sujeitos passivos poderem submeter as suas pretensões impugnatórias aos tribunais arbitrais em matéria tributária, com dispensa de pagamento de custas processuais, relativamente a processos tributários pendentes que tivessem dado entrada nos tribunais tributários até 31 de Dezembro de 2016.

Nesse sentido, dispunha o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro:

“1 - Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.

2 - As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.

3 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo.”

Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o Requerente apresentou impugnação judicial da liquidação aqui em crise, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../17...BELRS.

Sucede porém que, como resulta dos factos não provados, o Requerente não fez prova de que tivesse requerido a extinção da instância no âmbito do processo de impugnação judicial n.º .../17...BELRS, como exige o n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, ao determinar que “O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo”.

Acresce que, tal como refere, e bem, a Requerida “no pedido arbitral não é feita qualquer menção ou junto qualquer documento de que o mesmo é apresentado ao abrigo do artigo 11.º do referido decreto lei”. Tal circunstância é, inclusive, reconhecida pelo Requerente em sede de resposta à excepção suscitada pela Requerida, quando no ponto 12 afirma que “a data de entrada do requerimento inicial, não foi junto, qualquer requerimento judicial fazendo alusão ao processo .../17...BELRS”.

A Requerente, no exercício do seu contraditório relativamente à matéria de excepção suscitada pela Requerida, veio arguir várias circunstâncias, no sentido de obstar ao juízo de intempestividade invocado por aquela.

Assim, começa a Requerente por alegar que “Em data de 18-11-2016, os mandatários do processo, pediram a extinção da instância” (ponto 2 da resposta da Requerente), juntando, para prova do alegado, um documento de renúncia à procuração no âmbito do processo n.º .../17... BELRS, subscrito pelos advogados B..., C..., D... e E... .

Desde já se adianta que não merece acolhimento a posição defendida pelo Requerente.

De facto, o documento junto pelo Requerente trata-se de uma renúncia dos mandatários constituídos no processo n.º .../17...BELRS aos poderes forenses que lhe foram conferidos, e não de um pedido de extinção da instância, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, conforme exige o n.º 3 desse artigo.

Acresce que, a renúncia à procuração não tem a virtualidade de proceder à extinção da instância.

Por um lado, nos termos do artigo 47.º, n.º 1 do CPC, “A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária”, e refere ainda o artigo 47.º, n.º 3, alínea a) do CPC “Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias: a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;”.

No caso, tendo sido a impugnação apresentada pelo aqui Requerente e, tendo o seu mandatário renunciado à procuração nos autos e, não tendo o aqui Requerente constituído mandatário no prazo de 20 dias, a consequência seria a suspensão da instância, nos termos da citada alínea a), do n.º 3 do artigo 47.º do CPC, e não a extinção da instância, como sustenta o Requerente.

Por outro lado, as causas para a extinção da instância estão previstas no artigo 277.º do CPC. Nos termos desse artigo:

“A instância extingue-se com:

a) O julgamento;

b) O compromisso arbitral;

c) A deserção;

d) A desistência, confissão ou transação;

e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.”

Perante o que sem vem dizendo, conclui-se que o Requerente não provou que tivesse sido requerida a extinção da instância no processo de impugnação judicial n.º .../17...BELRS que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, motivo pelo qual não se poderá considerar o presente pedido arbitral apresentado ao abrigo do regime previsto naquele mesmo artigo 11.º.

*

Não tendo o Requerente apresentado o pedido arbitral ao abrigo do regime previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, por não ter sido requerida a extinção da instância, sempre teria o pedido arbitral, para ser considerado tempestivo, ser apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1 do RJAT conjugado com o disposto no artigo 102.º do CPPT.

Deste modo, para aferir da tempestividade da presente lide, é necessário proceder à contagem dos prazos em questão.

                Vejamos então.

Nos termos do artigo 10.º/1 do RJAT que:

“O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:


a)            No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”

Refere ainda o artigo 102.º do CPPT:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;


b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;


d) Formação da presunção de indeferimento tácito;


e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;


f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”

                Da conjugação destes normativos, resulta que o pedido de constituição de tribunal arbitral teria de ser apresentado no prazo de 90 dias, contados do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”. Conforme resulta da matéria de facto, a liquidação de IRS aqui sindicada tinha como data de pagamento o dia 14-11-2016.

                Assim, nos termos das referidas disposições legais, tendo o prazo para pagamento voluntário da liquidação findado em 14-11-2016 (segunda-feira), o prazo para apresentar pedido arbitral iniciou no dia seguinte, 15-11-2016 (terça-feira).

Assim contado, findou o referido o prazo para apresentação do pedido arbitral, de 90 dias, no dia 13-02-2017 (segunda-feira), sendo que, conforme resulta da matéria de facto provada, aquele pedido foi apresentado no dia 18-10-2019.

                Face ao exposto, dúvidas não haverá de que o presente pedido arbitral foi apresentado extemporaneamente

 

*

Tendo em conta todo o exposto, forçosamente se conclui que a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, se deu já para lá do prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º/1/a) do RJAT, tendo, por isso, caducado o direito de acção da Requerente, e sendo extemporânea a apresentação do pedido arbitral, o que determinará a absolvição da Requerida do pedido.

                Face ao decidido, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas partes.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar extemporânea a presente lide, por caducidade do direito de acção, absolvendo-se a Requerida do pedido, e condenando-se, consequentemente, o Requerente nas custas do processo arbitral, abaixo fixadas, por a ele haver dado causa.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 92.125,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, uma vez que a Requerida foi absolvida do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Julho de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(António Alberto Franco)

 

O Árbitro Vogal

(José Nunes Barata)