DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
RELATÓRIO
1. A..., S.A., número de identificação fiscal..., com sede em ..., ..., ...–...(doravante, a “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a), e o artigo 102.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a anulação do ato tributário de indeferimento do pedido de reembolso de Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorantes (“IABA”) no montante de €53.006,37, relativo ao período compreendido entre 01/01/2017 e 30/06/2018, proferido pelo Senhor Diretor da Alfândega de ..., por despacho sancionado em 07/02/2019 e notificado à Requerente sob o Ofício n.º..., datado de 13/02/2019, sob a epígrafe “Pedido de Reembolso por Erro na Liquidação – Sangria”, que pressupõe a apreciação das liquidações de IABA relativas às introduções no consumo de Sangria efetuadas no período acima identificado.
2. De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
3. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 05/08/2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
4. Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 30/09/2019.
5. A Requerente alega, em síntese, que:
5.1. O pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) tem por objeto a impugnação e a anulação do ato de indeferimento do pedido de reembolso do IABA, por erro na liquidação decorrente da errónea qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de bebidas alcoólicas, em concreto, do vinho tranquilo, conforme o artigo 66.º, n.º 2, alínea b) do Código dos Impostos Especiais de Consumo (Código dos “IEC"), isto é, produtos abrangidos pelos códigos de nomenclatura combinada (“NC”) 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação é igual a 8% vol.
5.2. Em 26/10/2018, solicitou por meio de requerimento junto da Estância Aduaneira Competente (“EAC”) – na Alfândega de ... –, o reembolso de IABA, no montante de €53.006,37, relativo ao período entre 01/01/2017 e 30/06/2018, com fundamento em erro da liquidação decorrente de errónea qualificação do facto tributário.
5.3. No requerimento defendeu que a sangria, por si armazenada e expedida, é subsumível ao conceito de vinho tranquilo, sendo-lhe aplicável a taxa de IABA de €0/hl.
5.4. Em 16/01/2019, a EAC, discordando do seu entendimento, o qual vinha sendo aplicado pacificamente, notificou-a da proposta de decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IABA, alegando que:
(i) “Os vinhos especiais compreendem os vinhos licorosos, os vinhos doces de mesa, os espumantes naturais e espumosos gaseificados. (...) Refira-se que, por regra, todos estes produtos contem álcool ou aguardente adicionados, o que inibe a sua classificação enquanto vinhos para efeitos do CIEC”;
(ii) “Da análise deste diploma [Regulamento (EU) n.º 251/2014, de 26/02], verifica-se que de acordo com o mesmo a sangria não é considerada um vinho, mas sim, uma «bebida aromatizada à base de vinho»;
(iii) “(...) de acordo com o Anexo I do Regulamento (EU) n.º 251/2014, de 26/02, sob a epígrafe «definições, requisitos e restrições técnicas», no seu ponto 1, al b), in fine, estipula que a adição das substâncias autorizadas na aromatização das referidas bebidas confere ao produto final características organoléticas diferentes das de um vinho”;
(iv) “(…) a maioria dos Estados membros considera que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados, para efeitos da tributação prevista na Directiva 92/83/CEE do Conselho, enquanto «vinhos tranquilos ou espumantes», mas como «outras bebidas fermentadas». (...) é paradigmática a posição da República Francesa, confirmando que, de acordo com o Regulamento n.º 251/2014, os produtos vinícolas aromatizados são bebidas obtidas a partir de produtos vitivinícolas (…), misturados com os produtos autorizados pelo Regulamento n.º 251/2014 (corantes, açúcar, etc...). Por conseguinte, os vinhos aromatizados (...) não são considerados vinhos tranquilos e vinhos espumantes, mas bebidas fermentadas distintas do vinho (...)”;
(v) “(...) os produtos aromatizados aplicados no fabrico destas bebidas são dissolvidos ou têm uma base de álcool, pelo que o teor alcoólico não resulta inteiramente de fermentação não preenchendo por esse motivo os critérios do conceito de vinho (…)”;
(vi) “(...) para efeitos de enquadramento fiscal dos produtos, são particularmente relevantes, para além da contribuição par ao teor de álcool, fatores quanto as características organoléticas (gosto, cheiro, aparência). (...) a forma e a denominação sob a qual os produtos em causa são comercializados devem igualmente ser considerados pertinentes (...). O TJCE proferiu um acórdão relevante neste domínio, no âmbito do processo C-150/08 (Siebrand), salientando o tipo de características e propriedades que devem ser consideradas aquando da decisão sobre a classificação dos produtos relevantes.”;
(vii) “(…) cabe à Organização Internacional do Vinho (OIV), enquanto organização intergovernamental de carácter científico e técnico, estabelecer diretrizes e trabalhos relativos à vinha, vinho, bebidas à base de vinho e outros produtos vitivinícolas”;
(viii) “nenhuma das classificações de produtos vitivinícolas, nos planos nacional, comunitário ou internacional, reconhece como «vinho» os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) n.º 251/2014 de 26/02, autonomizando expressa e formalmente estas categorias de produtos vitivinícolas”;
(ix) “os produtos vitivinícolas aromatizados (...) não estão abrangidos pelas categorias «vinho tranquilo» ou «vinho espumante», devendo ser considerados (...) «outras bebidas fermentadas» ou «produtos intermédios»;
(x) “os vinhos e as outras bebidas fermentadas devem ser consideradas «espumantes» sempre que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo e fixadas por arames ou grampos bem como os casos em que, não estando contidas nestas garrafas, ainda assim se verifique uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos ,3 bar”;
(xi) “Em face do exposto, devem os produtos em apreço ter o seguinte enquadramento em sede de IEC:
a. Sangria - sangria de base vínica, com adição de aromas cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação - «outras bebidas tranquilas fermentadas», nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 66.º do CIEC;
b. Sangria - Sangria de base vínica, com adição de aromas e nível de gaseificação semelhante ao de um frisante (3gr/lt), 9% álcool - «outras bebidas espumantes fermentadas», nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 66.º do CIEC”.
5.5. A EAC concluiu que “os produtos vitivinícolas aromatizados (...) não estão abrangidos pelas categorias «vinho tranquilo» ou «vinho espumante».”.
5.6. O projeto de indeferimento foi convertido em final após concessão do prazo para audição prévia notificada em 22/02/2019.
5.7. O entendimento e a decisão da EAC decorrem de uma errónea e infundada qualificação dos factos tributários, sendo, por isso, ilícitos por violação de lei.
5.8. O seu objeto social consiste na prestação de serviços de armazenamento, transporte e distribuição de diversos produtos, nomeadamente, bebidas alcoólicas sujeitas a IABA, conforme certidão permanente com o código ... .
5.9. Em virtude da sua atividade comercial, encontra-se adstrita ao cumprimento de um conjunto específico de obrigações fiscais, em concreto, obrigações declarativas de liquidação e pagamento de IEC.
5.10. Para o efeito, obteve, junto da EAC, o estatuto legal de depositário autorizado, nos termos dos artigos 22.º e seguintes do Código dos IEC, tendo-lhe sido atribuída a referência de operador de IEC n.º PT... e o estatuto de entreposto fiscal de armazenagem de produtos acabados, conforme os artigos 24.º e 27.º do Código dos IEC, por forma a encontrar-se devidamente habilitada a armazenar, a receber ou a expedir, no exercício da sua atividade económica e em regime de suspensão de imposto, produtos sujeitos a IABA.
5.11. Na sequência, constituiu entreposto fiscal com a referência PT..., localizado na ..., ... .
5.12. De entre as mercadorias que armazena, recebe e expede no entreposto fiscal, encontram-se as bebidas alcoólicas ... Sangria, ... Sangria Branco, ... Sangria Tinto e ... Tinto com fruta, correspondentes aos tipos previstos no código de NC 2205 10 10, com graduação alcoólica de 8% vol., produzidas a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias.
5.13. Até 31/12/2016, a EAC considerou pacificamente estas bebidas alcoólicas enquadráveis no conceito de vinho tranquilo e, portanto, sujeitas a IABA à taxa de €0,00 (artigo 72.º, n.º 2, do Código dos IEC).
5.14. A partir de 01/01/2017, em virtude de uma alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2017 (“LOE 2017”), as taxas de imposto aplicáveis a vinho tranquilo e espumante passaram a ser distintas das taxas aplicáveis às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, conforme previsto nos artigos 72.º e 73.º do Código dos IEC.
5.15. Desta alteração resultou que a taxa de imposto aplicável ao vinho tranquilo e espumante manteve-se inalterada em €0,00, tendo a taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes sido fixada em €10,30/hl (artigo 73.º, n.º 2, do Código dos IEC), aumentada posteriormente para €10,44/hl, a partir de 01/01/2018, por força da Lei do Orçamento de Estado para esse ano.
5.16. Se até 31/12/2016, a EAC não hesitou em enquadrar as bebidas alcoólicas acima no conceito de vinho tranquilo para efeitos de tributação em sede de IABA à taxa de €0,00, a partir de 01/01/2017, com a entrada em vigor da LOE 2017, a EAC passou a incluir, indevidamente, tais produtos no conceito de outras bebidas tranquilas fermentadas previsto no artigo 66.º, n.º 2, alínea d), do Código dos IEC.
5.17. Tais bebidas, que antes eram tributadas à taxa de €0,00 aquando introduzidas no consumo, passaram, por força da alteração da interpretação assumida pela EAC, a ser tributadas à taxa de €10,30/hl, no período de 01/01/2017 a 31/12/2017, e a partir de 01/01/2018, a €10,44/hl.
5.18. A partir de 01/01/2017, passou a pagar IABA quanto às bebidas alcoólicas em causa:
5.19. A posição da EAC e a sua decisão consubstanciam um erro inequívoco e infundado na interpretação dos conceitos aplicáveis para efeitos de incidência objetiva do IABA, nomeadamente pela incorreta subsunção de tais produtos no conceito de outras bebidas tranquilas ou fermentadas consagrado no artigo 66.º, n.º 2, alínea d), do Código dos IEC, ao invés de, como era anteriormente sufragado e aplicado, no conceito de vinho tranquilo previsto no artigo 66.º, n.º 2, alínea b), do Código dos IEC.
5.20. A atual posição da EAC colide frontalmente com a legislação comunitária e nacional aplicáveis.
5.21. A Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19/10 (“Diretiva n.º 92/83/CEE”), relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, prevê definições comuns e harmonizadas para estas bebidas, baseando-se, para tal, nas definições que resultam das Nomenclaturas Combinadas em vigor e de um conjunto de características objetivas e de fácil verificação.
5.22. De acordo com o artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE, são considerados “vinho tranquilo” os produtos abrangidos pelos códigos de NC 2204 e 2205 (exceto o vinho espumante) com as seguintes características:
a) teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação; ou,
b) teor alcoólico adquirido superior a 15% vol., mas não a 18% vol., desde que tenham sido produzidos sem enriquecimento e que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.
5.23. Adicionalmente, o artigo 12.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE estabelece que “outras bebidas fermentadas” são os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção dos produtos abrangidos pelo artigo 8.º da referida Diretiva e os produtos abrangidos pelo código NC 2206 - exceto bebidas espumantes fermentadas definidas no artigo 2.º da Diretiva (i.e., cerveja) -, que tenham:
a) teor alcoólico adquirido superior a 1,2% de vol., mas não a 10% de vol.; ou,
b) teor alcoólico adquirido superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.
5.24. Resulta da Diretiva n.º 92/83/CEE, cujas bases foram transpostas para o Código dos IEC português, que o legislador europeu pretendeu claramente distinguir entre vinhos tranquilos e outras bebidas fermentadas.
5.25. Os vinhos tranquilos enquadram as bebidas com graduação alcoólica inferior a 10% de vol. e cujo álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação, como é o caso das bebidas alcoólicas em apreço.
5.26. O conceito de outra bebida fermentada abrange os produtos com graduação alcoólica inferior a 10%, mas cujo álcool não resulte inteiramente de fermentação, previstos no artigo 8.º da referida Diretiva.
5.27. Não obstante o cruzamento entre os dois conceitos, o legislador cingiu, de forma inequívoca, o conceito de vinho tranquilo às bebidas com graduação alcoólica inferior a 10%, mas que tenha resultado inteiramente de fermentação, apenas se aplicando o conceito de outras bebidas fermentadas àquelas que, não obstante assumirem tal graduação alcoólica, não a obtiveram inteiramente por fermentação, o que não é o caso da sangria.
5.28. Em face da definição conceptual dada pela Diretiva n.º 92/83/CEE, dúvidas não subsistem quanto ao enquadramento dos produtos em referência no disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE, considerando, designadamente, que o teor alcoólico adquirido é de 8%, ou seja, superior a 1,2% vol. e inferior ou igual a 15% vol. e, ainda, que o álcool contido no produto acabado resulta inteiramente de fermentação.
5.29. De acordo com o Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1925, da Comissão, de 12/10/2017, que altera o Anexo I do Regulamento (CEE) n.º 2658/87, do Conselho, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, consideram-se como produtos abrangidos pelo código NC 2205 “(…) unicamente os vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas cujo teor alcoólico adquirido seja igual ou superior a 7 % vol.”.
5.30. O produto em referência é elaborado a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas, reforçado com essências naturais de frutas e especiarias, com graduação alcoólica de 8% vol., é, pois, inquestionável, que o mesmo será enquadrável no código NC 2205.
5.31. As Notas Explicativas da NC da União Europeia (2015/C 076/01, de 04/03/2015), pela qual a Comissão Europeia considera abrangidas pela NC 2205 - Vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas “as bebidas denominadas sangria, à base de vinho, aromatizadas, por exemplo, com limão ou laranja”.
5.32. O Regulamento (UE) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014 (“Regulamento n.º 251/2014”), relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados, define, no artigo 3.º, n.º 3, que bebida aromatizada à base de vinho consiste na bebida:
a) obtida a partir de um ou mais dos produtos vitivinícolas definidos no Anexo VII, parte II do Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17/12/2014,
b) na qual os produtos vitivinícolas referidos na alínea a) representam, pelo menos, 50% do volume total,
c) à qual não foi adicionado álcool,
d) à qual foram eventualmente adicionados corantes,
e) à qual foram eventualmente adicionados mosto de uvas, mosto de uvas parcialmente fermentado ou ambos,
f) que pode ter sido eventualmente edulcorada,
g) com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 4,5% vol. e inferior a 14,5% vol.
5.33. Segundo o referido Regulamento no ponto B da alínea 3) do seu Anexo II, a sangria é a “bebida aromatizada à base de vinho”, (i) obtida a partir de vinho, (ii) aromatizada através da adição de essências ou extratos naturais de citrinos, com ou sem sumo desses frutos, (iii) à qual foram eventualmente adicionadas especiarias ou dióxido de carbono, (iv) que não foi corada, (v) com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 4,5% vol., e inferior a 12% vol., (vi) que pode conter partículas sólidas provenientes da polpa ou da casca de citrinos e cuja cor deve resultar exclusivamente das matérias-primas utilizadas.
5.34. O mesmo Regulamento acrescenta no Anexo II que a designação sangria “só pode ser utilizada como denominação de venda” quando o produto for produzido em Espanha ou Portugal.
5.35. Nos demais Estados-Membros da União Europeia, tal designação apenas poderá ser utilizada como complemento à denominação de venda “bebidas aromatizadas à base de vinho”.
5.36. Estes produtos - sangria - são subsumíveis ao conceito de vinho noutros países da UE, beneficiando Portugal e Espanha de uma permissão especial para a respetiva denominação comercial e que, em rigor, não prejudica a assunção do produto na classe de vinho, antes confirmando tal entendimento da Requerente.
5.37. Na decisão de indeferimento do pedido de reembolso, a EAC referiu que “os produtos aromatizados aplicados no fabrico destas bebidas são dissolvidos ou têm uma base de álcool, pelo que o teor alcoólico não resulta inteiramente de fermentação”, mas depois concluiu que os produtos em apreço não preenchem os critérios substantivos para cabimento no conceito de vinho para efeitos da Diretiva n.º 92/83/CEE.
5.38. Este entendimento não se mostra refletido nos processos próprios de produção das bebidas em apreço.
5.39. O entendimento replicado pela EAC e defendido pela República Francesa de que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados como “vinhos tranquilos ou espumantes”, mas como “outras bebidas fermentadas”, apenas colheria se não fossem devidamente consideradas as características particulares deste produto nos diversos Estados-Membros, com especial enfoque no território nacional e em Espanha, cuja produção pode obedecer a um conjunto de regras e/ou tradições bastante díspares e incomparáveis, tornando qualquer conclusão neste contexto suportada em premissas frágeis porque subjetivas.
5.40. A previsão de um regime especial para a Península Ibérica em termos de denominação comercial conduz a que o processo de produção das bebidas em causa ocorre através da utilização de produtos aromatizados não naturais, dissolvidos ou com base de álcool, i.e., não sendo elaborado a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e posteriormente reforçado com essências naturais de frutas e especiarias sem qualquer teor alcoólico, motivo pelo qual outros Estados-Membros tendem a não qualificar tais produtos como vinho tranquilo - ao contrário do que ocorre com os produtos comercialmente designados por sangria comercializados pela Requerente porquanto resultam de um procedimento elaborativo distinto.
5.41. O entendimento da EAC não pode proceder, visto que os aromas utilizados nos produtos comercializados não contêm teor alcoólico, sendo que o teor alcoólico destes produtos advém exclusivamente do vinho, conforme dispõem as fichas comerciais dos vários produtos, nomeadamente ... Sangria Branco e ... Sangria Tinto.
5.42. Na sua decisão de indeferimento, a EAC refere que o ponto 1, alínea b), do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014 “estipula que a adição das substâncias autorizadas na aromatização das referidas bebidas confere ao produto final características organoléticas diferentes das de um vinho”.
5.43. A alínea b) do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014 não é aplicável aos produtos comercializados em apreço, mas antes a alínea a) do referido Anexo, segundo a qual se consideram autorizados para a aromatização de vinhos aromatizados, designadamente, os seguintes produtos:
a) Ervas aromáticas e/ou especiarias; e
b) As substâncias aromatizantes naturais e/ou as preparações aromatizantes definidas no artigo 3.º, n.º 2, alíneas c) e d), do Regulamento n.º 1334/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/02/2008 (“Regulamento n.º 1334/2008”).
5.44. O artigo 3.º, n.º 2, alínea c), do Regulamento n.º 1334/2008 define substância aromatizante natural como “uma substância aromatizante obtida por processos físicos, enzimáticos ou microbiológicos adequados a partir de materiais crus de origem vegetal, animal ou microbiológica ou transformados para consumo humano por um ou mais dos processos tradicionais de preparação de géneros alimentícios enumerados no anexo II; as substâncias aromatizantes naturais correspondem a substâncias cuia presença é natural e que foram identificadas na natureza”.
5.45. O artigo 3.º, n.º 2, alínea d), do Regulamento n.º 1334/2008 define preparação aromatizante como:
a) Géneros alimentícios, por processos físicos, enzimáticos ou microbiológicos adequados a partir de materiais crus ou transformados para consumo humano por um ou mais dos processos tradicionais de preparação de géneros alimentícios enumerados no anexo II; e/ou
b) Materiais de origem vegetal, animal ou microbiológica, que não sejam géneros alimentícios, por processos físicos, enzimáticos ou microbiológicos adequados, sendo os materiais utilizados como tais ou preparados por um ou mais dos processos tradicionais de preparação de géneros alimentícios enumerados no anexo II.
5.46. Os produtos por si comercializados consistem em vinho adicionado de especiarias e aromatizantes naturais de fruta, pelo que falece totalmente o argumento da EAC de que estes produtos não se qualificam como vinho, por aplicação da alínea b) do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014.
5.47. Acresce que a alínea b) do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014 se diferencia da alínea a) do mesmo preceito na medida em que a “substância aromatizante” a adicionar ao vinho é uma substância química, não natural, não tendo, por conseguinte, aplicabilidade aos produtos em análise.
5.48. O Regulamento (UE) n.º 1308/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17/12/2014 (“Regulamento n.º 1308/2013”), que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas, determina no seu número 1 da Parte II que por “vinho” se entende “o produto obtido exclusivamente por fermentação alcoólica, total ou parcial, de uvas frescas, esmagadas ou não, ou de mostos de uvas”.
5.49. As bebidas alcoólicas em apreço devem ser consideradas como vinho tranquilo para efeitos de IEC.
5.50. O entendimento supra é, aliás, preconizado pela Direção Geral da Fiscalidade e da União Aduaneira – TAXUD, da Comissão Europeia, conforme expresso pela mesma na carta, datada de 28/03/2018, remetida ao Comité Europeu de Empresas Vinícolas em resposta à sua carta datada de 09/06/2017, relativamente ao enquadramento deste produto.
5.51. O entendimento expresso da TAXUD é o de que “o produto comercialmente designado por Sangria consiste em vinho de uvas frescas aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas, devendo qualificar-se como vinho tranquilo e, consequentemente, incluído na NC 2205, sempre que tenha o teor alcoólico constante do n.º 1 art.º 8.º da Directiva 92/83/CEE”.
5.52. Se dúvidas houvesse quanto ao enquadramento das bebidas alcoólicas em apreço ao conceito de vinho tranquilo sempre se diria que deverá prevalecer a interpretação dada pelos responsáveis da área fiscal da Comissão Europeia, que preconizam que as bebidas alcoólicas designadas comercialmente por sangria se qualificam como vinho tranquilo, desde que o teor alcoólico adquirido seja superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol., cujos requisitos se encontram observados no caso concreto.
5.53. O Código dos IEC transpôs, em matéria de IABA, a Diretiva n.º 92/83/CEE, pelo que há que chamar aqui à colação a legislação nacional, com os limites de eventual contradição entre tal legislação nacional e a respetiva génese comunitária.
5.54. O artigo 66.º, n.º 2, do Código dos IEC, prevê que o IABA incide sobre “a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool”.
5.55. Para efeitos de aplicação do IABA, e de acordo com o artigo 66.º, n.º 2, alínea b), do Código dos IEC, classificam-se como vinho tranquilos “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol.”.
5.56. De acordo com o artigo 66.º, n.º 2, alínea d), do Código dos IEC, classificam-se como outras bebidas tranquilas fermentadas “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seta superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol. e ainda os de título alcoométrico superiora 10% vol., mas não a 15% vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação”.
5.57. Na definição de outras bebidas tranquilas fermentadas, prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos IEC, encontram-se expressamente excecionados os vinhos - i.e., as bebidas que se integrem no conceito de vinho tranquilo -, refletindo inequivocamente aquela que era a intenção do legislador europeu de apenas incluir naquele conceito bebidas cujo título alcoométrico adquirido fosse superior a 1,2% vol., e igual ou inferior a 10% vol. mas que não resultasse inteiramente do processo de fermentação.
5.58. O Código dos IEC reflete e transpõe com exatidão o conceito de vinho tranquilo previsto no artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE, na alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º daquele diploma, pelo que a conjugação dos normativos até agora descritos permite confirmar que as bebidas “Sangria” se subsumem no conceito de vinho tranquilo, e que, por conseguinte, qualquer outra conclusão enferma de legalidade.
5.59. O enquadramento da “Sangria” enquanto outra bebida tranquila fermentada terá como impacto inicial claro que nenhuma das bebidas referenciadas pela NC 2205 se venha a qualificar como vinho tranquilo, despindo, assim, de incidência e abrangência a alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos IEC.
5.60. Ao contrário dos vinhos licorosos, nenhum dos produtos adicionados aos produtos em apreciação é fermentado, sendo a fermentação obtida exclusivamente a partir de uvas frescas ou de mosto de uvas, devendo também, por este entendimento, ver-se refutado o respetivo enquadramento enquanto outras bebidas tranquilas fermentadas.
5.61. Ainda no quadro nacional, a AEC socorre-se da classificação entre vinhos comuns e vinhos especiais, constante do Decreto-Lei n.º 35846/46, de 02/09/1946.
5.62. O referido Decreto-Lei qualifica vinhos comuns como “vinhos maduros ou verdes que resultam da fermentação normal do mosto”, incluindo nos vinhos especiais os “vinhos licorosos, os vinhos doces de mesa, os espumantes naturais e espumosos gaseificados”.
5.63. Os produtos designados comercialmente por sangria, por si comercializados, jamais poderão reconduzir-se ao conceito de vinhos especiais, dado que, tal como refere a AEC, estes produtos se caracterizam essencialmente por conterem “álcool ou aguardente adicionados o que inibe a sua classificação enquanto vinhos para efeitos do CIEC”.
5.64. Os produtos designados comercialmente por sangria resultam da fermentação normal do mosto, com a particularidade de, subsequentemente, serem aromatizados com especiarias e aromas naturais de frutos, pelo que dúvidas não existem que deverão classificar-se como vinhos comuns, pelo que, também aqui, improcede a argumentação deduzida pela EAC na sua decisão.
5.65. Da conclusão da EAC, constata-se que esta entidade demonstra um total desconhecimento do processo produtivo das bebidas alcoólicas sangria.
5.66. Tal desconhecimento torna-se claro, com todo o respeito, ao referir que “os produtos aromatizados aplicados no fabrico destas bebidas são dissolvidos ou têm uma base de álcool, pelo que o teor alcoólico não resulta inteiramente de fermentação”.
5.67. Relativamente ao processo produtivo da sangria, todas as frutas com açúcar, exceto o limão, são passíveis de fermentação e, por isso, suscetíveis de produzirem uma bebida alcoólica, das quais se destacam, pela sua maior utilização, o vinho (obtido da uva) e a sidra (obtida da maçã). Porém, o leque de possibilidades para outras bebidas fermentadas é vasto.
5.68. Ainda que alguns produtos (que não os seus) possam beneficiar de um processo de fabrico semelhante, na verdade, existem alguns aspetos particulares do fabrico dos produtos por si comercializados, designadamente para assegurar a clarificação cabal do processo produtivo dos produtos comercialmente designados por “Sangria” para a correta qualificação dos mesmos para efeitos de IABA.
5.69. Considerando o enquadramento jurídico-tributário efetuado, as bebidas alcoólicas subjacentes ao pedido de reembolso, i.e., as bebidas comercialmente designadas por ... Sangria, ... Sangria Branco, ... Sangria Tinto, e ... Tinto c/fruta, (i) se encontram abrangidas pela NC 2205 10 10, (ii) têm uma graduação alcoólica de 8% vol. e foram (iii) elaboradas exclusivamente a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias.
5.70. Atendendo ao processo produtivo do produto comercialmente designado por Sangria, verifica-se que as bebidas descritas consistem na adição de plantas, frutas e/ou substâncias aromáticas a vinho, o qual não sofre qualquer alteração na sua produção. Consistem em vinhos preparados à base de uvas frescas aromatizadas, sendo, por conseguinte, abrangidos pelo conceito de vinho quer pelas definições estipuladas no Regulamento n.º 251/2014, quer pelas previstas no Regulamento n.º 1308/2013.
5.71. A qualificação das bebidas em causa como vinho dá-se por demonstrada pelo que, tendo em consideração a legislação acima e as especificidades técnicas dos produtos, as bebidas alcoólicas comercialmente designadas por sangria devem enquadrar-se no conceito de vinho tranquilo previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos IEC, devendo aplicar-se a taxa de IABA de €0,00, conforme o artigo 72.º, n.º 2, do referido Código.
5.72. O PPA, este foi apresentado dentro do prazo de 90 dias a contar da notificação, ocorrida em 22/02/2019, do Ofício remetido à Requerente pela AEC, nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT conjugado com os artigos 102.º, n.º 1, e 97.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPPT.
5.73. O ato cuja anulação se requer obsta ao reembolso do montante de €53.006,37 de IABA, e, portanto, o mesmo lesa, direta e necessariamente, a Requerente que teve de o suportar ilegalmente.
6. Por outro lado, a Requerida alega que:
6.1. Do PPA apresentado pela Requerente junto do tribunal arbitral resulta o pedido de anulação do ato de indeferimento do pedido de reembolso de IABA, no valor de € 53.006,37, proferido pelo Diretor da Alfândega de ... em 07/02/2019, bem como a substituição daquele ato por outro, em sentido favorável à pretensão de reembolso da Requerente.
6.2. A Requerente alicerça o seu pedido com base “em erro na liquidação decorrente da errónea qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de bebidas alcoólicas”, porquanto, no seu entender, a factualidade em causa não se subsume à previsão constante do artigo 73.º, nº 2, do Código dos IEC, não sendo, assim, devido qualquer montante a título de IABA.
6.3. A apreciação do objeto mediato do pedido pressupõe, assim, a apreciação da legalidade das liquidações de IABA relativas às introduções no consumo de sangria efetuadas no período de 01/01/2017 a 30/06/2018.
6.4. A Requerente presta serviços de comercialização, armazenamento e distribuição de diversos produtos, nomeadamente bebidas alcoólicas sujeitas a IABA, tendo para o efeito obtido o competente estatuto de depositário autorizado e o competente entreposto fiscal de armazenagem de produtos acabados.
6.5. De entre as mercadorias que armazena, recebe e expede no seu entreposto fiscal, em regime de suspensão de imposto, compreendem-se as seguintes bebidas alcoólicas: ... Sangria; ... Sangria Branco; ... Sangria Tinto e ... Tinto com fruta.
6.6. Até 31/12/2016, as referidas bebidas encontravam-se sujeitas a IABA à taxa de 0%.
6.7. A partir de 01/01/2017, com a entrada em vigor da alteração ao n.º 2 do artigo 73.º do Código dos IEC, introduzida pela LOE 2017, tais bebidas passaram a estar sujeitas a IABA à taxa de €10,30/hl e, a partir de 01/01/2018, à taxa de €10,44/hl.
6.8. Consequentemente, as introduções no consumo de sangria efetuadas a partir de 01/01/2017, deram lugar à liquidação e pagamento de imposto sobre o consumo de produtos fiscalmente enquadrados como “Outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes”, conforme resulta da consulta aos registos de liquidação efetuados pela Alfândega de ... e do comprovativo de pagamento do imposto liquidado, constante dos DUCs.
6.9. Por requerimento de 26/10/2018, com entrada na EAC em 31/10, a Requerente dirige ao Diretor daquela alfândega um pedido de reembolso por erro na liquidação de IABA nas introduções no consumo de sangria efetuadas no período de 01/01/2017 a 30/06/2018, no valor total de €53.006,37.
6.10. Através de ofício de 16/01/2019 da EAC, a Requerente foi notificada para exercer, querendo, o direito de audição prévia, face à intenção daquela estância aduaneira de indeferir do pedido de reembolso de IABA, nos termos e com os fundamentos constantes da informação n.º 2018/001/CF, de 14/01/2019.
6.11. Decorrido o prazo de audição prévia, sem que a interessada tenha exercido esse direito, veio a Requerente a ser notificada através do ofício n.º..., de 13/02/2019, da EAC, de ter sido indeferido o pedido de reembolso, por despacho do Diretor da Alfândega de..., de 07/02/2019.
6.12. Em 23/05/2019, a Requerente apresentou o PPA.
6.13. A determinação da incidência objetiva dos impostos especiais de consumo é feita através dos critérios de classificação de mercadorias previstos na NC instituída pelo Regulamento (CEE) n.º 2658/87, de 23/07, e respetivas atualizações e as regras gerais para a interpretação desta Nomenclatura, por remissão expressa do n.º 2 do artigo 5.º do Código dos IEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21/06.
6.14. No âmbito do IABA, o artigo 66.º do Código dos IEC define os produtos sujeitos a imposto nos seguintes termos:
Artigo 66.º Incidência Objectiva
1 - O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool.
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por:
a) «Cerveja» (…);
b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com excepção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol.; c) «Vinho espumante» (…);
d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;
e) «Outras bebidas espumantes fermentadas» (…);
f) «Produtos intermédios» (…);
g) «Álcool etílico» (…);
h) «Álcool etílico diluído» (…);
i) «Destilado etílico» (…);
j) «Álcool etílico parcialmente desnaturado»(…);
l) «Álcool etílico totalmente desnaturado» (…);
m) «Bebidas espirituosas» (…).
3 — São equiparados a bebidas espirituosas previstas na alínea m) do número anterior: a) (…);
b) (…)”.
6.15. No que se refere à taxa a que são tributados tais produtos, os artigos 72.º e 73.º do Código dos IEC, na redação anterior e na redação vigente à data dos factos (no período de 01/01/2017 a 30/06/2018):
Redação anterior
“Artigo 72.º Vinho
1 - A unidade tributável do vinho é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado de vinho tranquilo e espumante.
2 - A taxa do imposto aplicável aos vinhos tranquilos e espumantes é de € 0.
Artigo 73.º
Outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes
1 - A unidade tributável das outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado.
2 - A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é a prevista no nº 2 do artigo anterior.”.
Redação vigente à data dos factos
“Artigo 72.º
Vinho
1 - (…).
2 — A taxa do imposto aplicável aos vinhos tranquilos e espumantes é de € 0.
Artigo 73.º
Outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes
1 — (…).
2 — (Redação dada pelo artigo 211.º, da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro) A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de €
10,30/hl.”
6.16. Quanto à matéria do reembolso dos IEC, esta está exaustivamente regulada no Código dos IEC, com relevo para os artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, de onde resulta que o operador que pretenda solicitar o reembolso com fundamento em erro na liquidação imputável aos serviços aduaneiros, deve apresentar o pedido no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto.
6.17. Ainda nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do Código dos IEC, o reembolso por erro na liquidação inclui o erro material e a errónea qualificação ou quantificação dos factos tributários.
6.18. A Requerente apresenta o seu pedido de reembolso de IABA com base em erro na liquidação decorrente da, alegada, errónea qualificação por parte da AT dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de sangria, no período de 01/01/2017 a 30/06/2018, na medida em que, no entender da Requerente, tal produto corresponde ao “vinho tranquilo” previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos IEC, (produto que é tributado à taxa €0) e não, como entende a AT, às “Outras bebidas tranquilas fermentadas” descritas na alínea d) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos IEC, (as quais são tributadas à taxa de €10,30/hl e, a partir 01/01/2018, de €10,44/hl).
6.19. Atentos os factos descritos e o regime legal aplicável, improcedem os argumentos da Requerente.
6.20. Carece de qualquer fundamento a afirmação da Requerente de que até 31/12/2016, a EAC considerou “pacificamente” e “sem qualquer hesitação” que a sangria era enquadrável no conceito de “vinho tranquilo” e, portanto, sujeita a IABA à taxa de €0,00, tendo mudado de posição a partir de 01/01/2017.
6.21. Em rigor, o produto em questão era, até essa data, objeto de introdução no consumo, entre outras categorias de bebidas, enquanto W300 (vinho tranquilo) na medida em que esta era a única classificação disponível, não se distinguindo as “outras bebidas fermentadas” dos “vinhos”, em razão de a taxa aplicável ser, em comum, de €0,00.
6.22. Este tratamento análogo aplicava-se a todas as “outras bebidas fermentadas”, incluindo as abrangidas pelo código NC 2206 (e.g., sidra), e encontra respaldo no artigo 15.º da Diretiva n.º 92/83/CEE, do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, que determina que as referências ao vinho são igualmente aplicáveis às “outras bebidas fermentadas”.
6.23. Somente a partir de 01/01/2017, por força da entrada em vigor das alterações ao Código dos IEC operadas pela LOE 2017, se tornou premente providenciar pelo correto enquadramento fiscal dos produtos em apreço em sede de IABA, delimitando o âmbito das categorias que abrangem os produtos vitivinícolas, em particular os “Vinhos, tranquilos e espumantes” e as “Outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes”.
6.24. Coube, pois, à AT enquadrar fiscalmente os produtos vitivinícolas aromatizados, como a sangria, entre outros, cujo título alcoométrico adquirido resulta inteiramente da fermentação, e que, basicamente, se encontram abrangidos pelo Regulamento n.º 251/2014. Com efeito, estes produtos estão, por regra, abrangidos pelo código NC 2205 (Vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas) e são suscetíveis de se considerar quer “vinho”, quer “outras bebidas fermentadas” ou “produtos intermédios”.
6.25. Com esse desiderato, e tendo em conta as regras de interpretação de normas constante do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), deve ser empregue o conceito de “vinho” no mesmo sentido que lhe é conferido pelo ramo de Direito aplicável e, caso persista a dúvida, atender-se à substância económica dos factos tributários.
6.26. O entendimento da AT em relação à classificação fiscal da sangria, enquanto produto vitivinícola aromatizado, previsto no Regulamento n.º 251/2014, encontra-se vertido na Informação Vinculativa n.º 13258/2018 e no Ofício Circulado n.º 35.095/2018, sancionados pelos despachos, respetivamente, de 20/03/2018 e 20/12/2018, do Subdiretor-Geral da Área dos IEC.
6.27. Deste modo, improcede “alegada ilicitude da decisão da EAC”, que outra decisão não podia ter tido, considerando a interpretação e entendimento tempestivamente sufragados pela AT.
6.28. Também não tem qualquer validade a tese da Requerente de que o enquadramento feito pela AT dos produtos em apreço em sede de IABA contende com a legislação comunitária, conforme resulta dos artigos 25.º a 59.º do PPA.
6.29. A Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos IEC sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, estabelece o que se entende, para efeitos da sua aplicação, por “vinho tranquilo” e “vinho espumante”, bem como “outras bebidas fermentadas com exceção do vinho ou da cerveja”, nos termos dos artigos 8.º e 12.º.
6.30. Em qualquer destes casos, a Diretiva admite que os produtos abrangidos pelo código NC 2205 possam, de acordo com as características respetivas, ser classificados como “vinho”, “outras bebidas fermentadas” ou “produtos intermédios”.
6.31. De acordo com o artigo 12.º, entende-se por: “Outras bebidas tranquilas fermentadas”, os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artº 8.º, os produtos abrangidos pelo código NC 2206, exceto as outras bebidas espumantes fermentadas definidas no ponto 2 do presente artigo, e qualquer produto abrangido pelo artigo 2.º:
- de teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol mas não a 10% vol;
- de teor alcoólico adquirido superior a 10% vol mas não a 15% vol, desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;”.
6.32. Pelo exposto, a Diretiva n.º 92/83/CEE contempla a possibilidade de bebidas abrangidas pelo código NC 2205, mesmo ou ainda que o álcool contido no produto resulte integralmente de fermentação, possam ser classificadas de “outras bebidas fermentadas”. Bastará, para o efeito, que não sejam consideradas ou enquadradas enquanto “vinho”, nos termos do artigo 8.º.
6.33. Por conseguinte, entende-se que a Diretiva não fixou uma regra precetiva, concedendo aos Estados-membros a faculdade de concretização do conceito em causa, nos termos definidos pelo respetivo ordenamento jurídico.
6.34. Em sede de Direito nacional, coube ao Código dos IEC transpor as normas de incidência objetiva constantes da Diretiva n.º 92/83/CEE, definindo “vinho tranquilo” e “outras bebidas tranquilas fermentadas”, nos termos, respetivamente, das alíneas b) e d) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos IEC:
“b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com excepção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol.;
d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;”.
6.35. Para que sejam classificados “Vinho tranquilo”, os produtos vitivinícolas devem reunir, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) O título alcoométrico adquirido resultar inteiramente de fermentação;
b) Sejam vinho.
6.36. Não subsistem dúvidas que em se tratando de bebidas cujo teor alcoólico que não resulte inteiramente de fermentação, cuja exclusão do conceito de vinho resultará inelutavelmente desse facto, já os produtos sem adição de álcool, como seja a sangria, demandam uma análise e escrutínio mais finos, recorrendo-se ao conceito vigente no ramo de Direito aplicável, conforme dispõe a LGT.
6.37. Contrariamente ao que advoga a Requerente, cfr. artigos 60.º e ss. do PPA, o entendimento adotado nesta matéria pela AT encontra plena adesão com o Direito nacional, conforme o Decreto-Lei n.º 35.846/46, de 2 de setembro, que aprova as Bases do Fomento da Vitivinicultura ou a Portaria n.º 26/2017, de 13 de janeiro, que aplica o Regulamento n.º 1308/2013 que estabelece uma organização comum dos mercados (OCM).
6.38. No plano europeu, o entendimento da AT conforma-se com o referido Regulamento n.º 1308/2013, pelo qual se estabelecem as categorias de produtos vitivinícolas, designadamente o vinho. Salienta-se que o Direito da União Europeia disciplina, em diploma especial e autonomizando-os expressa e formalmente dos vinhos, os produtos vitivinícolas aromatizados abrangidos pelo Regulamento n.º 251/2014.
6.39. No plano internacional, foi acolhida a classificação da Organização Internacional do Vinho (OIV), que estabelece e define as várias categorias de produtos vitivinícolas.
6.40. Em sede de Direito Comparado, é de salientar que, na análise da questão controvertida, foi solicitada a colaboração dos restantes Estados-Membros, questionando as respetivas Administrações sobre a classificação dos produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento n.º 251/2014, cujo título alcoométrico adquirido resulte integralmente de fermentação, concretamente, se as consideram “vinho tranquilo” ou “outras bebidas fermentadas que não vinhos”.
6.41. Das respostas recebidas resulta que uma clara maioria dos Estados-Membros considera que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados, para efeitos da tributação prevista na Diretiva n.º 92/83/CEE, enquanto “vinhos tranquilos ou espumantes”, mas como “outras bebidas fermentadas”, sendo demonstrativa deste entendimento a posição da França: “Je vous confirme que conformemente au règlement nº 251/2014, les produits viticoles aromatisés sont pour nous des boissons obtenues à partir de produits de la vigne définis aus annexes du règlement 1308/2013 (vin, vin mousseux, moût de raisin frais mutés, etc …) mélandés avec les produits autorisé par le règlement 251/2014 (colorants, sucre, etc …). Par conséquent, ces vins aromatisés, ces boissons aromatisés à base de vin et ces cocktails aromatisés de produits vitivinicoles ne sont plus considérés comme des vins tranquilles et vins mousseux mais comme des boissons fermentées autres que lev in et la bière”.
6.42. Quanto às caraterísticas organológicas e dos processos de produção alega a Requerente nos artigos 71.º a 80.º do PPA que a Requerida não teve em consideração o processo produtivo da sangria.
6.43. Todavia, as caraterísticas organológicas e os processos de produção da sangria, foram necessariamente tidos em conta no estudo realizado, como se pode extrair das conclusões e, em particular, da classificação dos produtos vitivinícolas, nos planos nacional, comunitário ou internacional, concedida pelas instâncias competentes.
6.44. Atente-se que, nos termos do Regulamento n.º 251/2014, o conceito de produtos vitivinícolas aromatizados abrange os seguintes produtos, todos eles autonomizáveis:
a) Vinhos aromatizados;
b) Bebidas aromatizadas à base de vinho;
c) Cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas.
6.45. Assim, e nos termos do Anexo II do referido Regulamento, a sangria é uma “bebida aromatizada à base de vinho:
– obtida a partir de vinho,
– aromatizada através da adição de essências ou extractos naturais de citrinos, com ou sem sumo dessas frutas,
– à qual foram eventualmente adicionadas especiarias, – à qual foi eventualmente adicionado dióxido de carbono,
– que não foi corada.
– com título alcoométrico volúmico igual ou superior a 4,5% vol e inferior a 12% vol, e
– que pode conter partículas sólidas provenientes da polpa ou da casca de citrinos e cuja cor deve resultar exclusivamente das matérias-primas utilizadas.
A designação “sangría” ou “sangria” só pode ser utilizada como denominação de venda quando o produto for produzido em Espanha ou em Portugal. Se o produto for produzido noutros Estados-Membros, a designação de “sangría” ou “sangria” só pode ser utilizada em complemento da denominação de venda “bebida aromatizada à base de vinho”, desde que seja acompanhada da menção: “produzido em …”, seguida do nome do Estado-Membro produtor ou de uma região mais restrita”.
6.46. Se dúvidas persistissem quanto ao correto enquadramento da bebida, a Jurisprudência comunitária veio estabelecer critérios de aferição e classificação das bebidas alcoólicas que, no presente caso, a AT se limitou a seguir.
6.47. Em maio de 2009, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) proferiu um acórdão relevante, no processo C-150/08 (Siebrand), salientando o tipo de características e propriedades que devem ser consideradas aquando da decisão sobre a classificação dos produtos relevantes. Fatores como a contribuição para o teor de álcool devem ser considerados relevantes, mas são igualmente relevantes as características organoléticas (gosto, cheiro, aparência).
6.48. Além disso, a forma e a denominação sob a qual os produtos em causa são comercializados, foram consideradas pertinentes, adequando-se ou não às de determinada bebida alcoólica.
6.49. Contrariamente ao alegado pela Requerente, não satisfaz que ao produto em causa não seja aplicável a alínea b) do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014, que estabelece que “a adição das substâncias autorizadas na aromatização das referidas bebidas confere ao produto final características organoléticas diferentes das de um vinho”, mas a alínea a) do mesmo. É determinante que o produto final, destinado a ser consumido, seja ele próprio distinto do vinho, apresentando características organoléticas (gosto, cheiro, aparência) e designação / classificação comerciais distintas e idiossincráticas, como é o caso da sangria.
6.50. Desconhece o âmbito e o contexto que conduziu à emissão da carta da DGTAXUD da Comissão Europeia datada de 28/03/2018, que é referida pela Requerente nos artigos 56.º a 58.º do PPA. Ainda assim, da leitura da mesma apuram-se duas conclusões:
1ª A disposição legal aplicável é o artigo 8.º da Diretiva n.º 92/83/CEE, não sendo de considerar para a definição dos produtos o disposto no Regulamento n.º 251/2014;
2ª A Sangria encontra-se abrangida pelo código NC 2205.
6.51. Se quanto à segunda conclusão não se oferecem dúvidas, aceitando-se a classificação pautal em causa, a primeira conclusão surge desenquadrada e desprovida de fundamentos.
6.52. Efetivamente, tratamos aqui de uma norma inserta numa diretiva comunitária (Diretiva n.º 92/83/CEE) e nos termos do artigo 288.º do TFUE (ex-artigo 249.º do TCE), a diretiva “vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”.
6.53. Para o efeito, coube ao Estado Português transpor a legislação em apreço para a ordem jurídica nacional, constante do Código dos IEC e coube à AT a interpretação da norma controvertida, o que fez, de acordo com as regras de interpretação previstas no artigo 11.º da LGT.
6.54. Para além das reservas formais quanto à intervenção da DGTAXUD da Comissão no caso sub judice, suscitam-se igualmente fortes dúvidas quanto à conformidade desta eventual posição da DGTAXUD da Comissão face à citada jurisprudência do TJUE, proferida no âmbito do processo n.º C-150/08.
6.55. Decorre do exposto, que não procedem os fundamentos da Requerente para atacar os atos em crise no presente PPA, os quais, sendo legais, se devem manter na ordem jurídica.
7. Em 20 e 21/01/2020, a AT e a Requerente, respetivamente, apresentaram as suas alegações escritas, tendo reiterado as posições já assumidas nos articulados.
8. Por força da complexidade do processo, bem como da suspensão processual decorrente da pandemia da Covid 19, o prazo de decisão foi prorrogado por períodos sucessivos de dois meses em 03/02, 02/04 e 01/06/2020.
MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
9. A Requerente presta serviços de comercialização, armazenamento e distribuição de diversos produtos, nomeadamente bebidas alcoólicas sujeitas a IABA.
10. Em virtude da atividade exercida, a Requerente beneficia do estatuto de depositário autorizado e de entreposto fiscal de armazenagem de produtos acabados.
11. As bebidas alcoólicas em apreciação nos presentes autos reportam-se a: ... Sangria; ... Sangria Branco; ... Sangria Tinto e ... Tinto com fruta (“Sangria”).
12. Até 31/12/2016, as “outras bebidas fermentadas” previstas no Código dos IEC estavam sujeitas a IABA à taxa de 0%.
13. No entanto, entre 01/01/2017 e 31/12/2017, o artigo 73.º, n.º 2, passou a prever que “A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de € 10,30/hl.”, alteração introduzida pela LOE 2017.
14. E, por fim, a partir de 01/01/2018: “A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de € 10,44/hl.”.
15. Assim, por requerimento de 26/10/2018, a Requerente pediu o reembolso de IABA, no montante de €53.006,37, relativo ao período entre 01/01/2017 e 30/06/2018, com fundamento em erro da liquidação decorrente de errónea qualificação do facto tributário junto da EAC na Alfândega de ... .
16. O título alcoométrico adquirido pelas sangrias objeto do presente processo resulta inteiramente de fermentação.
A.2. Factos dados como não provados
16.1. Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
16.2. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
16.3. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
16.4. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, bem como a prova testemunhal, consideraram-se provados com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
16.5. Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
DO DIREITO
17. Em causa nos autos está o enquadramento da sangria para efeitos de IABA. A questão a decidir implica determinar se a sangria se reconduz ao conceito de vinho tranquilo a que é aplicável uma taxa 0% nos termos do artigo 72.º, n.º 2, do Código dos IEC ou se, pelo contrário, esta bebida é qualificada como outra bebida tranquila fermentada à qual é aplicável uma taxa de €10,44/hl conforme o artigo 73.º, n.º 2, do mesmo diploma.
18. Nos termos do artigo 66.º, n.º 1, do Código dos IEC que: “O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool”, acrescentando o número 2, com relevância para o caso que: Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por:
(…)
b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com excepção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 18 % vol.;
(…)
d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;
e) «Outras bebidas espumantes fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2206 00 31 e 2206 00 39, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205, com exceção dos vinhos, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 13% vol. e ainda os que, tendo um título alcoométrico superior a 13% vol. mas inferior a 15% vol., resultem inteiramente de fermentação, que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;
(…)”
19. Acrescenta ainda o artigo 72.º do Código dos IEC, que:
“1 - A unidade tributável do vinho é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado de vinho tranquilo e espumante.
2 - A taxa do imposto aplicável aos vinhos tranquilos e espumantes é de € 0.”
20. Ainda, nos termos do artigo 73.º do Código dos IEC:
“1 - A unidade tributável das outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado.
2 - A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de € 10,44/hl.
3 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, a taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, produzidas pelos pequenos produtores e nas pequenas sidrarias, identificados no n.o 2 do artigo 81.º, é a prevista no n.o 2 do artigo anterior”.
21. Atendendo à noção de “Vinho tranquilo”, acima descrita, relevante para a determinação da incidência objetiva do IABA, podemos distinguir os seguintes requisitos:
(1) O produto tem de se encontrar abrangido pelos códigos NC 2204 e 2205;
(2) O título alcoométrico adquirido deve resultar inteiramente de fermentação;
(3) O título alcoométrico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol..
22. Da noção de “Outras bebidas tranquilas fermentadas”, resultam os seguintes elementos:
(1) O produto tem de se encontrar abrangido pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206;
(2) A bebida não se pode qualificar como vinho, cerveja ou outra bebida espumante fermentada;
(3) O título alcoométrico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol.; ou
(4) Se o título alcoométrico for superior a 10% vol., mas não a 15% vol., o álcool contido no produto deve resultar inteiramente de fermentação.
23. Comparando as duas noções é possível identificar casos em que a qualificação enquanto vinho tranquilo ou enquanto outra bebida tranquila fermentada resulta de forma clara da diferença dos elementos decorrentes das noções acima referidas, mas também encontramos situações de aparente sobreposição que exigem um maior esforço interpretativo.
24. Começando pelas situações que se afiguram mais claras:
(1) Nos casos em que o produto se encontra abrangido pelo código NC 2206 a qualificação como vinho não se afigura possível. Em todo o caso, o código NC 2206 não se refere, pelo menos de forma direta, a sangria;
(2) Se o título alcoométrico adquirido for superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol. e o álcool contido no produto não resultar inteiramente de fermentação a qualificação como vinho não é, igualmente, possível.
25. Desta feita, potencialmente, existe uma área de potencial sobreposição entre as duas qualificações e que se refere às situações:
(1) Abrangidas pelos códigos NC 2204 e 2205;
(2) Em que o título alcoométrico seja superior a 1,2% vol. e não superior a 15% vol.; e
(3) Em que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.
26. Destacamos, contudo, que, na opinião deste Tribunal, a lei fornece um critério para determinar a qualificação da bebida nos casos de aparente sobreposição identificados. Com efeito, a lei estabelece no artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC que se a bebida se qualificar como “vinho”, não se pode qualificar como outra bebida tranquila fermentada (“Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos”).
27. Na opinião deste Tribunal o Código dos IEC, ao excecionar o “vinho”, não remete para uma noção comum desta bebida, nem para outra definição resultante de um instrumento jurídico diferente (e.g., o Regulamento (EU) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/02/2014). Isto porque o Código dos IEC fornece a sua própria noção de “vinho tranquilo” e “vinho espumante”.
28. Considera este Tribunal, que o Código dos IEC estabeleceu as características de cada bebida para efeitos de determinação da incidência objetiva. As definições acima (constantes do Código dos IEC) relevam – com efeito – para efeitos da determinação da incidência objetiva do imposto. Ou seja, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), ambos da Constituição da República Portuguesa o conceito de cada uma das bebidas encontra-se abrangido pela reserva relativa de competência legislativa.
29. Considera este Tribunal que ao excecionar os vinhos da noção de outras bebidas tranquilas fermentadas - elemento essencial da incidência do imposto - o legislador estabeleceu um critério interpretativo que deve ser determinável nos termos do mesmo instrumento legislativo (i.e., através da interpretação do Código dos IEC).
30. Ou seja, o Código dos IEC determina que as categorias “vinho tranquilo” e “vinho espumante” são consideradas categorias fundamentais.
31. Por outras palavras, se a bebida puder ser qualificada com vinho já não será qualificada como “outra bebida tranquila fermentada”.
32. O artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC resulta, aliás, da transposição do artigo 12.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE, que determina que são “«Outras bebidas tranquilas fermentadas», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8.º (…)”. Salienta-se, que o artigo 8.º descreve o que se entende por “vinho tranquilo” e “vinho espumante”.
33. A interpretação conforme à Diretiva clarifica que a exceção prevista no artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC para “vinhos”, na verdade se refere ao “vinho tranquilo” e ao “vinho espumante”. Ou seja, confirma-se que na determinação do que se encontra abrangido pelo conceito de “outras bebidas tranquilas fermentadas” não importa confirmar o que é “vinho”, mas “vinho tranquilo” e “vinho espumante”, i.e., conceitos definidos na Diretiva n.º 92/83/CEE e no Código dos IEC.
34. Na verdade, o Regulamento (EU) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/02/2014 refere-se à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados, e não – como a Diretiva n.º 92/83/CEE, de 19/10 - à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas. Ou seja, entende este Tribunal que a definição da norma de incidência deverá decorrer inteiramente do Código dos IEC que transpôs a referida Diretiva.
35. A interpretação acima defendida é igualmente consistente com a apresentada pela TAXUD em carta assinada por Vicente Hurtado Roa de junho de 2017, de onde resulta que: o (1) Regulamento acima identificado não será aplicável relativamente à definição de bebidas alcoólicas sujeitas a impostos especiais de consumo aplicáveis a bebidas alcoólicas; e que (2) a sangria se encontra incluída no Código CN 2205 (cfr. Docs. 9 e 10 juntos à PI).
36. Desta feita, importa confirmar se alguma das características das sangrias em análise no presente processo impedem a sua qualificação como “vinho tranquilo”.
37. Em particular, importa confirmar se o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação, já que tanto a Requerente como a Requerida concordam que a bebida se encontra abrangida pelo Código NC 2205 (o que, em parte, reduz a importância do Acórdão C-150/08 - Siebrand BV).
38. Ora, a este respeito, do testemunho de X…, resultou claro que o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação.
39. Desta feita, considera este Tribunal que as sangrias em análise no presente processo se podem reconduzir à previsão do artigo 66.º, n.º 2, alínea b) (“Vinho tranquilo”), à qual é aplicada uma taxa de €0, nos termos do artigo 72.º do Código dos IEC.
DA DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido anulação do IABA no montante de €53.006,37, relativo ao período compreendido entre 01/01/2017 e 30/06/2018, e, consequentemente, do indeferimento do pedido de reembolso de IABA proferido pelo Senhor Diretor da Alfândega de ..., por despacho sancionado em 07/02/2019 e notificado à Requerente sob o Ofício n.º..., datado de 13/02/2019, sob a epígrafe “Pedido de Reembolso por Erro na Liquidação – Sangria” e, em consequência, condenar a Requerida nas custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €53.006,37, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de julho de 2020.
O Árbitro,
(Leonardo Marques dos Santos)