DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – Relatório
1. No dia 9.10.2019, a Requerente, A... SA., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na ..., nº..., ..., Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação da liquidação de imposto de AIMI, com o nº 2018..., de 30/06/2018, no valor de 4.638,08 euros, tendo como sujeito passivo a Requerente, com referência ao ano de 2018, sobre 25 frações autónomas, designadas pelas letras AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AR, BC, BK, BO, BP, BQ, BZ, CA, CB, CC, J, K, L, M, T, U, V, X e Z), do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de ..., do concelho de Lagos.
A Requerente peticiona, ainda, a restituição do valor do imposto que alega ter pagado, acrescido de juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 6.01.2020.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
a. Está em causa no presente processo o AIMI de 2018 liquidado sobre 25 frações autónomas, todas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de ..., do concelho de Lagos que, na totalidade é composto por 75 frações autónomas, sendo as restantes 50 fracçãos autónomas propriedade da sociedade B... SA.
b. As frações autónomas em causa integram um empreendimento turístico, denominado C... (anteriormente designado por D...).
c. Na matriz predial as frações em causa constam como afetas a habitação, mas esta afetação é meramente formal e não corresponde à verdade dos Factos porque estamos perante frações autónomas que integram o estabelecimento hoteleiro C..., como resulta do respetivo Título Constitutivo, conferido por Despacho de 24/10/2001 da Direção-Geral do Turismo, com a classificação de “Apartamentos Turísticos de 2ª ”.
d. Este empreendimento turístico encontra-se licenciado pelo Turismo de Portugal, nos termos do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, com o nome ..., com a classificação de categoria 3, no registo de empreendimentos turísticos do Turismo de Portugal, conforme documento anexo.
e. A ora recorrente, na qualidade de proprietária, cedeu a exploração turística destas 25 frações, objeto da liquidação reclamada, por contrato de cessão de exploração a favor da sociedade C...SA.
f. Também na descrição na Conservatória do Registo Predial de Lagos se refere que “as fracções formam um empreendimento turístico classificado como Apartamentos Turísticos de 2ª e denominado D... .”
g. Um empreendimento turístico, como qualquer Hotel ou Aparthotel, é um estabelecimento através do qual se exerce a exploração comercial de um serviço. Faz parte de uma atividade explorada por uma empresa. Que presta serviços de alojamento, mas que também tem serviços de segurança, de limpeza, serviços complementares, tem empregados, fornecedores, etc.
h. A letra do artº 135º-B, nº 2, do CIMI – é clara, no sentido de excluir da tributação em AIMI os prédios urbanos que sejam classificados “para serviços”, nomeadamente os afetos à exploração da atividade turística, como é o caso presente.
i. Esta noção de afetação (“para serviços”) remete-nos para uma situação factual (e não formal) de utilização.
j. Se a lei menciona prédio “para serviços” quer, seguramente, referir-se a um prédio que não é utilizado para habitação mas sim afeto a uma atividade comercial ou industrial e explorado como tal.
k. Assim, em face de toda a prova documental que lhe foi apresentada e aqui reproduzida e perante o princípio da prevalência da substância sobre a forma, deveria ter sido considerado pela AT que as referidas frações autónomas se encontram afetas à exploração hoteleira do mencionado estabelecimento, sendo essa a sua verdadeira natureza, o que configura uma afetação dos prédios a “serviços” e não a “habitação”.
l. A afetação que consta da matriz para aquele prédio não está correta, porque, à data do facto tributário, o prédio não se encontra afeto a habitação mas sim a serviços da atividade comercial de exploração hoteleira.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
a. Foram expressa e exclusivamente afastados da incidência objetiva do Adicional de IMI
“os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”.
b. A lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os prédios classificados como “habitação", atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência,
c. Conclui-se, inequivocamente, que a sujeição dos prédios classificados como habitacionais na matriz predial à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação, bem como da natureza e especificidades do seu titular.
d. As opções do legislador foram, igualmente, balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral.
e. O que veio a acontecer através da exclusão dos prédios urbanos classificados na matriz predial com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”, com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente nos mercados internacionais.
f. Ainda assim, apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção.
g. Assim, os prédios que integram o ativo das empresas classificados na matriz predial como habitacionais ou terrenos para construção, não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação.
h. Ou seja, o legislado não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”.
i. Uma vez que foi expressamente estabelecida a delimitação da incidência e a exclusão de incidência, apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador.
j. Não obstante, a alegação feita pela Requerente quanto à prova documental apresentada quanto à afetação “serviços”, constata-se que esta não apresenta os alvarás, ou as licenças de utilização para fins turísticos emitidas pela Câmara Municipal, respeitantes às frações autónomas em questão, documentos estes que permitem identificar a espécie de prédios urbanos, nos termos do número 2 do artigo 6º do CIMI.
k. Pois, exige essa norma que a qualificação dos prédios urbanos como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços seja feita em função do licenciamento de utilização dos mesmos, cujo ato é praticado pela Câmara Municipal ao abrigo do RJUE, ou, na falta de licença, em razão de destino normal para o qual o prédio está construído.
l. A Requerente, não colocou em causa a classificação atribuída aos prédios urbanos em escrutínio, através dos meios procedimentais e/ou processuais próprios ao seu dispor.
m. Assim, ao contrário do alegado pela requerente não se verifica qualquer ilegalidade no ato de liquidação impugnado o qual foi praticado de acordo com os elementos matriciais declarados pelo sujeito passivo.
5.Em 5.03.2020 foi proferido despacho arbitral que determinou a notificação da Requerente para juntar aos autos a licença de utilização das frações em causa.
6. Na sequência desta esta notificação a Requerente apresentou, em 17.03.2020 requerimento em que, além do mais, alegou que “não conseguiu localizar a licença de utilização das frações em causa”.
7. Notificada deste requerimento veio a Requerida, em 19.03.2020, dizer, no essencial, o seguinte:
“A licença de utilização pode ser facilmente obtida junto dos serviços da Câmara Municipal competente, em muitos casos, podendo até o pedido ser efetuado on line no respetivo web site.
(…)
Assim por se considerar o documento relevante e imprescindível e não se verificar nenhum justo impedimento na sua obtenção, deve a Requerida ser notificada para, querendo, proceder à sua junção nos presentes autos no prazo geral subsidiário de 10 dias.”
8. Na sequência deste requerimento da Requerida, a Requerente apresentou em 25.03.2020 novo requerimento em que, além do mais, diz o seguinte:
“(…)– Falta a licença de utilização (!) Falta.
Mas será que essa licença de utilização é imprescindível, para os efeitos fiscais aqui em apreço, nomeadamente para a classificação do prédio como não estando afeto a habitação? Será que a documentação apresentada não demonstra já que as frações estão afetas a um estabelecimento hoteleiro devidamente licenciado e não a habitação? E o que diz a lei fiscal quanto à falta de licença de utilização? A resposta ao requerimento da Requerida está no artº 6º, nº 2, do CIMI, que nos diz que, na falta de licença, o prédio urbano deve ser classificado de acordo com o seu destino normal. (…)”
9. Em 30.03.2020 foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:
“Convidada para juntar aos autos a licença de utilização das frações em questão, a Requerente não o fez, indicando como razão para o efeito, no requerimento apresentado em 18.03.2020, não ter conseguido localizar tal documento.
No requerimento de 25.03.2019 apresentado pela Requerente em resposta a requerimento apresentado pela Requerida em 19.03.2020 consta, além do mais, o seguinte:
“sobre toda a documentação apresentada, o que nos veio dizer a AT?
– Falta a licença de utilização (!)
Falta. Mas será que essa licença de utilização é imprescindível, para os
efeitos fiscais aqui em apreço, nomeadamente para a classificação do prédio
como não estando afeto a habitação?”
Do primeiro requerimento depreende-se que a licença de utilização existe mas que a Requerente não sabe onde tal documento se encontra.
Do segundo, é legítima a dúvida sobre se a Requerente pretende afirmar que a licença de utilização não existe de todo, ou se a Requerente pretende afirmar que não existe licença de utilização para serviços, embora exista para outro fim, hipótese que se afigura plausível, tendo em conta o teor do primeiro requerimento.
A primeira hipótese afigura-se de muito difícil ocorrência, uma vez que da certidão de registo predial junta consta a inscrição de aquisição por compra das 25 frações a favor da Requerente, datada de 9.03.1990, sendo que, para a celebração de contratos de compra e venda de compra e venda de prédios urbanos ou suas frações a lei exigia (tal como hoje exige) a prova perante o notário da correspondente licença de utilização (à época o art. 11º do Decreto-Lei nº 445/74 de 12 de Setembro).
O tribunal considera necessário o esclarecimento destes factos, à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito.
Tendo em conta os princípios referidos no art. 16º, al. f), do RJAT, e nos arts. 7º e 8º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis e que, como escreve Jorge Lopes de Sousa “O Tribunal Arbitral pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimentos à outra parte dos resultados da diligência (art. 8º, nº 2, do CPC)” (Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2ª Ed., 2017, pag. 190).
E, ainda, considerando que:
a) A Requerente, segundo o normal acontecer, terá conhecimento se as frações em causa têm ou não licença de utilização e para que fim.
b) Mesmo que, se por alguma razão excecional, cuja explicação se impõe, não detiver tal conhecimento, como interessada direta, pode, indubitavelmente, obtê-lo no Município competente.
Determina-se a notificação da Requerente para esclarecer o seguinte:
a) As frações em causa são, ou não, detentoras de licença de utilização (independentemente do fim)?
b) No caso das frações terem licença de utilização, qual o seu fim ou utilização prevista ou autorizada na licença.
Determina-se, ainda, ao abrigo do princípio da colaboração que a Requerente junte aos autos os seguintes documentos:
a) Cópia da escritura pública de aquisição pela Requerente dos imóveis em questão, uma vez que, em tal documento, de acordo com a lei vigente à data (bem como na atualidade) constará a referência à licença de utilização e respetivo fim (ao tempo: art. 11º do Decreto-Lei nº 445/74 de 12 de Setembro).
Em alternativa, poderá a Requerente juntar certidão de licença de utilização que poderá obter junto da Câmara Municipal competente.
b) Caso, porventura, a posição da Requerente seja a de que as frações em causa não têm, de todo, licença de utilização, (seja para que fim for), o que, face ao já referido, repete-se, se considera de muito difícil ocorrência (além do mais, envolveria a prática de atos notariais em violação de norma que exige a prova perante o notário da correspondente licença de utilização, à época o referido art. 11º do Decreto-Lei nº 445/74 de 12 de Setembro) a prova de tal hipotético facto terá que ser efetuada mediante junção de certidão emitida pela competente Câmara Municipal, onde a inexistência de tal licença seja certificada.
C) tendo ainda em conta que o titulo constitutivo da propriedade horizontal junta pela Requerente no seu requerimento de 18.03.2020, se encontra incompleta, omitindo diversas folhas, deverá a Requerente juntar tal documento completo.
Prazo: Dez dias, sem prejuízo do regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública (art. 7º, nº 1, da Lei 1-A/2020, de 19.03.2020), também sem embargo da Requerente poder prestar os esclarecimentos e juntar os documentos, durante o período deste regime excecional
(Vd. https://www.caad.org.pt/comunicacao/o-caad-n%C3%A3o-p%C3%A1ra).”
10. A Requerente, notificada do despacho arbitral, não juntou os documentos indicados e nada disse.
11. Por despacho arbitral de12.06.2020 foi determinada a prorrogação do prazo de decisão por mais dois meses, nos termos do nº 2, do artigo 21º, do RJAT.
12. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, por despacho de 8.07.2020 foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e designada data para prolação da decisão arbitral.
Foi, ainda, dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
13. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
14. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade da liquidação objeto do processo.
2) Em caso declaração de ilegalidade da liquidação, se Requerente tem direito à restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante.
15. Consideram-se provados os seguintes factos:
1.A Requerida procedeu à liquidação de imposto de AIMI, com o nº 2018..., de 30/06/2018, referente ao ano de 2018, no valor de 4.638,08 euros, tendo como sujeito passivo a Requerente, com referência ao ano de 2018, sobre 25 frações autónomas designadas pelas letras AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AR, BC, BK, BO, BP, BQ, BZ, CA, CB, CC, J, K, L, M, T, U, V, X e Z, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de ..., do concelho de Lagos.
2.A Requerente pagou o imposto em causa em 27/09/2018.
3. Contra a liquidação apresentou a Requerente reclamação graciosa, que foi apreciada e indeferida.
4.As frações autónomas em causa estão inscritas na matriz predial urbana como destinas a habitação.
5.De acordo com cópia da descrição na Conservatória do Registo Predial de Lagos, junta pela Requerente, referente ao prédio-mãe e a algumas das frações em causa no presente processo, é a seguinte a descrição genérica do prédio do qual fazem parte as frações aqui em causa:
6.De acordo com cópia do teor do constante na Conservatória do Registo Predial de Lagos junta pela Requerente referentes à descrição genérica do prédio e a algumas das frações em causa no presente processo, as frações J, K, L, M, T, U, V, X, Z, BP, BQ, BZ, CA, CB, CC estão descritas como “HABITAÇÃO” e “APARTAMENTO” constando também a seguinte menção: “CLASSIFICADO PARA FINS TURÍSTICOS”.
7.De acordo com os mesmos elementos juntos pela Requerente, no registo predial pela apresentação nº 8 do dia 9.03.1990 consta a aquisição pela Requerente das frações indicadas no ponto anterior.
8.Consta ainda do registo predial a constituição do direito de habitação periódica referente às mesmas frações.
9.A Requerente, por contrato de cessão de exploração datado de 1.11.2002, cedeu a exploração destas 25 frações, objeto da liquidação reclamada, a favor da sociedade C... S.A., destinando-se as frações em causa, de acordo com o contrato, à atividade comercial da cessionária, de exploração turística, tendo ainda as partes declarado que “Desde 01 de Abril de 1990, que a exploração das acima referidas fracções encontra-se cedida à C..., mas o contrato nunca foi formalizado e é interesse de ambas as Contraentes proceder à formalização do mesmo”.
10.No prédio de que as frações autónomas sobre que incidiu a liquidação objeto do processo fazem parte, encontra-se instalado o empreendimento turístico C..., registado no Instituto Público Turismo de Portugal IP nos termos seguintes:
Factos não provados:
1) Que as frações em causa se encontrem licenciadas para serviços pela Câmara Municipal de ... .
2) Que as frações em causa se encontrem licenciadas pelo Turismo de Portugal IP.
3) Que as frações em causa não se encontrem licenciadas para habitação pela Câmara Municipal de... .
16. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto
Factos provados
A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto dada como provada alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, acrescendo que, relativamente a tal matéria, não emergiu discordância das partes nos articulados e requerimentos apresentados.
Factos não provados
A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto dada como não provada, assenta nas razões que se passam a enunciar.
A Requerente alegou inicialmente que o prédio de que as frações em causa fazem parte, onde se encontra instalado o empreendimento turístico C... “encontra-se licenciado pelo Turismo de Portugal, nos termos do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, com o nome ..., com a classificação de categoria 3, no registo de
empreendimentos turísticos do Turismo de Portugal, conforme documento anexo (Cfr. Doc. 4).”
Acontece que o documento nº 4 junto pela Requerente para prova de que o estabelecimento se encontra licenciado pelo Instituto Público Turismo de Portugal IP consiste num registo, do qual consta uma classificação para fins turísticos e não numa licença, como se constata do documento nº 4 junto pela Requerente sendo.
Por outro lado, em 5.03.2020 foi proferido despacho arbitral no qual, além do mais, foi determinada a notificação da Requerente para juntar aos autos a licença de utilização das frações em causa.
Na sequência desta notificação, a Requerente apresentou, em 17.03.2020, requerimento em que, além do mais, alegou que “não conseguiu localizar a licença de utilização das frações em causa”.
Na sequência de requerimento da Requerida, a Requerente apresentou em 25.03.2020 novo requerimento em que, além do mais, diz o seguinte:
“(…) – Falta a licença de utilização (!) Falta.
Mas será que essa licença de utilização é imprescindível, para os efeitos fiscais aqui em apreço, nomeadamente para a classificação do prédio como não estando afeto a habitação? Será que a documentação apresentada não demonstra já que as frações estão afetas a um estabelecimento hoteleiro devidamente licenciado e não a habitação? E o que diz a lei fiscal quanto à falta de licença de utilização? A resposta ao requerimento da Requerida está no artº 6º, nº 2, do CIMI, que nos diz que, na falta de licença, o prédio urbano deve ser classificado de acordo com o seu destino normal. (…)”
Nesta sequência foi ainda determinada por despacho arbitral a notificação da Requerente “para esclarecer se:
c) As frações em causa são, ou não, detentoras de licença de utilização (independentemente do fim)?
d) No caso das frações terem licença de utilização, qual o seu fim ou utilização prevista ou autorizada na licença.
E determinada, ao abrigo do princípio da colaboração, a sua notificação para juntar aos autos os seguintes documentos:
c) Cópia da escritura pública de aquisição pela Requerente dos imóveis em questão, uma vez que, em tal documento, de acordo com a lei vigente à data (bem como na atualidade) constará a referência à licença de utilização e respetivo fim (ao tempo: art. 11º do Decreto-Lei nº 445/74 de 12 de Setembro).
Em alternativa, poderá a Requerente juntar certidão de licença de utilização que poderá obter junto da Câmara Municipal competente.
d) Caso, porventura, a posição da Requerente seja a de que as frações em causa não têm, de todo, licença de utilização, (seja para que fim for), o que, face ao já referido, repete-se, se considera de muito difícil ocorrência (além do mais, envolveria a prática de atos notariais em violação de norma que exige a prova perante o notário da correspondente licença de utilização, à época o referido art. 11º do Decreto-Lei nº 445/74 de 12 de Setembro) a prova de tal hipotético facto terá que ser efetuada mediante junção de certidão emitida pela competente Câmara Municipal, onde a inexistência de tal licença seja certificada.”
A Requerente nada disse e não juntou nenhum dos documentos indicados.
Face à ausência de prova, os factos em causa não poderiam deixar de ser dados como não provados.
-III- O Direito aplicável
17. Dispunha o art. 135º-A do CIMI, na redação em vigor à data dos factos:
“1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
(…)”
Por sua vez, também na redação à data do facto tributário, dispunha o art. 135º-B:
“1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”
Dispõe, ainda, o artigo 6º, do mesmo código:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
(…)”
Resulta claro que, na definição do âmbito da exclusão tributária estabelecida pelo nº 2 do art. 135º-B, o critério adotado pelo legislador foi a classificação dos prédios e não a concreta utilização ou afetação fáctica dos mesmos.
A classificação, para que aquela norma remete é a constante do nº 2, do art. 6º, acima citado que estabelece o seguinte critério classificatório:
“Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
A Requerente alegou inicialmente que “estabelecimento hoteleiro C...” “encontra-se licenciado pelo Turismo de Portugal, nos termos do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março”, mas tal prova não foi efetuada. De resto, como acima notado, a competência para a concessão da licença não pertence ao Turismo de Portugal IP, mas ao Município, nos termos referidos.
Posteriormente, a Requerente passou a tentar alicerçar a sua pretensão no segundo segmento da norma constante do nº 2 do art. 6º do CIMI: “na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
Acontece, porém, que a Requerente também não logrou provar que as frações em causa não disponham de licença de utilização. Bem pelo contrário, os documentos juntos pelo sujeito passivo apontam para a existência da licença de utilização uma vez que está provado o registo da aquisição dos imóveis pela Requerente sendo que, para os atos de transmissão a lei em vigor ao tempo dos mesmos exigia, como exige hoje, a comprovação da licença de utilização das frações.
De todo o modo, o ónus da prova da ausência de licença de utilização para eventual aplicação da segunda parte do nº 2 do art. 6º do CIMI incumbia à Requerente, a fim de ilidir a presunção para efeitos fiscais da destinação habitacional constante da matriz, cujo teor tem por base declaração apresentada pelo sujeito passivo (art. 13, nº 1, do CIMI ).
Mas nenhuma prova a Requerente, apesar de a isso convidada, apresentou em tal sentido.
Bem pelo contrário, dos factos provados é de concluir que as frações autónomas em causa têm licença de utilização e que a mesma, de acordo com os elementos constantes da Conservatória do Registo predial, não poderá deixar de ter finalidade habitacional.
Da prova produzida não foi, pois, minimamente, posta em causa a finalidade habitacional constante da matriz. Ao invés, a natureza habitacional das frações surge reforçada pelos elementos constantes do registo predial e pela constituição do direito real de habitação periódica pois, como ensina José Alberto Vieira:
“O direito de habitação periódica tem por objeto uma particular modalidade de coisa imóvel: unidades de alojamento integrados em hóteis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos (art. 1º do DL nº 275/93).
(…)
O direito de habitação periódica tem como parte nuclear do tipo legal o poder de usar a unidade de alojamento para habitação. Este poder está duplamente limitado. Em primeiro lugar, o uso só pode dar-se pelo período de tempo determinado no ano, 7 dias seguidos a 30 dias seguidos. Em segundo lugar, tem de respeitar o fim (de habitação) da unidade de alojamento.
O uso da unidade de alojamento não é, assim, livre, se por isso se entender que o titular do direito pode usar a coisa como entender. Pelo contrário, o uso está vinculado ao fim de habitação, que constitui, deste modo, um elemento do tipo deste direito real” (DIREITOS REAIS, Coimbra Editora, 2008, pag. 859, nosso realce).
É certo que integram um empreendimento turístico, sendo a atividade do proprietário de imóvel em regime de direito real de habitação periódica uma atividade de natureza empresarial. Porém, tal não colide, de acordo com o regime legal, com a natureza habitacional de frações integrantes de tal regime.
Não pode deixar de observar, olhando para a teleologia do art. 132º, nº 2, al. B) do CIMI, que faria sentido que todos os imóveis afetos a fins empresariais beneficiassem da exclusão tributária, em linha com o princípio da coerência sistemática e com o critério da capacidade contributiva.
Não foi esta a opção do legislador e a mesma foi já validada por jurisprudência do tribunal constitucional que, em casos de comprovada afetação de prédios habitacionais ou de terrenos para construção a atividades empresariais, considerou não inconstitucional a não aplicação da exclusão tributária em causa.
Por outro lado, e conforme já referido, o critério legal adotado pelo legislador para a definição do âmbito da exclusão tributária em causa, não foi a afetação ou utilização efetiva. Diferentemente, o legislador remeteu para a classificação do art. 6º do CIMI, não relevando para o efeito a sua afetação no plano dos factos, mesmo que, porventura, se considerasse que os titulares dum direito real de habitação periódica, na utilização que fazem da fração sobre que incide o seu direito, não fazem uso dum direito real de habitação, ainda que periódica, sendo antes, tão somente, beneficiários dum serviço.
Nas palavras do referido acórdão do Tribunal Constitucional Nº 299/2019, de 21 de maio de 2019:
“o legislador mobilizou os mesmos critérios normativos objetivos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma das espécies previstas no artigo 6.º do Código do IMI, para o que é irrelevante que o titular do prédio utilize em toda a sua latitude, ou não utilize de todo – por razões de oportunidade ou outros - a aptidão do mesmo para a finalidade para que está licenciado ou a que se destina normalmente”.
Ora, remetendo o art. 132-B, nº 2, para o art. 6º e sendo de considerar as frações em causa, em si mesmas, de acordo com o critério adotado pelo legislador e face à prova produzida, habitacionais, apesar de tais habitações estarem afetas a fins empresariais, não estão, tal como as demais habitações e lotes de terrenos afetos a fins empresariais, abrangidas pela exclusão tributária em causa.
Assim sendo, falece a pretensão anulatória da Requerente o que acarreta, também, necessariamente, a improcedência da pretensão da devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se a liquidação objeto do processo na ordem jurídica.
Valor da ação: € 4.638,08 euros (quatro mil seiscentos e trinta e oito euros e oito cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerente, no valor de 612.00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 27.07.2020
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro