Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 832/2019-T
Data da decisão: 2020-07-02  IRS  
Valor do pedido: € 38.506,99
Tema: IRS – Não Residente - aplicação da isenção, artigo 81.º n.º 5 alínea a) do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

A -IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

 

Requerente: A... pessoa singular número, ..., com residência na Rua..., ..., ..., ...-... Estoril, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

Em 2019-12-06, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária.

O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 2020-01-27, as partes foram devidamente notificadas, dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral singular, foi regularmente constituído em 2020-02-26, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 2020-06-09, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas ficou dispensada.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

B – PEDIDO       

O Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional (acerto de contas n.º...) em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativo ao ano de 2017, n.º 2018..., que fixou um imposto a pagar de € 38.506,99 (trinta e oito mil quinhentos e seis euros e noventa e nove cêntimos).

 

C – CAUSA DE PEDIR

1.            A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou em síntese, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

2.            O Requerente, está inscrito como residente fiscal, em Portugal, ao abrigo do Regime de Residente não Habitual, desde 2016.

3.            Em 2017, o Requerente celebrou um contrato para a prestação de serviços com a sociedade B..., sediada em Hong Kong.

4.            Da leitura do contrato resulta claro, que o Requerente foi contratado pela Sociedade em virtude da vasta experiência por ele adquirida no setor industrial e comercial, para prestar consultoria no campo da gestão logística, matérias-primas, mercadorias e comercio de frete, tendo sido estipulado que exerceria as suas funções a título de trabalhador independente e de forma não exclusiva.

5.            Resulta ainda do estipulado no contrato no ponto 5, que os serviços levados a cabo pelo Requerente à Sociedade seriam prestados num escritório colocado à sua disposição, localizado em Hong Kong.

6.            O Requerente, auferiu em 2017, em virtude do contrato ora em análise, o montante de €106.000,00 (cento e seis mil, euros), rendimento esse devido e atempadamente declarado, em cumprimento das obrigações fiscais impostas a todos os residentes em Portugal.

7.            Sucede que, ao preencher a sua declaração de rendimentos, o Requerente indicou (em concreto, no Anexo L) o código de atividade 999, correspondente a "rendimentos que resultaram da propriedade intelectual, industrial ou know-how".

8.            De facto, o Requerente tentou submeter a declaração indicando o código 888, que constava da sua inscrição como residente não habitual, porém o sistema não permitiu (e ainda não permite) a indicação desse código.

9.            Assim, optou por submeter a Declaração com a indicação do código que julgou ser o mais adequado à atividade de prestação que levou a cabo, repita-se, a de informações relativas à experiência adquirida no setor industrial e comercial.

10.          Ora, aquando da notificação da sua liquidação de IRS referente ao ano de 2017, muito estranhou o Requerente não lhe ter sido reconhecida uma isenção de imposto ao abrigo do disposto no regime dos residentes não habituais, tendo, ao invés, sido interpelado no sentido de comprovar o exercício de "atividade de alto valor acrescentado".

11.          Ademais, da análise mais atenta à sua Declaração de IRS, numa tentativa de compreender o tratamento dado à mesma pela Autoridade Tributaria, o Requerente constatou que (por mero lapso, compreensível para um contribuinte estrangeiro que apenas recentemente chegou a Portugal), no Anexo J não havia assinalado a quadrícula "Sim" na questão "Dispõe de Estabelecimento Estável ou instalação Fixa".

12.          Assim, procedeu igualmente à correção deste dado através da entrega de uma declaração de substituição, a 4 de Outubro de 2018, julgando que, em conjunto com as clarificações submetidas no contexto das divergências suscitadas pela declaração anterior, a Autoridade Tributaria, procederia à regularização da sua situação contributiva.

13.          Todavia, tal não veio a verificar-se, tendo o Requerente sido notificado da liquidação n.º 2018..., no valor total de €23.686,11.

14.          A 24/01/2019 intentou, portanto, o ora Requerente reclamação graciosa relativa à liquidação de IRS n.º 2018... .

15.          Sustenta o Requerente, o seu direito em beneficiar do método da isenção,  dado que: o rendimento em questão se enquadra na Categoria B de rendimentos; A situação enquadra-se no artigo 81.2, n.2 5, quando refere "rendimentos da categoria B da prestação de informações respeitantes a uma experiencia adquirida no setor industrial, comercial ou cientifico"; e o rendimento pode ser tributado no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação, pois que o ADT Portugal-Hong Kong, na sua alínea a) do número 1 do artigo 14.º, dispõe que os rendimentos obtidos por um residente em Portugal pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras atividade de carácter independente, que disponha, de forma habitual, em Hong Kong, de uma instalação fixa para o exercício das suas atividade, podem ser tributados em Hong Kong quando imputáveis a essa instalação fixa.

16.          Alega o Requerente, que do indeferimento da reclamação graciosa a questão controvertida se prende com a interpretação do n.2 1 do artigo 14.º da CDT Portugal-Hong Kong, relativo às profissões independentes, em particular quanto à existência de uma instalação fixa por parte do ora Requerente.

17.          Pelo que, apenas se podem dar por cumpridos os requisitos de aplicação do artigo 81.º n.º 5 do CIRS e, consequentemente, por aplicado o método de isenção.

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

18.          A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

19.          Sustenta a Requerida, que nos termos no artigo 81.º n.º 5 do CIRS, é notório que a respetiva averiguação, exige a realização cumulativa de três pressupostos: A residência não habitual do autor; subsumirem-se, os rendimentos em crise, à categoria B de IRS; e serem os ditos ganhos auferidos ao abrigo de atividades de elevado valor acrescentado.

20.          Mais sustenta que os dois primeiros requisitos, estão verificados, mas o mesmo não se verifica relativamente à associação dos rendimentos objetados, a atividades de elevado valor acrescentado.

21.          Defende a Requerida, que pese embora lhe tenha sido atribuído ao Requerente o estatuto de residente não habitual, o mesmo não significa que os atos de liquidação e os respetivos rendimentos não possam ser impugnados por não incidirem sobre atividades de elevado valor acrescentado.

22.          Alega, que, do conjunto de atos compreendidos no procedimento tributário, encontrar-se-ia o reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais. Mais sustenta, que o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação.

23.          Que, a exigência de impugnação autónoma do reconhecimento da condição de residente não habitual, não prejudicaria a possibilidade de contestação contenciosa de atos eventualmente nocivos de direitos e interesses legalmente protegidos.

24.          Invoca que, em face, tanto da natureza, anteriormente descrita, do procedimento de reconhecimento da atividade de elevado valor acrescentado, como a da preterição da aludida condição, associada ao Requerente, encontra-se prejudicada a aplicação do método de isenção inscrito no artigo 81°, nº 5 alínea a), do CIRS.

25.          A Requerida continua a sua argumentação, defendendo que os pressupostos insertos na norma do artigo 12º, nº 4 da Convenção, é verdadeiro que o preceito atribui a competência de tributação a Hong Kong, na hipótese de o autor dispor de um estabelecimento estável nesse território.

26.          Mais refere, que o Requerente assevera que, no dito território, ter-lhe-ia sido disponibilizada uma instalação, fixa, através da qual teria desenvolvido a sua atividade.

27.          Ora, neste ponto, os únicos elementos corroborantes das afirmações encetadas pelo Requerente, resumem-se aos dados alinhados no contrato sobredito.

28.          Enuncia o respetivo clausulado, junto aos autos na reclamação graciosa supramencionada, que os serviços prestados pelo Requerente, seriam encetados no escritório da empresa, em Hong Kong.

29.          Justamente, tal como afirma o Requerente, não se afigura obrigatório a disposição de um direito jurídico-formal sobre um determinado espaço.

30.          Ora, perante o grau de imprecisão do conceito de estabelecimento estável, que impulsiona um nível de densificação concreto mais rigoroso, julgamos que a mera exibição do contrato supra referido, afigura-se como meio probatório insuficiente, no sentido da demonstração da existência do estabelecimento estável em crise.

31.          Com efeito, o autor, para além de não exibir os comprovativos de pagamento dos rendimentos em crise, tão pouco, apresentou qualquer documento que permitisse conferir os elementos estruturantes da empresa pagadora dos ganhos controvertidos.

32.          Logo, o Requerente quando confrontado com a qualificação dos seus rendimentos como prestação de serviços, para os efeitos conjugados dos artigos 81º, n.º 5 do Código do IRS e 12.º da Convenção para evitar a dupla tributação (adiante CDT) celebrada entre Portugal e Hong Kong, não cumpriu o seu ónus de prova da qualificação desses mesmos rendimentos como “royalties”.

33.          Assim, pretendendo o Requerente auferir do benefício fiscal consagrado no artigo 81º, n.º 5 do Código do IRS, competia-lhe a ele provar que “podia” ser tributado em Hong Kong, por via da prova da natureza dos rendimentos como “royalties”, o que não logrou fazer, nem em sede graciosa, nem no ppa.

34.          Pugna, que estando em causa rendimentos derivados de uma prestação de serviços, no âmbito de uma atividade de categoria B, sem qualificação de elevado valor acrescentado, não lhe é aplicável o método de isenção.

35.          E termina, reiterando toda a argumentação e conclusões vertidas no procedimento de reclamação graciosa e em consequência pugna pela legalidade da liquidação impugnada.

 

E-            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

36.          Para a análise das questões submetidas à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação, e na prova documental constante dos autos.

37.          O Requerente, está inscrito como residente fiscal em Portugal, ao abrigo do Regime de Residente não Habitual, desde 2016.

38.          Em 1 de Fevereiro de 2017, o Requerente celebrou um contrato para a prestação de serviços com a sociedade B..., pelo período de 6 meses.

39.          Resulta do contrato o seguinte:

i.             As notificações à empresa B..., é feita para B..., c/o ..., ..., ..., Dalian, na República da China.

ii.            Os serviços, deverão ser prestados no escritório da empresa localizado em ..., ..., ..., Hong Kong. Mais refere o contrato que o local é colocado a disposição do consultor/requerente pelo período de duração deste contrato.

iii.           Os serviços prestados, consistem em prestar serviços de aconselhamento e consultoria independente, à empresa e suas afiliadas, da melhor forma que conseguir.

iv.           Serviços no campo de logística, matérias-primas, mercadorias e comercio de frete, bem como conhecimento aprofundo do mercado mundial e peculiaridade do mercado russo e do mercado da CEI.

v.            Serviços de assistência, à empresa na gestão da sua atividade quanto a) aquisição de minérios de manganês de África, principalmente da África do Sul, Zâmbia e Gabão e venda para a Rússia e mercado da CEI; b) aquisição de ferro-ligas na Rússia e venda no mercado asiático; c) aquisição de produtos de aço do mercado asiático e dos países MENA e venda a comerciantes africanos e consumidores finais; d) preparação a logística marítima e terrestre.

40.          O Requerente, auferiu em 2017, o montante de €106.000,00 (cento e seis mil, euros), rendimento esse, devido e atempadamente declarado, em cumprimento das obrigações fiscais imposta a todos os residentes em Portugal.

41.          O Requerente, indicou sua declaração de rendimentos (em concreto, no Anexo L) o código de atividade 999, correspondente a "rendimentos que resultaram da propriedade intelectual, industrial ou know-how", e não assinalou no Anexo J, a quadrícula "Sim" na questão "Dispõe de Estabelecimento Estável ou instalação Fixa".

42.          O Requerente, tentou submeter a declaração indicando o código 888, que constava da sua inscrição, como residente não habitual, porém o sistema não permitiu a indicação desse código.

43.          O Requerente, foi notificado da sua liquidação de IRS referente ao ano de 2017, na qual lhe foi reconhecida a isenção de imposto, ao abrigo do disposto, no regime dos residentes não habituais.

44.          Em, 4 de Outubro de 2018, o Requerente, submeteu uma declaração de substituição, no contexto das divergências suscitadas.

45.          O Requerente, foi posteriormente notificado da liquidação n.º 2018..., no valor de € 38.506,99 (trinta e oito mil quinhentos e seis euros e noventa e nove cêntimos)

46.          A 24/01/2019, o Requerente, intentou reclamação graciosa, seguida de recurso hierárquico, ambos indeferidos.

 

F-            FACTOS NÃO PROVADOS

47.          Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos submetidos a análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

G-           QUESTÕES DECIDENDAS

48.          Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir, as seguintes:

A)           A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional (acerto de contas n.º...) em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativo ao ano de 2017, n.º 2018..., que fixou um imposto a pagar de € 38.506,99 (trinta e oito mil quinhentos e seis euros e noventa e nove cêntimos).

B)           Indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

I              MATÉRIA DE DIREITO

49.          A questão central a decidir, consiste em saber se os rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2017, em Hong-Kong, decorrentes do contrato de prestação de serviços, preenche os requisitos legais obrigatórios, para a aplicação do método da isenção previsto no artigo 81.º n.º 5 alínea a) do CIRS.

50.          Assim, prevê o art.º 81.º n.º 5 alínea a) do CIRS, o seguinte:

5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado;

51.          Conforme refere o disposto no número 5 e alínea a), para o que aqui interessa, é obrigatório a obtenção, no estrangeiro, de rendimentos da categoria B, e a não, exigência de sujeição dos rendimentos a imposto, bastando que possam ser tributados no país contratante.

52.          Continuando a analise do artigo 81.º n. 5 alínea a), designadamente a terminologia de “possam ser tributados” bem diferente de “dever ser tributados”, não impõe ao sujeito passivo a efetiva sujeição a imposto no estrangeiro,  bastando-lhe demonstrar que os rendimentos são sujeitos a tributação, no outro Estado, no Estado de origem.

53.          Este é, também, o entendimento da jurisprudência proferida pelo CAAD, conforme se pode ler no Processo 609/2016-T :“Ou seja e em primeiro lugar, resulta evidente que tal norma não impõe, ao contrário daquela que é a posição da AT nesta matéria, reproduzida nos presentes autos, a efetiva sujeição a imposto no estrangeiro. Basta, para tal, que os rendimentos possam ser tributados no país de origem. Efetivamente, nos termos desse n.º 4, para que a isenção possa ocorrer, será necessário cumprir com um ónus probatório agravado, exigindo-se a prova efetiva da tributação no estrangeiro, designadamente que os rendimentos em causa: (…)Daí que se tenha considerado que a questão do efetivo pagamento do imposto não é a que verdadeiramente importa esclarecer nestes autos, sendo nessa medida inócua a junção por parte do Requerente dos eventuais comprovativos do pagamento do imposto no Brasil. Na realidade, importa, única e exclusivamente, perceber se os rendimentos inscritos no Campo 411 da primitiva declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente se enquadram no âmbito da isenção que resulta da aplicação dos artigos 81.º, n.º 5, do Código do IRS e 10.º e 11.º do ADT Portugal-Brasil, provando-se a sua natureza, quantificação e potencial sujeição a imposto no país de origem.”

54.          Atento ao exposto, para o enquadramento no âmbito da isenção, que resulta da aplicação do artigo  81.º n.º 5 alínea a) do CIRS, torna-se necessário o cumprimento dos seguintes requisitos: a) residentes não habituais; b) rendimentos de Categoria B auferidos na prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico; c) exista uma convenção de dupla tributação; d) possam ser tributados no outro Estado contratante.

55.          Quanto aos requisitos a) residentes não habituais, e c) exista uma convenção de dupla tributação, encontram-se preenchidos, no presente caso.

56.          Quanto ao requisito b) rendimentos de Cat. B auferidos na prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, pese embora para a questão dos rendimentos auferidos, seja considerado proeminente, fazer a distinção entre contrato de “Know-How” ou de prestação de serviços, para o presente caso, essa distinção não se torna, necessária, uma vez que ambos produzem rendimentos que se enquadram na Categoria B, pelo que, para efeitos do seu enquadramento no disposto no artigo 81.º n. 5 e na CDT, ambos estariam abrangidos, conforme ao estipulado no art. 3.º nº 1 do CIRS.

57.          Nos termos do artigo 3 n.º1 do CIRS:1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior; c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.

58.          Por conseguinte, a única distinção de relevo, subsume-se, em saber se os rendimentos em questão são provenientes, do setor industrial, comercial ou científico.

59.          Sucede, que o Requerente demonstrou que os rendimentos em questão, são provenientes, do setor industrial, comercial ou científico.

60.          Deste modo, encontram-se preenchidos os requisitos elencados a) a c), previstos no artigo 81.º n. 5 do CIRS e na CDT.

61.          Passemos ao requisito d) possam ser tributados no outro Estado contratante, analisando  o Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong Da República Popular Da China, celebrado para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, (doravante designada de ADT) aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2012, e em concreto apurar se os rendimentos, aqui em apreciação, podem ser tributados no estado Contratante, i.e. em Hong-Kong.

62.          Assim, nos termos do artigo 14.º n.º 1 alínea a) do ADT: “Os rendimentos obtidos por um residente de uma Parte Contratante pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras actividades de carácter independente só podem ser tributados nessa Parte, excepto numa das circunstâncias a seguir indicadas, caso em que tais rendimentos podem ser igualmente tributados na outra Parte Contratante: a) Se esse residente dispuser, de forma habitual, na outra Parte Contratante, de uma instalação fixa para o exercício das suas actividades; neste caso, podem ser tributados nessa outra Parte Contratante unicamente os rendimentos que forem imputáveis a essa instalação fixa;”

63.          Da conjugação das normas supra citadas, para o requerente poder aplicar o método da isenção, descrito na alínea d) é absolutamente necessário que possua instalação, fixa, habitual, para o exercício das suas atividades, sem a qual não preenche o requisito.

64.          Para tanto, cabe ao Requerente demonstrar que dispõe de uma instalação fixa, habitual, em Hong-Kong, para o exercício das suas atividades.

65.          Sobre o ónus da prova, resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."

66.          Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de Maio de 2015), bem como o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11.

67.          No que diz respeito, ao conceito de instalação fixa, releva o disposto no artigo 5.º da ADT, sobre o conceito de «estabelecimento estável» , ou seja, uma instalação fixa através da qual a empresa exerce toda ou parte da sua atividade, compreendendo: a) Um local de direção; b) Uma sucursal; c) Um escritório; d) Uma fábrica; e) Uma oficina; e f) Uma mina, um poço de petróleo ou gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais.

68.          Os comentários ao MCODE, mormente o correspondente ao artigo 5°, são elucidativos acerca deste conceito:

" Uma vez que a instalação deve ser fixa, daí resulta igualmente que só se considera existir um estabelecimento estável se a instalação tiver um certo grau de permanência, isto é, se não tiver um carácter puramente temporário." (Cfr. § 6. dos Comentários da MCODE).

 "Uma instalação fixa pode constituir um estabelecimento estável mesmo que tenha existido de facto apenas por um período de tempo muito curto, dada a natureza específica das atividades da empresa, que só podem ser exercidas durante um breve espaço de tempo. Por vezes toma-se difícil determinar se é esse o caso."

69.          Retomando os autos, o Requerente alega que exerce os seus serviços numa instalação fixa, designadamente no escritório da empresa localizado em ..., ..., Hong Kong;

70.          e para o demonstrar, juntou aos autos o contrato de prestação de serviços, do qual resulta no ponto 5 o seguinte:

 “ii.         Os serviços deverão ser prestados no escritório da empresa localizado em ..., ..., ......, Hong Kong.

 Mais refere o contrato que o local é colocado à disposição do consultor/requerente pelo período de duração deste contrato.”.

71.          Sucede que, nos termos do disposto no artigo 5.º da ADT, o contrato de prestação de serviços, é insuficiente para demonstrar que o Requerente dispõe para o exercício da sua atividade de uma instalação fixa em Hong Kong, e é insuficiente para demonstrar que os rendimentos são imputáveis a essa instalação fixa, conforme é exigido pelo artigo 14 n. 1.º alínea a), segunda parte “neste caso, podem ser tributados nessa outra Parte Contratante unicamente os rendimentos que forem imputáveis a essa instalação fixa” .

72.          Ora, cabendo ao Requerente o ónus da prova dos factos por si invocados, a mera indicação de uma morada num contrato de prestação de serviços, é insuficiente para demonstrar que dispõe, de forma habitual, na outra Parte Contratante, de uma instalação fixa para o exercício das suas atividades;

73.          Alem do mais, o Requerente não demonstrou ter exercido atividade, a partir dessa instalação.

74.          Também não é possível determinar se o local indicado pelo Requerente, pertence à sociedade B..., e se a mesma preenche os requisitos para ser considerado um estabelecimento estável, e se esse espaço corresponde a um escritório nos termos do artigo 5.º da ADT.

Do anteriormente exposto, se conclui que o Requerente não cumpriu em conformidade com o  artigo 14.º  n.º 1 alínea a) do ADT, e art.º  81.º n.º 5 alínea a) do CIRS, ao não demonstrar nos autos, que dispõe, de forma habitual, na outra Parte Contratante, de uma instalação fixa para o exercício da sua atividade, e que os rendimentos podem ser tributados nessa outra Parte Contratante, consequentemente não lhe é aplicável o método de isenção.

75.          Termos em que, decide o presente Tribunal em improceder o pedido do Requerente, sendo o ato de liquidação aqui em apreço, legal.

76.          Nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, o Tribunal Arbitral não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados na petição inicial pelo Requerente, nem, na resposta efetuada pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já dada e que se traduz na legalidade da liquidação.

DA INDEMNIZAÇÃO PELOS CUSTOS INCORRIDOS COM A PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA SUSPENDER O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

77.          Peticiona ainda o Requerente uma indemnização pelos custos incorridos com a prestação de garantia, para sustar o processo de execução fiscal, nos termos do artº 53º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, com o intuito de suspender o processo de execução fiscal relativo à cobrança das dívidas fiscais, a que se refere a presente pronúncia arbitral.

78.          Atenta a improcedência do pedido principal, decide-se pela improcedência do pedido de indemnização pelos custos incorridos com a prestação de garantia para sustar o processo de execução fiscal,

 

DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

a.            Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativo ao ano de 2017, n.º 2018..., que fixou um imposto a pagar de € 38.506,99 (trinta e oito mil quinhentos e seis euros e noventa e nove cêntimos).

b.            Julgar improcedente o pedido de indemnização pelos custos incorridos com a prestação de garantia para sustar o processo de execução fiscal.

 

Fixa-se o valor do processo em € 38.506,99 (trinta e oito mil quinhentos e seis euros e noventa e nove cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.º s 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique.

Lisboa, 2 de Julho de 2020

 

A Árbitra

Rita Guerra Alves